Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
12/06.0TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO NULO
EFEITOS
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 11/13/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 115º, Nº1, E 116º DO CÓDIGO DO TRABALHO; 10º DO D.L. Nº 184/89, DE 6/6.
Sumário: I – Nos termos do artº 10º, nºs 1, 2 e 6 do D.L. nº 184/89, de 6/6, a celebração de um contrato de prestação de serviços pela Administração Pública apenas é possível nos termos aí consentidos ... e para a execução de trabalhos com carácter não subordinado, sob pena de nulidade, embora sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução (artº 115º, nº 1, do Código do Trabalho).

II – Verificando-se uma situação de facto a que corresponde a figura jurídica “contrato de trabalho” celebrado com a Administração Pública, à margem das regras legais que regem a admissão de pessoal pela dita administração, embora o mesmo seja nulo as normas conjugadas dos nºs 1 dos artºs 115º e 116º do Código do Trabalho implicam a consideração prévia do modo por que se fez cessar a relação laboral (a causa específica da extinção) para este mesmo efeito.

III – É que esse contrato, enquanto em execução, produz efeitos como se fosse válido em relação a todo o tempo em que perdurou (ficção legal de validade) – artº 115º, nº 1, do Código do Trabalho.

IV – Havendo um acto extintivo da relação laboral, anterior e independente da invocação/declaração da invalidade, é-lhe aplicável o regime-regra sobre a cessação do contrato – artº 116º, nº 1, do Código do Trabalho.

V – Com efeito, se não obstante a invalidade do contrato uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade – v. g. o despedimento – aplicam-se as regras respectivas, como se o contrato fosse válido.

VI – Porém, uma vez que o efeito da ilicitude do despedimento é a reintegração do trabalhador no posto de trabalho – artº 436º, nº 1, do Código do Trabalho -, este não pode aplicar-se nos casos em que o contrato é nulo/inválido, face ao que também a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração está igualmente fora de causa – artº 439º/1 do C. Trabalho -, apenas podendo haver lugar ao pagamento das retribuições que o trabalhador tenha deixado de auferir até à declaração da nulidade do contrato.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I –

1 – A..., casado, residente na Rua de S. Miguel, nº 18, Bairro de S. Miguel, Porto de Mós, instaurou acção declarativa com processo comum, contra o «ESTADO PORTUGUÊS», alegando, no essencial, que, no dia 1 de Setembro de 1997, foi admitido ao serviço da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral (DRABL) para prestar serviços de inspecção sanitária em carnes frescas de animais de talho, de capoeira e de caça, mediante a retribuição mensal de Esc: 251.460$00.
Para o efeito celebrou um contrato de prestação de serviços por avença.
Sucede que, embora este contrato refira que o mesmo não implicava qualquer subordinação jurídica, a verdade é que sempre actuou sob as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, quer quanto ao local e tempo de trabalho, quer quanto à forma de execução das tarefas que lhe foram sendo atribuídas.
Assim, desde a sua admissão, foi colocado por ordens superiores, a prestar serviços no matadouro do ‘Mapicentro, S.A.’, em Leiria, das 8:00 às 19:00 horas.
Depois, na sequência de uma agressão de que foi vítima nesse matadouro, foi afectado a outros estabelecimentos de abate, desenvolvendo aí a sua actividade de segunda a domingo, das 7h às 17h. E, mais tarde, foi colocado a trabalhar no matadouro da ‘Matreze’, em Pedrógão Grande, das 7h às 18h.
Em qualquer um destes locais, sempre actuou sob as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos, conforme detalhadamente explica, chegando mesmo a ter viatura automóvel atribuída para o desempenho das suas funções. Aliás, quando se deslocava em viatura própria, eram-lhe pagas as ajudas de custo tal como aos demais trabalhadores subordinados do R.
Por outro lado, a sua remuneração, embora mensal, reflectia o mesmo valor que era pago a um Técnico Superior de 2ª classe da função pública, o que era mais um ponto de semelhança.
Defende, assim, em suma, que executou para o R. um contrato de trabalho subordinado. E, como tal a denúncia deste seu contrato, equivale a um despedimento ilícito, na medida em que não foi precedido de qualquer processo disciplinar.
Pretende, pois, que o R. seja condenado a pagar-lhe a correspondente indemnização por antiguidade, acrescida de uma outra indemnização por danos não patrimoniais, tudo no valor de €: 15.014,72 e ainda as retribuições vencidas até ao trânsito em julgado desta sentença, bem como os juros moratórios desde a data da citação até integral pagamento.

2 – Tentada, sem êxito, a conciliação, na Audiência de Partes, o R. contestou defendendo a tese oposta.
Alegou, em breve síntese, que o A. foi contratado como profissional liberal para desempenhar funções em que releva não o trabalho, mas o resultado. Aliás, o A. actuava com total autonomia técnica, sendo livre na escolha dos métodos utilizados. Daí que as instruções mencionadas pelo A. nunca possam ser entendidas como ordens hierárquicas, mas meras orientações que visavam tão-só garantir o cumprimento da legalidade e interesse público que o Estado está incumbido de prosseguir. O mesmo fim tinham os carimbos e a viatura que lhe foram entregues para utilização nessas funções.
Por outro lado, o A. estava sujeito apenas ao horário dos estabelecimentos em que desempenhava a sua actividade, não havendo qualquer controlo dos seus tempos de trabalho ou mesmo da sua assiduidade.
A prova de que assim era é que o mesmo exercia funções em dois outros locais alheios ao contrato que celebrou com o Estado e nunca lhe foi imposto que exigisse autorização para o fazer. E, nem mesmo a circunstância de ter desempenhado tarefas em vários estabelecimentos para o Estado é relevante, na medida em que, para além das razões justificativas que o impuseram, o A. estava contratado para trabalhar em toda a área geográfica da DRABL.
Defende, pois, em suma, que o A. executou para o R. um contrato de prestação de serviços, pelo que a denúncia deste, sendo tempestiva, não lhe confere o direito a qualquer indemnização.
Termina, pedindo, a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

3 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção improcedente, por não provada, com absolvição do R. do pedido.

4 – Inconformado, o A. apelou.
Alegando, concluiu:
· A relação de trabalho estabelecida entre o A. e o ‘Estado Português’ consubstancia um contrato individual de trabalho subordinado, sujeito às regras de direito privado;
· Esse contrato, porque celebrado em desacordo com o estatuído no D.L. n.º 427/99, é nulo;
· O regime da nulidade do contrato de trabalho não é o do Cód. Civil, designadamente o do art. 289.º/1, mas o previsto nos arts. 115.º e 116.º do Código do Trabalho;
· À cessação do contrato de trabalho em análise há que atribuir os efeitos de um despedimento ilícito quanto à respectiva indemnização;
· O A. trabalhou por conta do ‘Estado’ durante oito anos e três meses, tendo direito, nos termos do disposto no art. 439.º do Código do Trabalho, a uma indemnização equivalente a nove meses de retribuição no total de € 11.288,52;
· O ‘Estado’ não pode e não deve ser beneficiado por violar a Lei que ele próprio produz;
· A douta sentença sob recurso violou, por erro de interpretação e ou aplicação, o disposto nos arts. 115.º, 116.º e 439.º todos do Código do Trabalho.

5 – O MºPº, em representação do ‘Estado’, contra-alegou, concluindo que, declarado nulo o contrato celebrado entre as partes, por violação de normas imperativas do regime jurídico da sua celebração, a decisão do R. em lhe pôr termo, ainda que anterior à declaração de nulidade pelo Tribunal, não configura um despedimento, e muito menos um despedimento ilícito.
Por isso o A. não tem direito a qualquer indemnização, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, cumpre ora decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO.

A – DOS FACTOS.
Vem assente a seguinte factualidade:
1- O A foi admitido ao serviço do R., em 1 de Setembro de 1997, mediante a celebração de um contrato, denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS POR AVENÇA”, com a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral (DRABL).
2- Esse contrato, nº 34/97, foi celebrado pelo período de um ano, “considerando-se tacitamente prorrogado, podendo ser denunciado por qualquer das partes mediante aviso prévio de sessenta dias, sem obrigação de indemnização”.
3- Mediante esse contrato, o A. obrigou-se a prestar ao R. serviços de inspecção sanitária das carnes frescas de animais de talho, capoeira e de caça, em matadouros situados na área de intervenção da DRABL.
4- Em contrapartida, o R. comprometeu-se a pagar ao A. prestações mensais de Esc. 251.460$00, acrescidos de IVA.
5- Do aludido contrato ficou a constar que o mesmo não implicava para o A. “qualquer subordinação jurídica, nem lhe confere a qualidade de agente”.
6- Ao A. foi dado um cartão identificativo, emitido pela Direcção Geral de Veterinária, onde consta que o mesmo é Inspector Higio-Sanitário.
7- Ao A. foi também atribuído um carimbo destinado à marcação das Guias de Transporte de Carnes e certificação da sua assinatura.
8- Desde o início do contrato, o A. recebeu ordens e instruções dos responsáveis pela DRABL e pela Divisão de Intervenção Veterinária de Leiria, (DIVL), quanto ao seu local de trabalho.
9- E, assim, desde a sua admissão, o A. desempenhou as funções para que foi admitido, nos matadouros que lhe foram indicados por aqueles responsáveis, durante as horas de abate dos animais nos diversos estabelecimentos e salas de desmancha.
10- Inicialmente, por ordem recebida do Chefe da DIVL, o A. foi colocado a prestar serviços de inspecção sanitária das carnes frescas de animais de talho, no matadouro ‘Mapicentro, S.A.’, em Leiria, de segunda-feira a sexta-feira.
11- Invocando que, no dia 10 de Agosto de 1998, quando se encontrava no exercício das suas funções, tinha sido agredido fisicamente nas instalações do ‘Mapicentro’, tendo sido assistido no Hospital de Leiria e recorrido ao seu Médico de Família, o A., no dia 11 de Agosto de 1998, enviou um fax para o Chefe de Serviços da DRABL justificando o motivo da sua ausência ao serviço.
12- Ainda no dia 11 de Agosto de 1998, o A. elaborou e entregou um requerimento dirigido ao Chefe de Serviços da DRABL/DIVL, no qual descreveu os factos ocorridos, que estiveram na origem da aludida agressão.
13- No dia 12 de Agosto de 1998, o A. enviou à DIVL um fax com o Boletim de Baixa, assim justificando a sua não comparência ao serviço durante vinte dias.
14- Posteriormente, após a recepção de um Despacho com o n.º de entrada 98 10678, datado de 11/08/1998, o A. foi afecto a outros estabelecimentos de abate.
15- Assim, a partir daquela data, o A. foi colocado pelo DIVL a desempenhar funções nos seguintes estabelecimentos de abate:
a ) Matadouro de aves, Avimoital – Monte Redondo;
b) Matadouro de codornizes, Cruel Amado dos Santos – Monte Real;
c ) Matadouro de leitões, Restaurante Pinto – Barracão;
d ) Matadouro de leitões, Hélio dos Santos - Figueiras;
e ) Matadouro de leitões, Restaurante Morgatões – Boavista;
f ) Matadouro de leitões, Guilhermino Morgado – Boavista;
h ) Matadouro de leitões, Restaurante Fonte do Corvo - Boavista;
i) Matadouro de leitões, Rui dos Leitões – Siróis, Fátima.
16- Nos termos do contrato supra referido: “O segundo outorgante poderá utilizar viatura do Estado nas deslocações que tiver para cumprir o objecto deste contrato ou viatura própria, paga ao quilómetro quando tiverem que prestar serviço fora do local onde forem colocados, tendo direito ao pagamento das despesas tais como deslocações, em termos equivalentes às ajudas de custo atribuídas à categoria de técnico superior de 2ª classe”.
17- Para o desempenho das funções de inspecção sanitária em locais de abate tão variados, foi entregue ao A. um veículo e atribuído um cartão com o seu nome e onde consta: “Autorizado a conduzir viaturas do Estado”.
18- Cumprindo também as ordens recebidas nesse sentido da DIVL, o A. foi colocado e passou a desempenhar funções de inspecção sanitária das carnes frescas de animais de talho, também no matadouro de aves, Vala & Vala, situado em Fonte dos Marcos – Porto de Mós e na sala de desmancha Nova Funcar, sita em Reixida – Leiria.
19- O A. desempenhava estas funções de segunda-feira a domingo, em horário acordado com os estabelecimentos de abate.
20- Para o exercício das suas funções, foram atribuídos ao A. carimbos de Inspecção Sanitária, destinados aos vários estabelecimentos de abate e salas de desmancha.
21- Alegando ter conhecimento de que o pretendiam afectar periodicamente ao matadouro da MAPICENTO, no dia 18 de Novembro de 2004, o A elaborou e enviou ao Director Regional de Agricultura da Beira Litoral uma exposição na qual lhe comunicou que, na sequência das agressões de que fora vítima em meados de 1998, no aludido matadouro, e porque os denunciados, arguidos e testemunhas frequentam diariamente aquele matadouro, receava pela sua integridade física e moral, sentindo-se coarctado nos seus poderes/deveres.
22- Nessa exposição, o A. refere que, de acordo com o determinado no Despacho com o nº de entrada 9810678, deveria ser afectado a outros estabelecimentos de abate.
23- Em resposta, o A. recebeu o ofício nº 15591, assinado pelo Dr. Luís Henrique P. Brás Marques, Sub-Director Regional de Agricultura da Beira Litoral, informando-o de que a Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, sensível aos factos ocorridos no matadouro da Mapicentro e ao sentimento descrito pelo A., decidiu não o afectar àquele matadouro.
24- Nesse ofício, o A. foi também informado de “que foi dado ordens ao Chefe de Divisão de Intervenção Veterinária de Leiria para proceder à rotatividade de V. Exa. em outros Matadouros nomeadamente a MATREZE”.
25- Nesta sequência, a partir de Janeiro de 2005, o A. deixou de fazer inspecção sanitária nos matadouros anteriormente referidos e foi colocado a exercer as suas funções apenas no estabelecimento de abate de reses, MATREZE, situado em Pedrógão Grande.
26- Desde o início do contrato, o A. foi convocado para participar em reuniões sobre inspecções sanitárias e recebeu ordens quanto ao preenchimento e entrega de mapas relativos ao serviço.
27- No exercício das suas funções, o A. recebeu a Comunicação Interna nº 343 / 2003, cujo teor é o seguinte: “Junto envio a mensagem nº 2456 da D.G.V a fim de dar cumprimento ao nela determinado”.
28- E, na aludida Mensagem nº 2456, determina-se que os inspectores sanitários verifiquem o cumprimento da Decisão da Comissão 2001/471/ CE, de 8 de Junho.
29- Executando a ordem que lhe foi transmitida, o A. elaborou e entregou, em 24/11/2003, na DRABL Leiria, o documento de fls. 41, através do qual respondeu aos pontos cuja informação lhe fora solicitada pelos serviços.
30- Sempre que se verificava alguma irregularidade nos estabelecimentos de abate onde exercia as funções que lhe estavam atribuídas, o A. preenchia em triplicado o Boletim de Inspecção, onde identificava o estabelecimento, descrevia a situação e determinava como corrigir a irregularidade.
31- O A. e o representante do estabelecimento de abate em situação irregular, assinavam o Boletim de Inspecção.
32- Entregando o A. um dos exemplares do Boletim de Inspecção ao estabelecimento de abate, outro na DRABL Leiria, e o último ficava para o A., com o respectivo carimbo de entrada na DRABL.
33- Para além destas, sempre que a situação o exigia, o A. comunicava à DIVL, os acontecimentos que contendiam com o exercício da sua função de inspector sanitário, pedindo a reflexão e colaboração daqueles serviços.
34- Assim, em 12 de Setembro de 1997, o A. comunicou à DIVL que no exercício da sua função de defesa da saúde pública tinha sido agredido verbalmente e ameaçado, pedindo a atenção, reflexão e atitude daqueles serviços para a situação exposta e situações futuras.
35- Destes factos, o A. informou também a Ordem dos Médicos Veterinários.
36- Em resposta, a Ordem dos Médicos Veterinários respondeu ao A., juntando cópia do ofício da DRABL, para o Delegado do Ministério Público, no qual era comunicado essencialmente o seguinte: “Em virtude do médico veterinário,A..., a exercer a sua actividade nesta D.R.A. , no âmbito da Inspecção Sanitária, ter comunicado as agressões verbais e ameaças à sua integridade física, bem como a obstrução ao exercício da Inspecção Sanitária no estabelecimento referenciado em epígrafe, conforme documentação que se anexa, solicitamos a intervenção de V. Exa…”.
37- Posteriormente, em 18 de Novembro de 1997, o A. e outra colega elaboraram e entregaram na DRABL uma exposição na qual informavam que “o corpo de Inspecção Sanitária do Matadouro MAPICENTRO S.A. tem sido, diariamente, alvo de agressões verbais, coacções e ameaças por parte da Direcção…”, solicitando àquela entidade “procedimento adequado, com o intuito principal de salvaguardar a Saúde Pública”.
38- Em 4 de Dezembro de 2002, o A. solicitou à DIVL um novo carimbo, para “marcação a FOGO”, para o matadouro Fonte do Corvo, para substituição do antigo que se encontrava gasto, deteriorado e obsoleto.
39- Em 10/12/2002, o A apresentou na DIVL dois requerimentos:
No primeiro expõe as diversas avarias que padece o veículo Renault 4 L, matrícula DU-19-67 e pede a respectiva reparação;
No segundo, informa os seus superiores hierárquicos que o referido veículo não pega, impossibilitando-o de se deslocar para efectuar a sua função.
40- Nos dias 05/05/2003 e 25/08/2003, o A. apresentou na DIVL, dois requerimentos:
No primeiro, o A. informa que foi advertido pela Brigada de Trânsito das más condições em que se encontra o veículo Renault 9, matrícula 02-22-CF, que não se encontra em conformidade com a lei;
No segundo, informa que o referido veículo sofreu um furo e que o pneu de substituição estava impróprio, não dispondo de viatura para se deslocar e para efectuar a sua prestação de trabalho.
41- O A. recebeu com a Comunicação Interna nº 58 / 2005 da DRABL, de 2005/02/01, o ofício da Direcção Geral de Veterinária com a atribuição do seu número de SNIRB (Código de Inspector Sanitário).
42- Sempre que se deslocava em serviço aos estabelecimentos de abate, na sua viatura, o A. preenchia e apresentava os Boletins de Itinerário (Modelo nº 683 da Imprensa Nacional Casa da Moeda), recebendo depois as ajudas de custo correspondentes a essas deslocações.
43- Desde o início do contrato, o A., anualmente, era dispensado pelo DIVL de comparecer ao serviço durante 22 dias úteis, sem perda da contraprestação acordada.
44- O A. prestava o seu trabalho sob a autoridade e direcção da DRABL e da DIVL.
45- A DRBL e DIVL impunham ao A. que respeitasse o horário de abate nos diversos matadouros em que era colocado.
46- Em contrapartida do valor que lhe era pago mensalmente, o A. entregava um “recibo verde” e a DRABL, em simultâneo, procedia à emissão de documentos denominados “Remunerações ao Pessoal” ou “Nota de Abonos e Descontos”.
47- Em Maio de 2005, o A. auferia mensalmente €: 1.564,34.
48- O A. recebeu com a Comunicação Interna nº 223/2004, que lhe foi dirigida pela DIVL, datada de 29/10/2004, o ofício nº 1.861, remetido pelo Gabinete do Secretário de Estado da Agricultura e Alimentação, no qual era informado, além do mais, que “se encontra em curso um processo iniciado com uma proposta de regularização que abrange 381 prestadores de serviços ao serviço da DGV e das DRA’s, a desempenhar funções no âmbito da saúde pública e saúde animal”.
49- No dia 21/10/2005, o A. recebeu uma carta a denunciar o contrato de avença, onde consta que o contrato cessará após 60 dias a contar da recepção daquela carta.
50- O A., no exercício das funções que lhe foram confiadas, preocupou-se com a defesa da saúde pública.
51- Quando desempenhou funções no matadouro da Matreze, em Pedrógão Grande, o A. tinha uma filha com dois anos e a esposa grávida, necessitando de administrações diárias de injecções e de se deslocar regularmente à maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra.
52- Com a denúncia do contrato, o A. ficou triste.
53- A celebração deste e de outros contratos da mesma natureza com outros médicos veterinários, visou responder às necessidades de uma eficaz inspecção sanitária em todos os matadouros da área de intervenção da DRABL (e das demais Direcções Regionais de Agricultura), necessidades crescentes face à abertura de novos estabelecimentos e linhas de abate e à insuficiência dos quadros de pessoal qualificado para o efeito.
54- …Tendo em vista garantir desempenhos adequados neste sector de inspecção sanitária, como meio de prevenção e de protecção da saúde pública, em obediência às normas nacionais e directivas comunitárias que regulam este sector económico.
55- O A. desenvolvida o seu trabalho com total autonomia técnica, em função dos seus conhecimentos técnico-científicos, decorrentes da sua licenciatura em medicina veterinária.
56- Ao A. nunca foi dito que deveria reprovar total ou parcialmente uma carcaça ou que começasse a inspeccionar pelos pulmões do animal e só depois a carcaça.
57- O R. dá a conhecer as normas e compromissos assumidos relativamente à inspecção sanitária, por meio de reuniões e circulares dirigidas àqueles que como o A. desempenham essa actividade.
58- Os matadouros estão sujeitos a auditorias realizadas pelos departamentos da União Europeia, de forma aleatória.
59- O A. exercia funções, enquanto médico veterinário, quer na Marinha Grande, na Clínica Veterinária da Marinha, Ldª, quer em Monte Real, no Agrupamento de Defesa Sanitária, onde procedia ao saneamento de ruminantes.
60- Não obstante em Dezembro de 2003 ter eclodido um foco de S.V.D. (doença vesiculosa de suínos), nunca ao A. foi determinado que procedesse à colheita de sangue de suínos.
61- O SNIRB, (Sistema Nacional de Identificação e Registo de Bovinos), é uma base de dados nacional, onde estão inscritos todos os bovinos existentes no País.
62- Os mapas de abates mensais que os serviços do R. pediam ao A. destinavam-se a quantificar os animais inspeccionados (aprovados e não aprovados) em cada um dos matadouros da área de jurisdição da DRABL, para através dessa estatística poder elaborar uma previsão das taxas que iria receber de cada um dos matadouros.
63- No mês de Fevereiro do ano 2004, foi descontada ao A. a importância de €: 407,19, correspondente a oito dias de ausência, por doença.
64- O A. não compareceu ao serviço do R. de 2 de Fevereiro de 2005 a 15 de Março de 2005, de 21 de Março a 1 de Abril de 2005, não voltando a prestar qualquer serviço ao R., a partir de 4 de Abril de 2004.
65- O fundamento apresentado para estas ausências do A., verificadas em 2005, foi a assistência a familiares.
66- Tais ausências provocaram os consequentes descontos nos valores atribuídos ao A., tendo mesmo deixado de ser pago na íntegra a partir do mês de Maio de 2005.
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B – O DIREITO.
Reportados ao elenco conclusivo – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito do recurso – constatamos que é apenas uma a questão que nos vem proposta, pois o apelante expressamente restringiu a sua reacção à parte da sentença que não lhe conferiu a indemnização a que se acha com direito pela cessação do contrato.
Invocando como ‘causa petendi’ a ilícita cessação/despedimento de que foi alvo – no termo de uma relação jurídica a que se vinculou com a Administração, convénio impropriamente identificado como um ‘contrato de prestação de serviços por avença’, mas que afinal dissimulava um típico contrato individual de trabalho – o A., ora apelante, reclamou na verdade, entre outras, uma indemnização correspondente.

A decisão sujeita – interpretando com notável sensibilidade e bom senso, os elementos de facto disponíveis, em fundamentação bem estruturada, que subscrevemos – concluiu que o contrato em causa configura uma típica relação juslaboral (‘O figurino contratual executado pelo A. ao serviço do R. foi um contrato de trabalho subordinado’).

E, depois de demonstrar que a igual conclusão também se chegaria directamente por via legal, (a celebração de um contrato de prestação de serviços pela Administração Pública apenas é possível nos termos consentidos…e para a execução de trabalhos com carácter não subordinado, sob pena de nulidade, embora sem prejuízo da produção de todos os seus efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, 'ut' n.ºs 1, 2 e 6 do art. 10.º do D.L. n.º 184/89, de 6/6), convoca o regime constante da Direito Laboral Constituído (então no art. 15.º/1 da LCT e agora no art. 115.º/1 do Código do Trabalho) para também concluir que, à cominada nulidade de ambos, o legislador fez corresponder solução praticamente paralela.

Até aqui o raciocínio é irrepreensível.
É certo que, pelas razões aduzidas, a que nos reportamos, o contrato é nulo e, por isso, podia e devia ter sido terminado, uma vez que foi mantido à margem das regras legais que regem a admissão de pessoal pela Administração Pública. (Sic)
Todavia, tendo como pressuposto que operamos com uma situação de facto a que corresponde a figura jurídica ‘contrato de trabalho’, (assim qualificada – … sem oposição), as normas conjugadas dos n.ºs 1 dos arts. 115.º e 116.º do Código do Trabalho (nos termos desta ‘Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato’) implicarão, como nos parece incontornável, a consideração prévia do modo por que se fez cessar a relação laboral.

Não cremoscom o devido respeito por opinião contrária – que seja pelo facto de a relação em causa não dever ter vigorado, porque mantida contra a Lei, que a sua determinada cessação, seja qual fosse a forma utilizada, possa, sem mais, ser tida por lícita e (in)consequente.
É que o contrato, enquanto em execução, produz efeitos como se fosse válido em relação a todo esse tempo, como se prescreve no n.º1 do falado art. 115.º.
Trata-se de uma ficção legal de validade, que, mais do que uma explicação doutrinária do fenómeno, é uma técnica legislativa Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, 2.ª Edição, Almedina, pg. 469.
Durante a execução de um contrato de trabalho inválido constitui-se, pois, uma relação laboral de facto.
(Como é sabido – e apenas se relembra – a norma constante do art. 115.º/1, (tal como já acontecia na vigência da LCT – art. 15.º, n.º1), constitui um desvio à regra geral plasmada no art. 289.º do Cód. Civil, por óbvias razões.
Aqui, a invalidade não tem eficácia retroactiva, obstando apenas à produção de efeitos para o futuro).
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Embora a solução final conduza ao mesmo resultado prático, importa ora averiguar então se o contrato sujeito, sendo inválido, (em qualquer das versões…mas relevando naturalmente a sua proclamada qualificação como juslaboral), se fez cessar por causa da sua reconhecida invalidade ou por outra qualquer diversa razão.
É que, como já se preconizava no império da Lei antiga, sem relevante dissonância – cfr. ‘Comentário às Leis do Trabalho’, Edição Lex, Vol. I, Mário Pinto e Outros, em anotação ao art. 15.º – a ‘causa específica da extinção’ do contrato inválido é a que resulta da invocação da própria invalidade…seguida da cessação da execução do contrato…e da declaração judicial daquela.
Mas havendo um acto extintivo da relação, anterior e independente da invocação/declaração da invalidade, é-lhe aplicável o regime-regra sobre a cessação do contrato.
Era a solução da LCT – n.º3 do art. 15.º.
É a solução do art. 116.º/1 do Código do Trabalho.

(Assim, tendo o empregador feito cessar o contrato por despedimento ilícito do trabalhador, aplicar-se-ão as regras sobre os efeitos do despedimento ilícito, com as necessárias adaptaçõesob. loc. cit.
O mesmo entendimento tem Pedro Romano Martinez (ibidem): ’Se não obstante a invalidade do contrato, uma das partes tiver posto termo ao negócio jurídico com base noutra causa que não a invalidade… – v.g. o despedimento… –aplicam-se as regras respectivas, como se o contrato fosse válido…).

No firmado pressuposto de que o convénio em causa se prefigurou como um típica relação juslaboral (o ‘nomen juris’ que lhe foi atribuído – ‘contrato de prestação de serviços por avença’… – e as demais expressões usadas, visando afastar formalmente qualquer subordinação jurídica, não convertem a realidade, conforme bem se escreveu a fls. 661), como qualificar, para o falado efeito, a forma por que o R. pôs fim à relação jurídica estabelecida com o A.?
Não foi certamente invocando a invalidade do negócio, mesmo na usada formulação eufemística de ‘contrato de avença’.
Como se constata, (items 48 e 49 do alinhamento de facto), o R. – depois de, através de uma ‘comunicação interna’, ter informado o A. de que …’se encontra em curso um processo iniciado com uma proposta de regularização que abrange 381 prestadores de serviços ao serviço da DGV e das DRA’s, a desempenhar funções no âmbito da Saúde Pública e saúde animal’ – pura e simplesmente, em carta recebida a 21.10.2005, denunciou o contrato (dito…‘de avença’), sem qualquer invocado fundamento, no período da sua execução, na vigência da sua (legalmente ficcionada) validade, limitando-se a diferir a cessação para sessenta dias após a notificação.

Emitida, assim, no âmbito de uma relação juslaboral, tal determinação ‘ad nutum’, não se identificando naturalmente com o típico despedimento, em rigoroso sentido técnico-jurídico, não deixa se precipitar os mesmos efeitos.
A cessação da relação por causa diferente da sua invalidade mais não é do que um facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato, correspondendo precisamente à situação prevista no n.º1 do art. 116.º do Código do Trabalho.
Contrariamente ao sustentado na decisão sob censura, essa forma de cessação não é lícita, como e enquanto tal, com aquele fundamento.
Aplicando-lhe, ‘ex vi legis’, as normas sobre a cessação do contrato, a figura que se lhe aproxima, com perfil e consequências em tudo semelhantes, é a da ilicitude do despedimento.

Mas – ‘last but not least’ – importa atentar no seguinte:
Nos termos do art. 436.º/1 do Código do Trabalho, o efeito da ilicitude do despedimento, (para além de constituir o empregador na obrigação de indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados – pedido que o A. aliás formulou e foi declinado enquanto integrado na consideração da peticionada indemnização por danos não patrimoniais… decisão a que não se reagiu), é a reintegração no posto de trabalho.

Ora, como nos parece indiscutível, esta é um efeito do despedimento ilícito que não pode aplicar-se nos casos, como o presente, em que o contrato é nulo/inválido, e como tal proclamado!
Como bem anotam Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, (‘Comentário às Leis do Trabalho’, pg. 74, obra já acima identificada), o Tribunal não pode declarar a invalidade e ao mesmo tempo declarar que o contrato se mantém…
…E se o direito à reintegração não se equaciona, a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração está também necessariamente fora de causa, a nosso ver, por muito estranho e/ou chocante que isso possa parecer, à primeira vista.
É que, afastada, 'in casu', a aplicação do efeito directo da ilicitude (a reintegração) não é, nem natural nem logicamente, possível, ponderar-se a opção alternativa consentida pelo art. 439.º/1 do Código do Trabalho, a da substituição da reintegração pela indemnização reclamada.
Não se nos afigura que possa sustentar-se juridicamente o contrário…com o devido respeito por conhecidas opiniões de sentido oposto.

É esse o entendimento subjacente já no Acórdão desta Relação, tirado na Sessão de 10.7.1997, e publicado na C.J., Ano XII, Tomo IV, pg. 63 e seguintes, (que o S.T.J. confirmou no Acórdão de 29.4.1998, in C.J./S.T.J. , Ano VI, Tomo II, pg. 270), onde nomeadamente se escreveu que – não podendo o despedimento ilícito levado a cabo durante a execução do contrato, mas antes da declaração de nulidade, ter como consequência a condenação da Entidade Empregadora na reintegração do trabalhador – …esse (despedimento) apenas pode conferir ao trabalhador despedido o pagamento das retribuições que deixou de auferir…até à declaração da nulidade do contrato

O A. não tem direito, pois, à reclamada indemnização de antiguidade.
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(Uma nota final parentética para referir que a situação tratada no Acórdão da Relação do Porto, identificado pelo impetrante, não é igual à presente, versando sobre um caso de caducidade.
A solução ora eleita – com fundamentação diversa da que sustenta a decisão 'sub judicio' – não beneficia nem prejudica o Estado em detrimento de um qualquer particular colocado em idênticas circunstâncias).
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IIIDECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, os Juízes desta Secção deliberam julgar improcedente a Apelação, confirmando, embora com fundamentação não coincidente, a sentença impugnada.
Custas pelo Recorrente.
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Coimbra,