Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
157/08.2GEACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: CRIME DE DANO
BEM COMUM DO CASAL
Data do Acordão: 02/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 212º CP
Sumário: 1. No crime de dano a destruição, a danificação ou a inutilização, total ou parcial, abrange todos os atentados à substância ou à integridade física da coisa.
2. Se os cônjuges são, os dois, titulares do direito de propriedade sobre os bens que integram a comunhão, então tais bens não podem, enquanto a comunhão persistir, ter a natureza de coisa alheia, em relação a qualquer cônjuge e, por isso, a sua danificação por um dos cônjuges não preenche em relação a este o elemento constitutivo do tipo legal de crime de dano “coisa alheia”.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:

1. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção de tribunal singular, o arguido:

- D..., residente na Rua …., ..., sob imputação, na acusação pública de fls. 170/173, da prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal.


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 2. A assistente C... deduziu acusação particular contra o arguido D..., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelo 212.º, n.º 1, do Código Penal, aderiu à acusação formulada pelo Ministério Público e deduziu pedidos de indemnização civil contra o arguido, solicitando a sua condenação no pagamento das seguintes quantias:

- € 1.899,17, pelos prejuízos patrimoniais advindos da prática do crime de dano;

- € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, e € 3.191,00, relativas a danos patrimoniais, acrescidas de juros de mora contadas desde a notificação, ambas decorrentes da prática do crime de ofensa à integridade física.


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3. O Ministério Público manifestou adesão à acusação particular.

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4. O Centro Hospitalar do ... – Hospital de..., anteriormente designado Centro Hospitalar das..., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, impetrando a sua condenação no pagamento da quantia de € 106,00, acrescida de juros de mora, desde a notificação do pedido até integral pagamento.

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5. Por sentença de 11 de Março de 2010, o tribunal da 1.ª instância proferiu decisão do seguinte teor:

A) Julgou a acusação pública provada e procedente e, em consequência, condenou o arguido D..., pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 220 dias de multa, à razão diária de € 5,00;

B) Julgou a acusação particular parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou o arguido D..., pela prática de um crime de dano, p. e p. no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5,00;

C) Em cúmulo jurídico, condenou o arguido D... na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 5,00;

D) Julgou parcialmente provado e procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante C... e condenou o demandado D... a pagar àquela: a quantia de € 3.447,30 (três mil quatrocentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, calculados desde a data da notificação do pedido até integral pagamento; e a quantia de € 912,08 (novecentos e doze euros e oito cêntimos);

E) Julgou provado e procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar do ... – Hospital das... e condenou o demandado D... a pagar àquela Instituição a quantia de € 106,00 (cento e seis euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido ao demandado, até integral pagamento.


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6. Inconformado, o arguido/demandado interpôs recurso da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª – Violação do artigo 212.º, n.º 1 e 562.º, 564.º e 566.º, do C.C..

2.ª – O Arguido foi condenado, pelo crime de dano, p. e p. no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal, em virtude de ter desferido um pontapé na porta traseira da viatura;

3.ª - Em resultado desse pontapé resultou o estrago que consta na foto 6 junta aos autos.

4.ª - Vem provado na douta sentença que o veículo é propriedade do Arguido e da mulher deste por ter sido adquirido na constância do casamento.

5.ª - Sendo que o veículo do Arguido jamais poderá ser considerado coisa alheia.

6.ª - Para qualificação do acto danoso como crime é essencial que a coisa danificada seja alheia.

7.ª - Ora, no âmbito da compropriedade, cada um dos comproprietários tem direito a uma quota ideal não especificada.

8.ª - O legislador quanto ao crime de dano não se pronunciou quanto à existência de vários titulares, apenas legislou que a coisa há-de ser alheia.

9.ª - Para que um comportamento seja qualificado de criminoso, há-de obedecer ao princípio da tipicidade; se não preencher o tipo não é punível.

10.ª – Ora, no caso concreto, tratando-se de propriedade comum, sai fora do domínio criminal e deverá ser discutido no plano civil.

11.ª - Não podia o Arguido ser condenado pelo crime de dano, não podia ser condenado no pedido de indemnização cível, a Meritíssima Juiz a quo não atende às circunstâncias da causa.

12.ª - Como resulta da prova, página ........ a Assistente confirma que o carro já não circulava em consequência de uma avaria.

13.ª - A Assistente já conduz outro carro, ver prova, página ........

14.ª - O orçamento contempla não só a reparação do estrago provocado pelo Arguido como toda a reparação da mala traseira, conforme declarações do Gerente da M…, página ........

15.ª - O orçamento é elaborado oito meses após a viatura estar abandonada na rua.

16 - A viatura encontra-se com a matrícula cancelada, impedida assim de circular, conforme resulta da douta sentença.

17.ª - O único destino possível deste veículo é a sucata ou abate.

18.ª - A indemnização em que o Arguido foi condenado a pagar é superior ao valor do veículo e superior ao estrago provocado.

19.ª - Assim, deve o Arguido ser absolvido da causa de dano e do pagamento da indemnização. Ou caso ainda que o Arguido viesse a ser condenado pelo crime de dano não pode deixar de ser alterada a sentença no que respeita à indemnização fixada; deverá a douta sentença, caso se mantenha a condenação, ser alterada no sentido de dar ao Arguido a possibilidade de proceder à reparação do dano nos termos do artigo 562.° do C.P.C..

20.ª - Quanto ao erro na apreciação da prova, a Meritíssima Juiz a quo deu como provado factos que analisando a prova conclui-se que não poderia decidir como decidiu.

21.ª - A Meritíssima Juiz a quo dá como provado que o Arguido entrou na casa onde residia a Assistente e aí o Arguido cuspiu-lhe na face.

22.ª - Dá tal facto como provado, apenas com base nas declarações da Assistente, desvalorizou as declarações do Arguido, fundamentou a decisão, porque o Arguido declarou que fora a C...que lhe bateu e ele nada lhe fez, entendeu a Meritíssima Juiz a quo não ser que o Arguido apenas se tentasse desviar com o corpo, sem reagir, desvaloriza o testemunho das várias testemunhas presenciais, pois entende que pretendiam proteger o Arguido.

23.ª - No decurso do interrogatório da Assistente esta explica quando se feriu e como se feriu.

24.ª - Explica que o Arguido a tinha agarrado e ao tentar soltar-se cai e embate na parede (ferindo-se), com o devido respeito pelo ferimento da Senhora falamos de uma pequena escoriação e uns arranhões.

25 - Embora a Meritíssima Juiz insistisse com a Assistente se esta não havia sido empurrada pelo Arguido, a Assistente dizia que não e que no meio da briga sabe-se lá quem é que empurrou quem.

26 - Face à prova não pode a Meritíssima Juiz a quo condenar o Arguido por ter agredido a Assistente, como causa directa da agressão, ter causado as lesões descritas no ponto 6 da douta sentença.

27.ª - Não foi feita prova suficiente que permitisse condenar o Arguido pela prática do crime de ofensa à integridade física dos quais resultaram as lesões na Assistente.

28.ª - Não podia o Arguido ser condenado no pagamento da indemnização.

29.ª - Não pode o Arguido deixar de recorrer do montante fixado por danos morais de 2.800,00 € e das premissas em que assenta esta indemnização, nas declarações da testemunha SS... (psicóloga).

30.ª - A Testemunha SS... acompanhou a Assistente entre Junho de 2008 a Novembro de 2008, a Assistente já não é sua paciente há mais de um ano.

31.ª - No entanto esta testemunha confirma que a Assistente ainda se encontra em estado depressivo, que estará deprimida por mais um ano e que tem de tomar medicamentos durante mais nove meses.

32.ª - Confirma que tem sabido notícias da Assistente pela sobrinha da irmã desta, que são suas pacientes.

33.ª - Com o devido respeito, como é que alguém que não acompanha um doente há mais de um ano pode fazer tais afirmações com seriedade?

34.ª - E foi com base neste testemunho que a Meritíssima Juiz a quo condenou o Arguido a pagar 2.800.00 € a título de danos morais.

35.ª - Ainda que se mantenha a condenação do Arguido, não poderá a douta sentença deixar de ser alterada no que respeita à indemnização fixada a título de danos morais.

36.ª - De toda a prova produzida, entendemos que o Arguido não poderá ter sido condenado pelo crime de ofensas à integridade física, porque não se produziu prova suficiente que permita tal condenação.

37.ª - A Meritíssima Juiz a quo desvaloriza as declarações do Arguido e das testemunhas presenciais aceitando tudo o que quis dizer a Assistente.

38.ª - Entendemos que com a prova produzida se impunha uma dúvida no espírito do julgador. Impunha-se no caso concreto a aplicação do princípio do in dubio pro reo.

39.ª - A violação deste princípio tem como consequência a condenação de um homem inocente.

40.ª - Quanto à omissão de pronúncia, entendemos que a matéria provada, página 6., pontos 30. 31. e 52. que o Arguido está desempregado, não aufere subsídio de desemprego, tem quatro crianças a seu cargo, três filhos e um enteado, a sua companheira aufere 250,00 € de subsídio de desemprego.

41.ª - Nestas circunstâncias impunha-se a ponderação dos factos e a substituição da multa em dias de trabalho a favor da comunidade.

42.ª - O tribunal não é livre de aplicar ou deixar de aplicar tal pena de substituição, não detém uma faculdade discricionária, antes, o que está consagrado na Lei é um poder dever, pelo que uma vez verificados os respectivos pressupostos o Tribunal não pode deixar de aplicar a pena de substituição.

43.ª - O Tribunal ao aplicar uma pena, deve aplicar uma pena que o Arguido possa cumprir, no caso concreto com as dificuldades económicas do Arguido, sendo-lhe impossível pagar a multa, inevitavelmente vai preso.

44.ª - Ainda que a Meritíssima Juiz não tenha ponderado, estão reunidos os pressupostos para a substituição nos termos do artigo 58.° do C.P; a omissão de pronúncia conduz à nulidade prevista no artigo 379.° do C.P.P..

45.ª - Entende o Recorrente que a aplicação do artigo 2l2.º do C.P. foi incorrecto.

46.ª - Bem como foi incorrectamente julgada a matéria de facto, violando assim o artigo 412.° do C.P.P..

47.ª - A prova produzida em julgamento implica uma solução diversa da proferida nos autos.

48.ª – Pelo que deverá a douta sentença ser alterada, proferindo-se uma sentença justa.


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7. Na resposta que apresentou, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso.
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8. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação, em parecer a fls. 466/467 manifestou-se em igual sentido.
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9. Notificados nos termos e para os efeitos do art. 417.º, n.º 2, do C. P. Penal, a assistente/demandante civil e o arguido não exerceram o seu direito de resposta.

10. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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III. Fundamentação:

1. Delimitação do objecto do recurso e poderes cognitivos do tribunal ad quem:

Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).
Assim, no caso sub judicie, o recurso está circunscrito às seguintes questões:
A) Alterabilidade da matéria de facto;
B) Se foi violado o princípio in dubio pro reo;
C) Se a matéria de facto provada consubstancia a prática, pelo arguido, do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal;
D) Se, alterada a matéria de facto dada como provada pelo tribunal a quo, o arguido deve ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples;
E) Se a sentença padece de nulidade, por omissão de pronúncia, ao não ter substituído a pena única de multa por trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º, do Código Penal.
F) Se ocorre fundamento para a condenação do arguido no pagamento à demandante  das quantias fixadas na sentença recorrida.


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2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1. No dia 10 de Junho de 2008, cerca das 22h00m, C... encontrava-se no interior da sua residência sita na Rua das F…, ..., área e comarca desta cidade de ....

2. Nessa data, C... e o arguido D... eram casados entre si, mas encontravam-se separados e não viviam juntos.

3. Então, na data e hora acima referidas, o arguido D... entrou em tal residência e ambos iniciaram uma discussão.

4. No momento em se encontravam na sala de estar, o arguido desferiu diversos murros no braço direito de C... e deu-lhe pontapés na perna esquerda.

5. Em seguida, ambos saíram da dita residência e, no momento em que se encontravam na estrada, o arguido agarrou-a pelo braço esquerdo, cuspiu-lhe na face e atirou-a contra a parede da casa.

6. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, resultaram para C..., as seguintes lesões: equimose rosada com 5x5cm biparietal; duas equimoses arroxeadas no braço direito com 7x4cm e 3x2cm; três escoriações no cotovelo direito com 4 cm e equimose esverdeada com 2x1 cm na coxa esquerda, as quais determinaram um dia com afectação da capacidade de trabalho geral e um dia com afectação da capacidade de trabalho profissional.

7. O arguido actuou com intenção de molestar a saúde e o corpo de C... e de lhe provocar as lesões verificadas, o que concretizou, causando-lhe dores.

8. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

9. No dia, hora e local supra referidos o arguido dirigiu-se ainda à viatura de matrícula …, pertença da assistente e do arguido, e desferiu pontapés na mesma, provocando o amolgamento da porta traseira daquela viatura.

10. O arguido dirigiu-se ainda à porta de acesso da residência onde habitava a assistente e desferiu um pontapé na mesma, tendo amolgado a porta de alumínio.

11. O arguido agiu com o propósito de causar estragos na viatura de matrícula …, que sabia ser bem comum do arguido e da assistente.

12. O arguido agiu de forma deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

13. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.°…, freguesia de ..., sito na Rua das…, ..., ..., é propriedade do arguido, encontrando-se inscrito a favor de D..., casado com C..., no regime de comunhão de adquiridos, tendo sido adquirido por sucessão deferida em partilha extrajudicial.

14. A assistente e o arguido são casados entre si no regime de comunhão de adquiridos.

15. Em consequência da agressão de que foi vítima a assistente teve dores.

16. Em consequência da agressão do arguido a assistente ficou com medo deste, receando que a volte a agredir.

17. Em consequência dos factos descritos a assistente ficou nervosa, angustiada, sentiu-se humilhada, aumentou a perda de interesse pela vida, demonstrando desmotivação, desenvolveu perturbações de stress pós traumático e passou a ter alterações do sono, como dificuldades em adormecer e insónias, apresentando um estado depressivo major.

18. Em consequência da agressão de que foi vítima a assistente passou a ter acompanhamento de psicoterapia e de psiquiatria na Clínica Pediátrica de... e na Clínica ... Dor em....

19. Actualmente a assistente ainda se encontra em estado depressivo, necessitando de acompanhamento psiquiátrico, durante um ano.

20. A assistente necessita de medicação durante, pelo menos, 9 meses.

21. Em consequência do estado depressivo em que ficou, a assistente despendeu em consultas de psicoterapia e psiquiatria a quantia de € 585,00.

22. Em medicamentos que lhe foram prescritos despendeu a quantia de € 62,03.

23. Actualmente a assistente continua a tomar medicação não concretamente apurada.

24. Na sequência da agressão perpetrada pelo arguido a assistente deslocou-se ao Hospital de... onde foi assistida.

25. Como consequência directa da agressão perpetrada pelo arguido, o Centro Hospitalar do ... - Hospital de..., no dia 11 de Junho de 2008, prestou assistência médica à assistente C..., tendo despendido com tal assistência, a quantia de € 106,00.

26. A reparação da porta traseira da viatura danificada pelo arguido tem o custo de € 1.824,17.

27. O  veículo  de  matrícula  … tem  a  matrícula  cancelada  desde 29/06/2009.

28. O arguido procedeu à reparação da porta referida em 10.

29. O arguido tem a profissão de motorista, encontrando-se desempregado desde finais de Agosto de 2009.

30. A sua companheira não trabalha, auferindo mensalmente a título de subsídio de desemprego a quantia de € 200,00.

31. O arguido vive com a filha, a companheira e um filho desta.

32. Encontra-se a pagar 2 prestações mensais de € 150,00 resultantes de empréstimo bancário.

33. O arguido possui como habilitações literárias o 6.° ano de escolaridade.

34. O arguido foi condenado por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de ... em 08/05/2006, pela prática do crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 5,50.

35. O arguido é considerado como pessoa trabalhadora, cumpridora e calma.


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3. E como não provados, os factos infra transcritos:

1. Que na sala de estar o arguido empurrou a assistente contra a parede.

2. Que o arguido puxou os cabelos à assistente.

3. Que o arguido partiu o vidro da porta.

4. Que na reparação da porta e do vidro a assistente tem de despender a quantia de € 75,00.

5. Que o arguido agiu com o propósito de causar danos na porta da casa pertença da assistente.

6. Que a assistente passou a ter sonhos perturbadores quando dorme.

7. Que a assistente passou a ter falta de apetite.

8. Que a assistente está constantemente fatigada, sentindo-se irritada e impotente perante as agressões de que foi vítima, temendo ainda pela própria vida.

9. Que a assistente irá despender por mais um ano de, pelo menos, € 1.000,00 em consultas de psicoterapia e psiquiatria.

10. Que em medicamentos a assistente despendeu mais de € 500,00.

11. Que a assistente ainda irá despender a quantia de cerca de € 1.000,00 em medicamentos.

12. Que actualmente a assistente toma - Topiramato, Clorazepato Dipotássico, Fluxotina e Amissulprida, diariamente.

13. Que a assistente tem de pagar a quantia de € 106,00 ao Centro Hospitalar de....


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4. Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou consignado:

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:

2.3.1. Quanto aos factos provados:

a) Nas declarações do arguido quanto às suas condições pessoais, referiu ainda que no dia em causa nos autos deslocou-se ao local onde a assistente habitava, na Rua das F…, mencionando o motivo da sua deslocação, e que desferiu um pontapé na porta da sua casa, que é de sua propriedade e não da assistente, e um pontapé na porta traseira do veículo de sua pertença e da assistente, de marca Fiat Punto de matrícula …, mais referiu que no dia seguinte foi ao local e reparou a porta que havia pontapeado, endireitando-a.

b) Nas declarações da assistente C... que referiu que no dia 10 de Junho de 2008, indicando a hora, o arguido deslocou-se à casa onde habitava para ir buscar umas fotos para a filha do casal e encetou uma discussão com a ofendida, e no interior da habitação, na sala de estar, desferiu-lhe murros no braço direito e pontapés na perna esquerda, e depois saiu para a rua e desferiu pontapés na porta de trás do veículo automóvel, veículo esse adquirido depois do casamento de ambos, e quando a assistente já se encontrava no exterior da habitação, o arguido agarrou-a pelo braço esquerdo, abanou-a, cuspiu-lhe na cara e atirou-a contra a parede da casa.

Que nessa sequência deslocou-se ao hospital das..., onde foi assistida, e foi posteriormente examinada no Instituto de Medicina Legal.

Mencionou ainda que a porta foi reparada, confirmou que as lesões de que padeceu em consequência da agressão são as que constam da fotografia de fls. 9, no braço direito e que também teve lesões na perna esquerda, e que depois da agressão passou a ser acompanhada por médicos, na especialidade de psicologia e posteriormente de psiquiatria, e desde essa altura que toma medicação e continua a tomar, tendo saído da casa onde habitava com receio que o arguido lá voltasse, e que no dia em causa chamou a GNR ao local.

Mais referiu que pediu um orçamento para reparação da porta do veículo, confirmando ser o que consta a fls. 123.

c) No depoimento da testemunha MM…, referiu que conhece a assistente por esta ter sido colega de curso da sua mulher, e nessa altura a assistente frequentava a sua casa, tendo-se queixado que o arguido danificou o veículo e porta, e que a assistente estava nervosa, perturbada e com medo do marido.

d) No depoimento da testemunha IS…, Engenheiro, referiu que conhece a assistente de vista, e que o documento junto a fls. 123 foi o orçamento que foi elaborado pela empresa da qual é gerente, a empresa M…, que se dedica à reparação de veículos automóveis, e que o orçamento foi por si elaborado.

Confrontado com a fotografia de fls. 6 referiu que tudo o que consta do orçamento corresponde ao que é necessário para a reparação dos danos visíveis no veículo de fls. 6. e que coincidem com os estragos na porta traseira.

e) No depoimento da testemunha EV…, referiu que conhece a assistente pois tiraram um curso profissional juntas, e que esta contou-lhe que o marido a tinha agredido e tinha provocado estragos num carro e numa porta, e que a assistente mostrou-lhe as lesões no braço e que se tinha deslocado ao Hospital das.... Confirmou que as lesões que viu correspondem às lesões que constam das fotografias de fls. 9, e nessa data a assistente estava nervosa.

f) No depoimento da testemunha RL…, militar da GNR, referiu que deslocou-se a casa da assistente, viu que a porta de entrada da residência estava amolgada na parte de baixo e o veículo de marca Fiat Punto também estava amolgado na porta traseira, confirmando que o que observou na porta e veículo corresponde às fotografias de fls. 6, e que a assistente mencionou ter sido agredida pelo marido, e queixava-se do braço, estando bastante nervosa, e com receio que o marido voltasse à residência e voltasse a fazer o mesmo.

e) No depoimento da testemunha HS…, referiu que conhece a assistente por terem tirado um curso de formação profissional juntas, que a assistente contou-lhe que foi agredida pelo marido, que este danificou um carro e uma porta. Referiu que na ocasião foi substituir a assistente no trabalho, por esta não poder comparecer em virtude de se ter deslocado ao médico por causa da agressão de que foi vítima. Que se deslocou à casa da assistente no dia seguinte aos factos e viu as lesões no braço da assistente e o carro amolgado, sendo que a porta da casa já estava reparada.

Referiu que nesse dia a assistente estava muito nervosa e magoada, demonstrando dor e sofrimento, sentindo-se humilhada e desde essa altura a assistente ficou com medo que o arguido voltasse a casa e tornasse a agredi-la.

Mencionou que após a agressão sentiu que a assistente ficou num estado depressivo, chorando quando se falava no assunto, e que está a ser acompanhada por psicólogo.

f) No depoimento da testemunha CF..., referiu que é irmã da assistente, e que esteve com a irmã no dia seguinte ao da agressão, tendo-se deslocado com a assistente ao Posto da GNR, e viu as lesões no braço da irmã (hematomas), conforme consta da fotografia de fls. 9, no cotovelo e na perna.

Mais referiu que viu o veículo automóvel e estava amolgado, que desde essa data a sua irmã ficou nervosa, angustiada e com medo do arguido, e numa noite em que pernoitou na sua casa nem conseguiu dormir, perdeu o interesse pela vida, referindo inclusivamente que “se não fosse os filhos não valia a pena andar cá, era melhor desaparecer”.

Que desde a agressão, a assistente passou a ser acompanhada por uma psicóloga, e posteriormente por um psiquiatra, e que actualmente continua a ter acompanhamento em Leiria e toma medicação.

g) No depoimento da testemunha EF…, cunhado da assistente e do arguido, referiu que é casado com a irmã da arguida, C…, e que na noite dos factos deslocou-se à casa onde a assistente habitava e quando lá chegou a assistente queixava-se do braço e que tinha sido agredida pelo marido, tendo visto a porta do carro amolgada, bem como a porta da casa, confirmou que os estragos que observou correspondem às fotos de fls. 6, 7 e 8, e que nesse dia a assistente estava nervosa e chorava, e deslocou-se ao Hospital, e desde essa altura ficou perturbada, tendo inclusive numa ocasião referido que ia suicidar-se, encontrando-se com acompanhamento médico.

Referiu que o veículo automóvel em causa foi adquirido pelo casal depois do casamento.

h) No depoimento da testemunha JA..., referiu que conhece o arguido, pois este trabalha por sua conta, ocasionalmente, nomeadamente no período de verão, aos fins de semana, e que o arguido é uma pessoa trabalhadora, cumpridora e calma.

i) No depoimento da testemunha SS…, Psicóloga Clínica, referiu conhecer a assistente pois foi sua paciente, que começou a acompanhar a assistente desde Junho de 2008, na Clínica Pediátrica de..., até Novembro de 2008, tendo encaminhado a assistente para consultas de psiquiatria com o Dr. AC..., e que actualmente, por questões financeiras, a assistente continua a ter acompanhamento psiquiátrico no Hospital de ....

Referiu que a assistente procurou-a por ter sido vítima de uma agressão por parte do marido, que apresentava-se perturbada, com stress pós traumático, com ideação suicida, tinha atitudes de hipervigilância e receio de ver ou ouvir o marido, que a agressão do marido foi traumática, causou à assistente perturbações do sono, encontrava-se deprimida, chorava, encontrava-se num quadro depressivo major.

Referiu que a assistente teve acompanhamento na Clínica Pediátrica de... e na Clínica ... Dor, confirmando os documentos de fls. 192 a 196, como sendo as despesas com as consultas, mencionou que foi prescrita medicação à assistente tal como consta de fls. 197, mencionando que a assistente actualmente toma medicação, e que ainda terá de fazer medicação durante um período entre 9 meses a 12 meses e acompanhamento terapêutico semanal pelo período de um ano.

j) No depoimento da testemunha GF..., companheira do arguido, referiu que no dia dos factos esteve no local com o arguido e que este desferiu um pontapé na porta da casa onde habitava a assistente e no carro.

1) No depoimento da testemunha ML…, mãe do arguido, referiu que no dia 10 de Junho de 2008, o seu filho tinha estado na sua casa com a companheira GF..., os seus netos e o filho desta, que a sua casa se situa próximo do local onde a assistente residia, e a sua neta foi à residência da assistente para ir buscar umas fotos e o seu filho, o arguido, deu um pontapé na porta da casa e no veículo. Que assistiu aos factos, pois quando ouviu barulho deslocou-se da sua casa para junto da residência que a assistente habitava.


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As declarações prestadas pela assistente mereceram a credibilidade do Tribunal, o seu depoimento foi prestado de forma objectiva, sem hesitações, de forma coerente, sem contradições, demonstrou conhecimento dos factos por neles ter tido intervenção directa, pois foi a vítima dos actos do arguido, o tribunal não teve razões para dela duvidar, a assistente encontrava-se visivelmente emocionada, e depôs de forma isenta.

Acresce que, as suas declarações foram parcialmente corroboradas pelo arguido que admitiu que pontapeou a porta da casa onde a assistente habitava e o veículo automóvel.

No que concerne às testemunhas MM…, ET…, HS…, EF…, estas não presenciaram os factos, tendo no entanto relatado ao tribunal o que a assistente lhes contou, estes depoimentos embora indirectos, foram validados pelo testemunho da fonte em julgamento, pois foram corroborados pela assistente em audiência, assim sendo, desapareceu a proibição de prova de valoração do depoimento de “ouvir dizer” na medida em que depôs a pessoa a quem se ouviu dizer (Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2008, disponível em www.dgsi.pt).

Acresce que, algumas das testemunhas constataram as lesões que a ofendida tinha, e os estragos existentes no veículo automóvel e na porta, a testemunha CF… relatou os factos que observou em virtude do relacionamento com a irmã, ora assistente.

A testemunha RL…, militar da GNR, relatou os factos que constatou no exercício das suas funções, após se ter deslocado ao local.

A testemunha Ivo Santos depôs sobre os factos de que teve conhecimento, enquanto legal representante da oficina onde a assistente solicitou a elaboração de um orçamento para reparação dos estragos provocados pelo arguido no veículo automóvel.

A testemunha SS..., enquanto psicóloga da assistente depôs sobre os factos que teve conhecimento, no exercício das suas funções, e acompanhamento à assistente depois dos factos em causa nos autos.

A testemunha JÁ… prestou depoimento sobre a personalidade do arguido, tendo demonstrado conhecimento desses factos por conviver com o arguido.

As supra referidas testemunhas prestaram depoimento de forma isenta, coerente, sem contradições, os seus depoimentos foram em parte coincidentes com as declarações da assistente, tendo merecido a credibilidade do tribunal que não teve razões para delas duvidar.

As testemunhas GF… e ML…, e quanto aos factos que o tribunal valorou, e supra referidos, assistiram a esses factos, tendo o seu depoimento, nessa parte, coincidido com as declarações do arguido que admitiu que pontapeou a porta da casa e veículo automóvel, e da própria assistente, pelo que, quanto a estes factos mereceram credibilidade.

Quanto ao mais que estas testemunhas referiam, bem como as declarações do arguido, não mereceram a credibilidade do tribunal.

Vejamos, o arguido negou que tenha agredido a assistente, referindo que apenas se defendeu, que a assistente começou a chamar-lhe nomes e começou a agredi-lo, rasgou-lhe a camisa, e que nessa sequência apenas colocou as mãos atrás das costas e movimentou o peito para se defender. A testemunha GF...referiu que o arguido não agrediu a assistente e que quando estava a ser agredido por esta colocou as mãos atrás das costas, tendo ficado exaltado por isso deu o pontapé na porta e no veículo.

A testemunha ML... também afirmou que o arguido não agrediu a assistente, esta é que o agrediu e este colocou as mãos ao lado do tronco e defendeu-se com o peito, mais referiu que o arguido esteve sempre calmo, e todos referiram que a assistente caiu sozinha para cima da parede da casa.

Ora, as supra referidas declarações do arguido e depoimento das testemunhas GF...e ML..., não mereceram qualquer credibilidade ao tribunal.

Dúvidas não teve o tribunal de que o arguido agrediu a assistente da forma que esta relatou, sendo que as lesões de que padeceu são compatíveis com as agressões descritas pela assistente.

Na verdade, a versão do arguido e das testemunhas é totalmente inverosímil, pois não é de crer que o arguido ao ser alvo de agressões perpetradas pela assistente, tenha colocado as mãos atrás das costas, defendendo-se com o peito.

Segundo as regras da experiência comum, ninguém se deixa agredir e coloca as mãos atrás das costas, defendendo-se com o peito (nem se vislumbra a eficácia de tal meio de defesa).

Também não mereceram credibilidade as declarações do arguido e das testemunhas GF...e ML..., quando referiram que a assistente caiu sozinha para cima da parede, justificando as testemunhas tal facto com um alegado desnível no terreno, não tendo, no entanto, concretizado em que termos.

Em suma, atentas as declarações da assistente que decorreram de forma isenta e emocionada, o tribunal ficou convencido que os factos relativos à agressão ocorreram como descreveu, e foi evidente que as testemunhas GF..., companheira do arguido, e ML..., mãe do arguido, relataram os factos ao tribunal com o único intuito de favorecer o arguido corroborando a sua versão, o que não mereceu qualquer credibilidade ao tribunal.


*

No que se refere à testemunha MC…, o tribunal não levou em consideração o seu depoimento, pois a testemunha não demonstrou qualquer conhecimento sobre os factos em causa nos autos.

m) Nas fotografias de fls. 6 e 9.

n) No documento de fls. 123, referente ao orçamento para reparação da viatura automóvel.

o) Documento de fls. 205, referente ao episódio de urgência no Hospital das....

p) Documentos de fls. 192 a 198, conjugados com os depoimentos das testemunhas SS... e CF… e declarações da assistente.

q) Na documentação clínica de fls. 155.

r) No relatório pericial de fls. 14 e 15, de onde consta, além do mais, as lesões sofridas pela assistente que, segundo as regras da experiência comum, são adequadas a provocar dores e os dias de doença por si sofridos.

As lesões constantes do relatório permitem concluir que decorreram directamente das agressões perpetradas pelo arguido, as quais, segundo as regras da experiência comum, constituem causa adequada para produzir tais resultados.

s) Nos documentos de fls. 313 a 318 e de fls. 361 e 362, resultando do documento de fls. 313 e seguintes, que o prédio encontra-se inscrito a favor do arguido, sendo este casado em comunhão de adquiridos com a assistente, e tendo o prédio sido adquirido por sucessão deferida em partilha extrajudicial, por força do disposto no artigo 1722.°, n.° l, alínea b), do CC, trata-se de bem próprio do arguido.

t) No que diz respeito aos antecedentes criminais, o Tribunal levou em consideração o certificado de registo criminal de fls. 300 e 301.

Perante tudo o exposto, à luz das regras do senso comum e da experiência, e fazendo a análise crítica da prova produzida, e em obediência ao disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta, não podendo o Tribunal valorar a prova produzida de forma diferente.

2.3.2. Quanto aos factos não provados:

A ausência de prova em relação aos mesmos produzida, com os seguintes esclarecimentos:

No que concerne ao vidro da porta, o arguido referiu que o vidro já se encontrava partido há algum tempo, e que no dia dos factos não partiu o vidro apenas pontapeou a porta, a assistente refere que o arguido partiu o vidro, desferindo um murro, mas refere que não sangrou.

Ora, analisando as fotos de fls. 7 e 8, e tendo em conta a dimensão do estrago existente no vidro, segundo as regras da experiência comum, o arguido ao desferir um murro teria que fazer algum corte na mão, no entanto, nenhuma testemunha, o arguido ou a assistente referiram tal facto, pelo que, o tribunal teve dúvidas, se efectivamente o vidro foi partido no dia em causa nos autos e como tal, em obediência ao princípio do in dúbio pro reo, deu como não provado tal facto.

Por outro lado, resultou da factualidade que a casa onde residia a assistente é propriedade do arguido, tal como já supra referido.

No que concerne aos valores despendidos com medicação, não foram juntos aos autos comprovativos dos montantes referidos. Por outro lado, e no que diz respeito aos valores que a assistente irá despender com consultas médicas e medicação, não se provaram, referindo inclusivamente a testemunha SS... que a assistente encontra-se a ser acompanhada no Hospital de ..., não se encontrando a receber tratamento em clínica privada, não soube a testemunha em causa, ou outra, precisar que montantes serão despendidos pela ofendida com consultas médicas e medicação.

Acresce que, a medicação pode ser variável em função da evolução da doença da assistente, não servindo de referência a actual medicação ou qualquer outra, por ser imprevisível.

Por outro lado, não se apurou qual a medicação em concreto que a assistente se encontra a tomar actualmente, pois a testemunha SS... referiu alguns medicamentos, mas referiu que foi a assistente que lhe contou que tomava essa medicação, não tendo a assistente confirmado que tomava aquela medicação concreta, apenas referindo que tomava medicação, logo estamos no âmbito de um depoimento indirecto que não é admissível, nos termos do disposto no artigo 129.° do CPP.

Por estes motivos se deram como não provados os factos supra referidos.


*

5. Do mérito do recurso:

5.1. Da pretendida alteração da matéria de facto provada:
Pretendendo o recorrente impugnar a matéria de facto, há-de cumprir o ónus de impugnação especificada imposto no art. 412.º, do Código de Processo Penal, de indicação pontual, um por um, dos concretos pontos de factos que reputa incorrectamente provados e de alusão expressa às concretas provas que impelem a uma solução diversificada da recorrida e às provas que devem ser renovadas - als. a), b) e c) do n.º 3 do referido artigo -, sendo certo que, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação (n.º 4 do mesmo artigo).
A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que o recorrente considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença e/ou da acusação, e bem assim a referência vaga e imprecisa da matéria de facto que se pretende seja reapreciada pelo Tribunal da Relação.
Diz, a propósito, o Sr. Desembargador Sérgio Gonçalves Poças, «como o tribunal de recurso não vai rever a causa, mas (…) apenas pronunciar-se sobre os concretos pontos impugnados, é absolutamente necessário que o recorrente nesta especificação seja claro e completo (…).
Assim, nesta especificação – as palavras valem – serão totalmente inconsequentes considerações genéricas de inconformismo sobre a decisão».
(…)
Assim, se, v.g. o tribunal a quo deu como provado no ponto 2 da matéria de facto (provada) que “o arguido tinha no bolso do casaco 20 gramas de heroína”, se o recorrente entende que este facto foi incorrectamente julgado (que deveria ter sido dado como não provado), tem, no mínimo, de dizer clara e expressamente sob o título de “Pontos de facto incorrectamente julgados”: 1. Toda a factualidade descrita no ponto 2 da matéria de facto provada».[1]
Por outro lado, a exigência legal de especificação das “concretas provas” impõe a indicação do conteúdo específico do meio de prova. Tratando-se de prova gravada oralmente prestada em audiência de discussão e julgamento, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação.
Ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e do depoimento (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.
Nesta vertente, o recorrente, a par da indicação das concretas provas, há-de proceder, nomeadamente, de uma das seguintes formas:
- Reproduzir o conteúdo da prova que, para o fim em vista (impugnação dos concretos pontos de facto) considere relevante;
- Expor os segmentos pertinentes das declarações/depoimentos.
As aludidas especificações devem ser feitas por referência aos suportes técnicos usados na gravação em audiência, em função do consignado na acta, nos termos do disposto no artigo 364.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
«Acresce que o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. Este é o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado»[2].
Cingindo-nos, primeiramente, ao imputado crime de dano, cotejando as conclusões e a própria motivação do recurso interposto pelo arguido D..., vê-se claramente que em nenhuma parte surgem expressamente individualizados, como acima explicitado, os factos que o recorrente tem por indevidamente julgados, por referência à factualidade dada por provada pelo tribunal de 1.ª instância.
O recorrente, espraiado pelos pontos 11.º a 22.º da motivação e 12. a 18.º das conclusões daquela, apenas manifesta, no fundo, a sua discordância quanto ao montante indemnizatório fixado pelo tribunal da 1.ª instância, relativo aos danos causados no veículo automóvel.
Contudo, dos indicados segmentos da motivação e respectivas conclusões parece ressaltar como desígnio do recorrente o aditamento de novos factos ao acervo factológico provado.
Neste contexto, são elucidativos os seguintes extractos das conclusões, síntese dos factos descritos nos n.ºs 13. a 19.ª da motivação:
«12.ª - Como resulta da prova, página … a assistente confirma que o carro já não circula em consequência de uma avaria.
13.ª – A Assistente já conduz outro carro, ver prova, página ….
14.ª – O orçamento contempla não só a reparação do estrago provocado pelo Arguido com toda a reparação da mala traseira, conforme declarações do Gerente da M…, página ….
15.ª – O orçamento é elaborado oito meses após a viatura estar abandonada na rua.
16.ª – A viatura encontra-se com a matrícula cancelada, impedida assim de circular, conforme resulta da douta sentença.
17.ª – O único destino possível deste veículo é a sucata ou abate.
18.ª – A indemnização em que o Arguido foi condenado a pagar é superior ao valor do veículo e superior ao estrago provocado».
Todavia, por aqui se fica o recorrente, não sendo, assim, suficientemente esclarecedor sobre se, efectivamente, é sua pretensão inequívoca que se erijam à condição de provada aquela factualidade.
Mas não são só estas as deficiências patentes da peça recursória.
Antes da explanação das demais razões, importa dizer, previamente, que o recorrente, no requerimento de interposição de recurso, fez solicitou deste teor: «Mais requer que quando a transcrição se encontrar disponível que seja notificado da mesma a fim de aperfeiçoar o recurso, cumprindo o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3, alíneas a) e b) e 4 que não é feito por ora por não dispor da transcrição».
O recorrente ateve-se, tudo leva a concluir, à previsão da Lei n.º 59/98, de 25-08, a qual impunha, no seu artigo 412.º, n.º 4, do CPP, que as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 se fizessem por referência aos suportes técnicos, havendo lugar a transcrição.
E como decorria da lógica imediata da sequência, só após a identificação, no recurso, dos suportes técnicos de gravação, haveria que proceder à transcrição do que fosse relevante – não transcrição de toda a prova, mas apenas dos elementos que se mostrassem previamente identificados e referidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação que se lhe impunha a referida norma do artigo 412.º, n.º 4.
A transcrição era um acto posterior que incumbia, não ao recorrente, mas ao tribunal efectuar (cfr. Ac. de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2003, de 16-01-2003, in DR, I série-A, de 30-01-2003), nos termos e na medida delimitada previamente pelo recorrente, destinando-se a permitir (rectius, a facilitar) então ao tribunal superior a apreciação, nos limites do recurso, da prova documentada.
A lei n.º 48/2007, de 29-08, mudou radicalmente o regime de impugnação da matéria de facto e, entre outras alterações, afastou a transcrição da prova, no caso regra de utilização da gravação magnetofónica ou audiovisual (artigo 364.º, n.º 1, do CPP). A prova não deve ser transcrita, devendo o tribunal de recurso, uma vez cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, proceder ao controlo dessa prova por via da audição ou da visualização dos registos gravados (artigo 412.º, n.º 6), com base na indicação pelo recorrente das passagens da gravação em que funda a impugnação (artigo 412.º, n.º 4).
Consciente das deficiências da sua petição recursória, o recorrente alude às declarações do arguido e da assistente e aos depoimentos das testemunhas JA..., GF..., ML... e C..., mas sem indicar concretamente, quer na motivação quer nas respectivas conclusões, as passagens das declarações e dos depoimentos potenciadores de decisão diversa da recorrida. Neste contexto, apenas apresenta uma síntese pessoal, subjectiva, e ainda assim, manifestamente redutora, das declarações da assistente e da testemunha JA....
Quanto às restantes testemunhas, o depoimento de C... é remetido, como sucede com toda a prova oralmente produzida em audiência de julgamento, acima indicada, para a transcrição solicitada pelo recorrente. No que diz respeito ao ponto 16.º da motivação, nem sequer está identificada a testemunha, apenas surgindo a alusão ao gerente da “M…”.
Por fim, na singela síntese que fez em relação ao conteúdo de algumas das declarações/depoimentos, o recorrente omitiu completamente toda e qualquer referência à localização da prova, com base nos respectivos suportes técnicos de gravação, conforme acta de audiência de julgamento.

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Passando ao crime de ofensa à integridade física, também logo se vê que o recorrente não cumpriu, na sua plenitude, as referenciadas exigências normativas do artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal.
Embora haja individualizado os pontos de que tem como incorrectamente julgados (3., 4., 5. e 6. da factualidade dada como provada), somente no que tange à assistente concretizou devidamente as passagens das declarações por aquela prestadas em audiência de julgamento (cfr. n.º 31.º da motivação).
Em relação às demais provas indicadas que, na tese interpretativa do recorrente, imporiam decisão diversa (declarações do arguido e depoimento das testemunhas GF..., ML... e o Militar da GNR que tão pouco surge devidamente identificado), nenhuma referência existe acerca do conteúdo da prova (caso do arguido) ou, existindo, a motivação está reduzida às seguintes asserções, sem a mínima preocupação na indicação concreta das passagens relevantes dos depoimentos: «(…) declararam que o Arguido nunca entrou dentro da moradia»; A Meritíssima Juiz a quo «desvalorizou ainda os depoimentos das únicas testemunhas presenciais – GF... e ML... – apesar destas coincidirem, não no todo mas no que diz respeito ao que sucedeu, nomeadamente a forma como a Assistente cai, desequilibrando-se e embatendo contra a parede. Veja-se declarações de GF..., transcrição página ….. . Veja-se declarações de ML..., transcrição da página ….. .» (cfr. fls. 419 a 424 dos autos).
Mutatis mutandis, o mesmo sucede com “o Militar da GNR”, que, na versão do recorrente, «se deslocou à residência e confirma os danos na porta do veículo e que a Assistente se queixava do braço», não havendo, ainda na perspectiva daquele, «qualquer referência aos hematomas na perna por nenhuma das testemunhas; aliás a testemunha ..… refere que o hematoma na perna já tinha alguns dias. Veja-se transcrição das declarações da testemunha, página ….., ponto ..…».
Acresce ainda que, conforme se deixou exarado na apreciação do recurso, versando matéria de facto, no contexto do crime de dano, embora concretizadas, através de transcrição do registo da prova, as passagens das declarações da assistente, o recorrente não indicou, de qualquer forma, a localização das mesmas, por referência ao consignado na acta de julgamento (veja-se fls. 304 dos autos, onde é feita alusão expressa ao sistema de gravação do depoimento e ao início e fim da gravação).
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Apreciando a alegação relacionada com o pedido de indemnização civil, aqui a recorrente não concretiza os pontos de facto, embora se infira, pelo texto da motivação, que pretende pôr em questão a factualidade dos n.ºs 19. e 20. do acervo factológico provado (cfr. fls. 426/427 da motivação).
Embora mencione as concretas provas base da impugnação (testemunhas SS..., psicóloga, MM…, HS…), mais uma vez o recorrente faz “letra morta” do disposto no n.º 4 do artigo do artigo 412.º do Código de Processo Penal, como bem se vê do segmento da motivação agora transcrito:
«E é com base nas declarações da testemunha SS..., psicóloga que deixou de acompanhar a Assistente em Novembro de 2008, que se confirma que a Assistente ainda se encontra em estado depressivo, estará por mais um ano e tem que tomar medicamentos por mais nove meses. Com o devido respeito, como é possível dar tais factos como provados e condenar o Arguido a pagar 2.800,00 € de danos morais?
Mas não se atribui relevância aos depoimentos de todas as testemunhas de acusação que referem que uma das causas da angústia e do sofrimento da Assistente se deve ao facto da filha preferir residir com o pai.
Veja-se depoimento da testemunha MM…, página …., linha …..; HS…, página …., linha …. e AF…, página ….., linha ….».
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Cingindo-nos às conclusões da motivação do recurso, é apodíctico que também aí, como não podia deixar de ser (como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP, as conclusões servem para resumir as razões do pedido, tendo de reflectir a matéria tratada no texto da motivação), o arguido incumpriu, manifestamente, o dever de especificação imposto pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 daquele diploma legal.
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Como se escreveu no Acórdão do STJ de 24/10/2002[3] «(...) o labor do Tribunal da 2.ª instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida [art. 412.º, n.º 3, als. a) e b) do CPP].
Se o recorrente não cumpre aqueles deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência às provas e respectivos suportes».
De acordo com posição constante do Supremo Tribunal de Justiça, o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto, tanto na motivação como nas conclusões desta, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que só se pode corrigir o que está deficientemente cumprido e não o que se tem por incumprido[4]. Daí que o artigo 417.º, n.º 3, do CPP, imponha o dever de convite tão só quando “a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º”.

Se o recorrente não faz, como no presente caso, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do artigo 412.º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite[5].

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5.2. Destituída de fundamento se apresenta a residual alusão ao princípio processual in dubio pro reo, já que, de todo, não se antolha da fundamentação da decisão de facto – supra transcrita – qualquer estado de dúvida razoável, positiva, racional sobre o comportamento do arguido, impeditiva da convicção do julgador nos termos em que se revelou.

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5.3. Em suma, não se verificando qualquer um dos vícios previstos no  n.º 2 do artigo 410.º do CPP e não podendo este tribunal de recurso sindicar, pelas razões supra expostas, a decisão proferida sobre matéria de facto, o acervo factológico mostra-se definitivamente fixado nos precisos termos em que o tribunal de 1.ª instância o definiu.

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5.4. Resulta dos fundamentos do recurso, supra reproduzidos, que a pretensão do recorrente, de ser absolvido do crime de ofensa à integridade física simples que lhe está imputado, assenta apenas na sugerida, e não aceite, alteração da matéria de facto provada.

Daí que seja chegado o momento de indagar a verificação do crime de dano.
Dispõe o artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal:
«Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
As modalidades de acção configuradas na norma traduzem-se em destruir, danificar ou tornar não utilizável coisa alheia.
A destruição determina a perda total da utilidade da coisa e implica, normalmente, o sacrifício da sua substância. Neste sentido “destruir” consiste em deitar abaixo, demolir, devastar, derrubar, arrasar, fazer desaparecer, arruinar, ou seja, traduz o caso que determina a imprestabilidade da coisa.
Quanto à danificação, abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão preexistente. Configura, deste modo, um acto que causa uma “destruição parcial” da coisa. Constitui exemplo marcante de danificação riscar ou amolgar um automóvel ou arrancar-lhe o emblema[6].
Por seu lado, “inutilizar” abarca as acções que reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função. O que se exige sempre é a referência à corporeidade da coisa. Esta conduta típica pode consubstanciar uma lesão da substância ou da integridade física (neste caso, confunde-se com a acção “danificar”), ou em retirar uma parte ou peça da coisa ou acrescentar uma coisa ou substância perturbadora. Quanto ao critério definidor da função da coisa a posição actual assenta numa solução eclética, ou seja, no “primado do critério do proprietário, temperado pela exigência da generalização”[7].
Em síntese conclusiva, a destruição, a danificação ou a inutilização, total ou parcial, abrangem todos os atentados à substância ou à integridade física da coisa.
Revisitando os factos dados como provados, dúvidas não existem de que o arguido, ao amolgar a porta traseira do veículo automóvel de matrícula ..., pertencente ao património colectivo do arguido e da assistente, preencheu a modalidade típica “danificar”.
O punctuns saliens da questão está, no entanto, em saber se a coisa danificada constitui (ou não) coisa alheia.
Como esclarece Mota Pinto, o património colectivo não se confunde com a compropriedade ou propriedade em comum. «Na propriedade em comum ou compropriedade (…) estamos perante uma comunhão por quotas ideais, isto é, cada proprietário ou consorte tem direito a uma quota ideal ou fracção do objecto comum.
(…).
O património colectivo pertence em bloco, globalmente, ao conjunto de pessoas correspondente. Individualmente nenhum dos sujeitos tem direito a qualquer quota ou fracção; o direito sobre a massa patrimonial em causa cabe ao grupo no seu conjunto.
(…)
Um caso em que parece divisar-se a figura do património colectivo no nosso direito é a comunhão conjugal»[8].
No mesmo sentido, discorre Manuel de Andrade que, nos patrimónios colectivos, de que é exemplo a comunhão conjugal, várias pessoas são titulares de um património que globalmente lhes pertence. Trata-se de “uma comunhão de mãos reunidas” “ou de mão comum”. A massa patrimonial pertence em bloco e só em bloco a todas essas pessoas, à colectividade por ela formada[9].
Também Pereira Coelho manifesta igual posição, quando escreve sobre o assunto em análise:
O património colectivo define-se como «um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem se repartir entre elas em quotas ideais, como na compropriedade.
Enquanto, pois, esta é uma comunhão por quotas, aquela é uma comunhão sem quotas.
Os vários titulares do património colectivo são sujeitos de um único direito,  o qual não comporta divisão, mesmo ideal. Não tem, pois, cada um deles algum direito de que possa dispor ou que lhe seja permitido realizar através da divisão do património comum. Esta particular fisionomia do património radica no vínculo pessoal que liga entre si os membros da colectividade; por isso, o património colectivo deve subsistir como tal enquanto durar aquele vínculo[10].
(…)».
Já o Professor Pires de Lima considerava a comunhão de bens como uma forma de propriedade colectiva, e nesta há um só direito de propriedade de que são titulares vários indivíduos[11].
No domínio da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem prevalecido maioritariamente a posição de que os bens que compõem o património colectivo do casal não podem ser considerados “alheios” para o preenchimento dos tipos de crime de dano, furto ou abuso de confiança[12].
Os fundamentos invocados – que merecem a nossa inteira razão – radicam nos conceitos já apresentados. Se os cônjuges são, os dois, titulares do direito de propriedade sobre os bens que integram a comunhão, então tais bens não podem, enquanto a comunhão persistir, ter a natureza de coisa alheia, em relação a qualquer cônjuge e, por isso, a sua danificação por um dos cônjuges não preenche em relação a este o elemento constitutivo do tipo legal de crime de dano “coisa alheia”.
Pelo exposto, o arguido tem de ser absolvido do imputado crime de dano, prevalecendo, tão só, a condenação do mesmo, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 220 dias de multa, à razão diária de € 5.

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5.5. Da invocada nulidade da sentença:
Na exegese do recorrente, verifica-se nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, porquanto o tribunal de 1.ª instância não substituiu a multa imposta ao arguido por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º, do CP.
Todavia, o arguido ocorre em equívoco evidente.
Como é sabido, as penas previstas no nosso sistema jurídico-penal são penas principais (prisão e multa), penas acessórias ou penas de substituição.
A prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no artigo 58.º do CP constitui, a par da multa de substituição (art. 43.º, n.º 1), pena de proibição do exercício de profissão, função ou actividade (art. 43.º, n.º 3) e suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º e ss.), penas de substituição em sentido próprio, porquanto são aplicadas na sentença condenatória e substituem a execução da pena de prisão concretamente determinada. Igual natureza assume a pena de admoestação (art. 60.º), em relação à pena de multa.
Por sua vez são penas de substituição em sentido amplo ou impróprias as forma de cumprimento da pena de prisão em meio não prisional ou de modo descontínuo no meio prisional [regime de permanência na habitação (art. 44.º), prisão por dias livres (art. 45.º) e regime de semidetenção (art. 46.º)][13].
Das penas de substituição assim definidas se distingue, nomeadamente, a substituição da multa por trabalho (art. 48.º), que já estava regulada na versão originária do C.P/82, a qual é fixada, não na decisão condenatória, mas sim na fase da execução da pena de multa, em conformidade com as regras impostas pelos artigos 489.º e 490.º do CPP. O arguido, pode requerer, após o trânsito em julgado da sentença, no prazo e condições regulados nesses artigos a substituição da multa (principal) por dias de trabalho.
Na situação dos autos, ao arguido foi imposta uma pena (principal) de multa e daí que, ao caso dos autos, não seja, pelos motivos acima expostos, aplicável a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade fixada no artigo 58.º do CP.
A única alternativa do arguido, tendo em vista a prestação de trabalho, é o recurso, na fase da execução da pena de multa (cfr. artigos 489.º e 490.º), à previsão normativa do artigo 48.º do CP.
Não tendo o tribunal omitido o exercício de um poder/dever ou um poder vinculado relativamente à aplicação da pena, não padece a sentença recorrida da nulidade suscitada pelo arguido.
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5.6. Dos montantes indemnizatórios fixados na sentença recorrida:
5.6.1. Vejamos agora as implicações jurídicas decorrentes da absolvição do arguido da prática do imputado crime de dano.
No domínio do direito anterior ao Código Penal de 1982, a reparação por perdas e danos arbitrada em processo penal tinha natureza especificamente penal.
Com efeito, na medida em que se postergava o princípio da necessidade do pedido e se considerava a indemnização como um efeito necessário da condenação penal (art.°s 34.° e 450.°, n.° 5, do C.P.P./29), definiam-se critérios próprios da sua avaliação, distintos dos estabelecidos pela lei civil (§ 2.° do mesmo art. 34.°) e não se previa a possibilidade de transacção ou de renúncia ao direito e desistência do pedido, aquela reparação constituía, em rigor, um «efeito penal da condenação - como aliás claramente o inculca o art. 75°, 3 do CP - hoc sensu “uma parte da pena pública”, que não se identifica, nos seus fins e nos seus fundamentos, com a indemnização civil, nem com ela tem de coincidir no seu montante»[14].
Contra essa descaracterização, quer da acção civil enxertada no processo penal quer da própria natureza e finalidades da indemnização aí arbitrada, que não contra o sistema da adesão em si mesmo, veio a grande reforma do direito penal de 1982.
Assim, passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios substantivos da lei civil, por força da norma do art. 128.° do Código Penal de 1982 (que revogou, tacitamente, o § 2.° do art. 34.°, do C.P.P./29), reproduzida no art. 129.°, do CP/95, a reparação assume-se, agora, como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena (o art. 128.° do C.P./82 corresponde, com ligeiras alterações formais, ao art. 106.° do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, que Eduardo Correia justificou pela «ideia de que, pelo menos no ponto de vista substantivo, a indemnização civil do dano produzido pelo crime é coisa diferente, de todo o ponto, da responsabilidade penal ...»[15]
E, no plano do direito adjectivo, o Código de Processo Penal, mantendo o sistema da adesão [embora alargando, no art. 72.°, o número de casos em que, concedendo ao princípio da alternatividade ou opção, é permitido intentar a acção cível em separado, e levando essa maior maleabilidade ao ponto de autorizar o tribunal não só a condenar no que se liquidar em execução da sentença, sempre que não disponha de elementos bastantes para fixar a indemnização - art. 82.°, n.° l, - mas também a remeter para os tribunais civis, nos casos previstos no n.° 2 (hoje, n.° 3) do último dispositivo citado], veio conferir àquela acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertada no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil, acolhendo, inequivocamente, os princípios da disponibilidade - cfr. art. 81.° - e da necessidade do pedido (nemo iudex sine actore, ne procedat iudex ex ofício, ne eat iudex ultra vel extra petita partium) - cfr., v.g., os art.°s 71.°, 74.° a 77.° e 377.° (a Lei n.° 59/98, de 25 de Agosto, além do mais, aditou, relativamente ao texto originário do Código de Processo Penal de 1987, o art. 82.°-A que consagra, para uma situação de excepção (“quando particulares exigências da protecção da vítima o imponham”), uma solução de excepção (em caso de condenação, atribuição, ex offïcio, de reparação à vítima) que pressupõe, obviamente, a regra ou princípio de que, em processo penal, o juiz só pode arbitrar indemnização, ao lesado, quando este tiver deduzido o respectivo pedido, nos termos do cit. art. 77.°, do C.P.P.), e prescrevendo que a decisão penal, ainda que absolutória, que conheça do pedido cível, constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis, cfr. art. 84.°.
Porém, dizer que, em processo penal, a indemnização se determina de acordo com os pressupostos e critérios da lei civil não significa que a própria admissibilidade do pedido se afira, ali, em função, apenas, do direito civil substantivo da responsabilidade civil, sem qualquer tipo de limitação. Com efeito, como flui, claramente, do disposto nos art.°s 71.°, n.° l, e 74.°, n.° l, do C.P.P., 128.°, do CP/82, e 129.°, do CP/95, a acção cível que adere ao processo penal é a que tem por objecto a indemnização de perdas e danos causados por um crime e só essa. Logo, se o pedido não é de indemnização por danos ocasionados pelo crime, se não se funda na responsabilidade civil do agente, pelos danos que, com a prática do crime, causou, então, o pedido é, legalmente, inadmissível no processo penal. Consequentemente, pelos danos causados por um facto que viola, exclusivamente, um crédito ou uma obrigação em sentido técnico, não pode pedir-se a respectiva indemnização no processo penal.
A esta luz, não é difícil determinar o sentido e alcance do disposto no art. 377.°, do CPP: se se tiver provado que o arguido, absolvido do crime que lhe era imputado na acusação ou na pronúncia, causou, ainda assim, com a sua conduta, danos a outrem, haverá lugar à condenação em indemnização (desde que, obviamente, se verifiquem os pressupostos de responsabilidade civil).
Dito de outro modo, no caso previsto no cit. art. 377.°, n.° l, do CPP, a indemnização só pode fundar-se em responsabilidade civil extracontratual ou em responsabilidade pelo risco. Foi justamente neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência, pelo Acórdão n.° 7/99, de 17 de Junho de 1999, publicado no D.R.- I-A, n.° 179, de 3/8/99), no seguinte sentido:
«Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extra-contratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual».
Em síntese conclusiva, dir-se-á, pois, que o pedido de indemnização civil «fundado na prática de um crime» pode ser «deduzido no processo penal respectivo (art. 71.º, do CPP)», mas a sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil «sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado».
Assim, se o pedido tem de se fundar «na prática de um crime», mas a absolvição (do crime) não obsta à condenação do arguido no pedido - se «fundado» - de indemnização, o fundamento da condenação não será obviamente a «prática de um crime», mas, segundo, o assento 7/99 de 17 de JUN, a «responsabilidade extracontratual ou aquiliana», ainda que (eventualmente) não criminosa.
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Feito este excurso teorético, vejamos o caso concreto, relativamente ao dano provocado no veículo automóvel.
«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação» (artigo 483.º, n.º 1, do CC).
No caso, verificou-se inequivocamente a violação ilícita do património colectivo pertencente à assistente e ao arguido, traduzida na perturbação dos poderes de uso, fruição e disposição conferidos pelo artigo 1305.º do Cód. Civil.
«Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação» (art. 562.º).
E determina o artigo 566.º:
«1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
O lesante deve colocar o lesado na situação patrimonial em que se encontraria não fora o acontecimento produtor do dano.
O modo mais adequado e eficaz de o fazer é remover o dano real ou efectivamente sofrido pelo lesado, pela restauração natural. É por esta forma de indemnização que se deve optar, como determina o citado artigo 566.º, n.º 1, sem que o lesante possa, em princípio, optar pelo pagamento do sucedâneo em dinheiro.
Como escreve o Professor Antunes Varela «o fim precípuo da lei nesta matéria…é o prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade da pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes»[16].
«Em matéria de obrigação de indemnização há uma clara opção da lei civil pela reconstituição in natura face à indemnização pecuniária: a obrigação de indemnização cumpre-se, fundamentalmente, através da reparação do objecto danificado ou da entrega de outro idêntico»[17].
Como princípio regra, quando se trata de indemnizar o dano causado, deve optar-se pela reconstituição natural, v. g. reparando o veículo danificado ou entregando ao lesado outro idêntico, com características iguais ou semelhantes ao danificado.
No caso concreto dos autos, diz o recorrente, na motivação do recurso (cfr. 19.ª conclusão) que a sentença deve ser alterada no sentido de dar ao arguido/demandado a possibilidade de proceder à reparação, nos termos do artigo 562.º do C. Civil.
Mas tal desiderato afasta-se, como vimos, do princípio geral que preside à obrigação de indemnizar definida no artigo já acima citado.
Efectivamente, a indemnização fixada na sentença recorrida destina-se à reparação do veículo automóvel danificado pelo demandado, o que integra restauração natural e não indemnização por equivalente.
Em apoio do que defendemos, Júlio Gomes[18], na análise a que procede sobre o âmbito da “restauração natural”, entende, na linha traçada pela doutrina Alemã: «tratando-se da lesão de um bem, caberá certamente neste domínio a sua reparação».
E, reportando-se à doutrina nacional, refere que esse também parece ser o entendimento de Antunes Varela.
Com efeito, este Ilustre Professor dá como exemplos de restauração natural a reparação do bem danificado, quando escreve: «Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente»[19].
E quando se opta pela reparação da coisa danificada, nada impede que, em determinados casos, o lesado opte pelos custos da reparação do bem danificado, estando, em tais situações, no domínio da restauração natural[20].
São os casos em que «o lesado não confiará no lesante, para proceder à aquisição do bem substitutivo ou para efectuar as reparações», sendo «o próprio lesado a substituir o bem ou a repará-lo»[21].
No quadro fáctico dado a conhecer pelos autos, o demandado não possui as habilitações necessárias para proceder à reparação do veículo, nem as relações, tensas e deterioradas, entre aquele e assistente o aconselharia[22].
O julgador de 1.ª instância, na fixação da indemnização em metade do valor do dano, ou seja, € 912,08, partiu do erróneo pressuposto de que o direito indemnizatório deveria ficar confinado ao valor da quota-parte da demandante, ou seja, como é expressamente dito, a «metade do valor da reparação».
Todavia, como já ficou referido, de modo nenhum, um cônjuge (ou ex-cônjuge) tem um direito autónomo a uma quota (ainda que ideal) de um dos bens da comunhão. O que tem é a titularidade do direito (também o cônjuge ou ex-cônjuge) sobre o conjunto de bens que integram a comunhão ou, melhor, directamente sobre a comunhão; e, em partilha, a regra de princípio será, efectivamente, a da metade, mas com referência ao todo.
Ou, por outras palavras, a regra da metade só concerne à partilha e tanto pode abranger metade do valor do veículo, como nada dela, como tudo dela – conforme a integração que venha a fazer-se da referida metade[23].
Daí que, estando demonstrado que o valor da reparação do veículo é de € 1.184,17, devesse ser esse o valor a atribuir à demandante, para ser ela própria a proceder à reparação da viatura à custa do responsável.
Sucede, porém, que o demandante aceitou o valor fixado na sentença recorrida, inviabilizando a intervenção deste tribunal no sentido da fixação de valor superior.
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  5.6.2. Pugna o recorrente pela redução do valor da indemnização, fixada a título de danos não patrimoniais, decorrentes da prática do crime de ofensa à integridade física.
É questão que passamos a abordar.
Diz-nos o n.º 3 do art. 496.º do citado diploma, na parte que importa ter em conta:
«O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º».
Assim, na fixação dos danos não patrimoniais, releva a gravidade do dano causado, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
É necessário considerar, desde logo, que estes elementos têm, no seu todo, uma dupla finalidade: a da reparação dos danos causados e o da sanção ou reprovação do agente.[24]
Na fixação equitativa do valor da indemnização, deve ter-se sempre presente que os montantes não devem ser tão escassos que possam ser vistos como miserabilistas, nem tão elevados que possam assumir-se como enriquecimento indevido.
Como foi referido no acórdão do Supremo Tribunal de 17/04/1997, proferido no Proc. n.º 59/96, da 2.ª Secção, «na fixação do montante dessa indemnização deve o Tribunal orientar-se por um critério de equidade, que não pode fazer corresponder a indemnização a um enriquecimento despropositado do lesado, nem a uma simples esmola, a um valor meramente simbólico».[25]
De acordo com um Autor italiano (G. Verga, em II da lesione, 1967), citado por Antunes Varela, incluem-se entre os danos não patrimoniais indemnizáveis as dores físicas e psíquicas, a perturbação da pessoa, os sofrimentos morais e os prejuízos na vida e relação.
A este respeito, Antunes Varela desenvolve algumas ideias que convém ter presentes[26].
«O montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (...)».
E, citando o Autor Italiano G. Verga, a propósito da orientação do Tribunal de Cassação de Roma, escreve ainda:
«Embora a determinação dos danos desta natureza - danos não patrimoniais indemnizáveis - e do seu montante dependa do prudente arbítrio do juiz, deve este referir sempre com a necessária precisão o objecto do dano, para evitar que a sua liquidação se converta num acto puramente arbitrário do tribunal».
Para Dario Martins de Almeida «quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa. A equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo»[27].
Volvendo aos factos provados, deles decorre:
- Em consequência da agressão de que foi vítima, a demandante teve dores; ficou com medo do demandado, receando que este a volte a agredir; ficou nervosa e angustiada; sentiu-se humilhada; aumentou  a perda de interesse pela vida, demonstrando desmotivação; desenvolveu perturbações de stress pós traumático e passou a ter alterações do sono, como dificuldades em adormecer e insónias, apresentando estado depressivo; passou a ter acompanhamento de psicoterapia e de psiquiatria;
- Actualmente, a assistente ainda se encontra em estado depressivo, necessitando de acompanhamento psiquiátrico durante um ano e de medicação durante, pelo menos, 9 meses.

Da consideração global destes elementos, e perante o grau culpa subjacente à conduta do arguido (dolo directo), gravidade das sequelas decorrentes da agressão por aquele perpetrada e condição económica do mesmo, segundo o referido juízo de equidade, consideramos ajustada, para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, a quantia de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros).

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6. Da responsabilidade pelas custas:
Face à parcial improcedência do recurso do arguido, incumbe a este o pagamento de custas, ao abrigo do disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b) e 3, do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do visado, fixa-se, de taxa de justiça, 4 UC´s.
A assistente, porque não se opôs ao recurso, não suporta custas nem taxa de justiça (cfr. artigos 515.º, n.º 1, al. b) e 518.º, a contrario, do CPP.
No que concerne ao pedido cível, as custas serão suportadas pela demandante e pelo demandado, na proporção dos respectivos decaimentos (arts. 520.º, al. a), do CPP, e 446.º, n.º 1, do CPC).
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III. Dispositivo:
Posto o que precede, decide-se:
I. Quanto à parte penal:
1. Julgar o recurso parcialmente procedente e, revogando-se, em parte, a decisão recorrida, absolver o arguido D... da prática do imputado crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal;
2. Manter a sentença recorrida, relativamente à condenação do arguido, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco euros);
II. Quanto aos pedidos de indemnização civil:
1. Não obstante a absolvição do arguido da prática do crime de dano, manter, pelas razões acima expostas, a condenação fixada na 1.ª instância, traduzida no pagamento, por aquele à demandante C..., da quantia de € 912,08 (novecentos e doze euros e oito cêntimos);
2. Conceder parcial provimento ao recurso do recorrente D..., no que concerne ao montante da indemnização decorrente dos danos gerados pela prática do crime de ofensa à integridade física e, em consequência, condenar o demandado D...a pagar à demandante a quantia global de € 3.147,03 (três mil cento e quarenta e sete euros e três cêntimos), correspondendo € 647,03 a danos patrimoniais e € 2.500,00 a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora como determinado na sentença do tribunal de 1.ª instância.
Parte penal: custas pelo arguido, fixando-se em 4 UC´s a taxa de justiça.
Parte cível: custas pelo demandante e pelo demandado na proporção dos seus decaimentos.
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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales


[1] Revista Julgar, Edição da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, págs. 31 e 32.
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1134/1135.
[3] Processo n.º 2124/2002, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. v.g., Acs. de 04-10-2006, proc. n.º 812/06-3.ª; 08-03-2006, proc. 185/06-3.ª; 04-01-2007, proc. n.º 4093-3.ª; e de 10-01-2007, proc. 3518/06-3.ª.
[5] Neste sentido, Ac. do Tribunal Constitucional n.º 259/2002, de 18-06-2002 (proc. n.º 101/02) - DR, II Série de 13-12-2002.
[6] Manual da Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 222.
[7] Manuel da Costa Andrade, idem, pág. 223/225.
[8] In Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 239/240.
[9] In Teoria da Relação Jurídica, 1983, p. 225/226.
[10] In Curso de Direito de Direito da Família, vol I, tomo II.
[11] In Direito de Família, 1953, vol. II, p. 98.
[12] Cfr., v. g. Ac. do S.T.J. de 03/07/1996, da Relação do Porto de 26/11/97 e de 16/03/2005, da Relação de Lisboa de 17/02/1999, todos publicados na Colectânea, Acs./STJ, tomo II, p. 218, tomo V, pág. 232, tomo II, pág. 208, e tomo I, pág. 145, respectivamente. Cfr., ainda, Ac. do STJ de 28/05/2009 (proc. n.º 226/09.1YFLSB); da Relação do Porto de 12/09/2007 (proc. n.º 0712676) e de 06/10/2010 (proc. n.º 4705/08.0TAVNG.P1), publicados, em texto integral, no site da dgsi. No entanto, em sentido contrário, também a título exemplificativo, Acs. da Relação de Coimbra de 30/11/2005 (procs. n.ºs 2509/05), CJ, tomo V, pág. 47), e da Relação do Porto de 27/06/2007 (proc. n.º 0712547), in www.dgsi.pt.
[13] Cfr. António João Latas, O Novo Quadro Sancionatório das Pessoas Singulares – Revisão do Código Penal de 2007, in Justiça XXI, A Reforma do Sistema Penal de 2007, p. 83 e ss.
[14] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.° vol., 1974, pág. 549.
[15] Cfr. Acta da 32.ª sessão, in “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral”, II vol., M.J., 1966, págs. 211/212.
[16] Em “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª ed., p. 904.
[17] Ac. do STJ de 05/06/2008, proc. n.º 08B1370, in www.dgsi.pt.
[18] Cadernos de Direito Privado, 3, p. 56.
[19] idem, 9.ª ed., vol. I, p. 933.
[20] Júlio Gomes, idem.
[21] Júlio Gomes, ibidem, p. 56.
[22] Nas referências relativas à restauração natural, seguimos, quase ao “pé da letra”, os Acs. do STJ de 11-01-2007 e 19-03-2009, procs. n.ºs 06B4430 e 09B0520, respectivamente, ambos publicados em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Ac. da Relação de Évora de 10/07/1986, CJ, tomo 4, p.. 273.
[24] cfr. Professor Antunes Varela, ibidem, Vol. I, 9.ª edição, pág. 630.
[25] Em igual sentido, para além de outros, cfr. o Ac. do mesmo Tribunal de 16/12/93, publicado na Col. Jur., STJ, III, pág. 182.
[26] Ob. cit., pág. 599/600.
[27] Manual de Acidentes de Viação, 2.ª ed., Coimbra, 1980, págs. 103 e 104.