Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4140/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
LIVRANÇA
RESPONSABILIDADE DO AVALISTA
Data do Acordão: 02/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º E 47º DA L.U.L.L.
Sumário: I – A obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas antes materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal, já que a lei (artº 32º da L.U.L.L.) estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vício de forma.
Por outro lado, tal responsabilidade é solidária, já que o avalista não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da letra (ou da livrança) solidariamente com os demais subscritores (cfr. artº 47º da L.U.L.L.).
II – O portador da livrança pode simultaneamente instaurar execução contra os avalistas e reclamar o seu crédito no processo de falência da subscritora da livrança em questão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A... e mulher, B..., C... e mulher, D..., e E... e mulher, F..., deduziram, em 20/02/2003, embargos de executado no processo de execução ordinária nº 432/03, a correr termos na 2ª Vara Cível do Porto, em que é exequente o G..., e executados os ora embargantes com o fundamento de que o aval aposto na livrança pelos executados foi um “aval de favor”, que a dívida em discussão na execução foi reclamada no processo de falência da firma H..., pelo que a exequente tenta locupletar-se duplamente com as quantias peticionadas, invocando ainda o preenchimento abusivo da livrança dada à execução e excepcionando a incompetência territorial do tribunal em que foi instaurada a execução.

Vieram, depois, os embargantes A... e mulher desistir dos embargos, desistência essa devidamente homologada.

O embargado contestou, pugnando pela improcedência dos embargos, uma vez que concedeu à firma H..., um crédito garantido por livrança avalizada pelos embargantes, e que nos termos do acordo de financiamento celebrado, foi estipulado que o embargado poderia terminar o preenchimento, o qual foi efectuado de harmonia com o acordo, e ainda que, o facto de ter reclamado o crédito no processo de falência, em nada obstaculiza que exija o seu pagamento aos demais obrigados cambiários.


Foi julgada procedente a excepção da incompetência territorial, tendo os autos sido remetidos ao Tribunal da comarca de Santa Comba Dão, por ser considerado o competente.

A acção foi decidida no saneador, tendo os embargos sido julgados improcedentes.
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Para assim decidir, baseou-se o Sr. Juiz na seguinte matéria de facto:
A) – Nos autos de execução ordinária nº 432/03, 2TVPRT, aos quais os presentes autos se encontram apensos, consta como título executivo uma livrança, a fls. 7, na qual foi inscrito o montante de 17.544.332$00, subscrita pelo gerente da firma H...., e em representação desta.
B) - No verso da livrança mencionada em A) constam seis assinaturas, apostas após o texto “Dou o meu aval à firma subscritora”.
C) - O embargado/exequente, G..., deduziu reclamação de créditos nos autos de falência nº 86/2002, que correm termos no 2º Juízo do Tribunal de Santa Comba Dão, e nos quais foi declarada falida, com decisão transitada em julgado no dia 29/07/2002, a firma “H....”, crédito esse que em 12/02/2004 não fora objecto de pagamento.
D) - Nos autos de execução apensos, por decisão proferida a fls. 53, por despacho de 23/04/2003, foi a instância julgada supervenientemente impossível quanto à aí executada H.....
E) - O embargado/exequente reclamou, nos autos de falência referidos em C), um crédito no valor global de 150.636,16 €, dos quais 81.042,40 € se reportam, na perspectiva do reclamante, a capital mutuado à H...., referindo-se o montante de 454,39 € a descobertos em conta, 1.795,68 € a letras subscritas pela reclamada, 52,29 € aos respectivos juros, sendo o montante de 65.093,13 € relativo à subscrição da livrança e 22.198,27 € aos respectivos juros.
F) - Por acordo celebrado a 25/06/1998, pelo prazo de seis meses e automaticamente renovável por períodos semestrais sucessivos, o ex-Banco Pinto & Sotto Mayor, SA, concedeu à H....., um crédito em conta corrente até ao limite máximo de 74.819,68 €, tendo ficado estabelecido que o montante do crédito disponibilizado seria lançado numa conta corrente (nº 0206/45004896), aberta na agência de Vale de Açores, acordo esse ao qual foi efectuado um aditamento, nos termos constantes de fls. 42 e ss.
G) - O acordo mencionado em F) foi subscrito pelos embargantes, na qualidade de garantes.
H) - No momento da celebração do acordo mencionado em F), foi entregue ao banco aí referido a livrança mencionada em A), a qual não se encontrava totalmente preenchida, encontrando-se subscrita pelos representantes da “H... “, e com as assinaturas mencionadas em B) aí apostas pelo punho dos embargantes.
I) - Consta como garantia do acordo mencionado em F), “livrança emitida pela cliente, com o valor e data de vencimento em branco, (…) com o aval dos garantes (…) que o banco fica (…) autorizado a preencher (…)”.
J) - O embargado completou o preenchimento da livrança mencionada em A) e B).
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Inconformados com a decisão, apelaram os embargantes Jorge Manuel e mulher e Ercílio e mulher, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
a) O exequente/embargado B.C.P. já reclamou previamente o seu crédito junto do Tribunal Judicial de santa Comba Dão, nomeadamente através do referido processo de falência.
b) O exequente sendo portador de uma livrança mediante uma operação bancária fica titular quer do crédito cambiário correspondente, quer do causal, subjacente.
c) Assim sendo, em tal situação o exequente/embargado poderia recorrer de um ou de outro desses créditos, mas não de ambos.
d) O exequente/embargado decidiu reclamar o seu crédito contra a sociedade comercial subscritora da livrança aqui dada à execução, com base na relação causal subjacente.
e) O exequente está a tentar locupletar-se duplamente, por um lado à custa dos executados/embargantes através da execução embargada e por outro lado, através da massa falida, nos autos de falência do Tribunal de Santa Comba Dão.
f) O exequente procedeu deste modo, a um preenchimento perfeitamente abusivo das respectivas livranças, excepção que aqui se invoca para os legais efeitos.
g) A sentença recorrida ao julgar improcedentes os embargos violou assim o artº 659º do C.P.C.
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O embargado contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal da relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
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Parece-nos ser de confirmar inteiramente o saneador/sentença recorrido, para cujos fundamentos da decisão se remete, fazendo uso da faculdade conferida pelo nº 5 do artº 713º do Código de Processo Civil.
Com efeito, o exequente/embargado podia reclamar o pagamento da livrança dos avalistas, ora embargantes, através do processo executivo, e reclamar o pagamento da firma H...., no processo de falência desta.
É que a obrigação do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas antes materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal, já que a lei (artº 32º da L.U.L.L.) estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo por vício de forma (cfr. Prof. Ferrer Correia, Letra de Câmbio, pág. 207).
Como expende Pedro de Vasconcelos (Direito Comercial, Títulos de Crédito, pág. 37), a obrigação do avalista é autónoma, pois, embora se defina pela do avalizado, vive e subsiste independentemente desta (cfr., também, Prof. Vaz Serra, RLJ, Ano 103, pág. 429, nota 2, e Acs. R.L. de 27/06/1995, CJ, T3-141, e de 20/02/1997, CJ, T1-131).
Por outro lado, a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas sim solidária, já que aquele não goza do benefício da excussão prévia, mas responde pelo pagamento da letra (ou da livrança) solidariamente com os demais subscritores (cfr, artº 47º da L.U.L.L.).
Justifica-se, assim, que o portador da livrança (exequente/embargado) tenha instaurado execução contra os avalistas (embargantes), uma vez que só por este meio poderia obter deles o pagamento do seu crédito.
Mas, como foi declarada a falência da firma H..., subscritora da livrança em questão, o exequente/embargado, para obter dessa firma o pagamento do seu crédito, tinha de reclamar tal crédito no processo de falência, face ao disposto no artº 154º do C.P.E.R.E.F. (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência), segundo o qual a declaração de falência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva contra o falido.
Assim, é absurdo dizer-se, como o fazem os recorrentes, que o exequente está a tentar locupletar-se duplamente à custa dos executados e da massa falida e que, portanto, procedeu a um preenchimento abusivo da livrança, uma vez que, como bem se diz na decisão recorrida, enquanto a obrigação em causa não for paga, subsiste a responsabilidade dos avalistas, sendo legítima a opção processual do exequente deduzindo, em simultâneo, a mencionada reclamação de créditos no processo de falência e os autos executivos apensos.
O que não pode é obter a satisfação do seu crédito por duas vezes, pelo que, logo que o seu crédito seja objecto de pagamento (total ou parcial) num dos processos, deverá dar conhecimento do facto no outro processo, para que do mesmo sejam extraídas as devidas consequências legais.
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Eis porque, não se reconhecendo fundamento legal ao recurso, acordamos nesta Relação em negar-lhe provimento, confirmando o despacho saneador/sentença recorrido.
Custas pelos recorrentes.