Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
424262/09.3YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: INJUNÇÃO
OPOSIÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.467, 474, 476 CPC, 7 E 13 RCP, DL Nº 269/98 DE 1/9, DL Nº 34/2008 DE 26/2
Sumário: 1. Deduzida oposição ao requerimento de injunção, tendo-se procedido à distribuição nos termos do n.º 1 do art. 16.º do respectivo procedimento, aprovado pelo DL 269/98 de 1/09, a omissão de pagamento da taxa de justiça por parte do autor, prevista no n.º 4 do art. 7.º do RCP, rege-se pelas normas do Código de Processo Civil, face à remissão do citado n.º 4 do art. 7.º do RCP, para os “termos gerais do presente Regulamento”, definidos no n.º 1 do seu art. 13.º, que, por sua vez, nesta matéria remete expressamente para o CPC.

2. Os n.º 3 e 4 do art. 7.º do RCP reportam-se a momentos processuais diferentes: o n.º 3 refere-se à taxa de justiça devida pela apresentação de requerimento de injunção, referindo-se o n.º 4 ao pagamento de taxa de justiça posterior à remessa dos autos à distribuição, na sequência da oposição deduzida ou da notificação frustrada.

3. A preclusão processual prevista no art. 20.º do regime do procedimento de injunção (aprovado pelo DL 269/98 de 1/09), não é aplicável à omissão da taxa de justiça prevista no n.º 4 do art. 7.º do RCP, e, consequentemente, à omissão do pagamento da taxa de justiça na fase posterior à distribuição efectuada nos termos do n.º 1 do art. 16.º do referido procedimento.

4. À omissão do pagamento da taxa de justiça e ao seu pagamento atempado com comunicação tardia ao tribunal, terão que corresponder diferentes consequências, não sendo a segunda situação descrita susceptível de justificar a preclusão processual fundada em incumprimento de obrigação tributária.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
Em 16 de Dezembro de 2009, C (…), S.A., apresentou no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra U (…), A.C.E., pedindo que esta seja notificada para pagar-lhe a quantia de € 20.981,73, sendo € 19.710,50, a título de capital, e € 1.194,73 a título de juros de mora.
Efectuada a notificação do requerimento de injunção à requerida, esta ofereceu oposição, tendo sido os autos remetidos à distribuição, em conformidade com a pretensão da requerente formulada no requerimento de injunção, ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
Por carta expedida em 1.04.20110, foram as partes notificadas do envio do processo à secretaria de Tribunal Judicial de Leiria para distribuição, e da posterior publicação do resultado dessa distribuição, no sítio da Internet com o endereço http://www.citius.mj.pt, bem como do prazo de 10 dias, a contar da data da distribuição, para efectuar o pagamento, por autoliquidação, da taxa de justiça devida.
Através de requerimento de 21.04.2010 (fls. 19), veio a requerente comprovar o pagamento da taxa de justiça, efectuado por autoliquidação em 13.04.2010 (DUC junto aos autos a fls. 20 e recibo junto a fls. 21).
Através do requerimento de fls. 25, veio a requerida alegar que a as partes foram notificadas do envio do processo para distribuição, em 1.04.2010, tendo a mesma ocorrido em 9.04.2010, pelo que, na data de apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça por parte da requerente (21.04.2010), já tinha decorrido o prazo de 10 dias.
Com estes fundamentos, requereu o desentranhamento do requerimento de injunção, ao abrigo do disposto no artigo 20.º do DL 269/98, de 01/09, na redacção dada pelo DL 34/2008, de 26/02.
Foi proferido em 29.12.2010, o despacho junto aos autos a fls. 35 e 36, no qual se decidiu:
«Pelo exposto, por falta de oportuna junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, determino o desentranhamento do requerimento de injunção, nos termos do disposto no art. 20º do Regime aprovado pelo DL 269/98, de 01/9, red. do DL 34/2008, de 26/02, com a consequente extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide - art. 287º, e) do CPC.»
Não se conformando, a requerente interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, onde formula as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do despacho proferido nestes autos pelo tribunal a quo que, em resumo, vem determinar o desentranhamento do requerimento de injunção apresentado pela Autora, ora Apelante, por alegada falta de oportuna junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

2. Uma decisão que peca primeiramente por imprecisão quanto à matéria de facto, e também quanto à subsunção do direito aplicável.

3. Quanto à matéria de facto, a Apelante pretende que fique claro que está comprovado nos autos que o pagamento da taxa de justiça ocorreu no dia 13/04/2010, apenas 4 dias após a distribuição do processo, que ocorreu a 09/04/2010.

4. Não estando então em causa o facto de o pagamento ter ocorrido fora de prazo, mas somente o facto de a junção do documento comprovativo do referido pagamento ter ocorrido para além do prazo estipulado, a 21/04/2010 (2 dias após o termo desse prazo, portanto).

5. Quanto à matéria de direito, há que considerar que, nos processos de injunção, com a oposição do requerido, e a necessária e subsequente sujeição do procedimento de injunção à distribuição, a providência em apreço se transmuta em acção declarativa de condenação, com processo especial ou comum, passando já a uma fase jurisdicional.

6. Essa transmutação do processo numa acção declarativa implica necessariamente que se apliquem em toda a plenitude as regras processuais previstas no Código de Processo Civil.

7. Acresce que: i) o prazo previsto no n.º 4 do artigo 7.º do R.C.P. é um prazo para pagamento; ii) enquanto que o momento ao qual o artigo 20.º do Regime aprovado pelo D.L. n.º 269/98 atribui relevância é o da junção do documento comprovativo do pagamento. Não sendo estes momentos idênticos.

8. De facto, o acto de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça tem que ser interpretado enquanto acto processual que é, sendo-lhe aplicável as regras processuais civis na sua plenitude, nomeadamente o artigo 150.º-A do C.P.C. e demais disposições legais relevantes.

9. Pelo que prazo para a junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, apesar de ser coincidente com o prazo previsto no n.º 4 do artigo 7.º do R.C.P., não é esse mesmo prazo, mas outro prazo que corre em paralelo.

10. Sendo-lhe aplicável o previsto no artigo 145.º do C.P.C.

11. Pelo que deveria ter a Autora sido notificada, nos termos do n.º 6 do artigo 145.º do C.P.C., para proceder ao pagamento da multa aplicável, acrescida da penalização aí prevista.

Caso assim não se considere:

12. O âmbito de aplicação do artigo 20.º do Regime do D.L. n.º 269/98 cinge-se ao procedimento de injunção, ou seja, não se reporta à acção declarativa de condenação em que aquele procedimento se haja transmutado.

13. Ou seja, o imediato desentranhamento do requerimento de injunção é apenas de ordenar quando da não junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça a que alude o n.º 3 do artigo 7.º do R.C.P.

14. Já relativamente à não junção pelo autor do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça a que alude o n.º 4 do artigo 7º do R.C.P., previamente à prolação de despacho a determinar o desentranhamento da petição inicial transmutada, impõe-se a notificação do autor para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com o acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UCs.

15. O entendimento referido em 14. é aquele melhor alinha com a filosofia introduzida pelo legislador nos sistemas processual e tributário-judicial a partir das Reformas de 1995-1996, no sentido da outorga às partes de diversas possibilidades de cumprimento de obrigações processuais, filosofia de resto mais consentânea com o princípio do acesso ao direito.

16. Do mesmo modo, o entendimento referido em 14. é aquele que mais de acordo está com o principio da igualdade das partes vertido no artigo 3º-A do C.P.C., sendo de resto pouco ou nada compreensível que, caso o Réu não proceda e comprove o pagamento da taxa de justiça a que alude o n.º 4 do artigo 7.º, do R.C.P., disponha das prerrogativas previstas no artigo 486º-A do C.P.C. e, já o autor, e apesar de ter já pago a taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de injunção ( a do n.º 3 do artigo 7º do R.C.P.), nenhuma e nova oportunidade de pagamento lhe seja conferida.

17. Ou seja, no caso sub judice, e caso não se tenha em conta o já exposto em 11., deverá pelo menos considerar-se que a M.ma Juiz a quo deveria ter ordenado a notificação da Autora, ora Apelante, para em 10 dias fazer o pagamento do acréscimo de multa a que alude o n.º 3 do artigo 486.º-A do C.P.C.

Nestes termos deve ser dado provimento ao presente recurso de apelação e ser revogada a decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que determine a notificação da Autora para, nos termos do n.º 6 do artigo 145.º do C.P.C., proceder ao pagamento da multa aplicável, acrescida da penalização aí prevista.

Caso assim não se considere, deverá pelo menos a decisão apelada ser revogada e substituída por outra que determine a notificação da Autora para, em 10 dias, fazer o pagamento do acréscimo de multa a que alude o n.º 3 do artigo 486.º-A do C.P.C.
Não foram apresentadas contra-alegações.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações ((artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se é aplicável no caso sub judice a cominação prevista no artigo 20.º do DL 269/98, de 01/09, na redacção dada pelo DL 34/2008, de 26/02.

2. Fundamentos de facto
Está provada a seguinte factualidade relevante:
1) Por carta emitida em 1.04.2010, as partes foram notificadas do envio do procedimento de injunção, ao Tribunal Judicial de Leiria, para distribuição.
2) A distribuição ocorreu em 9.04.2010,
3) Através de requerimento de 21.04.2010 (fls. 19), veio a requerente comprovar o pagamento da taxa de justiça, efectuado por autoliquidação em 13.04.2010 (DUC junto aos autos a fls. 20 e recibo junto a fls. 21).

3. Fundamentos de direito
3.1. Preclusão processual decorrente da omissão de pagamento da taxa de justiça. Regime e breve resenha histórica.
Dispõe o n.º 4 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro: «Nos processos de injunção, se o procedimento seguir como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no número anterior.»
Prescreve o artigo 20.º do Regime dos Procedimentos Destinados a Exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos de Valor não Superior a € 15 000 (Injunção), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro[1]: «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, é desentranhada a respectiva peça processual.»
Como se constata do acervo factual provado, a requerente do procedimento de injunção procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida dentro do prazo legal de 10 dias (pagou em 13.04.2010, 4 dias após a distribuição), tendo comprovado esse pagamento já depois de decorrido o referido prazo (em 21.04.2010).
Justificará este atraso na comunicação (que não no pagamento), sanção tão severa?
Vejamos.
Seguindo de perto a síntese dos sucessivos regimes de preclusão processual decorrente do incumprimento de deveres de ordem tributária, consignada na decisão sumária desta Relação, de 17.05.2011[2], constatamos que o legislador definiu no n.º 1 do artigo 14º, do Decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma orientação geral no sentido da revogação das normas de natureza preclusiva, em harmonia com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, que emergia como referência fundamental nesta reforma processual: «Consideram-se revogadas todas as disposições relativas a custas que estabeleçam preclusões de natureza processual como consequência do não pagamento atempado de quaisquer preparos ou custas, salvo o disposto quanto aos efeitos da não efectivação do preparo para despesas».
As preclusões revogadas foram substituídas por uma multa (artigo 14º, nº 2, do decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), vindo mais tarde o Decreto-lei n.º 180/96, de 25 de Setembro de 1996 a modificar o citado artigo 14º do decreto-lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, prevendo a suspensão do processo como consequência da falta de pagamento de preparo inicial (artigo 14º, nº 3, do DL 329-A/95, de 12/12, na redacção introduzida pelo artigo 4.º, do DL 180/96, de 25/9).
Com o DL 183/2000, de 10 de Agosto, o legislador alterou a orientação definida no DL 329-A/95, de 12/12, introduzindo no CPC, as disposições constantes do art. 467, n.º 3 a 5 (hoje, n.º 3, 5 e 6, por força do DL 303/2007).
Dispõem os n.º 3, 5.º e 6.º, do artigo 467.º do CPC:

«[…] 3 - O autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo. […]

5. Sendo requerida a citação nos termos do artigo 478º, faltando, à data da apresentação da petição em juízo, menos de cinco dias para o termo do prazo de caducidade ou ocorrendo outra razão de urgência, deve o autor apresentar documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido.

6 - No caso previsto no número anterior, o autor deve efectuar o pagamento da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão definitiva que indefira o pedido de apoio judiciário, sob pena de desentranhamento da petição inicial apresentada, salvo se o indeferimento do pedido de apoio judiciário só for notificado depois de efectuada a citação do réu. […]»
O citado DL 183/2000[3] alterou também a redacção da alínea f) do artigo 474.º do CPC, onde passou a constar: «A secretaria recusa o recebimento da petição inicial indicando por escrito o fundamento da rejeição, quando ocorrer algum dos seguintes factos: (…) f) Não tenha sido comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário, excepto no caso previsto no n.º 5 do artigo 467.º»[4]
Ainda o mesmo diploma legal (DL 183/2000), conferiu nova redacção ao artigo 476.º do CPC, facultando ao autor um prazo de dez dias para, no caso de omissão, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça: «O autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo.»
Mais tarde, através do DL 324/2003, de 27/12, foram introduzidas as novas disposições dos arts. 486.º-A (taxa de justiça inicial devida pelo réu), 5l2.º-B (hoje revogado - taxa de justiça subsequente) e 690.º-B (correspondente hoje ao art. 685.º-D - taxa de justiça, inicial ou subsequente, em recurso).
Sendo o acto processual praticado através de meio electrónico (art. 150.º/1 CPC), a prova do pagamento da taxa de justiça é regulada pelo regime previsto na Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro.
Prevê o n.º 1 do artigo 8.º da referida Portaria, que o prévio pagamento da taxa de justiça é comprovado através da apresentação, por transmissão electrónica de dados, do documento comprovativo, estabelecendo o n.º 3 a seguinte consequência do incumprimento: «Quando a apresentação prevista nos números anteriores não for possível, em virtude do disposto no n.º 2 do artigo 10.º[5], o envio dos documentos comprovativos deve ser efectuado nos termos previstos nos n.º 3 e 4 do artigo 10.º, sob pena de desentranhamento da petição apresentada ou da aplicação das cominações previstas nos artigos 486.º-A, 512.º-B e 685.º-D, todos do Código de Processo Civil.»
No n.º 4 do artigo 10.º da citada Portaria, prevê-se o prazo de cinco dias para a apresentação do documento, após a entrega da peça processual.
3.2. Regime concretamente aplicável
Na sentença recorrida, depois de citar o n.º 4 do artigo 7.º do RCP, onde se determina que nos processos de injunção que prosseguem como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, a M.ª Juíza acciona de imediato a sanção prevista no artigo 20.º do Regime dos Procedimentos Destinados a Exigir o Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos (Injunção), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro[6], em que se estipula: «Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, é desentranhada a respectiva peça processual.»
Mas será de aplicar in casu o regime específico previsto para o procedimento de injunção, ou se teremos que recorrer ao regime geral do processo civil (por o procedimento já ter outra forma, outra tramitação, e outra sede processual)?
Vejamos.
Dispõe o n.º 3 do artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais[7]: «A taxa de justiça devida pelos incidentes e procedimentos cautelares, pela apresentação de requerimento de injunção, pelos procedimentos anómalos e pelas execuções é determinada de acordo com a tabela ii, que faz parte integrante do presente Regulamento.»
Dispõe, por seu turno, o n.º 4 do citado diploma legal: «Nos processos de injunção, se o procedimento seguir como acção, é devido o pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição, nos termos gerais do presente Regulamento, descontando-se, no caso do autor, o valor pago nos termos do disposto no número anterior.»
Revela-se fulcral na interpretação dos normativos transcritos, a questão de saber para que diploma remete o n.º 4 do art. 7.º do RCP, quando se refere aos “termos gerais do presente Regulamento”.
Tal remissão afigura-se claramente dirigida ao n.º 1 do artigo 13.º do RCP, onde “em termos gerais” se remete para o Código de Processo Civil, no que respeita à definição das regras do pagamento da taxa de justiça: «A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respectivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contra-ordenacionais, administrativos e fiscais.».
É este o entendimento perfilhado na decisão desta Relação, referenciada na nota 2 (Processo n.º 301402/10.0YIPRT.C1).
No Código de Processo Civil, a matéria em apreço vem regulada, “em termos gerais”, no que se refere à petição inicial, nos artigos 467.º, nºs 3 a 6, 474.º e 476.º, já citados.
Em suma, os n.º 3 e 4 do artigo 7.º do RCP reportam-se a momentos processuais diferentes: i) o n.º 3 refere-se à taxa de justiça devida “pela apresentação de requerimento de injunção” (fase anterior àquela em que se ocorreu a omissão da autora); ii) o n.º 4 refere-se ao “pagamento de taxa de justiça pelo autor e pelo réu, no prazo de 10 dias a contar da data da distribuição”, ou seja, à fase posterior à remessa dos autos à distribuição, na sequência da oposição (ou da frustração da notificação do requerido), nos termos do n.º 1 do artigo 16.º do procedimento de injunção - aprovado pelo DL 269/98 de 1/9.
Na situação a que se reportam os autos, o processo havia já sido remetido à distribuição, pelo que a taxa de justiça em causa é aquela a que se refere o n.º 4 do art. 7.º do RCP, sendo aplicável à sua omissão, como já se referiu, o regime geral previsto no Código de Processo Civil, ex vi ars. 7.º/4 e 13.º/1 do RCP.
Decorre de todo o exposto que a falta do pagamento da taxa de justiça em causa, devida pela autora, se rege especificamente pelo disposto nos já citados artigos 467.º, nºs 3 a 6, 474.º e 476.º do Código de Processo Civil.
É este o entendimento que mais apoios colhe na jurisprudência, destacando-se os seguintes arestos: decisão desta Relação, referenciada na nota 2 (Processo n.º 301402/10.0YIPRT.C1); acórdão da Relação de Lisboa, de 30.11.2010[8]; e acórdão da Relação de Lisboa, de 28.10.2010[9].
Acresce a seguinte consideração relevante: não ocorreu a intempestividade no pagamento da taxa de justiça.
Com efeito, está provado que a distribuição ocorreu em 9.04.2010, e que através de requerimento de 21.04.2010 (fls. 19), a requerente veio comprovar o pagamento da taxa de justiça, efectuado por autoliquidação em 13.04.2010 (ou seja, 4 dias após o início do prazo).
Em suma, não se vislumbra in casu qualquer incumprimento de obrigação tributária que justifique a preclusão processual, mas apenas incumprimento do dever de atempada comunicação do pagamento devido.
A autora pagou a taxa de justiça em tempo, tendo procedido à comunicação tardia desse facto[10] (quando já era decorrido o prazo de dez dias), não se verificando a necessidade da sua notificação para no mesmo prazo efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa – solução preconizada no acórdão da Relação de Lisboa de 30.11.2010 (cujo sumário se transcreveu na nota 8).
Decorre de todo o exposto, salvo o devido respeito, a manifesta procedência do recurso, devendo em consequência ser revogada a decisão recorrida.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual se concede provimento, revogando o despacho recorrido e determinando o prosseguimento dos autos, salvo se outra questão se suscitar.
Custas do recurso pela Apelada.
                                                         *


Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] Na redacção pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 181/2008, de 28-08, que altera o início de vigência para 1 de Janeiro de 2009, e pela Lei nº 64-A/2008, de 31 12, que altera o início de vigência para 20 de Abril de 2009. O procedimento em apreço é aplicável à pretensão da autora, apesar desta ultrapassar o valor de € 15.000,00, por expressa força do disposto no n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 32/2003, de 17/2, e art. 10.º/2 g) do procedimento de injunção, aprovado pelo citado Decreto-Lei n.º 269/98 de 1/9.
[2] Relatada por Carlos Gil, no Processo n.º 301402/10.0YIPRT.C1, onde fica patente alguma errância do legislador nesta matéria, feita de sucessivos avanços e recuos, num caminho pouco linear, dificultando a tarefa do intérprete, que para o bom exercício da sua missão precisa de reconhecer na evolução legislativa o critério que lhe dá sentido e coerência. 
[3] Rectificado pela Lei n.º 30-D/2000 de 20 de Dezembro.

[4] Tal redacção veio a manter-se, vigorando actualmente, apesar das sucessivas alterações ao artigo 474.º, introduzidas: pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24-08 (rectificado pela Declaração de Rectificação nº 99/2007, de 23-10); pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação nº 22/2008, de 24 de Abril – vigente a partir de 20 de Abril de 2009, de acordo com a alteração efectuada pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro); e pela Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto.

[5] Decorrente do facto de a peça processual ou os documentos anexos excederem a dimensão de 3 MBs.
[6] Na redacção pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro.
[7] Doravante designado por RCP. Os sublinhados nas transcrições parciais deste diploma, são, obviamente, nossos.

[8] Proferido no 39357/10.8YIPRT.L1-1, sumariado nestes termos: I- A sanção a que se refere a actual artº 20º do DL nº 269/98, de 28 de Agosto, cinge-se ao procedimento de injunção, ou seja, não se reporta à acção declarativa de condenação em que aquele procedimento se haja transmutado, sendo a solução para a qual aponta equivalente à fixada no Cód. de Proc.Civil ( respectivos artºs 467º, nº 3, e artº 474º, alínea f). II- Ou seja, o imediato desentranhamento do requerimento de injunção é apenas de ordenar quando da não junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça a que alude o artº 7º,nº3, do RCP. III- Já relativamente à não junção pelo autor do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça a que alude o artº 7º, nº4, do RCP, previamente à prolação de despacho a determinar o desentranhamento da petição inicial transmutada, impõe-se a notificação do autor para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com o acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 Uc nem superior a 5 Ucs.
[9] Proferido no Proc. n.º 174190/09.4YIPRT-8, sumariado nestes termos: «O disposto no art.º 20 do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 34/2008, de 26.2. só opera após esgotados os mecanismos previstos no art.º 486-A, do CPC.»
[10] Registe-se que se tivesse procedido ao pagamento no último dia e fizesse a comunicação por carta, sempre a recepção de tal comunicação no tribunal seria, obviamente, posterior aos dez dias.