Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4337/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CASO JULGADO
Data do Acordão: 03/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA EM PARTE
Legislação Nacional: ART.º 84º E 468º, N.º 1, DO C. P. PENAL
Sumário: Para que se verifique a existência de caso julgado impõe-se que o tribunal tenha apreciado efectivamente as questões que vêm submetidas Segunda vez à sua apreciação, com o mesmo fundamento e na perspectiva da subsunção a determinado tipo legal de crime.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM AUDIÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I. RELATÓRIO
1. Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida decisão (acórdão - cfr. fls. 538 a 553) que, julgando a acusação parcialmente procedente, decidiu:
- Condenar o arguido A... como autor de um crime de fraude fiscal p e p pelo art. 23º, n.º1, n.º2, alínea a) e n.º 3, alíneas a) e f) do RJIFNA, na redacção dada pelo DL 394-A/93 de 24.11. na pena 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros)
- Condenar a arguida B...., como autora de um crime de fraude fiscal p e p pelo art. 23º, n.º1, n.º2, alínea a) e n.º 3, alíneas a) e f) do RJIFNA, na redacção dada pelo DL 394-A/93 de 24.11, na pena respectivamente de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros).
- Julgar extinta, por prescrição, a responsabilidade criminal dos arguidos quanto aos restantes crimes de fraude fiscal por que vêm acusados, absolvendo os arguidos nessa parte da acusação.
- Absolver os arguidos da instância relativamente ao pedido de indemnização civil, por litispendência, dado estar pendente processo de execução fiscal.
*
2. De tal acórdão recorreu o arguido, sustentando, além do mais, a revogação da decisão da matéria de facto – pontos 9 a 17 da matéria provada - e a prescrição do procedimento criminal. Recorreu também o digno magistrado do MºPº, pretendendo que fosse revogada a decisão, na parte em que declarara extinto, por prescrição, o procedimento criminal quanto ao crime de fraude fiscal referente ao IRC do ano de 1993.
*
3. Em apreciação dos aludidos recursos, este Tribunal da Relação através do acórdão exarado de fls. 724 a 739, decidiu:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido relativamente à matéria do recurso que foi apreciada.
- Julgar procedente o recurso interposto pelo MºPº, revogando a decisão recorrida no segmento em que considerou extinto por prescrição o crime de fraude fiscal referente ao IRC do ano de 1993, devendo proferir-se nova decisão que aprecie a factualidade decorrente da prática desse crime, com as consequências a nível da medida da pena final.
**
4. Tendo baixado os autos de novo à primeira instância, foi proferido novo acórdão (cfr. fls. 787-800) que decidiu:
- Condenar o arguido A... como autor de dois crimes de fraude fiscal p e p pelo art. 23º, n.º1, n.º2, alínea a) e n.º 3, alíneas a) e f) do RJIFNA, na redacção dada pelo DL 394-A/93 de 24.11, nas penas respectivamente de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros);
- Condenar a arguida B.... como autora de dois crimes de fraude fiscal p e p pelo art. 23º, n.º1, n.º2, alínea a) e n.º 3, alíneas a) e f) do RJIFNA, na redacção dada pelo DL 394-A/93 de 24.11, nas penas respectivamente de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00 (cem euros);
- Condenar cada um dos arguidos na pena unitária de 360 dias de multa à taxa diária de € 100,00 (cem euros).
***

5. Recorre, de novo, o arguido, rematando a motivação com as seguintes CONCLUSÕES:
1) Se analisarmos devidamente a prova produzida em julgamento, bem como os documentos e outros elementos de prova juntos aos autos, nunca se poderia ter decidido nos termos do Acórdão recorrido.
2) Tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento nunca se poderiam ter dado como provados os factos indicados sob os n.0s 9), 10), 11), 12), 13), 14), 13), 14), 15), 16) e 17) dos factos dados como provados na decisão recorrida.
3) Da prova produzida em sede de audiência de julgamento, com o devido respeito, não existe matéria suficiente para se poder ter considerado como certo que: O arguido A..., não obstante ter perfeito conhecimento de que as aludidas facturas não correspondiam a quaisquer fornecimentos de bens ou serviços à sociedade arguida por parte da sociedade C..., nem a quaisquer pagamentos à sociedade C..., introduziu-as na contabilidade da sociedade A..., conhecedor do funcionamento dos mecanismos do IVA e do JRC, apercebendo-se da possibilidade de diminuir o pagamento dos impostos devidos ao Estado. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu em nome e no interesse da sociedade B.... Fê-lo com intenção de não pagar IRC relativo aos rendimentos da sociedade B...., nos anos de 1992 e 1993 e com intenção de diminuir o montante de IRC a pagar relativamente ao rendimento da sociedade no ano de 1994 c ainda com intenção de não pagar ao Estado o IVA por si devido.
4) Veja-se nesse sentido o que foi dito em sede de audiência e julgamento, nomeadamente através dos depoimentos de: D... conforme depoimento registado na cassete n.0 1 do Lado a de voltas 334 a 3470 e Lado B de voltas 3 a 994, E..., conforme depoimento registado na cassete n.0 1 do Lado B de voltas 994 a 3470 e cassete n.0 2, Lado A, de voltas 3 a 2931, F..., conforme depoimento registado na cassete n.0 2 do Lado B de voltas 3 a 1957, G..., conforme depoimento registado na cassete n.0 2 do Lado B de voltas 1958 a2134
5) Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de julgamento, ou aos documentos juntos não resulta qualquer prova suficiente que permita decidir condenar o arguido do modo como o foi.
6) Não se fez assim na decisão recorrida uma correcta interpretação da prova produzida, dos elementos constantes dos autos, bem como se efectuou uma deficiente interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto.
7) Mesmo que fosse correcto, que não é, o raciocínio vertido na decisão recorrida, nomeadamente quanto à culpabilidade do arguido, em termos de fixação de pena a decisão recorrida é extremamente gravosa para o arguido.
8) Condenar-se o arguido a pagar 360 dias de multa à taxa de 100 Euros diários é manifestamente excessivo e incomportável para o arguido.
9) Condenar-se uma pessoa que teve um rendimento bruto de 5.778 Euros (cfr. ponto 21 dos factos provados) a pagar uma multa de 30.600 Euros, é manifestamente excessivo e incomportável para o arguido.
10) Seria, tendo em conta, o grau de ilicitude (mínimo já que ficou apurado que o arguido actuou em nome da sociedade), a conduta (exemplar) demonstrada pelo arguido antes e desde a data dos factos até ao presente, bem como atendendo às suas condições pessoais e económicas, mais adequado aplicar-se ao arguido uma multa não inferior a € 1.000,00 (mil Euros).
11) Quantia esta que seria mais adequada e proporcional para o arguido, em caso de se entender que o mesmo deveria ser punido.
12) Ou, ainda face ao montante de multa que foi aplicado ao arguido seria sempre mais adequado ao caso do arguido aplicar-se uma pena de prisão na forma de pena suspensa.
13) Pena esta que seria sempre melhor comportável pelo arguido.
14) Caso venha a manter-se a pena de multa no montante fixado pelo Tribunal “a quo”, o arguido acabará por ter de ir parar à prisão visto que não tem possibilidade de arranjar 30.600 Euros para pagar a multa que foi condenado.
15) É manifestamente impossível ao arguido conseguir a quantia de 30.600 Euros para pagar a referida multa.
16) A multa que foi aplicada ao arguido é manifestamente excessiva, bem como e prejudicial para o arguido, dado que, a manter-se, a mesma nunca poderá ser paga e conduzirá o arguido a cumprir pena de prisão com todos os efeitos criminólogos daí advenientes.
17) Estamos perante uma pena que não irá contribuir para a reintegração do arguido no convívio social — antes pelo contrário.
18) A decisão recorrida é nula porque não indica os vectores que determinaram a escolha das medidas da pena aplicada ao arguido.
19) O Acórdão recorrido é nulo nos termos do artigo 3790 do Código do Processo Penal.
20) Isto porque condena o arguido apesar da sua decisão não ser corroborada pela prova produzida em julgamento.
21) 0 Acórdão recorrido não interpretou devidamente as normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, pois condenou o arguido por crimes cujos requisitos não se encontravam totalmente verificados.
22) Assim como não resulta que o arguido tivesse preenchido os tipos de crime pelos quais foi condenado.
23) Estamos em Junho de 2005.
24) Os factos que aqui estão em discussão, e tendo em conta a matéria dada como provada no Acórdão recorrido, ocorreram em 1992, 1993 e 1994.
25) Passaram 1 3, 12 e 11 anos respectivamente, sobre a prática dos factos.
26) Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 15º do RJIFNA, o procedimento criminal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos.
27) Como sobre a prática dos factos passaram já respectivamente 13, 12, e 11 anos, dúvidas não existem de que o procedimento criminal já prescreveu.
28) A prescrição é de conhecimento oficioso.
29) Isto é, não necessita a parte de invocar tal ocorrência.
30) Já assim foi decidido no Acórdão n0 3/2003, de 7 de Maio de 2003.
31) Deverá Revogar-se o Acórdão recorrido.
32) A decisão recorrida viola o disposto nos artigos 1º, al. f), 97º, 120º n.º 1, al. d), 328º, 358º, 373º, nº 1, 374º, n.º 2 e 379º do CPP; 13º, 17º, 27º, 28º, 29º e 32º da C.R.P.
**

6. Respondeu o digno magistrado do MºPº, sustentado que o recurso do arguido é em tudo idêntico ao interposto a fls. 564 e segs., dividindo-se em duas partes: uma relativa á matéria de facto já analisada e objecto de decisão pelo Acórdão proferido a fls. 586 e sgs., que por isso constitui caso julgado; outra relativa á medida da pena, relativamente à qual renova os argumentos aduzidos na resposta ao anterior recurso (onde tomava posição pela manutenção da decisão dado a pena aplicada ser favorável ao arguido, sendo que a aplicação da pena de prisão suspensa na execução devia ser sempre condicionada, nos termos doa rt. 11º, n.º7 do RJIFNA ou 14º do RGIT, ao pagamento da prestação tributária).
No visto a que se reporta o art. 416º do CPP o Ex. Mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer concordante com a resposta.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP.
Corridos os vistos, tendo-se procedido a julgamento em audiência, mantendo-se a validade e regularidade afirmadas no processo, cumpre conhecer e decidir.
***

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Sintetizando as questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões do recurso temos as seguintes: prescrição do procedimento criminal; revogação da decisão da matéria de facto descrita sob os n.ºs 9 a 17 como matéria provada na decisão recorrida, com base na reapreciação da prova produzida em audiência; medida da pena, reputando-se exagerado o quantitativo da pena de multa aplicada e sustentando-se que “seria sempre mais adequado ao caso uma pena de prisão na forma de pena suspensa”.
No entanto, dado que a sentença final do Tribunal de 1ª instância já foi objecto de anterior recurso, importa, em primeiro lugar, definir em que medida o anterior acórdão deste Tribunal da Relação a que se fez referência supra, constitui caso julgado.
Por facilidade de exposição, importando definir as concretas questões de que o anterior Acórdão do Tribunal da Relação apreciou e decidiu, designadamente no recurso sobre a matéria de facto, conhecer-se-á da excepção de caso julgado depois de vista a decisão da matéria de facto, quer porque são suscitadas outras questões, quer porque a questão mais facilmente se equaciona em função de tal matéria
***

2. A decisão da matéria de facto recorrida
A) Factos provados:
1. O arguido A... é sócio gerente da arguida e o único responsável pela sua gestão e funcionamento.
2. A sociedade tem como actividade principal a construção civil e obras públicas.
3. A sociedade B..., introduziu na sua contabilidade as facturas com os números 365, 369, 372, 374, 375, 377, 379, 381, 383, 385, 387, 389, 391, 395, 401, 406, 411, 415, 417, 519, 531, 539, 545 e 560, datadas dos anos de 1992, 1993 e 1994.
4. Nas facturas consta como emitente a sociedade C..., com sede em Rua das Figueiras, 6, Fanhais, Nazaré, da qual era sócio gerente H....
5. A sociedade C... não desenvolve qualquer actividade desde, pelo menos, 31 de Dezembro de 1991.
6. A sociedade C... não forneceu à sociedade B..., nenhum dos bens ou serviços designados nas facturas atrás referidas.
7. A sociedade B..., não pagou à C..., nenhuma das quantias constantes das facturas supra referidas.
8. Não existem na contabilidade da arguida quaisquer recibos de quitação referentes ao pagamento das facturas supra referidas.
9. O arguido A..., não obstante ter perfeito conhecimento de que as aludidas facturas não correspondiam a quaisquer fornecimentos de bens ou serviços à sociedade arguida por parte da sociedade C..., nem a quaisquer pagamentos â sociedade C..., introduziu-as na contabilidade da sociedade A..., conhecedor do funcionamento dos mecanismos do IVA e do IRC, apercebendo-se da possibilidade de diminuir o pagamento dos impostos devidos ao Estado.
10. Em consequência da introdução das referidas facturas na contabilidade de B..., a matéria colectável constante das declarações modelo 22 do IRC relativa aos anos de 1992, 1993 e 1994, ficou diminuída.
11. Deste modo, na declaração modelo 22 do IRC relativa ao ano de 1992, apresentada na 2~ Repartição de Finanças do Concelho de Leiria, em 11 de Junho de 1993, em vez do prejuízo fiscal declarado de 458 259$00 deveria ter figurado o lucro tributável de 26 498 881$00, correspondente a IRC no montante 9 672 092$00.
12. Na declaração modelo 22 do IRC relativa ao ano de 1993, apresentada em 30 de Maio de 1994, em vez do prejuízo fiscal declarado de 5 591 589$00 deveria ter figurado o luro tributável de 9 045 671$00 correspondente a IRC no montante de 3 301 670$00.
13. Na declaração modelo 22 do IRC relativa ao ano de 1994, apresentada em 30 de Maio de 1995, em vez e figurar o lucro tributável declarado de 295 676$00 deveria ter figurado o luro tributável de 15 017 594$000, correspondente a IRC no montante de 5 481 422$00.
14. Em consequência da introdução das referidas facturas na contabilidade de B..., esta sociedade deduziu as seguintes quantias a título de IVA: 4 313 141$00, em 1992; 2 341 962$00 em 1993; 2 355 507$00 em 1994.
15. As importâncias atrás referidas ainda não foram pagas ao Estado.
16. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu em nome e no interesse da sociedade B....
17. Fê-lo com a intenção de não pagar IRC relativo aos rendimentos da sociedade B..., nos anos de 1992 e de 1993, e com a intenção de diminuir o montante do IRC a pagar relativamente ao rendimento da sociedade no ano de 1994, e ainda com a intenção de não pagar ao Estado Imposto sobre o Valor acrescentado por si devido.
18. Em 19 de Maio de 2000 nada constava no registo criminal acerca do arguido.
19. O arguido desenvolveu a sua actividade profissional na área da construção civil, onde se iniciou aos 18 anos.
20. Actualmente trabalha por conta de outrem.
21. No ano de 2003 o arguido auferiu o rendimento bruto de 5.778 euros.
22. O arguido vive com a mulher e uma filha, ainda estudante.
23. O arguido participou, na localidade da sua residência, em actividades associativas.
24. O arguido goza de consideração social no meio onde vive.
25. A sociedade Rui Lopes, Limitada, tem pendentes contra si vários processos de execução fiscal, no 20 Serviço de Finanças de Leiria.
26. Actualmente a sociedade não exerce qualquer actividade.
*
B) Factos não provados:
27. A sociedade B..., não possui alvará para concorrer directamente à construção de obras.
28. H... é irmão do arguido A....
29. A sociedade B..., sempre cumpriu as suas obrigações fiscais atempadamente;
30. A sociedade B... possui escrita de forma a merecer a fé e não tem passado contra-ordenacional.
*
C) Motivação/ exame crítico das provas
Para a convicção do tribunal de que a sociedade B... se dedica à construção civil e obras públicas e que A... é sócio gerente da referida sociedade foram decisivos os documentos juntos aos autos de fls. 68 a 74 (certidão da Conservatória do Registo Comercial relativa à sociedade e a escritura de constituição>
Para a convicção de que o arguido A... introduziu na contabilidade da empresa as facturas cujas cópias estão juntas de fls. de fls. 30 a 53 concorreram as cópias dessas facturas, as cópias dos documentos de fls. 54 a 59 e o depoimento de E..., inspectora tributária. A testemunha confirmou os factos, justificando o seu conhecimento com a circunstância de ter procedido, em 1995, à inspecção da contabilidade da sociedade Mário Rui Lapes, Limitada.
Para a convicção da tribunal de que a sociedade C... não desenvolvia qualquer actividade a partir de, pelo menos, 31 de Dezembro de 1991, e de que as facturas supra referidas não correspondiam à prestação de quaisquer serviços e que o montante que nelas figura não foi pago, concorreram os documentos juntos de fls. 22 a 24 e o depoimento de E....
Os documentos de fls. 22 a 24 evidenciam que a administração fiscal, perante a falta de quaisquer declarações fiscais por parte da referida sociedade, averiguou a sua actividade, concluindo não só que os sócios estavam em paradeiro incerto mas também que a mesma não exercia qualquer actividade.
E..., inspectora tributária, no decurso da inspecção efectuada â sociedade B..., deslocou-se ao local que figurava como sede da empresa C... e verificou que ai laborava outra empresa. Além disso, não lhe foi possível recolher quaisquer elementos relativos a essa sociedade (C...), pois quem ocupava o local fazia-o há vários anos e não tinha conhecimento sequer da existência da sociedade C.... A testemunha referiu, ainda, que a última declaração fiscal relativa à C... dizia respeito a rendimentos de 1991.
Conjugando estes meios de prova, o tribunal adquiriu a convicção de que a empresa C... não desenvolvia qualquer actividade desde pelo menos o final de 1991.
Desta realidade extrai-se a conclusão de que as facturas supra referidas não correspondiam à prestação de quaisquer serviços por parte da C... e de que o montante que nelas figura não foi pago.
Esta conclusão foi corroborada por outras partes do depoimento de E.... Assim, a testemunha afirmou que, na contabilidade da arguida, não existiam quaisquer guias de transporte do material referido nas facturas, não lhe foi apresentada nenhum das orçamentos mencionados nas facturas, nem havia quaisquer recibos demonstrativos do pagamento das facturas.
Por outro lado, não existia na contabilidade o registo de quaisquer pagamentos à sociedade C... pela realização de trabalhos designados nas facturas.
Conjugando todas estas circunstâncias, o tribunal adquiriu a convicção segura de que as facturas não correspondiam ao fornecimento de quaisquer bens ou serviços, nem deram origem a qualquer pagamento.
Não se ignora que os arguidos procuraram demonstrar a veracidade dos fornecimentos e dos pagamentos através dos depoimentos de F... e dos documentos juntos aos autos de fís. 459 a 481.
Aida Fernandes, empregada de escritório de A...., afirmou que a firma C... prestou serviços à sociedade Maria Lopes, em várias obras, designadamente em Pataias, Monsaraz e Marrazes (Portucel)
O seu depoimento não pôs, no entanto, em causa a convicção do tribunal. Em primeiro lugar, a testemunha, instada a dizer quando é que esses trabalhos foram feitos, não soube responder. Em segundo lugar, referindo-se a urna das obras a da Portucel, afirmou que os trabalhos realizados pela C... não tinham relação com trabalho de serventes e pedreiros, pois tratou-se de “fazer e desfazer paletes”. Ora, examinando as facturas, vemos, nas que estão juntas a fís. 31, 32 e 43, referências a uma obra da “Portucel”. Porém, as mesmas dizem respeito a “horas de servente e de pedreiro”, a “horas de limpeza” e a “mão de obra e materiais”.
Quanto aos documentos de fls. 459 a 481, tendo a empresa sido alvo de fiscalização e tendo sido solicitado pela Exma. inspectora tributária documentos relacionados com o fornecimento de bens e serviços designados nas facturas, não se compreende a razão pela qual só nesta fase processual foram apresentados.
O certo é que esses documentos não merecem qualquer credibilidade ao tribunal, pois, não tendo a sociedade C... qualquer actividade desde pelo menos finais de 1991, os referidos documentos não foram emitidos por essa sociedade. Por último, o documento junto a fís. 481, com data de 3 de Maio de 1991, não demonstra só por si a realização dos trabalhos nele indicados, nem demonstra que esses trabalhos tenham alguma relação com os designados nas facturas.
Para a convicção do tribunal de que, por efeito da contabilização das facturas, verificou-se uma diminuição da base tributável nas declarações de IRC relativamente aos anos de 1992 1993 e 1994
E concorreram as cópias das declarações juntas a fls. 76 a 79, 88 a 91 e fls. 104 a 107 e o depoimento de E..., que explicou em audiência o apuramento dos valores para efeitos de IRC e de IVA.
A afirmação de que nada constava no registo criminal acerca do arguido A... assentou no certificado de registo criminal junto aos autos, fls. 281.
Para a convicção do tribunal quanto à situação pessoal e profissional do arguido A... concorreram os documentos juntos aos autos a fls. 503, 504, 505, 506, 507 e 508 e o relatório social junto aos autos (fls. 532 a 535)
Para a convicção do tribunal de que a sociedade Rui Lopes, Limitada, tem pendentes contra si vários processos de execução fiscal, no 20 Serviço de Finanças de Leiria, concorreram os documentos juntos a fls. 511 a 513.
Para a convicção de que essa sociedade não exerce qualquer actividade concorreu o relatório social onde é mencionado esse facto, bem como a circunstância colhida a fls. 502, segundo a qual os Serviços do IVA cancelaram o registo da sociedade para efeitos de IVA.
O tribunal não considerou demonstrados que a sociedade B..., não possui alvará para concorrer directamente à construção de obras e que H... é irmão do arguido A... por estes factos não terem sido confirmados pela prova produzida.
O tribunal não considerou demonstrados os restantes factos por não terem sido confirmados pela prova produzida.
***

3. Apreciação
3.1. Questão prévia - caso julgado
O C.P.P. vigente apenas se refere pontualmente ao caso julgado (v.g. arts. 84º e 468º, n.º1), não regulando forma sistemática esta excepção dilatória, como é qualificada pelo art. 498º, al. i) do C.P.C.. Excepção que obsta a que o tribunal conheça (de novo) de questão já antes decidida – cfr. 493º, n.º2 do mesmo diploma.
Apesar disso não se levantam dúvidas sobre a aplicação deste instituto nesta jurisdição, desde logo por aplicação do princípio ne bis in idem consagrado no art. 29º, n.º5 da Constituição.
Sendo certo que nos termos do art. 4º do CPP “nos casos omissos se observam as normas de processo civil que se harmonizem com o processo penal” - no sentido da aplicação subsidiária do CPC ao caso julgado onde espírito do CPP não contrariar, cfr. Maia Gonçalves anotação ao art. 4º do seu CPP e Germano M. da Silva – Curso de Processo Penal, I, 91-92
Aliás o CPC contém dois artigos (674º-A e 674º-B) relativos ao efeito do caso julgado penal em matéria cível conexa com a criminal.
Ora, nos termos do art. 673º do CPC “a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga”.
O caso julgado pressupõe assim que o tribunal tenha que se pronunciar de novo sobre uma questão idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – art. 498º, n.º1 do CPC.
Ou seja quando o tribunal tenha que apreciar de novo uma questão já antes decidida, relativa às mesmas pessoas, com os mesmos fundamentos.
A “repetição da causa” pressupõe, para além da identidade de sujeitos da relação jurídica, a identidade dos fundamentos em que assenta e a identidade do efeito pretendido ou da pretensão formulada com base naquele fundamento – cfr. art. 497º do CPC que se refere a “identidade de partes e de pedido”.
Qualificando o art. 498º do CPC nos seus n.ºs 3 e 4 o pedido como o “efeito jurídico” pretendido e a causa de pedir como o “facto jurídico de que procede pretensão deduzida”.
Tendo em vista a certeza e segurança do direito, evitando “que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – cf. art. 497º, n.º2 do CPC.
E ainda, no processo penal, a garantia e salvaguarda dos direito do cidadão que não poderá ser submetido a novo processo e julgamento com os mesmos fundamentos - ne bis in idem material e processual ou da posição de arguido, na expressão de Damião da Cunha (O Caso Julgado Parcial, ed. Da Universidade Católica do Porto, p. 141 e 483).
Assim, para que se verifique a existência de caso julgado impõe-se que o tribunal tenha apreciado efectivamente as questões que vêm submetidos segunda vez à sua apreciação, com o mesmo fundamento, na perspectiva da subsunção a determinado tipo de crime.
*
No caso, percorrendo as conclusões do anterior recurso interposto pelo arguido (cfr. fls. 568, v., 569 e 470) e do presente recurso (supra transcritas), procedendo ao respectivo confronto, verifica-se, numa apreciação subliminar, o seguinte:
- As conclusões do presente recurso que vão do n.º1 ao n.º 22 inclusive, constituem reprodução textual, “ipsis verbis”, das conclusões do anterior recurso com a mesma numeração;
- As conclusões 23 e 24 do anterior recurso versam sobre a mesma questão sobre que agora versam as conclusões 23 a 30 – trata-se da mesma questão da prescrição do procedimento criminal, relativamente à qual os argumentos são precisamente os mesmos (mesmíssimos), ainda que com numeração diversa e “decomposta”.
De onde resulta que o recorrente renova (reproduz) as conclusões do anterior. Como se não tivesse sido proferido nos autos o acórdão incorporado a fls. 724-739, proferido por este Tribunal da Relação.
Assim, visto que as questões suscitadas pelo recorrente são precisamente as mesmas, para efeito de caso julgado, importa estabelecer, quais as questões agora trazidas à apreciação do Tribunal que já foram apreciadas e decididas pelo anterior acórdão proferido em recurso da decisão final. Ou seja, sendo óbvia a identidade do processo e respectivos sujeitos processuais, definir as questões sobre que o Tribunal da Relação já pronunciou e decidiu efectivamente.
Como se alcança do resumo da pretensão do recorrente formulada no primeiro recurso, nela impugnou a decisão da matéria de facto relativa aos pontos 9 a 17 da descrição da matéria provada – precisamente a mesma que agora renova, como resulta de se tratar das mesmas conclusões e é agora resumido na conclusão n.º2 e com as mesmas razões de fundo.
Por outro lado o Acórdão do Tribunal da Relação reapreciou essa pretensão do recorrente, sindicando a decisão sobre a matéria de facto em questão, em confronto com a prova produzida e a sua análise – cfr., com toda a clareza, a enunciação das questões a decidir e a apreciação efectuada ao longo das páginas 10, 11 e 12 do acórdão. Concluindo que “nenhuma censura merece pois a decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto” – cfr. penúltimo § da página 12.
De onde se conclui que sobre a reapreciação da matéria de facto ora questionada se verifica a excepção dilatória de caso julgado que obsta a nova apreciação, por ter sido apreciada e decidida, com os mesmos fundamentos.
O mesmo se diga no que toca à questão da prescrição do procedimento criminal – relativo aos dois crimes em apreço.
Na verdade a primeira decisão de 1ª instância, depois de ter definido a matéria da acusação provada e não provada, julgou extinto o procedimento quanto a todos os crimes imputados ao recorrente e à sociedade comercial de que era gerente, salvo o crime relativo ao IRC de 1994, apenas o condenado por esse único crime.
Tendo o recorrente suscitado a questão da prescrição relativamente ao crime por que fora condenado (IRC de 1994) o tribunal equacionou-a com toda a clareza e dirimiu-a ao longo da página 13, sob a epígrafe “B Da prescrição do procedimento criminal” concluindo “Termos em que se julga improcedente o recurso nesta parte”.
Acresce que, em apreciação do aludido recurso o Tribunal da Relação decidiu que o procedimento não estava prescrito quanto a tal matéria pela qual o arguido tinha sido condenado (IRC de 94).
Mas também relativamente ao IRC de 1993 – constitutivo do outro crime pelo qual os arguidos vêm condenados – o Tribunal da Relação se pronunciou, tendo julgado improcedente tal excepção e determinando que nessa parte o tribunal de 1ª instância se pronunciasse quanto a esse crime e pena a aplicar, como resulta do enunciado da decisão acima transcrito.
Resultando também evidente a existência de caso julgado quanto à excepção da prescrição do procedimento criminal pelos dois crimes pelos quais o arguido agora vem condenado.
Assim, tendo sido apreciadas e decididas, pelo anterior acórdão deste Tribunal, com base nos mesmos fundamentos, quer a questão da excepção da prescrição do procedimento criminal relativa aos crimes por que o arguido vem condenado (IRC de 1993 e IRC de 1994), quer a impugnação da decisão da matéria de facto, decide-se não conhecer de tais questões por verificada a excepção dilatória de caso julgado.
**

3.2. Alega depois o recorrente que “O Acórdão recorrido condenou o arguido por crimes cujos requisitos não se encontravam totalmente verificados” – conclusões 21-22.
Nos termos do art. 412º, n.º2 do CPP o recorrente tem o ónus não só de indicar as normas violadas, como ainda “o sentido em que o tribunal recorrido interpretou cada norma e o sentido em que devia ter sido aplicada”.
O arguido vem condenado por dois crimes de fraude fiscal - correspondentes às declarações de IRC de 93 e de IRC de 94 - em relação a vários outro que constavam da acusação foi declarado extinto o procedimento por prescrição.
Na fundamentação do recurso o recorrente não cumpre minimamente tal ónus, não invocando qualquer argumento de natureza jurídica que, tendo por referência a descrição do tipo de crime e consequente análise efectuada na decisão recorrida para ali subsumir a matéria de facto provada, seja susceptível de rebater a qualificação efectuada.
De qualquer forma, como se disse, o acórdão recorrido enuncia os pressupostos do crime cujo enunciado transcreve (cfr. fls. 794). Referindo depois, além do mais, na subsunção dos factos provados aqueles dispositivos legais previamente enunciados: “com efeito o arguido, recorrendo a facturas falsas, inscreveu como custos da empresa, o fornecimento de bens e serviços que efectivamente não foram fornecidos, não representando pois um custo da empresa. Mercê de tal actuação conseguiu que o resultado do exercício fosse em 93 negativo e em 94 fosse inferior ao que seria se não tivesse contabilizado custos daquelas facturas (…) deste modo, de cada vez que o arguido apresentou a declaração periódica de rendimentos com valores alterados nos termos acima descritos cometeu um crime de fraude fiscal”.
Ora, sendo linear esta fundamentação da decisão recorrida, tendo em vista os textos legais que invoca e descreve e o recurso às “facturas falsas” identificadas na matéria provada, com base nas quais viciou as declarações de IRC e a respectiva liquidação nos montantes definidos, não rebatendo o arguido minimamente aquela fundamentação nem invocando argumentos susceptíveis de por em causa tal enquadramento, devidamente explicitado em função dos tipos legais de crime devidamente identificados e transcritos, o recurso surge como manifestamente improcede nesta parte.
**

3.3. Vêm ainda suscitadas várias questões relativas à medida da pena.
Sobre este ponto invoca a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação – “por não indicação dos vectores que determinaram a escolha das medidas da pena aplicada”, como refere na conclusão n.º 18.
No entanto quanto à arguição da nulidade o recurso carece de fundamento porquanto o acórdão fundamenta a decisão de aplicação da pena de multa no disposto no art. 70º do C. Penal e a medida concreta desta nos rendimentos do arguido e encargos que como toda a pessoa tem que suportar. Aliás o recorrente questiona depois o mérito da decisão quanto a este ponto, evidenciando que bem a percebeu, tanto que a rebate a sua fundamentação.
Pelo que carece de fundamento a nulidade invocada.
Afastada a nulidade importa apreciar o mérito a pretensão quanto à pena aplicada.
Tendo sido condenado em pena de multa, sustenta o recorrente (conclusão 10ª): “tendo em conta o grau de ilicitude (mínimo já que ficou apurado que o arguido actuou em nome da sociedade), a conduta (exemplar) demonstrada pelo arguido antes e desde a data dos factos até ao presente, bem como atendendo às suas condições pessoais e económicas, mais adequado aplicar-se ao arguido uma multa não inferior a € 1.000,00 (mil euros)”.
Sustentando depois que “seria sempre mais adequado ao caso do arguido aplicar-se uma pena de prisão na forma de pena suspensa” – conclusão 12.
O que evidencia a ambivalência da posição do recorrente a respeito da pena, sem definir verdadeiramente o que pretende.
Aprecia-se em primeiro lugar a última perspectiva (aplicação de pena de suspensão da prisão) em face da ordem de precedência lógica estabelecida nesta matéria pelo art. 70º do C. Penal.
Adiantando-se liminarmente que mal se compreende esta pretensão do recorrente em ser condenado em pena de prisão, ainda que suspensa, quando foi condenado em pena de multa. De onde resulta que o recorrente pretende ver “agravada” a pena.
Na verdade, como salienta Maia Gonçalves, no seu C. Penal Anotado, 15ª ed., em anotação ao art. 70º, citando Germano Marques da Silva, não obstante o art. 49º do CP estabelecer para efeito de conversão de multa não paga em prisão não existe essa equivalência nas penas compósitas de pena de prisão ou de multa (…) Verifica-se assim que quando a lei estabelece um pena compósita, o que faz é estabelecer dois graus de gravidade na penalidade sendo que a pena de multa é sempre menos grave”.
Podendo assim sustentar-se que neste aspecto o arguido carece de interesse em agir (cfr. art. 401º, n.º2 do CPP) na medida em que pretende ver agravada a pena, o que está vedado ao tribunal de recurso, uma vez que o MºPº não interpôs recurso.
Obstando à aplicação da pena de prisão, no caso, o princípio da proibição de reformatio in peius consagrado no art. 409º do CPP. Na verdade postula o referido preceito, no seu n.º1: “Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido (…) o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes”.
Não pode assim o tribunal de recurso, ainda que “a pedido” do arguido aplicar, no caso, a pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução.
Não deixando de se salientar que dadas as necessidades de protecção do bem jurídico violado e a falta de arrependimento ou vontade de reparar o mal do crime, a pena de prisão melhor satisfaria, no caso, as finalidades da pena enunciadas no art. 40º do C. Penal. Com efeito, como tem decidido o STJ: “nos crimes fiscais puníveis, em alternativa, com pena de prisão ou multa, impõe-se a opção pela pena de prisão, dadas as fortes razões de prevenção geral, sempre que o benefício ilegítimo seja significativo” – cfr., por todos, o Ac. STJ de 06.05.2005, publicado na CJ/STJ, tomo I/2005, p. 165. Sendo certo, como refere ANABELA RODRIGUES (Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, II Vol., p. 481) “o sistema fiscal não visa apenas arrecadar receitas, mas também a realização de objectivos de justiça distributiva... é através dos impostos que o Estado realiza em grande parte os objectivos de justiça social que a sua dimensão democrática impõe”.
Acresce que em relação ao crime em apreço a própria lei (art. 11º, n.º7 do RJIFNA - e art. 4º do RJGIT) condiciona a suspensão ao pagamento dos valores em dívida e legais acréscimos.
Condição sobre que o recorrente faz tábua rasa, apesar de resultar de imposição legal expressa.
De resulta onde resulta que a pretensão do recorrente, invocando como fundamento a alegada insuficiência económica, sempre seria contrariada pela obrigatoriedade daquela condição.
Razões pelas quais esta pretensão é manifestamente improcedente.
*
Perspectivando agora a aplicação da pena de multa, verifica-se que o recorrente não questiona o nº de dias aplicado, mas apenas o valor ou montante global da mesma, por manifestamente excessivo, concluindo que deve ser fixada em quantia “não inferior a € 1.000,00 (mil euros).
O que, tratando-se de mera questão de valor, apenas pode radicar na taxa diária aplicada.
Quanto à taxa diária da multa o RJIFNA (regime aplicado no caso, em bloco, por mais favorável em concreto) estabelece como limites mínimo e máximo aplicáveis, respectivamente, € 10,00 e € 500,00. Baliza dentro da qual a decisão recorrida aplicou a taxa diária em € 100,00.
Amalgamando o recorrente os fundamentos do recurso e não podendo o tribunal de recurso optar pela aplicação da pena de prisão, a eventual alteração do valor (global) da pena de multa acaba por desvirtuar a economia da decisão recorrida no que toca à avaliação global da ilicitude e da culpa subjacentes.
Aliás a decisão recorrida optou pela pena de multa dentro da perspectiva da condenação inicial apenas por um crime. E toda a fundamentação da decisão, na opção pela pena de multa, radica nessa circunstância da condenação por um único crime. No entanto, a condenação agora em recurso, ainda que “aditando” a condenação pelo crime relativo ao IRC de 1993, por imposição do Acórdão da Relação, no que concerne à natureza da pena aplicada manteve na íntegra o que decidira da primeira vez quanto à natureza da pena a aplicar. Por outro lado a segunda condenação (ora recorrida), ainda que condenando por dois crimes por força da imposição do Tribunal da Relação, não equacionou alterar a espécie da pena aplicada antes. Sendo certo que na globalidade dos factos que suportam a dupla condenação traduzem um mais elevado grau de ilicitude, por estar em causa o IRC relativo a mais um ano e da própria culpa (duas resoluções criminosas) - e o valor do IRC ilicitamente apropriado, com base em facturas falsas, só no ano de 1993 ascende a 3.301.670$00 (facto n.º12).
De qualquer forma, o Código Penal vigente consagra o chamado modelo escandinavo dos dias de multa, segundo o qual a fixação desta pena pecuniária se faz através de duas operações sucessivas: na primeira determina-se o número de dias de multa, através dos critérios gerais da fixação das penas; e, na segunda, fixa-se o quantitativo de cada dia de multa, em função da capacidade económica do agente. – cfr. MAIA GONÇALVES, C. Penal Anotado, 15ª ed., em anotação ao art. 47º.
E a respeito da taxa diária da multa, preceitua o artigo 47º, n.º2 do C. Penal: A cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1,00 e € 498,80 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
De onde resulta que nesta segunda fase, para a definição do montante diário da multa relevam essencialmente critérios de natureza económica e financeira (n.º2 do art. 47º, supra transcrito). Ficando arredados, no que ora interessa, os critérios em que assenta a primeira operação.
No entanto o montante da multa não deve ser doseado por forma a que não represente qualquer sanção para o condenado, devendo representar um sacrifício real para o mesmo, sob pena de se desacreditar esta pena – cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 02.10.97, CJ/STJ, tomo III/1997, p. 184; Ac. RC de 13.07.1995, CJ, ano XX, t. IV, p. 48; Ac. RC, CJ, tomo IV/1995, p. 48.
Pelo que, tudo ponderado, atenta a matéria provada neste âmbito e os limites aplicáveis no caso, designadamente que o mínimo é de € 10,00 entende-se baixar a taxa diária aplicada de € 100,00 para € 20,00.
***

III. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se conceder parcial provimento ao recurso, fixando a taxa diária da multa aplicada em € 20,00 (vinte euros), julgando improcede o recurso em tudo o mais. ------
Atento o decaimento parcial o recorrente pagará 7 UC de taxa de justiça e 2/3 das restantes custas do recurso.