Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
479/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
PRAZO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACRÉSCIMO DO PRAZO
Data do Acordão: 10/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 690º-A E 698º, NºS 2 E 6 DO CPC
Sumário: I- Não se mostrando cumprido o ónus a cargo do recorrente relativo a uma qualquer impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos previstos no artº 690º-A, nºs 1 e 2, do CPC, não só será de rejeitar qualquer pretensa impugnação dessa matéria, mas ainda importa que não se possa sequer considerar como produzida ou apresentada qualquer impugnação sobre essa dita matéria.

II- A circunstância da recorrente ter manifestado o propósito de pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, aquando da apresentação do seu requerimento de interposição de recurso, por si só não a legitima a beneficiar do acréscimo de 10 dias para apresentar as respectivas alegações de recurso.

III- O artº 698º, nº 6, do CPC apenas tem aplicação para o referido acréscimo de 10 dias para apresentação de alegações quando o recorrente que dele queira beneficiar cumpra o ónus legal previsto no artº 690º-A, do CPC, com vista à impugnação da matéria de facto constante da decisão recorrida, pois só nesse caso pode haver lugar à reapreciação da prova gravada.

IV- Se assim não acontecer o prazo para a apresentação das alegações de recurso é o previsto no artº 698º, nº 2, do CPC, isto é, de 30 dias a contar da notificação do despacho de recebimento do recurso.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, A... e mulher B..., residentes na Rua do Brejo, Quintas do Sirol, em Leiria, instauraram contra “C....”, com sede na Quinta da Torre da Agulha, Edifício Brisa, em São Domingos de Rana, e contra a Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., esta com sede no Largo do Corpo Santo, nº 13, em Lisboa, a presente acção declarativa, com processo ordinário, emergente de um acidente de viação ocorrido em 30/07/2000, na qual pediram a condenação das Rés no pagamento aos Autores da quantia de Esc. 3.001.000$00, acrescida de juros de mora .
II
Tramitada a acção e realizado o respectivo julgamento, foi proferida sentença sobre o mérito da causa, na qual foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com condenação da Ré Brisa a pagar aos autores as quantias que constam do dispositivo, designadamente em montantes a liquidar em incidente próprio .
III
Dessa sentença interpuseram recurso as Rés Brisa e Fidelidade, recursos esses que foram admitidos como apelação e com efeito devolutivo .

Pelas apelantes foram apresentadas as correspondentes alegações, a que responderam os Apelados, mediante a apresentação de contra-alegação única .
IV
Recebidos os autos nesta Relação pelo seu Relator foi proferido o despacho de fls. 837 e 838, no qual se considerou que aquelas alegações apresentadas por ambas as Apelantes deram entrada em juízo fora de prazo processual legal respectivo, face ao que aí foi decidido não as aceitar e, em consequência, foram ambos esses recursos julgados desertos .
V
Desse despacho reclamaram ambas as Rés para a conferência (apesar de a Ré Fidelidade ter endereçado a sua reclamação para o Senhor Presidente desta Relação, foi entendido que tal reclamação podia ser admitida como de reclamação para a conferência, ao abrigo dos artºs 687º, nº 3, 2ª parte, e 700º, nº 3, do CPC, já que a referida reclamação apenas cabe de despacho - proferido em 1ª instância - que não admita a interposição do recurso, nos termos do artº 688º, nºs 1 e 2, do CPC, o que não é manifestamente o caso ) .

Responderam os Autores, defendendo a manutenção do despacho visado .

Obtidos os “vistos” previstos no artº 700º, nº 4, do CPC, nada obsta a que seja proferido acórdão sobre a questão objecto das reclamações apresentadas, ao que agora e aqui se procede .

Assim, importa enunciar os elementos processuais a considerar na ponderação a encetar, elementos esses que são os seguintes :
1 – A sentença sobre o mérito da causa consta de fls. 715 a 749, estando datada de 24/10/2005 .
2 - Tal sentença foi notificada às partes por ofícios datados de 25/10/2005, conforme fls. 751, 752 e 753 .
3 – Em 31/10/2005 deu entrada em juízo o requerimento de interposição de recurso apresentado pela Brisa, requerimento esse constante de fls. 754 e 755, e no qual se refere que as alegações de recurso a apresentar terão por objecto, além do mais, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, …, sendo aí requerido o fornecimento de cópia da gravação de toda a audiência de julgamento .
4 – Em 4/11/2005 foi apresentado o requerimento de interposição de recurso da Ré Fidelidade, conforme fls. 758 .
5 – Ambos os recursos foram admitidos pelo despacho de fls. 763, como apelações, despacho esse que foi notificado a ambos os Recorrentes por ofícios datados de 7/12/2005, conforme fls. 765 e 767.
6 – Em 10/01/2006 foi efectuada a entrega das cassetes gravadas solicitadas pela Recorrente Brisa, conforma consta a fls. 769 .
7- As alegações de recurso foram apresentadas em juízo nas seguintes datas:
- pela Recorrente Companhia de Seguros Fidelidade, em 01/02/2006, conforme fls. 770 ;
- pela Recorrente Brisa, em 03/02/2006, conforme fls. 781 e 799 .
8 – Nas alegações da Companhia de Seguros Fidelidade são feitas suas as alegações da recorrente Brisa–Auto Estradas de Portugal, S. A., e nas próprias alegações e conclusões respectivas não é apresentada qualquer forma de impugnação relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, apenas sendo apresentadas conclusões sobre o modo como se deu o sinistro em causa para, daí, se procurar imputar ao autor a culpa exclusiva pelo acidente .
9 – Nas alegações apresentadas pela Brisa também não é apresentada qualquer impugnação relativamente à decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo esta Recorrente limitado-se a sustentar que “perante a matéria assente e os factos gravados, perceptíveis em plena audiência de julgamento, … , não se pode aferir da culpa da Ré Brisa no sinistro em causa, …. , tanto assim que ficou provado que …” .
E que “perante isto, é óbvio que a Ré não pode ser responsabilizada, nem por acção nem por omissão, … , face ao que a acção deveria ter sido julgada improcedente e consequentemente a Ré Brisa ser absolvida do pedido… “.
Mesmo em sede de conclusões das alegações apresentadas apenas aí se faz referência à matéria de facto dada como assente para dela se retirarem outras conclusões de direito, no sentido de se dever julgar proceder esse recurso, com a revogação da sentença recorrida .

Do supra exposto resulta que apesar da Recorrente Brisa se ter manifestado, aquando da sua interposição de recurso, no sentido de pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo até requerido o fornecimento de gravação de toda a audiência de julgamento, o que é manifesto é que não impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente não apontou nem especificou qualquer concreto ponto de facto que considera como incorrectamente julgado, nem especificou quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de gravação realizada, que impunham decisão diversa da recorrida sobre alguns ou todos os pontos da matéria de facto.
Logo, não se mostra cumprido o ónus a cargo desta Recorrente relativo a uma qualquer impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos previstos no artº 690º-A, nºs 1 e 2, do CPC, razão pela qual não só seria de rejeitar qualquer pretensa impugnação dessa matéria, mas importa antes que não se possa sequer considerar como produzida ou apresentada qualquer impugnação sobre essa dita matéria .
Sendo assim, como é, qualquer dos recursos apresentados não tem nem pode ter por objecto a reapreciação da prova gravada, apesar da Recorrente Brisa se ter munido de cópia dessa gravação para efeito de eventual impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artº 712º, nº 1, al. a), à contrário, do CPC , face ao que não está ao alcance das Recorrentes o acréscimo de 10 dias para a presentação de alegações, previsto no artº 698º, nº 6, do CPC .
E não se diga que pela circunstância da Recorrente Brisa ter manifestado o propósito de pretender impugnar a decisão sobre a matéria de facto, aquando da apresentação do seu requerimento de interposição de recurso, já ficou legitimada a beneficiar do acréscimo de 10 dias para apresentar as respectivas alegações, conforme se escreveu no despacho de 1ª instância de fls. 827, no qual ainda se procurou abordar a presente questão (e no qual expressamente se escreveu que não se ignorava que as alegações relativas aos recursos admitidos foram apresentadas para além do prazo de trinta dias e que nas mesmas não se encontra qualquer impugnação de decisão proferida sobre a matéria de facto), com fundamento no Acórdão desta Relação de 25/01/2006 e por se entender que não está demonstrado que o recorrente tivesse feito uso indevido do mecanismo do alongamento do prazo para apresentação das alegações, em caso de reapreciação da prova gravada, para alcançar o objectivo ilegal do seu protelamento, a coberto do vício da má fé processual .
É que entendemos que o citado artº 698º, nº 6, do CPC, não pode permitir tal entendimento, dele resultando apenas e tão só que o referido acréscimo de 10 dias para apresentação de alegações apenas ocorre ou pode ocorrer quando o recorrente que dele queira beneficiar cumpra o ónus legal previsto no artº 690º-A, do CPC, com vista à impugnação da matéria de facto constante da decisão recorrida, pois só nesse caso pode haver lugar à reapreciação da prova gravada, como bem resulta dos artºs 690º-A, nº 5, e 712º, nºs 1, al. a), e 2, ambos do CPC .
Não basta, pois, a mera indicação do Recorrente, no acto de interposição de recurso, de que pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, para desde logo poder beneficiar do acréscimo de prazo para apresentação das alegações previsto no artº 698º, nº 6, do CPC, mesmo que esse propósito seja sério nessa altura dos acontecimentos, sendo antes necessário que essa impugnação seja concretizada e segundo os termos previstos no artº 690º-A, do CPC, para que esse recorrente venha a beneficiar do referido acréscimo de prazo .
Se assim não acontecer o prazo para apresentação das alegações de recurso é o previsto no artº 698º, nº 2, do CPC, isto é, de 30 dias a contar da notificação do despacho de recebimento do recurso .
Ora, no presente caso o ofício a notificar as Recorrentes do despacho de recebimento do recurso tem a data de 7/12/2005, pelo que se tem de considerar tais notificações como ocorridas em 12/12/2005 (uma 2ª feira), nos termos do artº 254º, nº 3, do CPC .
Donde que o referido prazo de 30 dias para apresentação das alegações relativas aos recursos interpostos por ambas as Recorrentes haja findado em 24/01/2006 (uma vez que o período de férias judiciais que decorreu entre 22/12/05 e 3/01/2006 não é contado para o efeito, nos termos do artº 144º, nº 1, do CPC), sendo certo que as fitas com a gravação da audiência foram entregues à Brisa em 10/01/2006, portanto muito antes de findo esse prazo de 30 dias .
E uma vez findo esse prazo, fica extinto o direito de praticar o acto por ele regido, nos termos do artº 145º, nº 3, do CPC .
Acontece que as alegações apresentadas pelas Recorrentes deram entrada em juízo em 1/02/2006 e em 3/02/2006 (respectivamente da Recorrente Fidelidade e da Brisa), portanto claramente muito para além do dia 24/01/2006, isto é mais de 7 dias após esse términus, pelo que não pode deixar de se considerar como extinto o direito a praticar tal acto, conforme já se entendeu no despacho reclamado e proferido pelo relator deste processo .
E face a essa extinção tem de se considerar como não apresentas tais alegações, face ao que importa julgar desertos ambos esses recursos, nos termos do artº 690º, nº 3, do CPC .
Mas antes de deixarmos encerrada a apreciação a que procedemos afigura-se relevante dar o seguinte esclarecimento, suscitado pelo referido despacho de 1ª instância e pelo Acórdão desta Relação que nele se refere :
Face ao defendido nesse acórdão e na sequência de outros casos idênticos ao presente, para os quais tem esta Relação tem aplicado a lei nos termos supra expostos, entendeu-se promover uma reunião alargada dos Desembargadores desta Relação, a fim de ser analisada esta e outras questões que os dividiam, o que ocorreu em meados do 1º semestre do corrente ano .
Aí foi unanimemente defendida a tese agora defendida, pelo que o citado acórdão não terá passado de uma excepção em termos da solução seguida nesta Relação quanto à aplicação do artº 698º, nº 6, do CPC, posição essa já ultrapassada .
Donde que importava aqui seguir o entendimento que foi adoptado nessa reunião alargada e que já era o então defendido pelos subscritores deste acórdão, entendimento esse que no presente se afigura uniforme, conforme bem resulta, entre outros, dos Acórdãos desta Relação de 28/06/2005, proferido na Apelação nº 991/05; e de 6/06/2006, proferido na Apelação nº 671/06 (este subscrito pelos adjuntos do presente acórdão e no qual ainda se faz referência ao Ac. STJ de 20/04/2004, e da Rel. Lx. de 2/02/06, nos quais se aponta no mesmo sentido do agora decidido), e até consta de um voto de vencido existente no referido Ac. desta Relação de 25/01/2006 .

Concluindo, há que julgar improcedentes as reclamações para a presente conferência apresentadas pelas Recorrentes, mantendo-se o anterior despacho proferido pelo relator deste processo, isto é, há que julgar desertos ambos os recurso interpostos, por se ter de considerar extinto o direito das Recorrentes de apresentarem as alegações relativas aos recursos por elas interpostos .
VI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedentes as reclamações para a presente conferência apresentadas pelas Recorrentes, mantendo-se o anterior despacho proferido pelo relator deste processo, isto é, julgam-se desertos ambos os recurso interpostos, por se ter de considerar extinto o direito das Recorrentes de apresentarem as alegações relativas aos recursos por elas interpostos .
Custas por ambas as reclamantes, nos termos do artº 18º, nº 5, do CCJ aplicável .