Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1387/08.2TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
RECURSO
Data do Acordão: 09/30/2008
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: Leiria
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 381º Nº 1, 384, Nº 3 E 387º, Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. São requisitos do decretamento do procedimento cautelar comum a) fundado receio de que outrem cause uma lesão; b) a gravidade dessa lesão; c) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão. d) A provável existência do direito em análise; e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

2. A intervenção do Juiz não pode suprir qualquer um dos requisitos essenciais à procedência da acção que terão obrigatoriamente de ser alegados pela parte a fim de que sobre eles possa recair a actividade probatória.

3. Os factos vertidos nas alegações de recurso são insusceptíveis de sanar a sua falta no momento processual que lhes é próprio, a fase do articulado inicial.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A... veio instaurar contra a requerida B... providência cautelar comum, solicitando a final a imediata apreensão do veículo que identifica, a condenação da requerida a entregar-lhe um veículo de substituição, bem como a pagar-lhe a quantia de € 500,00/dia, a título de sanção pecuniária compulsória, enquanto o veículo não for apreendido.

     Para tanto alega em síntese, que adquiriu à requerida, no pressuposto de que esta era sua proprietária, o veículo de matrícula 04-DM-63, mediante entrega do veículo 85-AF-45, propriedade da requerente, bem como entrega por esta, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de 15.000,00.

     Mais alega que, à data, a requerida entregou-lhe diversa documentação, ficando de entregar posteriormente a documentação respeitante ao registo de propriedade em nome da requerente. Porém, aquando do envio de tal documento, a requerente constatou que o veículo adquirido se encontrava em nome de C... . Perante este facto a requerente entrou em contacto com o advogado da requerida o qual se comprometeu a tratar do assunto.

     Alega ainda que em 14.02.2008, a requerida solicitou-lhe o envio da declaração de modelo 2 devidamente assinada, declinando qualquer responsabilidade se não houvesse tal devolução, ao que a requerente replicou que pretendia o seu veículo de volta, bem como o dinheiro sendo sua pretensão revogar o contrato, pelo que não enviaria tal declaração.

     Por último refere os riscos de vir ser responsabilizada pelo que suceder ao veículo 85-AF-45, designadamente relacionada com o pagamento de coimas. Acresce que o veículo DM terá que ficar parado, uma vez que a requerida não poderá liquidar o dístico do imposto municipal de circulação.

     O Sr. Juiz no seu despacho de fls. 28 s indeferiu liminarmente a providência cautelar requerida.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pela requerente, a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão em análise e que seja deferida a providência, ou caso assim não seja entendido que se ordene a produção dos meios de prova requeridos.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

     Conclusões.

     1) O procedimento cautelar apresentado pela requerente deveria ter sido deferido, ou caso assim se não entendesse, ordenada a produção dos meios de prova atinentes ao mesmo;

     2) Existe justo e fundado receio da requerente de ficar com o carro que tem na sua posse apreendido, ao mesmo tempo que se desconhece o paradeiro do outro veículo:

     3) O procedimento cautelar preenche todos os pressupostos legais;

     4) Foram violadas as seguintes normas: artigo 381º nº 1, 384, nº 3 e 387º, nº 2 do CPC.

     Contra-alegou a apelada pugnando pela confirmação do julgado.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

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     2. FUNDAMENTOS.

     2.1. Factos.

     Os factos que interessam à decisão da causa cons­tam a fls. 28 s do despacho agravado.

     Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

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     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

    

     - Dos requisitos da providência cautelar comum e o caso em análise.

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     2.2.1. Dos requisitos da providência cautelar comum e o caso em análise.

     Nos termos do preceituado no artigo 381º do Código de Processo Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem dependência de origem - "   1 – Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.

     2 – O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.

     3 – (…)

     4 – (…).

    

     Por seu turno estatui o artigo 387º nº 1 que " 1 – A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
     2 – A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal, quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.
     3 – (…)

     4 – (…)

 

     São assim requisitos do decretamento da providência a) fundado receio de que outrem cause uma lesão; b) a gravidade dessa lesão; c) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão. d) A provável existência do direito em análise; e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

     De um modo geral não se levantam dúvidas quanto ao fundado receio da lesão; não há dúvidas que não tendo o veículo 85-AF-45 sido vendido a quem actualmente o vem conduzindo, todas as multas emergentes da sua circulação serão da responsabilidade da requerente; e por outro lado uma vez que a viatura 04-DM-63 não está em nome da requerente está impedida de pagar o respectivo imposto de circulação, o que provoca a apreensão da viatura, caso se faça à estrada.

     Não nos custa a aceitar em sede indiciária a gravidade desta situação. Mais difícil porém é poder concluir à primeira vista pela natureza dificilmente reparável dos danos. O quadro factual que nesse sentido nos apresenta a requerente é, teremos que concordar, franzino. E ainda está em vigor o princípio da auto-responsabilidade das partes segundo o qual as mesmas são donas do processo e o do competindo-lhes carrear para os autos os elementos que entendam oportunos ao êxito da sua tese, suportando as consequências inerentes ao seu comportamento omissivo. Contudo também é certo que as últimas reformas processuais vieram permitir ao Juiz uma maior intervenção ao nível processual no sentido de procurar temperar o princípio supracitado através de uma atitude mais interventiva do Julgador mediante os seus poderes inquisitórios[1]. Todavia, como se tem entendido, mesmo em procedimento cautelar a intervenção do Juiz só poderá fazer-se no tocante aos factos instrumentais e não também aos essenciais[2], que faltam em absoluto, não podendo dizer-se serem natureza dificilmente irreparável os danos apresentados pela requerente na sua Petição Inicial, já que na verdade os eventuais prejuízos resultantes poderão ser ultrapassados através do instituto da responsabilidade civil.

     É bem certo que confrontada com o indeferimento da Petição Inicial veio na sua alegação de recurso apresentar outros factos que eventualmente poderiam ter interesse para a causa… Só que os recursos não conhecem de matéria nova e não é juridicamente possível transmudar a matéria das alegações em factos articulados cuja sede própria de explanação seria in casu a Petição Inicial. E isto até em virtude do próprio modus operandi do julgamento e decisão da providência – cfr. artigo 304º nº 5 ex vi 384º nº 3 do Código de Processo Civil.

     Nesta conformidade teremos de concluir que a providência não nos é apresentada com aquele mínimo de requisitos que permitam o respectivo prosseguimento, pelo que bem se andou quando foi decidido indeferi-la, o que dita a improcedência da apelação.

     Pode pois dizer-se à guisa de sumário e conclusão que:

     1) São requisitos do decretamento do procedimento cautelar comum a) fundado receio de que outrem cause uma lesão; b) a gravidade dessa lesão; c) A natureza dificilmente reparável dessa mesma lesão. d) A provável existência do direito em análise; e) Que o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

     2) A intervenção do Juiz não pode suprir qualquer um dos requisitos essenciais à procedência da acção que terão obrigatoriamente de ser alegados pela parte a fim de que sobre eles possa recair a actividade probatória.

     3) Os factos vertidos nas alegações de recurso são insusceptíveis de sanar a sua falta no momento processual que lhes é próprio, a fase do articulado inicial.

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     3. DECISÃO

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando assim o decidido em 1ª instância.

     Custas pela apelante.


                [1] Cfr. José Lebre de Freitas "Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", Coimbra Editora, 1996, pags. 138 s.
                [2] Cfr. Abrantes Geraldes "Temas da Reforma do Processo Civil, Procedimento Cautelar Comum" 3º Volume, Almedina, Coimbra, pags. 140 ss.