Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2269/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA NA VENDA DE PRÉDIO RÚSTICO CONFINANTE
Data do Acordão: 10/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CONDEIXA-A-NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1380º, AL. A) E 1381º, DO C. CIV..
Sumário: I – O proprietário de prédio confinante deixa de gozar do direito de preferência sempre que o adquirente do prédio sobre o qual quer exercer esse direito o destine a algum fim que não seja a cultura .
II – Estando na base do direito de preferência neste âmbito a promoção do emparcelamento rural, de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas, se o prédio adquirido não se destinar à exploração agrária do terreno não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes .
Decisão Texto Integral: 6

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A..., propõem contra B... ( entretanto falecido, tendo sido habilitados para ocuparem o seu lugar, C... ) e D..., todos com os sinais dos autos, a presente acção com processo ordinário, pedindo a condenação dos RR. a reconhecerem que, sendo os AA. donos do prédio identificado no art. 4º da p.i., têm o direito de haverem para si o prédio identificado no art. 15º do mesmo articulado, mediante o depósito do preço e demais despesas de aquisição, exceptuada a sisa por dela estarem isentos.
Fundamentam o seu pedido, em síntese, no facto de o R. José ter vendido ao R. Adriano o prédio que indicam, sendo que da herança aberta por óbito do mencionado Manuel Gonçalves ( de que são herdeiros ) fazem parte dois prédios rústicos, os quais formam uma unidade de cultura, prédios que confinam com o que foi objecto daquela transacção. Sucede que não lhes foi dado conhecimento do projecto da venda, tendo só tomado conhecimento desta depois de realizada. O R. comprador não é dono que qualquer prédio que confine com o vendido, pelo que têm o direito de preferência sobre a compra.
1-2- Os RR. Adriano e esposa contestaram, sustentando, também em síntese, que por falta de alegação dos necessários elementos, os AA. não têm o direito de preferência que invocam. O prédio foi adquirido para nele erigir uma construção urbana e não para cultura agrícola, razão por que não existe o invocado direito de preferência.
Deduziram reconvenção com o fundamento e para a hipótese de acção proceder, de que têm direito a serem ressarcidos de todas as despesas que já efectuaram, concretamente em relação aos gastos com a sisa e registo, importâncias que os AA. não depositaram.
Terminam pedindo, em relação à reconvenção, que a mesma seja julgada procedente e os AA. sejam condenados a pagar-lhes a importância de 216.650$00 e no que toca à acção, a sua improcedência.
1-3- Os AA. responderam sustentando, também em resumo, que não corresponde à verdade que o prédio adquirido se destinasse a nele construir um imóvel, sendo que tal deveria ter sido declarado na escritura o que não foi feito. Não têm que pagar a sisa paga por eles, RR., visto que gozam de isenção da mesma, assim como não têm que pagar as despesas com o registo.
Termos em que concluíram como na p.i..
1-4- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador em que se admitiu a reconvenção, após o que se elaborou a especificação e questionário, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu ao questionário e se proferiu a sentença, na qual se julgou a acção improcedente, com absolvição dos RR. do pedido.
1-5- Os AA. recorreram, tendo este Tribunal da Relação, por acórdão de 27-3-01, confirmado a decisão recorrida.
1-6- Novamente inconformados, recorreram os AA. para o S.T.J. que, por acórdão de 28-2-02, decidiu anular a decisão recorrida com vista à ampliação da matéria de facto.
1-7- Ampliada a matéria de facto na 1ª instância, foi designado dia para a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu a essa matéria ( quesito 7º ) e se elaborou ( nova ) sentença em que se voltou a julgar improcedente a acção.
1-8- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os AA., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-9- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Limitando-se a pretensão dos RR. à edificação de um barracão a implantar no mesmo lugar da arribana e eira já existentes, conforme do projecto consta, para recolha de alfaias agrícolas, produtos da terra, constituirá apenas complemento da actividade agrícola e bem assim da finalidade atribuída ao prédio em discussão. 2ª- Com a edificação do barracão em substituição da arribana e da eira para fins agrícolas, não se encontra afastado o fim destinado ao prédio, o agrícola. 3ª- Nem o facto de os RR. não destinarem o prédio a qualquer espécie de cultura e bem assim a ausência de qualquer prova por parte dos RR. de que exercem a actividade agrícola noutro local, poderá entender-se que o barracão pretendido servirá de complemento dessa actividade, ou seja de apoio à actividade agrícola.
4ª- Não se verificando a complementaridade do barracão a edificar, por inexistência de actividade agrícola que os RR. desenvolvessem noutro local, jamais se poderá configurar a excepção invocada pelos RR. ao direito de preferência invocado pelos AA..
5ª- Assiste assim aos AA. apelantes o direito de preferência invocado. 6ª- Deverá, portanto, ser revogada a sentença de que se recorre, julgando não verificada a excepção invocada pelos RR. e prevista na al. a) do art. 1381º do C.Civil e procedente o direito de preferência dos AA..
7ª- Foram violadas as disposições constantes dos arts. 1380 al. a) e al. a) do art. 1381º do C.Civil
1-10- A parte contrária respondeu a estas alegações, sustentando a improcedência do pedido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
2-2- Dado que os recorrentes não impugnaram a matéria de facto dada como assente na 1ª instância, nem existe razão para qualquer alteração, nos termos do art. 713º nº 6 do C.P.Civil, remete-se para o termos dessa decisão.
Para o conhecimento do presente recurso, haverá a sublinhar que foi dado como provado que:
- Adriano António Marouvo Ramos comprou o prédio referido na alínea D) da Especificação com o propósito de nele proceder à construção de, pelo menos, um barracão para guarda de alfaias agrícolas, produtos da terra e recolha de automóveis.
- Adriano António Marouvo Ramos iniciou, antes de 21-4-1995, no prédio referido na alínea D) da Especificação, trabalhos de construção civil.
- Os RR. não destinaram o mencionado prédio a qualquer espécie de cultura.
Face aos factos provados e especialmente a estes evidenciados, o Mº Juiz considerou, em síntese, pese embora se encontrassem preenchidos, relativamente ao prédio referido na alínea D) da Especificação, os pressupostos do exercício, pelos AA., do direito de preferência em causa, o certo é que ocorria a excepção a tal exercício, a que alude o art. 1381º, al. a) 2ª parte do C. Civil, pelo que julgou improcedente a acção.
É precisamente sobre o entendimento de que se verifica tal excepção, que os apelantes mostram o seu inconformismo neste recurso. É que, no seu entender, resulta dos factos provados que a pretensão dos RR. era apenas procederem à construção de um barracão para recolha de alfaias agrícolas, produtos da terra e recolha de automóveis. Isto constituirá tão só complemento da actividade agrícola e bem assim da finalidade atribuída ao prédio em discussão. Com a edificação do barracão em substituição da arribana e da eira para fins agrícolas, não se encontra afastado o fim destinado ao prédio, o agrícola. Não se verificando a complementaridade do barracão a edificar, por inexistência de actividade agrícola que os RR. desenvolvessem noutro local, jamais se poderá configurar a excepção invocada pelos RR. ao direito de preferência invocado pelos AA..
Como se vê, a única questão que se levanta no presente recurso é o de se saber se a situação dos autos é ou não susceptível de se enquadrar no caso de exclusão do direito de preferência, a que se refere o art. 1381º al. a) do C. Civil.
Como ponto prévio diremos que esta questão já foi expressamente tratada no acórdão desta Relação de 27-3-01, não se vendo qualquer razão para alterar a posição então assumida. Aí se decidiu que ocorria, no caso vertente, a excepção em causa, suficiente para afastar o invocado direito de preferência. O próprio acórdão do S.T.J. sustenta que a excepção a tal direito se verificará, caso se prove que os RR., ao adquirem o prédio, nada pretendiam nele agricultar ( daí a ampliação da matéria de facto), factualidade que acabou por se provar.
Pese embora a posição uniforme das instâncias em considerar verificada a excepção em causa, mais uma vez os apelantes insistem pela sua não verificação.
Observemos então:
Estabelece o art. 1380º do C.Civil, as hipóteses em que os proprietários de terrenos confinantes gozam, reciprocamente, do direito de preferência em casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios, a quem não seja proprietário confinante.
Na douta sentença recorrida e quanto a nós de forma correcta, disse-se que se encontravam preenchidos, relativamente ao prédio em causa, os pressupostos do exercício, pelos AA., do direito de preferência em causa. Porque sobre esta questão não se levanta qualquer problema abstemo-nos de dizer algo mais. A controvérsia levanta-se, repete-se, sobre a ocorrência ou não da dita excepção a tal direito.
Estabelece, por sua vez o art. 1381º que “não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes: a) Quando algum dos terrenos constitua parte componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura”.
Quer isto dizer e que para o que aqui interessa que o proprietário do prédio confinante deixa de gozar do seu direito de preferência, sempre que o adquirente do prédio sobre o qual quer exercer esse direito, o destine a algum fim que não seja a cultura.
E percebe-se que assim seja. Estando na base do direito de preferência neste âmbito, promover o emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas, não se destinando a aquisição a prosseguir na exploração agrária do terreno, não se vê qualquer razão para conceder essa preferência aos proprietários dos prédios confinantes.
Tendo-se provado os factos que acima se evidenciaram, concretamente, que R. Adriano comprou o prédio em causa com o propósito de nele proceder à construção de um barracão para guarda de alfaias agrícolas, produtos da terra e recolha de automóveis e que iniciou, antes de 21-4-1995, no prédio trabalhos de construção civil e que os RR. não destinaram o mencionado prédio a qualquer espécie de cultura, parece-nos evidente que o facto impeditivo do direito de preferência a que se refere a disposição evidenciada, ocorre, na realidade.
Já vimos que os apelantes defendem que com a edificação do barracão para fins agrícolas, não se encontra afastado o fim destinado ao prédio, o agrícola. Tal construção constituirá apenas complemento da actividade agrícola.
Não podemos aceitar este entendimento, já que contraria em absoluto o que a disposição legal salientada menciona. A norma torna claro que a excepção ocorre quando o adquirente do prédio o destine a algum fim que não seja a cultura, donde resulta que para que o direito de preferência se possa exercer, é necessário que a finalidade da aquisição seja a cultura agrícola.
Como se aflora no douto acórdão do S.T.J. já falado, tudo seria diferente caso a compra do prédio tivesse como finalidade o cultivo agrícola, constituindo o barracão um mero complemento de tal actividade. Nessa circunstância, poder-se-ia sustentar que não procederia a excepção. Mas o certo é que isso não se provou, tendo-se antes demonstrado que a aquisição do prédio teve o propósito de o comprador nele proceder à construção de, pelo menos, um barracão para guarda de alfaias agrícolas, produtos da terra e recolha de automóveis.
Mesmo que se possa entender que o barracão visa complementar a actividade agrícola efectuada, não nele mas sim noutro ou noutros prédios, a excepção não deixa de se verificar, como expressamente admite o mencionado acórdão do S.T.J. ao dizer “contudo, se a actividade agrícola que o barracão visa complementar, se situar exclusivamente fora do prédio objecto de preferência, então o desfecho jurídico da questão pode ser bem diferente, podendo configurar-se a sobredita excepção”. É que nesta circunstância a finalidade da compra do terreno não é o cultivo agrícola, o que leva à verificação do caso de exclusão do direito de preferência a que nos vimos referindo.
Significa isto que a apelação não poderá deixar de ser considerada improcedente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.