Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
474-O/1996.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
DOCUMENTO
Data do Acordão: 05/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 771º, AL.C), DO CPC
Sumário: I – O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas, taxativamente indicadas na lei – artº 771º do CPC.

II – A alínea c) do artº 771º CPC preceitua que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

III – Porém, é necessário um documento decisivo, dotado em si mesmo de tal força que possa conduzir o juiz à persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve (documento que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão).

IV – A parte que só tardiamente obteve um documento que poderia ter obtido antes, não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado.

Decisão Texto Integral:          ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

         I- RELATÓRIO

         I.1- A... , interessado e cabeça-de-casal no inventário para partilha dos bens comuns do ex-casal por si formado e B... ,, intentou em 22.12.08 recurso extraordinário de revisão do acórdão desta Relação proferido em 3.6.08, transitado em julgado.

         Alegando, em síntese, que o referido acórdão decretou a inclusão na relação de bens do montante de 25.407,61 € como dívida do cabeça-de-casal ao património comum do casal, e que depois de ter sido informado que a dívida se reportava a impostos devidos em anos anteriores a 2000, logrou saber através de documentos fornecidos em Outubro de 2008 pelas finanças da ....., que a referida dívida é da responsabilidade de ambos os interessados e decorre de diversos processos, pede, com fundamento na al.c) do art.771º/C.P.C., que se revogue o acórdão nessa parte.

         I.2- Solicitada a apensação a estes, dos autos de inventário onde foi proferido o acórdão revidendo, por despacho da relatora de fls.33 foi admitido o recurso e ordenada a notificação da interessada/requerida para responder, não tendo deduzido oposição.

         Não há necessidade de efectuar diligências.

         Dispensados os vistos, cumpre decidir.

                                               *        *

         II - FUNDAMENTOS

         II.1 - de facto

         A Relação considerou como demonstrados os seguintes factos:

1.Em requerimento subscrito por ambos os interessados e seus mandatários judiciais constituídos, em 9 de Janeiro de 2006, no início da conferência de interessados que teve lugar nessa mesma data, foi declarado que, caso o valor obtido com a venda da verba n°30 ultrapasse o valor a pagar quanto à totalidade da divida comum, referida na verba n°38 da relação de bens, acrescida de juros de mora e despesas conexas, referente a IRS e despesas conexas, com a quantia em excesso, deve o Serviço de Finanças da ..... fazer-se pagar da dívida de IVA, juros de mora e despesas conexas em dívida, garantida pela penhora da verba n°30, devendo a totalidade do valor da dívida de IVA, juros de mora e despesas conexas, ser relacionado na relação de bens, como dívida do cabeça-de-casal ao património comum – docs. fls. 304 e 305.

2.Na conferência de interessados que se realizou no dia 26 de Outubro de 2006, foi determinada a suspensão da instância a requerimento dos interessados, por se ter revelado necessário proceder ao adicionamento de uma nova verba da relação de bens, ou seja, de uma divida do cabeça-de-casal ao património comum, a fim de permitir aos mandatários daqueles a determinação do seu valor – doc. fls. 357 e verso.

3.Na nova conferência de interessados que teve lugar a 28 de Novembro de 2006, a recorrente juntou aos autos uma certidão passada pela Repartição de Finanças da ....., para prova da questão aludida em 2, tendo o cabeça-de-casal declarado não aceitar que a dívida de IVA seja da sua exclusiva responsabilidade, mas antes do casal composto por ambos os cônjuges – doc.fls. 359.

4.Face à posição assumida pelo cabeça-de-casal e referida em 3, foi determinada uma nova suspensão da instância, uma vez que existiam sobras do produto da venda de um bem comum do casal (25.407,61€), que foi aplicado pelo Serviço de Finanças da ..... no pagamento de outras dívidas existentes, desconhecendo-se o que importa apurar, se do casal ou de algum dos interessados – doc. fls. 359 a 361.

5.Na derradeira conferência de interessados, determinou-se remeter os interessados para os meios comuns, porquanto das informações prestadas pela Repartição de Finanças resulta que a quantia sobrante foi afecta ao pagamento de outras dívidas, não se sabendo se se trata de dívidas do cabeça-de-casal ou da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges e os respectivos valores – doc. fls. 369 e 370.

6.A dívida de IRS ascendia a 31.692,39€ e a divida de IVA totalizava 25.407,61€ - docs. fls. 298 a 301 e 358.

7.A verba n°30 foi vendida por 57.100,00 – docs. fls. 330 a 333 e 358.

8.Ao pagamento da dívida, respeitante ao IVA, foi destinado o diferencial existente entre o valor da venda da verba n°30 referido em 7, isto é, de 57.100,00€, e a importância alusiva à divida de IRS, que ascendia a 31.692,39€, no total de 25.407,61€ - docs. fls. 298 a 301 e 358.

9.Foi aplicado no processo de execução fiscal n°1228199801008072, o montante de 1.426,30€.

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         Ponderadas as provas existentes, a Relação decidiu assim relativamente à questão decidenda – saber  se existe razão justificativa bastante para remeter os interessados para os meios comuns a propósito das dívidas, a cujo pagamento foi afecta a quantia sobrante que resultou da venda do imóvel:

“Revertendo ao caso em apreço, importa reter que em dois momentos processuais distintos ocorridos em 9 de Janeiro e 26 de Outubro de 2006, por ocasião da realização da 1ª e da 2ª conferência de interessados, respectivamente, ambos os interessados acordaram em que a totalidade do valor da dívida de IVA, juros de mora e despesas conexas deveria ser relacionado, na relação de bens, como uma dívida do cabeça-de-casal ao património comum. Assim sendo, com o devido respeito, afigura-se assente, por acordo dos interessados, que a dívida em causa deve ser relacionada como dívida do cabeça-de-casal ao património comum. Será, porém, possível, desde já, com os elementos factuais existentes nos autos, determinar o valor da respectiva dívida? Efectivamente, face à matéria de facto que ficou demonstrada, considerando que ao pagamento da divida respeitante ao IVA foi destinado o diferencial existente entre o valor da venda da verba n°30 referido em 7, isto é, de 57.100,00€, e a importância alusiva à dívida de IRS, que ascendia a 31.692,39€, obtém-se o respectivo total parcial de 25.407,61 € a quanto monta o valor da dívida de IVA, juros de mora e despesas conexas. Como assim, este valor de 25.407,61€ deverá ser objecto de uma nova verba a relacionar, adicionalmente, enquanto dívida do cabeça-de-casal ao património comum.

Tendo o Tribunal «a quo» remetido os interessados para os meios comuns, a fim de ser resolvida a questão objecto do respectivo agravo, suspendendo, implicitamente, os termos da instância, autorizou o prosseguimento do inventário com vista à realização de uma partilha provisória, ou seja, sujeita a ser modificada, de harmonia como viesse a ser julgada a aludida questão.

Ora, tendo-se decidido pela falta de fundamento legal na remessa dos interessados para os meios comuns, com a consequente decisão da natureza da dívida e do seu montante, deverá a mesma ser, adicionalmente, relacionada, como dívida do cabeça-de-casal ao património comum.

Como assim, revoga-se a sentença recorrida e, consequentemente, anulam-se todos os actos praticados após o despacho de fls.369 determinativo da remessa dos interessados para os meios comuns, devendo o Ex° Juiz ordenar o que entender por conveniente, em especial, a apresentação de uma nova relação de bens ou a actualização da anterior, contendo a dívida passiva omitida, seguindo-se a ulterior tramitação legal.”.

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         II.2 - de direito

         O recurso extraordinário de revisão é um expediente processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certas causas, taxativamente indicadas na lei. Através do recurso extraordinário de revisão visa-se a rescisão duma sentença transitada. Será o último remédio contra os erros que atingem uma decisão judicial, já insusceptível de impugnação pela via dos recursos.[1]

         Os fundamentos do recurso de revisão vêm taxativamente indicados no art.771º/C.P.C..

         Para o caso que nos ocupa, estabelece a al.c) desse preceito que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão “Quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

         Reportando-se  à superveniência de documento como fundamento de revisão, escreve-se o autor citado: “Tanto é superveniente o documento que se formou ulteriormente ao trânsito em julgado da decisão revidenda, como o que já existia na pendência do processo em que essa decisão foi proferida sem que o recorrente conhecesse a sua existência ou, conhecendo-a, sem que lhe tivesse sido possível fazer uso dele nesse processo.”.

Adianta: “O documento superveniente apenas fundamentará a revisão quando, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente. Se o documento, quando relacionado com os demais elementos probatórios produzidos em juízo, não tiver a força suficiente para destruir a prova em que se fundou a sentença, não se vê razão para se abrir um recurso de revisão”.[2]

Assim, não basta para que a decisão recorrida seja objecto de revisão, qualquer documento. É necessário um documento decisivo, dotado em si mesmo de tal força que possa conduzir o juiz à persuasão de que só através dele a causa poderá ter solução diversa daquela que teve.[3]

Descendo ao caso em análise, para demonstração da oportunidade do recurso, alega o recorrente que o documento que junta, constituído por uma certidão passada em 21.10.08 pelo Serviço de Finanças da ....., acompanhada de cópia de sete certidões de dívida, vem demonstrar que a dívida no valor de 25.407,61 € reportada a impostos devidos em anos anteriores a 2000, é da responsabilidade dos interessados, não podendo, portanto, ser tida como dívida dele, cabeça-de-casal, ao património comum do casal como se decidiu no acórdão a rever.

Tendo o recurso entrado em juízo em 22.12.08, foi cumprido o prazo legal de 60 dias previsto no art.772º/2-b).

À luz do que antes se disse quanto ao fundamento previsto na al.c) do art.771º, aquela certidão, não tendo sido considerada no acórdão, não pode servir de base para alteração do mesmo.

 Isto por duas ordens de razão.

A primeira diz respeito à oportunidade da obtenção do documento em que o recorrente apoia o pedido de revisão.

É que a dita certidão passada por uma repartição pública, foi obtida em 21.10.08. Por conseguinte, quatro meses após o acórdão em questão. Não alegou o recorrente, como se impunha, que a obtenção de tal documento público não foi possível antes do julgamento do recurso pela Relação.

Compulsados os autos, constata-se que depois do despacho que mandou relacionar a nova verba como dívida do cabeça-de-casal, e antes da realização da conferência de interessados em 21.10.08, o recorrente juntou a mesma certidão requerendo que tal verba não fosse tida como dívida dele ao património comum e como tal não integrasse a relação de bens (fls.642).

A certidão foi pedida em 1.10.08, para “certificar que a dívida no montante de 25.407,61 € que provém dos processos nºs (…), referem-se a dívidas de IVA, e são anteriores à data de 10.01.00, e são referentes a A... contrib. nº (…) e B... contri. nº (…)” – doc. fls.644.

Ora, estando ao seu alcance, estranha-se que o recorrente só naquela data tenha requerido a aludida certidão, quando a questão de saber se a dívida de IVA era da sua exclusiva responsabilidade ou do casal se levantou na conferência de interessados que teve lugar em 28.11.06.

Isto leva-nos a concluir que no espaço de dois anos o recorrente podia e devia ter diligenciado pela obtenção do documento que agora ofereceu. Se o tivesse usado em tempo útil, o documento estaria no processo quando foi apreciado o recurso cujo acórdão pretende ver revisto.

Conforme atrás se disse, para servir de fundamento à revisão é necessário que o documento seja superveniente, entendendo-se como tal o “documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso”.

Logo, estando ao seu alcance a obtenção do documento oferecido, deveria tê-lo apresentado ainda na 1ª instância ou antes do julgamento do recurso para nele ser tido em conta.

Como se salientou no Ac. STJ de 11.9.07, “a parte que só tardiamente obteve o documento que poderia ter obtido antes, não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado”.[4]

Outra razão que nos leve a considerar que o falado documento não faz prova de factos inconciliáveis com a decisão a rever, é a circunstância de o mesmo não ser, como se exige na invocada al.c) do art.771º, “por si só, suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”, que, no caso, seria o não relacionamento da quantia de 25.407,61 € como dívida do cabeça-de-casal.

Conforme se escreveu no aresto antes citado, o referido requisito da al.c) – documento que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão - “tem de ser entendido como dispondo de total e completa suficiência probatória, no sentido de que se tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a sentença revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi, e isto sem fazer apelo a outros elementos de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais”.

Ora tal requisito não se acha preenchido. Isto porque, lendo a certidão emitida pelas finanças e cópias das certidões que a acompanham, nada se retira que leve à segura conclusão de que aquela referida importância respeita a IVA e é da responsabilidade dos ex-cônjuges.

Como antes se referiu, o recorrente requereu ás finanças que lhe certificasse se a dívida no montante mencionado provém do IVA sendo devedores, ele, A..., e B..., também interessada no inventário.

E das certidões que juntou nada, absolutamente nada, se contêm nelas, sobre aquela interessada como devedora, também, à Fazenda Nacional, de quantias provenientes de IVA. Em tais certidões de dívida apenas se faz referência ao nome do recorrente nos processos de execução instaurados pelo não pagamento desse imposto nos anos de 1992, 1994 e 1998. Os documentos provarão, quando muito, que o devedor é o próprio recorrente.

Por conseguinte, se estivessem no processo, tais documentos não implicariam, só por si, outra e diferente decisão daquela que foi tomada na Relação no sentido pretendido pelo recorrente de não inclusão da quantia em causa na relação de bens.

Como assim, há que concluir pela inexistência de fundamento do recurso de revisão do acórdão desta Relação de 6.6.08.

Não havendo motivo para se fazer a revisão, subsiste o caso julgado que se formou sobre aquela decisão.

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III - DECISÃO

Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente o pedido de revisão, por inverificação do motivo invocado.

Custas pelo requerente.


[1]   F. Amâncio Ferreira, «Manual dos recursos em processo civil», 7ª ed., pág.368
[2]   Ob. citada, pág.377
[3]   Cfr. Ac. STJ de 22.1.98, CJstj I/98-33
[4]   in www.stj.pt, processo nº 07A1332