Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/08.6GFCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CRIME DE DANO
ELEMENTOS DO TIPO OBJECTIVO DE ILÍCITO
ELEMENTOS DO TIPO SUBJECTIVO DE ILÍCITO
Data do Acordão: 12/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14º E 212º, Nº1 DO CP
Sumário: 1.Se efectivamente o dano deva ser visto na perspectiva da utilidade/funcionalidade do titular da coisa, não é menos certo que o facto imputado ao arguido (simples afastamento de pedregulhos) na perspectiva da dignidade penal inerente ao crime, deveria a acusação fornecer elementos de onde pudesse retirar-se que o simples afastamento das pedras constituía, no caso concreto, um efectivo dano para o lesado, caracterizando o dano/destruição ou o dano/função socialmente relevante com a densidade/dignidade inerente ao ilícito penal.
2.O dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou conhecimento dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade de realização daqueles elementos do tipo objectivo) nas modalidades nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - actuação com intenção de realizar o facto típico (dolo directo); aceitação da realização dos elementos do tipo objectivo como consequência necessária da conduta (dolo necessário); e conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível (dolo eventual). A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I.
O arguido, J…, identificado nos autos, recorre da sentença em que o tribunal recorrido decidiu condená-lo:
- como autor material de um crime de dano p ep pelo art. 212º, n.º1 do C. Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 6,00;
- no pagamento, a favor da demandante H…, a título de indemnização por danos patrimoniais, da quantia de € 500,00 (quinhentos euros) acrescida de IVA.
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Na motivação são formuladas as seguintes CONCLUSÕES:
PRIMEIRA — Considerada a matéria de facto assente nas alíneas b), c), d), f), k), l), m), n), o) e p) da fundamentação, bem como a exegese na mesma levada a cabo, não resultam preenchidos nem o elemento objectivo nem o elemento subjectivo do tipo de ilícito criminal pelo qual foi o arguido condenado.
SEGUNDA — Com efeito, e quanto ao elemento objectivo, considerada a matéria levada às alíneas b), c), d) e o) dos factos provados não resulta a danosidade social relevante que o tipo exige, pois não resultou danificação, inutilização, ou desfiguramento da “res”da assistente.
TERCEIRA — Quanto ao elemento subjectivo, considerada a matéria de levada às alíneas b), d), k), L), m), o) e p) dos factos provados, resulta que a conduta do arguido não estava imbuída de dolo em qualquer das suas vertentes, já que o arguido nunca representou sequer a possibilidade de a sua actuação típica configurar um tipo de ilícito criminal.
QUARTA — Por outro lado, e a não se entender assim sempre resultaria evidente o erro do arguido sobre os elementos de facto e de direito que enformam o tipo legal de crime de que vinha acusado, mostrando-se assim por este lado excluída a ilicitude e a culpa da sua conduta.
QUINTA — Assim, o Tribunal “a quo”, ao condenar o arguido pelo crime previsto no art. 129º do C. Penal, assim como na indemnização a assistente nos termos do disposto nos arts.483 nº 1 e 563º do C. Civil, violou o disposto nos arts. 13, 14, 16 e 31 nº 2 al. b) do C. Penal, tendo igualmente lavrado em equivoco ao considerar preenchidos os tipos de ilícito criminal e civil supra referidos, padecendo assim a douta sentença recorrida do vício constante da alínea b) segunda parte do nº 2 do art. 410º do CP. Penal, já que é manifestamente contraditória a decisão face a fundamentação, além de lavrar em equivoco na aplicação do direito aos factos.
SEXTA — Por consequência, considerada a factualidade assente e o iter que delinea toda a fundamentação, deveria o Tribunal ter concluído pelo não preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo de ilícito que conformam o crime de dano previsto e punido no art.212 do C. Penal, e concluído igualmente pelo não preenchimento dos elementos preenchedores do tipo de ilícito civil, tudo nos termos do disposto nos arts. 13º, 14, 16, 31, nº2 al. b) do Código Penal, bem como dos arts. 483 nº1 e 563º do Código Civil, assim determinando absolvição do arguido, quer na parte crime, quer na cível.
SÉTIMA — Assim, revogando a douta decisão recorrida, e substituindo-a por outra que absolva in totum o arguido farão JUSTIÇA
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Respondeu a assistente sustentando a improcedência do recurso, alegando, em síntese, que a decisão recorrida procede a uma criteriosa ponderação das circunstâncias provadas, não se mostrando preenchidos os requisitos da acção directa.
Respondeu também o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, sustentando em síntese, que: - existe alguma contradição na sentença recorrida quando por um lado dá como provado que o arguido agiu livre e conscientemente e por outro lado que o arguido retirou as pedras colocadas pela assistente no leito do caminho de passagem que o arguido utilizava há mais de 20 anos para acesso ao seu prédio convencido do exercício de um direito, afastando as pedras colocadas pela assistente com o único objectivo de desimpedir essa passagem, obstruída pela assistente, pelo que muitas dúvidas permanecem sobre se o arguido soubesse que a sua acção era proibida e punida por lei penal; - a contradição apontada poderá integrar os vícios previstos no art. 410º, n.º2, al) b) e c) do CPP; - ao exercício da passagem pode a assistente ter-se oposto de forma igualmente ilegal sendo, nesta conformidade, lícito o recurso á força com o fim de assegurar o próprio direito; - pende para a absolvição do arguido.
Neste Tribunal o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Corridos os vistos e realizado o julgamento, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre decidir.
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II.

1. O recorrente sustenta, em primeira linha, que matéria de facto provada não preenche os elementos quer do tipo objectivo quer do tipo subjectivo do crime; e, numa segunda linha, para o caso de assim não se entender, que existe erro sobre os elementos do tipo.
Na sequência dos fundamentos invocados conclui que a sentença padece do vício de contradição insanável entre fundamentação e a decisão. Vício a que o digno magistrado do MºPº, tendo sempre por referência que o arguido se limitou a afastar as pedras colocadas pela assistente a impedir a passagem com o único objectivo de desimpedir essa passagem, acrescenta o vício de erro notório na apreciação da prova.
Para a apreciação, vejamos a matéria de facto provada com a fundamentação que a suporta.
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É a seguinte:
A) Matéria de Facto Provada
a) O prédio rústico denominado por P…, destinado a cultura arvense, mato e pastagem, com a arca de 26.470 in2, que confronta a norte e a poente com J…, a sul com caminho e a nascente com L…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Belmonte sob o n.º …, da freguesia de C…, encontra-se inscrito a favor da assistente H…. pela Ap. …, por partilha da herança de M…
b) Pelo menos desde 1997, que o arguido, para aceder ao prédio infra descrito em i), passa, quer a pé, quer com maquinas, tractores e outros veículos automóveis, por uma passagem que atravessa o prédio referido em a).
c) Em data não concretamente apurada, mas nos finais do ano de 2007, a assistente colocou, na passagem referida em b), várias pedras de grandes dimensões encostadas umas às outras juntamente com terra, impedindo dessa forma a passagem, com veículos automóveis, quer do arguido, quer de terceiros pelo prédio referido em a).
d) Em data não concretamente apurada, mas meses depois e no ano de 2008, o arguido procedeu ao afastamento das pedras colocadas mais ao centro, para, desse modo, continuar a passar pela passagem referida em o que fez de forma livre, voluntária e consciente.
e) A assistente, para repor os cômoros e transformar a passagem referida cm b) despenderia uma quantia de €500,00, acrescida de IVA.
1) O arguido sabia que a passagem referida em b) se situava no prédio referido em a).
g) A assistente não deu autorização ao arguido para passar pe1o prédio referido em a).
h) O arguido sabia ser-lhe proibida e punida por lei penal a sua conduta.
i) O prédio rústico sito em H.., destinado a cultura arvense, mata e cultura arvense de regadio e pastagem, com a área de 14.830 rn2, que confronta a norte e a nascente com J…, sul com L… e outro, e a poente com F…, descrito na Conservat6ria do Registo Predial de Belmonte sob o n.º …, da freguesia de …, encontra-se inscrito a favor de D… pela Ap. …, por compra em processo de execução, em que era sujeito passivo “L… Lda.”.
j) Por escritura pública datada de ... /.../2001, M.. e N… declararam vender e J… em representação da sociedade L.., Lda.” declarou comprar o prédio identificado em i).
k) Por documento escrito datado de ../…/1997, M..s e o arguido celebraram um acordo que denominaram de “contrato de promessa de compra e venda”, no qual o primeiro declara prometer vender e o segundo prometer comprar, o prédio rústico, sito no P… e inscrito na matriz sob o artigo …, de que o primeiro se dizia “dono e legítimo possuidor”.
1) Para aceder ao prédio referido i) existe um caminho pelo qual, em parte, não é possível passar, uma vez que se encontra obstruído com mato e giestas.
m) A passagem referida em b) existe desde há mais de 20 anos e nela avistam-se as marcas dos veículos que aí circulam e não tem vegetação.
n) A passagem referida em b) liga o prédio referido em i) a um outro caminho.
o) O arguido agia da forma descrita em b) à vista de todos, regular e continuadamente, sem qualquer oposição, na convicção de que não lesava interesses de terceiros e de que exercia um direito de passar por tal local.
p) M… para aceder ao prédio referido em 1), antes do acordo escrito referido em k), já há mais de 20 de anos, que utilizava a passagem identificada em b), circulando quer a pé, quer com veículos automóveis.
q) O arguido é casado e vive com a esposa em casa própria.
r) Aufere mensalmente a quantia de €600,00 pela sua actividade na construção civil e cultiva terrenos dos filhos para uso próprio.
s) Não tem despesas fixas mensais.
r) Estudou até ao 6º ano de escolaridade.
u) O arguido, por sentença de …/../2007, proferida no Proc. n.º ../07.4GTCTB, do Tribunal Judicial do…, foi condenado pela pratica, em .../…/2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 65 dias de multa à taxa diária de €7,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses, declarada extinta por despacho de 16/11/2007.
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2.2. Matéria de facto não provada
1) O arguido, em meados do ano de 2007, abriu com máquinas uma passagem no prédio referido em a), que permite a passagem de duas viaturas ao mesmo tempo.
2) A passagem referida em b) tem 4,5 metros de largura e 100 metros de comprimento.
3) O arguido é um indivíduo pacífico e respeitador.
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O alegado nos restantes artigos da acusação, da contestação e do pedido de indemnização civil, constitui matéria conclusiva, repetida ou irrelevante pita a decisão da causa ou constitui matéria de direito.
2.3. Motivação da Decisão de Facto
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, analisando-a global e criticamente, segundo as regras da experiência comum e segundo a livre convicção do julgador, nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal.
O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observar as regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação critérios objectivos genericamente susceptíveis de motivação e controlo (AC. TC n.º 1165/96, de 19.11, BMJ, 461, 93). A convicção deve ser racional, objectivável e motivável.
Assim, atendeu-se às declarações do arguido e da assistente e ao depoimento das testemunhas José … e Maria … (familiares da assistente, residentes em …), C… (reside junto aos prédios, avistando o caminho de sua casa), V… (Presidente da Junta de Freguesia de… desde 1998), A… (proprietário de um prédio próximo do prédio da assistente), M.. (conhece os prédios, o caminho e é sobrinho de MC..), D… (filha do arguido) e MF (que em 1967 comprou uma habitação junto aos prédios onde viveu vários anos), conjuntamente com a prova documental junta aos autos e de acordo com as regras da experiência e da normalidade da vida.
Factos Provados
No que respeita ao facto provado em a), valorou-se o documento de fls. 64 e 65 dos autos e relativamente aos factos referidos em i), j) e k) valoraram-se, respectivamente, os documentos de fls. 146 a 148, 142 a 145 e 149.
Relativamente aos factos referidos em b), d), 1), m), o) e p) o Tribunal atendeu primacialmente às declarações do próprio arguido que, não obstante a sua posição processual, de um modo claro, conciso e coerente relatou de forma circunstanciada o desenrolar dos factos.
A versão apresentada pelo arguido, em parte diferente da apresentada na acusação, conjuntamente com a demais prova produzida, logrou convencer o tribunal, na medida do que se considerou provado.
Na verdade, o arguido, de uma forma espontânea e convicta, relatou que, pelo menos desde 1997, circula pela passagem existente no prédio, agora, da assistente, uma vez que o anterior proprietário (MC…) sempre por aí acedera ao mesmo prédio e lhe dissera que o acesso se fazia pela aludida passagem. Por outro lado, referiu de um modo natural e sincero que sempre por ali passou sem que ninguém o tivesse proibido, até ao dia em que se deparou com as pedras de grandes dimensões colocadas pela assistente.
Por outro lado, as testemunhas M.., MD. e MF., confirmaram que o anterior proprietário do prédio que hoje é explorado pelo arguido passava pela passagem que atravessa o prédio da Assistente. Sendo que M é familiar de M C, afirmou de forma que nos apareceu verdadeira e sincera e situando os factos temporalmente, que o mesmo já lá passava há mais de 20 anos.
Assim, por um lado o arguido afirmou que o anterior proprietário lhe dissera que o caminho para aceder ao prédio era pela passagem/caminho em causa, sendo que o arguido, ainda antes de comprar o prédio, comprou a MC areia, deslocando-se até ao prédio sempre pela aludida passagem. E, por outro lado, as testemunhas confirmam que o anterior proprietário, também por aí passava com veículos automóveis. A própria testemunha M, prima da assistente, apesar de referir que era uma vereda, confirmou a passagem de MC, mencionando até diferentes aturas
Todos desconheciam se MC passava com autorização do proprietário ou se o fazia na convicção de que tinha direito de passagem.
Relativamente à existência ou não de uma passagem que atravessa o prédio da assistente, esta (a assistente) defende que apenas existia uma vereda, As testemunhas José e Maria iniciaram o seu depoimento afirmando igualmente que apenas existia uma vereda. Porém, quando questionados, Maria referiu que o Sr. C já passava com veículos automóveis, pelo menos há 11 anos, pela alegada vereda e José , apesar de não ter visto passar tractores, viu rastos no piso.
Mais, as testemunhas C.., M… e MF, pessoas que conhecem o local, porque residem (residiram) próximo do mesmo e até porque já utilizaram a dita passagem, num discurso coerente e lógico, referem que o “caminho” sempre lá esteve e que pelo mesmo passavam e passam veículos automóveis.
Até mesmo a testemunha AC, proprietário de um prédio contíguo do da assistente e que conhece o prédio desta desde os 10 anos de idade, afirmou que, se há 50 anos o conheceu como vereda, já é caminho há aproximadamente 10 anos.

Note-se ainda que do confronto da carta militar de 1966 (vigorou até 2000) com a cópia da carta militar de 1998 junta aos autos, e confirmada pela testemunha V.., presidente da Junta de Freguesia de .., que mostrou o original, já em 1998 existia no local, pelo menos, um “caminho carreteiro” com 2 a 2,5 metros de largura, que não consta da carta militar de 1966.
Por fim, refira-se que o Regadio da Cova da Beira informou (documento de fls. 171) não ter tido qualquer intervenção no prédio referido em a), ao que acresce que a intervenção na freguesia em causa apenas ocorreu nos anos de 2004 e seguintes, tal como foi confirmado pelas testemunhas V.., AC.. e M... Deste modo, não logrou convencer a versão da assistente de que o “caminho carreteiro” constante da carta militar de 1998 se fica a dever à intervenção do Regadio.
Esclareça-se ainda que a assistente e os familiares (testemunhas José e Maria, que prestaram depoimentos pouco consistentes quanto a existência ou não da passagem) apesar de dizerem que conhecem bem o imóvel referido em a), a verdade é que a assistente vive em Lisboa, tal como o pai viveu, e os primos vivem em C…, deslocando-se ao prédio poucas vezes, razões pelas quais não convenceram o Tribunal de que o que existia no prédio da assistente era uma mera vereda e que apenas o arguido em 2007 aí abrira uma passagem.
Ora, conjugando as declarações do arguido, os depoimentos de CP, M, MF, AC, V, José e Maria, bem como a prova documental junta aos autos, o Tribunal ficou convencido de que a passagem que atravessa o prédio da assistente já existe pelo menos desde há mais de 20 anos, bem como que há mais de 20 anos que por ai passam veículos automóveis.
Não infirma esta conclusão as divergências que ocorreram entre os diversos depoimentos sobre se apenas passariam tractores ou se poderiam também passar carros ou camiões de 8 toneladas, e se os mesmos se riscariam ou não, uma vez que isso não invalida que passassem veículos automóveis pelo local.
Por outro lado, as testemunhas CP, AC; e M (a primeira porque vive a 10 metros da passagem, o segundo porque tem um prédio contíguo ao da assistente e o terceiro porque se deslocava ao local com frequência quando o terreno descrito em i) era de MC todos com perfeito conhecimento do local, afirmaram, de forma espontânea e serena, já ter avistado o arguido a passar, durante o dia, pela passagem que atravessa o prédio da assistente, com diversas viaturas.
Relativamente à convicção do arguido de que podia passar pela passagem que atravessa o prédio da assistente e de que não lesava direitos de terceiro com tal passagem, o Tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida conjugadamente com as regras da experiência e da normalidade, pois se foi dito ao arguido que o acesso ao prédio por si explorado se fazia por tal local, se ele sempre o fez por aí sem nunca ter sido impedido, se terceiros igualmente circulavam pelo local é credível que considere que pode passar por tal local, não obstante não estar registada qualquer servidão de passagem.
Quanto à co1ocaçãto das pedras e sua posterior retirada, bem conto à sua dimensão e à forma como foram colocadas, o Tribunal valorou, por um lado, as declarações da assistente que confirmou ter pedido que fosse construído um muro, com vista a impedir a passagem pelo prédio, o que foi corroborado por José e Maria , que trataram, de facto da sua colocação e que o primeiro viu. Atendeu-se, ainda às declarações do próprio arguido que afirmou ter visto pedras de grandes dimensões (urna tonelada) a impedir a passagem para um terreno que cultiva e que admitiu que, dias depois, regressou com uma máquina ao local e afastou as ditas pedras.
Foi, ainda, confirmado pela testemunha CP, que com simplicidade, de forma data e espontânea, não obstante não saber quantas pedras se encontravam no local, declarou ter visto a passagem obstruída com pedras e que tempos depois as mesmas já lá não se encontravam. A colocação das pedras foi ainda corroborada pela testemunha AC que presenciou a sua co1ocação.
No que concerne â data em que tal ocorreu, atendeu principalmente aos depoimentos de José Mana, nesta parte isentos e coerentes entre si, porque trataram da sua co1ocação e foram avisados da sua retirada, e de um modo concordante, referiram que as pedras foram colocadas nos meses finais de 2007, e que foram retiradas uns meses depois, já em 2008.
Refira-se, ainda, que do depoimento das testemunhas José e Maria e CP e das declarações do arguido, resultou de forma evidente para o Tribunal que não foi construído qualquer muro, mas que apenas foram colocadas pedras de grandes dimensões que impediam a passagem.
A quantia que a assistente teta de gastar pata repor as pedras resulta do orçamento de fls. 71, conjugando-se ainda com a quantia que a assistente declarou ter gasto com a colocação das pedras.
Quanto à não autorização da assistente para que o arguido passasse pelo seu prédio, o Tribunal fundou a sua convicção não só nas declarações daquela como nas declarações do arguido que de forma concisa afirmou não conhecer a assistente.
A existência do outro caminho referido em 1) resultou do depoimento de José e, Maria e A C, que de forma coerente e unânime referiram a existência do mesmo, apesar de, acrescentaram, se encontrar parcialmente intransitável, por ter mato e giestas.
Relativamente ao facto referido em n) todas as testemunhas, o arguido e a assistente afirmaram de forma unânime que a passagem que atravessa o prédio da assistente entronca num outro caminho.
O elemento subjectivo decorre de toda a prova produzida conjugadamente com as regras da experiência, porquanto se o arguido sabe que as pedras se encontram num prédio de outra pessoa e as muda de lugar, inutilizando-as pata o fim a que lá se encontravam, não obstante considerar que tem direito de passar, é contrário à realidade da vida, pôr em dúvida ou afirmar que não sabe que a sua conduta é penalmente proibida.
No que concerne às condições pessoais, familiares e económicas (factos provados referidos em q) a t)), o Tribunal valorou as declarações do arguido, consideradas sérias e verdadeiras nesta parte.
Quanto aos antecedentes criminais valorou-se o teor do C.R.C. junto aos autos a fls. 88 e 89.

Factos não provados
No que concerne aos factos não provados, o facto referido em 1, resulta de ter sido contraditado pela prova produzida nos termos apurados, ou seja, de que a passagem já existia no local há vários anos e que por ai passavam outras pessoas com viaturas.
Quanto as exactas medidas da passagem foram as mesmas dadas por não provadas, por ausência de prova segura das mesmas.
E relativamente ao facto referido em 4, nenhum das testemunhas ouvidas se pronunciou sobre a pessoa e as qualidades do arguido.
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3. O Recorrente sustenta, em primeiro lugar, que a matéria provada (que não impugna e de que pretende prevalecer-se), não preenche os elementos descritivos do tipo de crime.
Louvando-se na matéria de facto dada como provada e na motivação que a suporta, o recorrente sustenta que a mesma não preenche os elementos do tipo objectivo e do tipo subjectivo.
A contradição invocada (subsumida na resposta do MºPº ao erro notório de apreciação da prova) mais não é do que a contradição entre a matéria de facto tal como vem definida e o enquadramento jurídico-penal dessa matéria de facto. Radicando em que a consciência e vontade de dano conflituam com a convicção da existência do direito de passagem que vinha sendo exercido há muito e que a assistente bloqueou á revelia dos utentes.
Por outro lado, atento o princípio in dubio pró reo, perante duas asserções fácticas incompatíveis, sempre prevaleceria aquela que favorece o arguido.
Posto isto
Pratica o crime de dano imputado ao arguido, nos termos do artigo 212º/1 do Código Penal, “Quem destruir no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia (…)”.
A par da lesão da substância da coisa (dano ou destruição) propriamente dita, enquanto alterações da substância das coisas móveis, o tipo prevê o acto de a tornar não utilizável, e, por último, a mera desfiguração de coisa alheia.
O código alargou assim o conceito de dano ou lesão da substância à inutilização para a função da coisa, da utilidade ou vantagem funcional a que se destina.
E ainda aqueles casos em que o agente, em vez de atingir a substância ou a função da coisa, se limita a alterar a sua aparência (desfiguração). Cabendo na desfiguração actos como pintar, sujar, colar coisas sobre ela de forma a alterar de forma relevante a sua aparência.
Sendo certo que, em qualquer dos casos, deve existir um dano económica ou socialmente relevante, em conformidade com o princípio da dignidade penal que constitui “um momento não escrito do tipo, que dá expressão aos princípios da proporcionalidade, dignidade penal e subsidiariedade, segundo o qual o direito penal só deve intervir contra factos de inequívoca danosidade social” – cfr. Costa Andrade, Comentário Conimbricence ao Código Penal, em anotação ao citado art. 212º.
Surgindo a dignidade e a carência de tutela penal como referências de uma doutrina teleológico-racional do crime – ccfr. O mesmo autor, desenvolvidamente, na RPCC, 1992, p. 173º a 205, bem como Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Coimbra Editora, 2004, p. 621.
Assim, a conduta típica, em qualquer das 4 modalidades referidas, enunciadas no art. 412º, deve atingir o limiar da dignidade penal suposto na definição do tipo de crime.
A que acrescem os elemento do tipo subjectivo doloso, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal. No caso a representação, e vontade de “destruir, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável” coisa alheia, sabendo que praticava um ilícito penal.
O dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou conhecimento dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade de realização daqueles elementos do tipo objectivo) nas modalidades nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - actuação com intenção de realizar o facto típico (dolo directo); aceitação da realização dos elementos do tipo objectivo como consequência necessária da conduta (dolo necessário); e conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível (dolo eventual). A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. De Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.

No caso, a acção imputada ao arguido como constitutiva do crime, consiste em, como refere a sentença recorrida (página 12) “afastar as pedras que a assistente tinha colocado num terreno seu, com vista a impedir que terceiros e também o arguido, por aí passassem”.
A matéria de facto correspondente encontra-se descrita na alínea d) da matéria provada: “(…) o arguido procedeu ao afastamento das pedras colocadas mais ao centro, para, deste modo, continuar a passar pela passagem referida (…)”.
Não existe, pois, um dano enquanto destruição ou inutilização da função seja do que for, pois que se trata do mero afastamento das pedras colocadas mais ao centro. Sem que venha alegado que as pedras sofreram dano ou afectação relevante da função uma vez que se tratava de pedras (soltas, encostadas umas ás outras) colocadas no leito do caminho.
Se efectivamente o dano deva ser visto na perspectiva da utilidade/funcionalidade do titular da coisa, não é menos certo que o facto imputado ao arguido (simples afastamento de pedregulhos) na perspectiva da dignidade penal inerente ao crime, deveria a acusação fornecer elementos de onde pudesse retirar-se que o simples afastamento das pedras constituía, no caso concreto, um efectivo dano para o lesado, caracterizando o dano/destruição ou o dano/função socialmente relevante com a densidade/dignidade inerente ao ilícito penal.
Ora, a este respeito, ao contrário do que é referido a certo ponto da fundamentação jurídica da sentença, as pedra não foram colocadas pela assistente “para vedar a sua propriedade”. Mas antes, de acordo com a matéria provada, “para impedir dessa forma a passagem”.
Aliás como leito de passagem encontrava-se necessariamente “dentro” do prédio da assistente, pelo que, ao bloqueá-la com pedregulhos a assistente não podia estar a “vedar” a propriedade do exterior mas antes a obstruir um caminho existente dentro dela.
Por outro lado o prejuízo resultante da acção do arguido, tal está descrito na sentença recorrida em conformidade com a acusação [al. c) da matéria provada] radica em que “a Assistente, para repor os róros e transformar a passagem referida em b) despenderá a quantia de € 500,00, acrescida de IVA”.
Ou seja, o dano imputado não é aquele que foi causado pelo arguido com o afastamento das pedras ou a “desobstrução do caminho”. Nem a despesa necessária à recolocação das pedras no local de onde o arguido as afastou (único acto praticado pelo arguido). Mas a reposição de uns róros e “transformação da passagem” cuja destruição não vem imputada ao arguido.
De onde resulta claro que o dano referido na sentença não é consequência/efeito muito menos adequado, da acção imputada na acusação, descrita na sentença.
Não existe assim, de acordo com a matéria provada, o dano relevante suposto pelo tipo objectivo de crime.
E não existindo os elementos do tipo objectivo, não pode, por impossibilidade, existir dolo de dano.
Pelo que se impõe a procedência do recurso.

De qualquer forma se, como resulta da matéria provada, o arguido pretendia salvaguardar o direito de passagem que julgava assistir-lhe e actuou com esse finalidade, limitando-se a afastar, para o efeito, umas pedras soltas que obstruíam a passagem, em princípio, não podia ter actuado com a previsão e vontade de destruir danificar objecto/obra alheia contra uma imposição legal. Tanto mais que não se trata de uma destruição/danificação gratuita mas apenas do mero “afastamento das pedras colocadas mais ao centro” o mesmo é dizer com a dimensão estritamente necessário ao fim em vista.
Pelo que, nas duas perspectivas antagónicas – convicção do exercício do direito de passagem no quadro objectivo do mero afastamento dos pedregulhos colocados no centro do caminho, versus representação e vontade de danificar ilicitamente o património alheio – a decisão sempre violaria o princípio in dubio pró reo. Impondo-se a correcção da matéria de facto, em conformidade.
O que reforça a conclusão a que se chegou.
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No que toca à indemnização arbitrada, improcedendo a acção penal, atenta a identidade de fundamento (acção ilícita culposa, nexo de causalidade adequada entre acção e resultado), improcede também o pedido de indemnização civil que tem aquela como pressuposto.
Aliás o dano provado não resulta da conduta imputada ao arguido na acusação, pelo que nem se coloca a questão de imputação do mesmo a título meramente culposo ou com base no risco.
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III
Nestes termos decide-se julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo o arguido do crime e do pedido de indemnização civil contra si formulado nos autos.
Custas pela assistente – art. 515º, 1, c) do CPP, vencido no recurso em que tenha feito oposição – fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC