Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4251/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F.MARTINS
Descritores: SEGURANÇA NO TRABALHO
REGRAS
ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA
PRESTAÇÕES DEVIDAS- MONTANTE
TRABALHOS DE ESCAVAÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 18º, Nº 1, E 37º, Nº 2, DA LEI Nº 100/97, DE 13/09 (LAT) E D.L. Nº 143/99, DE 30/04 .
Sumário: I – Dispõe o artº 18º, nº 1, da LAT que quando o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações serão iguais à retribuição nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte .
II – Por sua vez, preceitua o artº 37º, nº 2, da LAT, que verificando-se alguma das situações referidas no artº 18º, nº 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei .

III – Da conjugação do estatuído nos artºs 8º, nºs 1 e 2, al. a), do DL nº 441/91, de 14/11; 2º, 3º, al. a), 6º e 8º do DL nº 155/95, de 1/07, resultam para o empregador, em caso de realização de trabalhos de escavação, obrigações genéricas de assegurar aos trabalhadores condições de segurança e prevenir acidentes, procedendo à identificação dos riscos previsíveis .

IV – No que tange aos trabalhos de escavação, estabelecem os artºs 66º, 67º e 68º do RSTCC, aprovado pelo Dec. nº 41.821, de 11/08/58, que aqueles devem ser conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos, sendo indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação, a qual deve ser reforçada quando sejam de recear desmoronamentos, derrubamentos ou escorregamentos, como no caso de taludes diferentes dos naturais, de modo a torná-la capaz de evitar esses perigos .

V – Havendo incumprimento, por parte da entidade patronal, das referidas disposições legais e das obrigações consignadas nas mesmas a seu cargo, e tendo um muro desabado e o acidente ocorrido em virtude do incumprimento das referidas regras sobre segurança, é de afirmar existir um nexo de causalidade adequada entre aquela inobservância e o acidente, pelo que temos como certo que a entidade empregadora agiu com culpa .

VI – Em caso de reparação por acidente resultante de falta de observação das regras de segurança, o artº 18º, nº 1, al. a), da LAT, é taxativo no sentido de as prestações, no caso de morte, serem iguais à retribuição .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A..., por si e em representação de sua filha menor B..., instauraram contra C... e D... a presente acção especial emergente de acidente de trabalho [Proc. nº 184/03.6TTVIS do 1º Juízo do Tribunal de Trabalho de Viseu] , com base em acidente de trabalho sofrido pelo marido da 1ª A e pai da 2ª A, ao serviço da 1ª R., no dia 30.01.2003, de que resultou a sua morte. Pedem, a final, a condenação das RR. a pagar-lhes diversas quantias, a titulo de danos não patrimoniais e patrimoniais, além de uma pensão anual e vitalícia para a 1ª A e uma pensão anual e temporária para a 2ª A. Isto sem prejuízo da fixação de pensões provisórias, as quais vieram entretanto a ser fixadas pelo despacho de fls. 179.
Alegam, em resumo, que o marido da 1ª A foi vitima de acidente de trabalho, que ocorreu devido à culpa exclusiva da R. entidade patronal, por não ter respeitado, na execução dos trabalhos em que ocorreu o acidente, as normas de segurança adequadas aos mesmos, nomeadamente por não ter diligenciado no sentido de garantir a estabilidade do muro, contíguo à abertura da vala, tendo-se assim verificado o desabamento desse muro e a sua queda na vala, com o consequente soterramento do marido da 1ª A. De tal acidente resultaram para aquele trabalhador lesões que lhe provocaram a morte.
Concluem, assim, que as RR. devem indemnizá-las pelos danos morais sofridos por ambas e ainda pelo sinistrado, bem como pelo direito à vida deste, devendo ainda pagar-lhes pensões anuais, vitalícia para a 1ª A e temporária para a 2ª A, em montantes que discriminam.
Contestaram ambas as RR.
A R. seguradora pedindo que seja considerada apenas responsável subsidiariamente, por ter havido incumprimento das regras de segurança no trabalho, e apenas quanto aos valores cobertos pelo seguro, não respondendo assim pelos danos não patrimoniais e pelas pensões agravadas.
Por sua vez, a 1ª R. pede que a acção seja julgada improcedente no que respeita aos danos não patrimoniais e absolvida do pedido.
Alega em sua defesa, que tomou as medidas consideradas tecnicamente adequadas à obra em causa, nada fazendo prever o desmoronamento, sendo certo porém que a derrocada do referido muro não foi motivada pela abertura da vala.
O Instituto de Solidariedade e Segurança Social (ISSS) deduziu incidente contra as RR. pedindo a condenação das mesmas a reembolsá-lo das prestações por si pagas a titulo de subsidio por morte e pensões de sobrevivência. Posteriormente veio ampliar o pedido formulado inicialmente para a quantia total de € 6 440,20.
Na contestação a tal incidente a 2ª R. pugnou pela improcedência do mesmo e sua absolvição do pedido.
O ISSS ainda respondeu, pedindo que a excepção deduzida pela R. seja julgada improcedente.
Foi proferido despacho saneador tabelar e procedeu-se, de seguida, à fixação da factualidade assente e à elaboração da base instrutória, sem reclamações, tendo sido aditado um artigo a esta peça processual, na sequência do despacho de fls. 387.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
“I – Condena a 1.ª Ré – “C...”, na qualidade de principal responsável, a pagar:
a) - à A. A... a pensão anual e vitalícia de € 3 900,79, no domicílio da A., com início de vencimento a 31.01.2003, em 14 prestações mensais de igual montante cada, sendo o subsídio de férias pago em Maio e o de Natal em Novembro de cada ano, sucessivamente actualizada para € 3 998,31 e € 4 090,27, respectivamente em 01.12.2003 e em 01.12.2004, deduzindo-se os valores pagos pela Seguradora a título provisório (fls. 179 e 233);
b) – à filha B... a pensão anual e temporária de € 2 600,53, sendo igual a forma de pagamento (com a dedução dos valores pagos pela Seguradora a título provisório), sucessivamente actualizada para € 2 665,54 e € 2 726,85, respectivamente em 01.12.2003 e em 01.12.2004, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respectivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afectada de doença física ou mental que a incapacite sensivelmente para o trabalho;
c) - as quantias de € 2 852,80 e € 4 279,20, reclamadas a título de despesas de funeral e subsídio por morte (metade para cada uma das AA.), respectivamente;
d) – a importância de € 75 000 a título de compensação por danos não patrimoniais decorrentes do acidente dos autos;
e) – e os juros de mora, às taxas de 7 % e 4 % ao ano, a partir da data de vencimento das prestações em dívida até efectivo pagamento, aplicando-se a indicada 1.ª taxa até 30.4.2003 e a 2.ª a partir de 01.5.2003;
f) – e a reembolsar o Instituto da Segurança Social/CNP da importância mencionada em f) dos factos provados (€ 6 631,25), acrescida dos valores pagos na pendência da acção, com juros moratórios a contar da citação (excepto quanto aos pagamentos posteriores a essa data) até integral pagamento, a deduzir às quantias (capital e juros) ditas em a), b), c) e e);
g) – absolve-a do demais pedido, sendo que a 1.ª Ré deverá também reembolsar a 2.ª Ré dos valores que esta tiver suportado até ao trânsito em julgado da presente sentença (fls. 179) - e que subtrairá às importâncias a pagar às AA., conforme se refere supra.
II – Condena a 2.ª Ré, “D...”, como subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na LAT, levando-se em atenção os montantes iniciais das pensões ditos a fls. 179, o disposto no art. 20º, n.º 1, alíneas a) e c) da LAT e as actualizações atrás referidas (e deduzindo-se as quantias pagas provisoriamente), sendo igualmente responsável, por essa via ou a esse título, pelo reembolso ao Instituto da Segurança Social/CNP da importância mencionada em f) dos factos provados, pela forma indicada em I-f), supra”.
3. É desta decisão que, inconformada, a 1ª R. (entidade patronal) vem apelar, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que a absolva.
Alegando, conclui:
A) O Tribunal a quo, na sentença recorrida, considerou provado que a morte do trabalhador sinistrado se deveu ao desabamento de muro contíguo à vala, de 70 cm, escavada pela Recorrente.
Não obstante o seu aspecto sólido, o muro, que aparentava ser de betão, veio, na verdade, a revelar-se frágil e pouco sólido.
A Recorrente tomou conhecimento da profundidade da fundação do muro, 20 cm, durante os trabalhos de abertura da referida vala.
Não obstante a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho se encontrar transferida para a entidade seguradora (2° Demandada nos presentes autos), através de contrato de seguro, a decisão recorrida considerou ter existido culpa da Recorrente na produção do sinistro, em virtude da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, o que, nos termos dos artºs 18º nº 1 e 37º nº 2 da LAT, determina o agravamento da responsabilidade infortunística decorrente do acidente, a qual recairia sobre a Recorrente e não sobre a entidade seguradora.
No entanto, a Recorrente conduziu os trabalhos de escavação da vala de 70 cm, por forma a evitar desmoronamentos, não violando qualquer condição de segurança.
A norma legal que prevê a obrigatoriedade de realização de entivações, art. 72° do Regulamento de Segurança do Trabalho da Construção Civil, restringe o seu âmbito de aplicação a valas de profundidade superior a 1,20 m, pelo que, no caso sub judice, inexistia qualquer obrigatoriedade de proceder à entivação do muro.
A Recorrente agiu em cumprimento das normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, apenas não tendo podido adoptar comportamento passível de evitar o desmoronamento do muro, uma vez que nunca configurou como possível consequência da abertura da vala, a queda do mesmo, atento o seu aspecto sólido.
Com efeito, nos termos do n° 2 do art. 487° do Cód. Civil, a existência de culpa deve ser apreciada atendendo às circunstâncias de cada caso concreto e face à diligência que o homem médio (bonus pater familia) teria face ao condicionalismo em questão.
Pelo que, face ao exposto, deverá concluir-se que a Recorrente agiu com a diligência que lhe era exigida, atento todo o circunstancialismo envolvente.
Inexistindo culpa da Recorrente na produção do sinistro e atenta a transferência da responsabilidade infortunística decorrente de acidentes de trabalho para a entidade seguradora, não haverá, no caso sub judice, agravamento da responsabilidade, não podendo, igualmente, impender sobre a Recorrente qualquer obrigação de pagamento às Autoras de pensões anuais, subsídios por morte e despesas de funeral.
Termos em que, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo, neste particular, violou ou interpretou incorrectamente os artºs 2° n° 4 e 5 e 13° da Portaria n° 101/96, de 3 de Março, os artºs 4º n° 1 e 8°, n° 1 e 2, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n° 441/91, de 14 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. ° 133/99, de 21 de Abril, artºs 1º e 8°, n° 2 do Decreto-Lei n. ° 155/95, de 1 de Julho, os artºs 66°, 72° e 81° do Regulamento de Segurança do Trabalho da Construção, aprovado pelo Decreto n° 41 821, de 11 de Agosto de 1958, os artºs 18° n° 1, alínea a), 20° n° 1, alíneas a) e c) e 37° da LAT, aprovada pela Lei n° 100/97, de 13 de Setembro e o art. 487° do Cód. Civil.
B) Sem conceder relativamente ao alegado supra, caso a Recorrente fosse efectivamente responsável pelo pagamento de pensões anuais às Autoras, o que apenas, se admite à cautela e por mero dever de prudente patrocínio, as mesmas encontrar-se-iam erradamente calculadas pela sentença recorrida.
Nos termos da lei, o cônjuge do sinistrado, a Autora A..., terá direito ao pagamento de pensão anual e vitalícia correspondente a 30% da retribuição ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado (€ 6 501,32), o que equivale a € 1 950,39 e não ao montante fixado na decisão de recorrida, € 3 900,79.
Por sua vez, a Autora B..., enquanto única filha do trabalhador sinistrado, terá nos termos da lei, direito ao recebimento de pensão anual e temporária equivalente a 20% da retribuição ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado, ou seja, € 1.300,26 e não € 2.600,53.
Ao fixar estes montantes, o tribunal a quo violou ou interpretou incorrectamente os artºs 20º nº 1 als a) e c) e 26º nºs 2 e 3 da LAT.
C) O pagamento de indemnização por danos não patrimoniais tem como pressuposto essencial a existência de culpa na produção do dano.
No caso sub judice não se verificou qualquer comportamento culposo, ainda que negligente, por parte da Recorrente, o que exclui a obrigação de pagamento de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.
No entanto, caso se concluísse, como conclui a decisão recorrida, pela existência de responsabilidade da Recorrente pelos danos não patrimoniais causados, o que, reitera-se, apenas se admite à cautela e por mero dever de prudente patrocínio, os montantes indemnizatórios fixados pelo Tribunal a quo revelam-se excessivos.
Nos termos da lei, os referidos montantes deverão ser fixados de forma equitativa pelo tribunal, uma vez que não existe qualquer critério objectivo que permita a sua quantificação, pelo que se revela de extrema utilidade o recurso à jurisprudência.
Os Tribunais superiores têm fixado as indemnizações pela perda do direito à vida e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos descendentes de trabalhadores sinistrados, em valores manifestamente inferiores aos estipulados na decisão recorrida.
Nestes termos, a condenação da R. nos montantes indemnizatórios fixados na sentença recorrida constitui violação ou errada interpretação pelo tribunal a quo do disposto nos artºs 494º e 496º do Cód. Civil.
4. Nas contra-alegações, quer as AA quer a 2ª R. batem-se pela manutenção do julgado.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador Geral Adjunto no sentido de dever ser confirmada a sentença impugnada
A 1ª R. não respondeu a este parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Da factualidade assente e da decisão de fls. 453/6, que decidiu a base instrutória, e da qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
a) As AA. A..., nascida em 16.4.1956, e B..., nascida em 16.4.1986, são, respectivamente, viúva e filha, e únicas beneficiárias legais, do sinistrado E..., falecido em 30.01.2003 e que nascera no ano de 1951 (A);
b) Pelas 13.05 horas, do dia 30.01.2003, na E. N. n.º 337-1, Orgens/Santarinho, Viseu, o referido E..., quando trabalhava por conta e sob a autoridade, direcção e fiscalização da 1.ª Ré, mediante a retribuição mensal de € 359, acrescida de subsídios de férias e de Natal, € 88 x 11 de subsídio de alimentação e € 46,12 x 11 de subsídios diversos, foi vítima de um acidente de trabalho que consistiu em ter ficado soterrado, devido ao desabamento de um muro que se encontrava ao lado da abertura de uma vala (B);
c) O acidente ocorreu quando, no fundo da referida vala, anteriormente aberta por meios mecânicos, o sinistrado procedia à respectiva limpeza (C);
d) Do referido evento resultaram para o E... as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 59 a 61 e que constituíram causa adequada da sua morte (D);
e) Houve trasladação do cadáver do local do acidente para a residência da vítima, em Seixo da Beira, Oliveira do Hospital (E);
f) Em razão do mencionado acidente, o Instituto da Segurança Social, através do Centro Nacional de Pensões, pagou à filha B... as importâncias de € 1 357,61 e € 1 318,40 a título de Subsídio por Morte e Pensões de Sobrevivência de Fevereiro/2003 a Fevereiro/2005, respectivamente, e, à viúva A..., a quantia de € 3 955,24 a título de Pensões de Sobrevivência do mesmo período (cfr. documentos de fls. 118, 355 e 382) (F);
g) A responsabilidade emergente de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a Ré seguradora pela retribuição referida em b), através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 169212 (G);
h) O muro dito em b) - com uma altura média de 3,65 metros, medidos em relação à cota da valeta e a espessura de 20 centímetros, acrescida de reboco de cerca de 2 centímetros - era constituído por “rachão” (pedra solta) e argamassa pobre até à altura de 1,80 metros e em blocos de betão pré moldado, com 50x20x20cm, desde 1,80 metros até à altura de 3,65 metros; havia sido construído há mais de 15 anos (respostas aos quesitos 1º e 19º);
i) Antes de iniciar os trabalhos de abertura da vala, e durante a sua execução, a 1.ª Ré não procedeu a qualquer indagação ou estudo acerca das condições de construção e estabilidade do referido muro [que tinha terras encostadas em todo a sua altura e cujos dispositivos de drenagem eram em número e de dimensões insuficientes a evitar o impulso das águas e o escorregamento das terras contra o mesmo – cfr. “relatório pericial” de fls. 286 e seguintes], não procedeu à entivação ou ao escoramento, nem adoptou outras medidas apropriadas a evitar a sua eventual derrocada (resposta ao quesito 2º);
j) O mencionado muro assentava numa fundação com cerca de 20 cm de altura, tal como foi verificado pelos representantes da 1ª Ré na dita obra aquando do início dos trabalhos nesse local (respostas aos quesitos 3º e 20º);
l) A vala - com cerca de 70 cm de profundidade e 30 cm de largura - foi aberta junto do muro e respectiva fundação (resposta ao quesito 4º);
m) E por forma a que o fundo da vala ficava a um nível inferior à base da fundação do muro - sendo a diferença superior a 15 cm (resposta ao quesitos 5º e 6º);
n) Os trabalhos que estavam a ser realizados pela 1.ª Ré destinavam-se à abertura de uma vala para a instalação de tubagem para cabos eléctricos e tinham uma profundidade de cerca de 70 centímetros (18º);
o) No próprio dia em que ocorreu o acidente, a 1.ª Ré tinha iniciado a abertura da vala nesse local, com o auxílio de uma retro escavadora, na zona do muro que media cerca de 2 metros de altura (resposta ao quesito 21º);
p) A vala foi aberta numa extensão de cerca de 37 metros, naquela zona do muro e numa extensão de aproximadamente 45 metros, na sua parte restante (com a altura de 3,65 metros), em secções de 28 (vinte oito) metros, seguindo-se a colocação da referida tubagem e demais materiais, após o que se procedia ao seu tapamento (resposta aos quesitos 22º, 23º e 24º);
q) A 1.ª Ré dispunha em obra de um director técnico responsável pela sua execução, que não se deslocara nesse dia ao local do sinistro, tendo-se aí deslocado, pela manhã (no retomar dos trabalhos), o encarregado da obra (resposta ao quesito 26º);
r) O acidente – originado pelo desabamento do muro numa extensão de cerca de 15 metros - deu-se devido ao circunstancialismo aludido em h), i), j), l) e m) (6º-A);
s) O E... era um homem saudável, robusto, alegre e comunicativo (resposta ao quesito 7º);
t) Vivia com as AA., por quem nutria o maior carinho e afeição (8º);
u) Constituindo (os três) um agregado familiar muito unido pelo carinho, amor, anseios e aspirações comuns (resposta aos quesitos 9º e 10º);
v) Encontrando-se numa posição em que ficava ligeiramente de costas voltadas para o muro, o sinistrado só se apercebeu da derrocada pelos gritos dos colegas de trabalho (12º);
x) E foi atingido pelos primeiros destroços do muro quando pretendia sair do local (resposta ao quesito 13º);
z) Vindo a ser atingido e soterrado pelos demais destroços do muro em derrocada (14º);
aa) A morte da vítima mergulhou as AA. numa profunda dor e retirou-lhes a alegria e a felicidade (resposta ao quesito 15º);
bb) Fazendo-as recear pelo seu futuro, pois viviam exclusivamente dos rendimentos do trabalho da vítima (16º);
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2. De direito
Como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil [Adiante designado abreviadamente de CPC.] e é jurisprudência pacifica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, transitando assim em julgado as questões nelas não contidas.
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
a) A R. conduziu os trabalhos de escavação da vala, onde veio a morrer soterrado o trabalhador sinistrado, dando cumprimento às normas de segurança no trabalho ?
b) As pensões anuais a que a esposa e filha do sinistrado têm direito devem ser calculadas com base em 30% e 20% da retribuição anual ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado ?
c) Os montantes indemnizatórios fixados na decisão recorrida, a título de danos morais, são excessivos ?
Vejamos pois.
a) Culpa da entidade empregadora na produção do acidente
Como ponto prévio cabe referir, considerando a data em que ocorreu o acidente, 30.01.2003, que a legislação aplicável é a Lei 100/97 de 13.09 [Adiante designada abreviadamente de LAT (Lei dos Acidentes de Trabalho)] e o DL 143/99 de 30.04 [Adiante designado abreviadamente de RLAT (Regulamento da Lei dos Acidentes de Trabalho)] , atento o disposto no art. 71º nº 1 deste último diploma legal, na redacção dada pelo art. 1º do DL 382-A/99 de 22.09.
Dispõe o art. 18º nº 1 da LAT que “Quando o acidente … resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes: a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte, serão iguais à retribuição;”
Por sua vez, preceitua o art. 37º nº 2 do mesmo diploma legal, que “verificando-se alguma das situações referidas no art. 18º, nº 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei” (Tanto neste preceito como na norma antecedente o itálico é obviamente da nossa autoria e serve apenas para realçar, face à argumentação subsequente).
Na perspectiva da R. recorrente não houve da sua parte a violação de qualquer norma respeitante à segurança no trabalho e, consequentemente, não ficou demonstrada a sua culpa na produção do acidente.
Analisados os argumentos da R. recorrente e compaginados tais argumentos com a factualidade provada e os fundamentos da decisão recorrida, não olvidando ainda as alegações das recorridas, temos por certo que não assiste razão à recorrente, como a seguir se procurará demonstrar.
Com efeito, da conjugação do estatuído nos artºs 8º nºs 1 e 2 al. a) do DL 441/91 de 14.11., artºs 2º, 3º al. a), 6º e 8º do DL 155/95 de 01.07 resultam para o empregador, na situação concreta em causa nos autos - realização de trabalhos de escavação -, obrigações genéricas de assegurar aos trabalhadores condições de segurança e prevenir acidentes, procedendo à identificação dos riscos previsíveis. Por sua vez, o art. 13º da Portaria 101/96 de 03.04 determina que várias situações específicas de trabalho, como os trabalhos em escavações, “devem obedecer às prescrições da legislação aplicável”.
Especificamente no que tange aos trabalhos de escavação, estabelecem os artºs 66º, 67º e 68º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Dec. nº 41 821 de 11.08.58, que aqueles devem ser “conduzidos de forma a garantir as indispensáveis condições de segurança dos trabalhadores e do público e a evitar desmoronamentos” e que é “indispensável a entivação do solo nas frentes de escavação”, devendo a mesma ser reforçada quando “sejam de recear desmoronamentos, derrubamentos ou escorregamentos, como no caso de taludes diferentes dos naturais” “de modo a torná-la capaz de evitar esses perigos”.
Impõe ainda o art. 81º daquele Dec. nº 41 821 que “antes de se executarem escavações próximas de muros ou paredes de edifícios, deve verificar-se se essas escavações poderão afectar a sua estabilidade. Na hipótese afirmativa, serão adoptados processos eficazes, como escoramento ou recalçamento, para garantir a estabilidade”, devendo estes trabalhos ser orientados e examinados por pessoa competente.
Feitas estas considerações sobre os dispositivos legais aplicáveis, debrucemo-nos agora sobre o caso dos autos, relembrando a factualidade pertinente, que vem dada como provada.
A R. entidade patronal, quer antes de iniciar os trabalhos, quer durante a sua execução, não procedeu a qualquer indagação ou estudo acerca das condições de construção e estabilidade do muro que veio a desabar, construído há mais de 15 anos, o qual tinha uma altura de 3,65 metros e uma espessura de 22 cms incluindo já o reboco, e que assentava numa fundação com cerca de 20 cms de altura, sendo que a vala, no fundo da qual o trabalhador sinistrado procedia a trabalhos de limpeza quando do soterramento, foi aberta junto ao muro e respectiva fundação, ficando o fundo da vala a um nível inferior, cerca de 15 cms, em relação à fundação do muro - v. als h), i), j), l), m) e r) da fundamentação de facto.
Nestas circunstâncias concretas parece-nos seguro concluir que houve incumprimento, por parte da R. entidade patronal, das referidas disposições legais e das obrigações consignadas nas mesmas a seu cargo. Por outro lado, tendo o muro desabado e o acidente ocorrido em virtude do incumprimento das referidas regras sobre segurança, cremos ainda que é de afirmar existir um nexo de causalidade adequado entre aquela inobservância e o acidente, pelo que temos por certo que a R. recorrente agiu com culpa.
Com efeito, nas circunstâncias descritas na factualidade acima salientada e ainda ponderando o facto de estarem encostadas terras ao referido muro em toda a sua altura, de os dispositivos de drenagem do muro serem em número e dimensões insuficientes a evitar o impulso das águas e o escorregamento das terras contra o mesmo, das próprias características do muro, “rachão” (pedra solta) e argamassa pobre até à altura de 1,80 e blocos de betão pré-moldado a partir daí até à altura de 3,65 m – (v. als h) e i) da fundamentação de facto) -, impunha-se à R. recorrente o dever de indagar dos riscos de desabamento do muro e, a existirem, proceder ao seu escoramento, ao recalçamento do mesmo ou à adopção de outras medidas apropriadas a evitar a sua eventual derrocada.
Ora, é precisamente aqui, ao ter procedido como procedeu, ou seja, ao não adoptar os procedimentos que se impunham, pelas circunstâncias do trabalho e pelos normativos citados, sendo certo que a R. recorrente tinha capacidade para proceder da forma exigível, que a R. agiu com culpa, na modalidade de negligência. Temos como correcto afirmar que a R. não teve, em face das circunstâncias do caso, a atitude de um bom pai de família, de um empregador médio e normalmente diligente, e assim dúvidas não temos que está preenchido o conceito de culpa, nos termos previstos no art. 487º nº 2 do Código Civil.
Não tem pois razão a recorrente quando invoca, nas suas alegações (v. nº 20), que “não seria expectável ou sequer previsível pela Recorrente o desmoronamento do muro em questão”. Aliás, é a própria recorrente a dar razão à conclusão acima tirada, de que agiu com negligência, quando também alega que “… diversamente do que aparentava, a fundação do muro mostrava-se inadequada”. Pois é: a recorrente ficou-se em meras aparências e nada fez para as confirmar. Mas a um empregador diligente, um “bonus pater familiaa” era exigível mais do que isso e se tivesse cumprido com as suas obrigações legais, quanto à observância das regras de segurança na realização da escavação em causa, teria facilmente concluído pela “manifesta falta de solidez” do muro, como também refere (v. nºs 29 e 31 das alegações da recorrente).
Igualmente não tem razão a R. recorrente quando, pretendendo apoiar-se no art. 72º do Dec. nº 41 821, invoca que a realização de entivação no caso não era obrigatória, já que a vala a escavar apenas tinha a profundidade de 70 cms. Na verdade a razão de ser desta norma é haver um maior risco de soterramento quando as valas têm profundidade igual ou superior a 1,20 m, em virtude de haver uma maior pressão face às terras assim movimentadas, pelo que estabelece que, nesses casos, as entivações têm que ter determinadas características para se considerar que asseguram as necessárias condições de segurança. Ora, no caso sub-judice, não foram as terras movimentadas pela abertura da vala que levaram ao soterramento do sinistrado.
Antes tal soterramento ocorreu na sequência de desabamento do muro, numa extensão de 15 metros, motivado pela realização da escavação da vala, no descrito circunstancialismo.
Como já atrás se deixou dito e aqui apenas se reforça, para afastar este argumento da R. recorrente, perante aquele muro e a obra de escavação a realizar junto do mesmo, era de ponderar dos riscos de desabamento do muro e impunha-se que a R. procedesse ao seu escoramento, ao seu recalçamento, ou à adopção de outras medidas apropriadas para evitar a sua derrocada, o que não fez. Nesta inactividade consistiu a sua culpa, por ter agido como agiu, quando podia, devia e tinha capacidade para agir de forma diversa.
O caso presente não difere, na sua essência, do julgado no Ac. do STJ de 06.07.2004 [Publicado na C.J.-Ac. do STJ, Ano XII, tomo II, pág. 289 e respeitante ao aluimento de terras de um talude que soterraram um trabalhador quando trabalhava no interior de uma sapata, para execução de um muro de suporte de terras junto ao mesmo.] e também aí se concluiu pela inobservância por parte da entidade patronal dos preceitos legais sobre segurança, pelo nexo de causalidade entre essa inobservância e o acidente, e pela culpa da entidade patronal.
Aqui chegados, impõe-se responder à pergunta inicialmente formulada em sentido negativo e concluir, como se conclui, que a R. recorrente não conduziu os trabalhos em causa observando as regras de segurança. Consequentemente não tem razão nas conclusões que elenca sob a al. A), pelo que não ocorre a violação, pelo tribunal a quo, das disposições legais aí citadas.
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b) Cálculo das pensões anuais no caso de morte e culpa da entidade empregadora na produção do acidente
Na perspectiva da recorrente as pensões anuais, vitalícia para a 1ª A e temporária para a 2ª A, deveriam apenas ter sido fixadas com base nas percentagens de 30% para aquela e 20% para esta, em face do preceituado nas als a) e c) do nº 1 do art. 20º da LAT.
Adiantando a solução desta questão dir-se-á, desde já, que a argumentação da recorrente não nos convence, minimamente, que a razão lhe assista.
Na verdade, parece que a R. recorrente se esquece que estamos perante um caso especial de reparação, em que o acidente resultou da falta de observação das regras de segurança e, nessas circunstâncias, o art. 18º nº 1 al. a) da LAT é taxativo no sentido de as prestações, no caso de morte, serão iguais à retribuição.
Logo, sendo a retribuição anual ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado de € 6 501,32 - neste aspecto a recorrente está de acordo, e assim tem se ser considerando a factualidade provada na al. b) da fundamentação de facto e o estatuído no art. 26º nºs 2 a 4 da LAT – as pensões por morte têm que ser iguais a essa retribuição.
Fixá-las nos montantes que a recorrente pretende - € 1 950,39 e € 1 300,26 para a 1ª e 2ª AA, respectivamente - significaria fixar tais pensões não em montante igual àquela retribuição mas antes em metade dessa retribuição.
A recorrente parece esquecer-se que as normas do art. 20º estão previstas para as situações normais de reparação do acidente de trabalho.
Ora, este é um caso especial de reparação, resultado da falta de observação das regras sobre segurança, em que, por isso, a lei penaliza o infractor não só com um agravamento das prestações, que no caso de morte deverão ser iguais à retribuição, como também determina que o principal responsável é a entidade empregadora, só respondendo subsidiariamente a seguradora e apenas “pelas prestações normais previstas na presente lei” – citámos o art. 37º nº 2. Estas prestações normais sim são as previstas no art. 20º citado.
Assim, a forma de interpretar os citados artºs 18º nº 1 al. a) e 20º nº 1 als a) e c) tem que ser aquela que foi feita na decisão recorrida, que por isso não merece qualquer censura. Ou seja, partir do principio básico fixado no art. 18º de que no caso de acidente mortal causado por falta de observância das regras sobre segurança as prestações serão iguais à retribuição e fazer o cálculo das pensões em face do critério de percentagem fixado no art. 20º. Nesta circunstâncias, os montantes de 30% e 20% da retribuição, previstos nas als a) e c) do nº 1 do art. 20º, serão de considerar em dobro, 60% e 40% respectivamente, para dar o valor integral da retribuição previsto no art. 18º nº 1 al. a).
Aliás, que a norma do art. 20º não é a única a tomar em consideração, para efeitos de fixação dos montantes das pensões, resulta desde logo do art. 21º, onde se estabelecem regras de acumulação e rateio das pensões por morte em determinadas circunstâncias.
Nestes termos conclui-se que não assiste fundamento à pretensão da R. recorrente sobre esta questão, improcedendo as quatro conclusões alinhadas sob a al. B) das suas alegações, tendo sido feita na decisão recorrida correcta aplicação das normas legais.
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c) Montantes indemnizatórios por danos morais
A R. recorrente insurge-se contra este ponto da decisão de 1ª instância por considerar que os montantes indemnizatórios fixados pelo tribunal a quo se revelam excessivos.
A decisão recorrida fixou em € 45 000,00 a indemnização pela perda do direito à vida do sinistrado e em € 15 000,00 o montante para compensar os danos morais sofridos por cada uma das AA.
Nesta matéria de determinação dos montantes indemnizatórios por danos morais, os critérios legais a que há que atender estão definidos nos artºs 496º, 494º e 566º nº 1, todos do Código Civil, por força da remissão operada pelo art. 18º nº 2 da LAT.
Assim, são de atender apenas aos danos não patrimoniais “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e porque, em relação a tais danos não é possível a reconstituição natural, a indemnização é de fixar em dinheiro. O montante dessa indemnização deve ser “fixado equitativamente” tendo em atenção as circunstâncias do caso, além das referidas no art. 494º, ou seja, no caso de mera culpa, a indemnização poderá ser fixada “em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Destes critérios legais decorre desde logo que, em termos de direito constituído, não tem qualquer fundamento a doutrina citada pela R. recorrente [Álvaro Dias, in “Dano Corporal – quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, págs. 359-360.] no sentido “de que a forma mais justa e obviamente a única dotada de certeza, para avaliar o dano morte, seria padronizá-lo”.
Em termos de direito constituendo, poder-se-ia entrar na discussão de saber se aquela será a melhor forma de avaliar o dano morte. Porém, não sendo aqui o local adequado para equacionar tal questão, não nos alongaremos neste aspecto. Diremos apenas que, sem prejuízo de admitirmos que a fixação de alguns critérios objectivos para ponderação pelo aplicador do direito poderiam facilitar aquela tarefa e torná-la mais uniforme, já fere a nossa sensibilidade, quer humana quer como jurista, considerar que o dano morte possa ser tabelado, como se se tratasse de um mero bem de consumo. Além de que temos sérias reservas de que tal forma de cálculo não criaria mais injustiças do que aquelas que se destinaria a combater.
Mas voltando ao direito constituído, não temos dúvidas, e a doutrina e jurisprudência são unânimes nisso, que não é fácil a tarefa de fixar aqueles danos não patrimoniais.
Também por isso estamos de acordo com a recorrente que é de extrema utilidade o recurso à jurisprudência, embora tenhamos sempre de ponderar que cada caso é um caso, com a sua específica singularidade.
Por isso os valores a que a recorrente faz apelo, fixados pelos acórdãos citados nas suas alegações, não podem ser vistos de modo absoluto. Faz-se notar, quanto ao Acórdão desta Relação, de 21.11.02, que da sua publicação [C.J., Ano XXVII, tomo V, pág. 55 e segs.] não se retiram os factos que seriam relevantes para comparar as indemnizações, como sejam as relativas às características da vitima e dos familiares, seu relacionamento e ligação como família, além da factualidade atinente aos danos sofridos. No que tange ao valor de indemnização pelo direito à vida, fixado em € 24 939,89 pelo Acórdão do STJ de 29.06.05 [In www.dgsi.pt sob o nº SJ2005062900103704] , é de atentar que o acidente ocorreu em Maio de 1996, enquanto o de que nos ocupamos ocorreu em 2003. E relativamente ao Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 04.12.03 [In www.dgsi.pt] , que fixou em € 7 481,97 o montante dos danos morais sofridos pelos filhos do sinistrado falecido, é de considerar a escassez da matéria de facto alegada e provada, relativa ao tipo de ligação afectiva entre estes filhos e o pai falecido, o que não é o caso dos autos.
Tendo tudo isto presente debrucemo-nos sobre o caso concreto.
Perante a factualidade provada, nada justifica o uso da faculdade conferida pelo art. 494º do Código Civil de fixar a indemnização em montante inferior aos danos causados. A culpabilidade grave da R e a disparidade de situações económicas, mais favorável à R., vivamente desaconselham o exercício daquela faculdade.
Por outro lado, há que ponderar que: o sinistrado era uma pessoa com 51 anos de idade, homem saudável, robusto, alegre e comunicativo; nutria o maior carinho e afeição pelas AA, com quem vivia; constituíam os três, um agregado familiar muito unido pelo carinho, amor, anseios e aspirações comuns; à data do sinistro a esposa do sinistrado tinha 46 anos e a sua filha 16 anos e a morte daquele mergulhou-as numa profunda dor, retirou-lhes a alegria e a felicidade, fazendo-as recear pelo seu futuro, pois viviam exclusivamente dos rendimentos do trabalho da vitima – v. als a), b), s) a u), aa) e bb).
Ora, perante estes factos e as considerações que os mesmos permitem tecer, desde a expectativa de vida média que ainda restava ao sinistrado, cerca de 20 anos, até ao tipo de relacionamento familiar que existia nesta família, não olvidando que a 1ª A viu-se privada do marido ainda numa idade jovem e que a 2ª A ficou sem o amparo e o apoio do pai numa altura tão importante da sua vida, como é a adolescência, cremos que os valores fixados na decisão recorrida são adequados e equitativos.
Por outro lado, não é de olvidar que a culpabilidade da R. entidade patronal, dentro da negligência, é uma negligência elevada ou grave e que se atendermos à situação económica do agente e do lesado, critério que a equidade comporta, a da R. recorrente será inquestionavelmente superior à do sinistrado e das AA. Acresce que também importa considerar que o sinistro ocorreu em 30.01.2003, já lá vão portanto três anos, e não pedindo as AA o pagamento de juros moratórios sobre a indemnização pelos danos morais, que aliás não foram por isso fixados – v. sentença a fls. 465 – aquela indemnização deve ter em conta todo este tempo decorrido até ao presente, por ser esta a “data mais recente que [pode] puder ser atendida pelo tribunal”, já que é este o critério fixado no nº 2 do art. 566º do Código Civil.
Admite-se que os valores fixados na decisão recorrida andem bastante próximos daquilo que, a existir um mínimo e um máximo médios – os tais critérios objectiváveis de que acima falávamos -, poderiam ser valores de referência próximos dos valores médios máximos. Mas não são, cremos, montantes que ofendem os referidos critérios legais, respeitando pois a equidade.
Conclui-se, desta forma, que também neste segmento do recurso as alegações da recorrente não são de acolher e não merece censura a decisão recorrida, a qual não fez interpretação incorrecta dos artºs 494º e 496º do Código Civil, como a recorrente lhe imputa.
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III- DECISÃO
Termos em que se delibera confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo da R. apelante.
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Coimbra,
(António F. Martins)
(Bordalo Lema)
(Fernandes da Silva)