Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1500/09.2T2OVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: DEPÓSITO
ACÇÃO
DÍVIDA
Data do Acordão: 04/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.829-A CC E 916 CPC
Sumário: Porque, o processo não é um fim em si mesmo e atentos os princípios da cooperação, da boa fé, da adequação formal e com vista à justa composição do litígio de uma maneira célere, justa e definitiva, nada impede que o réu, em acção de dívida, deposite à ordem do processo o valor desta, e a tal depósito, se for efectuado antes do trânsito em julgado da decisão, seja concedido efeito liberatório para evitar a incidência da sanção pecuniária compulsória de 5% do artº 829º-A nº4 do CC.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

Banco (…) SA, instaurou contra A (…), acção para cumprimento de obrigações pecuniárias ao abrigo do DL 269/98 de 01 de Setembro.

Pedindo a condenação no pagamento da quantia de 3.328,23 euros e legais acréscimos.

Em 29.03.2007 foi conferida força executiva à petição nos termos do artº 2º do anexo ao referido diploma, por sentença que, segundo alega a recorrente, transitou em julgado em 20.04.2007.

Em tais autos o demandado depositou a quantia de 2.000,00 euros em 15.01.2007 e 1.328,28 euros em 27.04.2007.

Em 16.05.2007 a autora instaurou execução para pagamento da quantia de 4.422,43 euros.

Tal quantia incluía, juros à taxa de 37,96% (32,96%+5%: artº 829º-A nº4 do CC) ,  até 16.05.2007, de 80,83 euros.

Foi então proferido despacho em que O Sr. Juiz considerou liberatórios os aludidos depósitos e, consequentemente, julgou que o executado satisfez o montante em débito, não fazendo sentido exigir ou impor a sanção pecuniária compulsória a qual não tem natureza de indemnização pelo atraso no cumprimento.

 Ordenando, consequentemente, que os juros fossem contados à taxa de 32,96%

2.

Inconformada com o decidido recorreu a exequente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

Os depósitos do réu na acção declarativa não têm efeito liberatório.

O que só acontece no processo de execução onde é permitido por termo ao mesmo mediante tais depósitos nos termos do artº 916º do CC.

Assim, a sanção pecuniária compulsória de 5% deve incidir sobre a totalidade da importância indicada no requerimento executivo.

Foram violados os referidos artigos 829º-A do CC e 916º do CPC.

Inexistiram contra-alegações.

3.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questão essencial decidenda  é a seguinte:

 Tem, ou não, o depósito feito pelo réu na acção declarativa, efeito liberatório, designadamente para sobre o montante depositado não incidir a sanção pecuniária compulsória de 5% do artº 829º-A nº4 do CC?

4.

Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.

5.

Apreciando.

5.1.

Como mais impressivamente resultou a partir da reforma operada  pelo DL 329-A/95 de 12/12,  e conforme se alcança do seu preambulo, o processo civil - rectius as respectivas normas - não pode ser perspectivado, interpretado e aplicado como um fim em si mesmo.

 Mas antes como: «um instrumento ou …mesmo uma alavanca no sentido de forçar a análise, discussão e decisão dos factos…privilegiando-se a obtenção de uma decisão de fundo, que aprecie o mérito da pretensão deduzida…».

Assim consagrou-se, como regra, que «a falta de pressupostos processuais é sanável», tudo de sorte a «obviar-se a que regras rígidas, de natureza estritamente procedimental, possam impedir a efectivação em juízo dos direitos e a plena discussão acerca da matéria relevante para propiciar a justa composição do litígio».

Sendo que, para o efeito, com tal reforma pretendeu-se, desde logo: «prosseguir uma linha de desburocratização e de modernização, com vista a melhor atingir a qualidade na prestação de serviços ao cidadão…».

Ademais vincaram-se certos princípios como os da cooperação e da boa fé processual e introduziram-se outros, como o  princípio da adequação formal, nos termos do qual: «quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz, oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a pratica dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações».

5.2.

Assim sendo, perante estes desideratos e princípios não se alcança porque é que o depósito efectuado pelo réu na acção declarativa não pode ser liberatório.

Nada na lei o proíbe.

Antes pelo contrário.

Uma das causa de extinção da instância é a inutilidade superveniente da lide – artº 287º al.e) do CPC.

Nas acções de dívida um dos motivos de tal inutilidade é, obviamente, o pagamento.

Certo que, por via de regra, este deve ser feito ao credor no tempo e lugar anuídos.

Mas em caso de litígio e proposta a acção declarativa, nada obsta a que seja efectivado nela.

 Assim, na perspectivação da natureza das regras adjectivas ou processuais como supra expendido, a admissibilidade do efeito liberatório deve ter-se como o mais razoável e sensato.

Até por um argumento de igualdade ou até maioria de razão - argumento a fortiori - entre as duas acções, a declarativa e a executiva.

Pois que se o pagamento, por depósito, é admitido nesta, na qual não se discute mas apenas se concretiza o direito, também naquela o deverá ser uma vez que de tal poderão surgir vantagens.

Efectivamente estando ainda tais direitos em discussão, qualquer questão ou dúvida que se coloque relativo ao depósito pode ainda ser dirimida e justamente decidida pelo tribunal.

E não sendo de descurar os evidentes benefícios que daí resultam em sede de economia de meios resultante da concentração dos actos processuais e, ainda, para a realização do direito e da justiça no mais breve lapso de tempo possível, evitando-se processos posteriores.

Estando já o feito introduzido em tribunal há que aproveitar tal para uma justa, equilibrada e legal composição do litígio, o que sempre melhor se fará com a intervenção do julgador.

Por outro lado não se alcança como ou em que medida o interesse do credor possa ficar beliscado ou afectado com tal entendimento.

Pois que ele receberá o montante do seu crédito tal como se directamente lhe fosse entregue e sem quaisquer despesas, já que as custas do depósito e do levantamento sempre correrão por conta do devedor.

E podendo o credor requerer este a todo o tempo. A não ser que algum interesse tenha – como, vg. por receber juros elevados – em protelar a questão.

E podendo, inclusive, beneficiar da, se necessária, mediação do tribunal a qual poderá ser decisiva para o ultrapassar das dissidências das partes.

5.3.

Por outro lado e como mencionado pelo Sr. Juiz a quo, o fim da sanção pecuniária compulsória não é  - nem, atenta a sua natureza de derivado da figura da  astreinte francesa, o poderia ser -, o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

 Constituindo um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça - cfr. Acs. do STJ de 09.05.2002, e de  23.01.2003, in dgsi.pt, ps. 02B666 e 02B4173.

Sendo, ex vi lege expressa, apenas devida, no concernente à taxa de juro de 5%, desde a data do trânsito em julgado da sentença – nº4 do artº 829º-A do CC.

Ora no caso vertente, o primeiro depósito foi efectuado ainda antes de tal transito e o segundo apenas uma semana depois, segundo informação da recorrente, o que, considerando os valores em causa decorrente da aplicação da taxa de 5%, é pouco mais que irrelevante, e, assim, desprezível, pois que, de minimi non curat pretor.

Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso.

6.

Sumariando.

Porque, o processo não é um fim em si mesmo e atentos os princípios da cooperação, da boa fé, da adequação formal e com vista à justa composição do litígio de uma maneira  célere, justa e definitiva, nada impede que o réu, em acção de dívida, deposite à ordem do processo o valor desta, e a tal depósito, se for efectuado antes do trânsito em julgado da decisão, seja concedido efeito liberatório para evitar a incidência da sanção pecuniária compulsória de 5% do artº 829º-A nº4 do CC.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar o despacho.

Custas pela ré.