Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
61/01.5 TAACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
EXTINÇÃO
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DEALCANENA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 56º,57º CP
Sumário: Não se descortina um incumprimento doloso, antes uma objectiva impossibilidade de facto nos casos em que a capacidade económica do arguido tem sido insuficiente para satisfazer o pagamento do montante arbitrado, incumprimento todavia não adveniente de um comportamento relapso e desrespeitador da condenação, mas antes de uma situação económica que não foi querida nem sustentada pelo arguido e que ele, por razões conjunturais e alheias à sua vontade, não tem podido/conseguido ultrapassar, pelo que atento o disposto no artigo 57.º, n.º 1, do CP, impõe-se a extinção da pena que não a revogação da suspensão.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Através de acórdão proferido a 3 de Abril de 2003, transitado, foi o arguido J..., já com os demais sinais nos autos, condenado como co-autor material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma consumada, dolosa e continuada, previsto e punido pelos artigos 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1, ambos do RGIT, e pelos artigos 26.º; 30.º, n.º 2 e 79.º, estes do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, porém, suspensa na sua execução, pelo período de 2 anos, sob condição de o mesmo proceder ao pagamento/reparação integral ao demandante cível – Instituto de Solidariedade e Segurança Social – do montante de € 18.165,41 (então em dívida) e respectivos juros (fls. 500/524).

Uma vez que, na sequência de informação prestada pela Segurança Social (fls. 632), decorrera o prazo facultado, sem que se mostrasse cumprida a condição assim imposta, em Junho de 2005, foi o arguido notificado para esclarecer das razões da falta desse pagamento.

Em resposta, veio ele alegar que se encontrava desempregado (situação que mantinha desde a audiência de julgamento) e que subsistia com ajudas de familiares. Simultaneamente, requeria a prorrogação do prazo de suspensão concedido, pelo período de um ano (fls. 643/644).

Depois de pessoalmente interrogado, bem como também após inquirição de uma sua filha, esta na qualidade de coeva entidade patronal (fls. 670/671), e por virtude de requerimento por ele mesmo formulado (fls. 662/665), foi judicialmente decidido, em 2 de Dezembro de 2005, prorrogar-lhe a suspensão da execução da pena, pelo período de um ano, isto atento ao regime resultante do disposto no artigo 55.º, alínea d) do Código Penal (fls. 674).

Em Março de 2008, a Segurança Social informou que, entretanto e de novo, nada solvera o arguido (­fls. 709).

Instado a esclarecer da razão do incumprimento, interrogado pelo M.mo Juiz (fls. 715/717), alegou continuar sem condições económicas para proceder ao pagamento da quantia em que fora condenado, esclarecendo que em 2001 contraíra um empréstimo bancário para poder pagar os salários em atraso, financiamento que veio a ser renegociado em 2003, pagando € 180,00 por mês durante três anos e € 500,00 mensais até à sua liquidação integral, obrigação que duraria cerca de 1 ano e 6 meses (foi interrogado em Abril de 2008). Juntou cópia dos depósitos correspondentes. Mais esclareceu que continuava a trabalhar como gerente, na empresa da filha, bem como a esposa, com um rendimento mensal declarado, cada um, de € 500,00 e que a empresa tinha diversos financiamentos junto da banca e dívidas junto de fornecedores, cujos montantes indicou, no valor global de € 374.000,00. Mencionou ainda outras despesas fixas, como a renda de casa (€ 300,00) e o internamento da sogra.

Como complemento de diligências tidas por curiais realizar, foram entretanto juntos diversos documentos, a saber: Modelo 22, referente à empresa onde o arguido exerce as funções de gerente (fls. 722/730); declarações de IRS do arguido referentes a 2006 e 2007 (fls. 731/738); certidão da matrícula da sociedade onde é gerente (fls. 740/744); acordo de responsabilidade entre o Banco Santander Totta, S.A., e o arguido – e esposa – (fls. 746/750); informação da Segurança Social sobre o valor retributivo apresentado (fls. 754/755); cópias de recibos de vencimento (fls. 769/770); recibos do internamento de R... – sogra do arguido – no valor de € 129,58 (fls. 771/779); declaração da entidade patronal, assumindo o compromisso de passar a depositar o valor mensal de € 200,00 no âmbito dos presentes autos (fls. 780); cópias de recibos de consultas médicas e medicamentosas, que o arguido atribui a doença de que padece a esposa (fls.784/788), bem como, ainda, inquiridas duas testemunhas (fls. 795/796).

Na concordância com a promoção do Ministério Público prestada ao efeito (fls. 756/758 v.º), veio a ser proferido (fls. 798/799) despacho cujo teor é como se transcreve:

“A fls. 797 o Ministério Público veio promover a revogação da suspensão da pena em que o arguido J… foi condenado e, consequentemente, se determine o cumprimento de 8 meses de prisão em que o arguido foi condenado (vd. promoção de fls. 756 e ss.).

Cumpre apreciar.

Estatui o artigo 56.º do Código Penal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação social ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Apesar da já ocorrida prorrogação da suspensão por mais um ano, o arguido limita-se a alegar dificuldades económicas que não demonstrou, nem sequer a solicitação do Tribunal, dificuldades essas que não estão minimamente indiciadas.

De facto, desde então, nada foi pago pelo arguido, sequer uma quantia diminuta (apesar de o arguido ter solicitado outrora um pagamento fraccionado em 100 euros mensais), o que, ao que cremos, é bem revelador da falta de vontade de cumprir seja o que for.

Afirma-se assim um incumprimento patente e incontornável da condição da suspensão, uma violação grosseira do dever que lhe foi imposto.

Entendemos, face a todos os elementos dos autos, que as finalidades que estiveram subjacentes à suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, pois o arguido revelou total indiferença à condenação e, em face aos dados de que dispomos, pelo que se nos afigura claro que o arguido não soube aproveitar a oportunidade de que dispôs de se ressocializar em liberdade, deste modo frustrando o essencial das finalidades que conduziram à suspensão da execução da prisão.

Mais se salienta que a requerida nova suspensão (vd. fls. 768) não é legalmente admissível, porquanto a prorrogação já efectuada nos autos já esgotou metade do prazo inicialmente fixado – vd. artigo 55.º, al. d) do Código Penal – não podendo haver prorrogação por mais tempo, em nosso entender e salvo melhor opinião.

Nestes termos entende este Tribunal que o incumprimento da condição que se lhe impôs na sentença é de molde a permitir que a suspensão seja revogada, como, aliás, há muito vinha sendo doutamente promovido pelo Ministério Público e só a tentativa de fornecer ao arguido todas as oportunidades para que cabalmente se justificasse nos autos, o protelou.

Em face do que antecede, decidimos revogar a suspensão da execução da pena de prisão imposta nos vertentes autos ao arguido J....

Notifique.

Após trânsito, remeta boletins ao Registo Criminal.”

1.2. Dissentido com tal decisão, recorre o arguido, extraindo da motivação apresentada as conclusões seguintes:

1.2.1. O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão com o estatuído no artigo 56.º do Código Penal, bem como com o facto de ter havido uma prorrogação da suspensão por mais um ano, sendo que o arguido se limita a alegar dificuldades financeiras que não demonstrou e que não se encontram indiciadas.

1.2.2. Salvo o devido respeito, entende o recorrente haver logrado demonstrar, inequivocamente, mormente com prova de suporte documental, a sua situação de insuficiência e carência económica ao longo dos últimos anos. Aliás, por tal razão foi-lhe prorrogado o prazo inicialmente fixado, como se colhe pela leitura do despacho que decidiu a referida prorrogação.

1.2.3. Mais decorre também dos autos que o incumprimento com a condição imposta não advém de opção própria mas, antes, de impossibilidade de facto, isto é, e tal como deles se colhe, o arguido quando deixou a administração da sociedade co-arguida ficou numa situação de desemprego, sem qualquer remuneração, tendo-lhe inclusivamente sido cortado um subsídio da Segurança Social invocando precisamente a sua anterior condição de Administrador.

1.2.4. Assim, a conduta do arguido não é de tal forma violadora dos deveres impostos, que não mereça ser tolerada e/ou desculpada.

A propósito, relembra-se o consignado num aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 13 de Março de 85, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano X, Tomo II, pág. 72, e em cujos termos, “A apreciação sobre a falta de cumprimento de deveres impostos na sentença como condicionantes da suspensão da pena deve ser criteriosa e cuidada, de modo a que apenas uma falta grosseira do seu cumprimento (…) determine a revogação (…).”

1.2.5. Decidindo como o fez, violou o Tribunal recorrido o estatuído no encimado artigo 56.º, n.º 1, alínea a), bem como, ademais, no artigo 57.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

1.2.6. Sufraga ainda o despacho sindicado que o arguido solicitou anteriormente um pagamento fraccionado em € 100,00 mensais, sendo que nada pagou.

1.2.7. Acontece no entanto que o arguido/recorrente apenas foi notificado, em Dezembro de 2005, da decisão de prorrogação da suspensão da execução de pena de prisão por mais um ano, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do CP, que não da referida consignação mensal de € 100,00, cuja não foi notificada ao arguido, ou mesmo sequer objecto de pronuncia pelo Tribunal a quo.

1.2.8. Ora, o Tribunal não pode basear uma decisão num facto ignorado e/ou não comunicado ao arguido, pois que se tratava então de facto pessoal e, logo, devia ser-lhe pessoalmente notificado.

1.2.9. A omissão assim cometida é geradora de nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal [CPP], pois que de diligência essencial se trata.

1.2.10. E, determinante, da invalidade dos actos em que se verificou, bem como dos que dele dependerem e aquelas puderem afectar, tudo conforme subsequente artigo 122.º.

In casu, vale por dizer que é inválido todo o processado que se seguiu à falta de notificação da decisão supra referida, devendo a mesma ser objecto de pronúncia e ser ordenada a sua notificação ao arguido.

1.2.11. Mais sustenta o despacho recorrido que não é legalmente possível nova prorrogação do prazo de suspensão, (tal como requerido pelo arguido), isto como corolário do consignado pelo artigo 55.º, alínea d) citado.

1.2.12. Sucede porém que esta é a redacção actualmente em vigor, resultante das alterações introduzidas através da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sendo que os presentes autos tiveram o seu início em 2001.

1.2.13. À data vigorava o regime decorrente da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, onde se previa que o tribunal pode prorrogar o prazo de suspensão de execução de pena de prisão pelo prazo máximo de 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão.

1.2.14. Daí decorria um regime mais favorável ao recorrente, a dever ser aplicado pois que, como se consigna no artigo 2.º, n.º 4, do CP, “ (…) é sempre aplicado ao arguido o regime que concretamente se mostrar mais favorável.”

1.2.15. Tendo nos presentes autos a pena em que foi condenado o arguido sido suspensa na sua execução por um período de dois anos e posteriormente sido esse prazo prorrogado por um ano, por aplicação do principio do tratamento mais favorável, poderá pois e ainda ser concedido um período de dois anos de suspensão.

1.2.16. Não decidindo em conformidade com o invocado, o despacho em crise violou também este inciso legal.

Terminou pedindo que na senda do alegado, se determine a revogação do decidido.

1.3. Notificado para tanto, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, sufragando a manutenção do decidido.

Admitido o recurso, foram os autos remetidos a esta instância.

1.4. Aqui, a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente ao provimento do recurso.

Cumpriu-se com o disciplinado pelo artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo normativo, consignou-se nada obstar ao conhecimento de meritis.

Como assim, ordenou-se a recolha dos vistos devidos e submissão dos autos à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação.

2.1. Sabe-se ser o âmbito dos recursos definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), mas isto sem preclusão do conhecimento oficioso dos vícios ou nulidades que assumam um tal carácter, como decorre do entendimento sufragado no Ac. n.º 7/95 do STJ, em interpretação obrigatória.

Nos autos presentes não vislumbramos subsistir qualquer fundamento que imponha a nossa consideração oficiosa em tais termos. Como tal, o thema decidendum será constituído pela ponderação sobre se padecem os autos da nulidade cominada (e, na afirmativa, corolário respectivo), ou, caso ela não emirja, se ocorrem fundamentos para determinarmos a revogação do despacho recorrido.

2.2. A determinada altura do despacho recorrido, fundamentou-se: “De facto, desde então, nada foi pago pelo arguido, sequer uma quantia diminuta (apesar de o arguido ter solicitado outrora um pagamento fraccionado em 100 euros mensais), o que, ao que cremos, é bem revelador da falta de vontade de cumprir seja o que for.” (itálico nosso)

Também que, compulsando-se os autos, decorre com efeito haver solicitado o arguido junto do Tribunal a quo, em Novembro de 2005, autorização para que lhe fosse permitido proceder à consignação em depósito da quantia mensal de € 100,00 destinada ao pagamento da indemnização a que se encontrava adstrito.

Mais deles se constata que após tal requerimento, o mesmo Tribunal apenas ponderou através do despacho inserto a fls. 674, datado de Dezembro de 2005, facultar a prorrogação do prazo de suspensão da pena, mas sem que se pronunciasse sobre a concreta possibilidade de prestação (ou não) da sugerida consignação.

Ora, obtempera o recorrente, esta omissão de pronúncia pelo Tribunal sindicado do requerimento apresentado integra nulidade, além de que (e caso tal fosse o entendimento defendido) não foi o mesmo sequer notificado pessoalmente de estar obrigado a cumprir com o pagamento que sugerira.

Tudo conjugado estaríamos perante nulidade integrante do artigo 120.º, n.º 1, alínea d), do CPP, com os efeitos decorrentes do regime plasmado no artigo 122.º do mesmo instrumento processual.

Quid iuris?

Como anota o Ministério Público na 1.ª instância, sobre o arguido impendia a obrigação de, no prazo facultado, proceder ao pagamento da indemnização arbitrada como condição à suspensão da pena de prisão. Cumprimento que ele podia fazer por qualquer forma, motu próprio, e sem necessidade de prévia ponderação do Tribunal recorrido sobre a modalidade escolhida porque aquela que, quiçá, mais se coadunava então com as suas possibilidades. Aliás, à data em que formulou o requerimento a que alude, decorriam diligências tendentes a determinar do carácter do incumprimento e na sua senda, inclusive, foi-lhe prorrogado o prazo para cumprimento da obrigação em falta. Ora, nesta circunstância, não impendia sobre o Tribunal a quo a obrigação de ponderação acerca da consignação mencionada, além de que, ao menos implicitamente, ficou ela prejudicada atento, inclusive, o teor da decisão que acabou por proferir-se então.

Mas, mesmo concedendo-se da necessidade de uma tal pronúncia, sempre a omissão apontada integraria mera irregularidade, entretanto não tempestivamente arguida, visto o regime do artigo 123.º, n.º 1, do CPP.

Seja, assim, a improcedência oposta.

2.3. Assente a resposta negativa á primeira questão suscitada, vejamos da segunda delas.

A propósito adiantamos, desde já, que a fundamentação e solução sufragadas nesta instância pela Ex.ma PGA se mostram conformes à adequada ponderação do pleito e daí que as acompanhemos de perto.

Nos termos do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do CP, “A suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos (…)”.

A violação dos deveres impostos como condição da suspensão da execução da pena tem pois de revestir acentuada gravidade, no sentido de “uma violação culposa”, sendo necessário “que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria”, isto é, tenha agido ou omitido por culpa sua.

No caso presente o recorrente invoca a sua insuficiência económica como impeditiva, em termos absolutos e até ao momento, do cumprimento da condição que o tribunal lhe impôs.

Em recente aresto deste Tribunal, datado de 5 de Novembro de 2008, considerou-se “sabido que em matéria de revogação da suspensão da execução da pena de prisão vigora o princípio rebus sic stantibus norteado pelos princípios da culpa e da adequação – só o incumprimento doloso determina a revogação – especialmente estando em causa crimes fiscais em que, por força do artigo 14.º, n.º 1 do RGIT a suspensão “é sempre condicionada ao pagamento… da prestação tributária…” importava indagar se, efectivamente a… recorrente tinha possibilidades económicas efectivas para cumprir a condição imposta, conforme alegou.”

A decisão recorrida entendeu que o arguido podia e devia ter pago o montante da indemnização, pelo que não o tendo feito, violou “grosseira e repetidamente” os deveres impostos no acórdão condenatório, acrescentando que as finalidades que “estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”

A jurisprudência dos nossos tribunais superiores mostra-se pacífica ao perfilhar o entendimento de que a apreciação sobre a falta de cumprimento dos deveres impostos em sentença como condicionantes da suspensão da execução da pena deve ser cuidada e criteriosa, de modo que apenas uma falta grosseira determina a revogação, o que equivale a dizer que o condenado nunca verá a suspensão revogada por falta de pagamento da indemnização fixada, a menos que tal falta lhe seja, de todo, imputável.

Dos elementos coligidos no Tribunal a quo sobre a capacidade económica do arguido, a conclusão admissível é a de que o mesmo tem desde há muito uma situação económica precária. Pelo menos desde a data de audiência de julgamento (já então estava desempregado, conforme se extrai do acórdão condenatório), tendo contraído empréstimo bancário, segundo alegou e ao menos razoavelmente corroborou documentalmente, para pagamento de salários em atraso, e que foi entretanto renegociado, mas ainda não pago.

Afirma-se credor da massa falida da sociedade que geria. Tem despesas fixas mensais correspondentes a renda de casa e de internamento de familiar, a que acrescem despesas médicas e medicamentosas decorrentes de saúde precária da esposa.

Declara o vencimento mensal de € 500,00, bem como a esposa, ambos a trabalharem numa empresa de que é proprietária a filha, desde 9 de Setembro de 2005 – pelo menos o arguido – (fls. 665).

Não se ignora que o arguido vem pagando mensalmente um empréstimo que contraiu, mas, atentas as circunstâncias em que o fez, não procederá o argumento de que deveria antes ter optado por pagar o montante aqui em dívida em detrimento desse mesmo pagamento.

Tanto quanto transparece não só do depoimento do arguido (o das testemunhas inquiridas não foi transcrito em acta, nem por súmula), como dos documentos juntos, a capacidade económica do arguido tem sido insuficiente para satisfazer o pagamento do montante aqui arbitrado, incumprimento todavia não adveniente de um comportamento relapso e desrespeitador da condenação, mas antes de uma situação económica que não foi querida nem sustentada pelo arguido e que ele, por razões conjunturais e alheias à sua vontade, não tem podido/conseguido ultrapassar.

Na base de tais elementos a conclusão possível será a de que se não descortina um incumprimento doloso, antes uma objectiva impossibilidade de facto.

Por fim, de anotarmos o seguinte:

“ (…) a revogação da suspensão depende, ainda, da circunstância de o condenado revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, isto é, constitui requisito da revogação a demonstração de que as finalidades de punição não puderam ser realizadas.

Com efeito, consabido que a suspensão da execução da pena é um meio autónomo de reacção jurídico-penal, isto é uma pena (autónoma) e não meramente substitutiva, dúvidas não há de que o texto legal ao aludir ás finalidades que estavam na base da suspensão, pretende referir-se às finalidades da punição, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do condenado na sociedade (art.º 40.º, n.º 2 do CP). Na realidade, na suspensão da pena, pune-se o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal, com apelo à própria vontade do condenado para se reintegrar.

Daqui decorre que a revogação da suspensão da pena, constitui, ao fim e ao cabo, a aplicação e cominação de outra pena, conquanto esta pena esteja já determinada, constituindo, por isso, um apelo e um aviso ao condenado, consubstanciado na ameaça da sua aplicação/execução futura.”[1]

Como resulta do certificado de registo criminal, o recorrente não tem quaisquer outros processos-crime. Tem trabalho certo, exercendo as funções de gerente em empresa registada em nome da filha.

Atentando-se nas genérica e sumariamente indicadas finalidades das penas ­protecção dos bens jurídicos violados e reintegração do agente na sociedade –, bem como referidos elementos factuais, perfilhamos que no caso sub judice o incumprimento da condição de suspensão da execução da pena não comprometeu aquelas finalidades que se mostram alcançadas, respeitando-se deste modo o disposto no citado artigo 40.º.

O que se traduz na revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que, atento o artigo 57.º, n.º 1, do CP, imponha a extinção da pena.


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III – Decisão.

São termos em que atentos os fundamentos invocados se determina a revogação do despacho recorrido, e, ademais, considerando-se o disposto no artigo 57.º, n.º 1, do CP, se julga extinta a pena que nos autos foi imposta ao arguido J....

Sem custas.

Após trânsito, e na 1.ª instância, comunique-se ao registo criminal.

Notifique.


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Coimbra, 28 de Janeiro de 2009



[1] Ac. TRC, de 7 de Maio de 2003.