Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
127963/11.1YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
SOCIEDADE
Data do Acordão: 10/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 668º, Nº 1 DO CPC.
Sumário: I – As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art. 668º, nº 1 do CPC, têm subjacente um erro de actividade ou de construção, distinguindo-se, por isso, do erro de julgamento (de facto ou de direito), bem assim das restantes nulidades processuais.

II - A violação do art. 659º, nº 3 do CPC não configura nulidade da sentença, mas antes erro de julgamento que a verificar-se conduzirá à alteração ou ampliação da matéria de facto.

III - A remuneração no contrato de mediação imobiliária pressupõe a comprovação do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- A Autora – V…, Lda – instaurou (21/06/2011) acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, com forma de processo especial, contra o Réu – C...

            Alegou, em resumo:

No dia 28/08/2010 Autora e Réu celebraram um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, mediante o qual a autora se obrigou a conseguir interessado na compra de um bem imóvel do segundo, convencionando o pagamento, pelo Réu, da quantia de 5.000 euros acrescida de IVA à taxa legal aquando da celebração da escritura definitiva.

A autora conseguiu um interessado na aquisição do imóvel, pelo preço de € 80.000,00, que o réu aceitou, mas recusou pagar à autora a remuneração acordada.

Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 6.150€, acrescida de juros de mora de mora no montante de 47,18€ e taxa de justiça no montante de 51€.

O Réu deduziu oposição (fls. 10 e segs.), defendendo-se, em síntese:

Não contratou com a autora em regime de exclusividade, sendo que foi a autora quem preencheu os formulários do contrato, pré-elaborados, sem explicitação das respectivas cláusulas.

Nega ter sido a Autora quem promoveu a venda ao interessado na aquisição, mas outra imobiliária com quem o Réu contratou.

O contrato de mediação imobiliária é nulo, por violação do art.19º, nº 2, a) do DL nº 211/2004 de 20/8, e a autora violou o dever de informação, agindo de má fé.

Concluiu pela improcedência da acção e requereu a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 2.500,00.

A Autora respondeu (cf. fls. 79) à defesa por excepção.

1.2. - Realizada audiência de julgamento (fls. 79 a 81, 84 a 90, 91 a 96), foi proferida sentença (fls. 98 e segs.) que decidiu julgar a acção improcedente a absolver o Réu do pedido, indeferido o pedido de litigância de má fé.

1.3. – Inconformada, a Autora recorreu de apelação (fls. 142 e segs.) com as seguintes conclusões:

Contra-alegou o Réu (fls. 203 e segs.) no sentido da improcedência do recurso.


II - FUNDAMENTAÇÃO

2.2. – O objecto do recurso:

Nulidade da sentença e análise crítica da prova;

Impugnação de facto;

O contrato de mediação imobiliária e remuneração acordada.

2.2. – Os factos provados e não provados (descritos na sentença):

2.2.1. – Os factos provados:

...                                                    

2.2.2. – Os factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa e, nomeadamente:

- que o réu tenha desenvolvido acção concertada com o  comprador para defraudar o recebimento da comissão pela autora;

- que o réu tenha alegado à autora que conseguiu proposta/preço superior de outra imobiliária;

- que a conclusão do negócio entre o réu e J… tenha resultado dos contactos efectuados no âmbito da actividade mediadora levada a cabo pela autora.

2.3. – 1ª QUESTÃO

A Autora/Apelante, alegando que o tribunal não procedeu ao exame crítico da prova, nem à especificação dos fundamentos decisivos para a sua convicção, reclama a nulidade da sentença.

Não concretizou sequer o tipo de nulidade, depreendendo-se reconduzi-la à nulidade por falta de fundamentação (art.668º, nº1 b) do CPC).

As nulidades da sentença estão taxativamente cominadas no art. 668º, nº1 do CPC e têm subjacente um erro de actividade ou de construção, distinguindo-se, por isso, do erro de julgamento (de facto ou de direito), bem assim das restantes nulidades processuais.

Sucede que a violação do art.659º, nº 3 do CPC não configura nulidade da sentença, mas antes erro de julgamento que a verificar-se conduzirá à alteração ou ampliação da matéria de facto (cf., por ex., Ac do STJ de 13/3/05, em www dgsi.pt/jstj ).

Além disso, a eventual falta de fundamentação sobre a decisão de facto implicaria, não a anulação, mas o reenvio à 1ª instância, apenas a requerimento da parte, conforme impõe o art.712º, nº 5 do CPC.

Por fim, diga-se, em abono da verdade, que, conforme fundamentação (cf. 104 a 109), o tribunal explicitou e objectivou as razões da sua convicção.

Improcede a nulidade da sentença.

2.4. - 2ª QUESTÃO

O Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão de 1ª instância, mas apenas nas seguintes situações previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art.712º do CPC:
Muito embora a revisão do Código de Processo Civil, operada pelo DL 329-A/95, de 12/2, haja instituído de forma mais efectiva a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.

Para além da possibilidade de conhecimento estar confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos legais adrede estatuídos, a verdade é que o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte, por isso, o princípio da livre apreciação da prova (art.655º do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervém apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também factores não materializados, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerando em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador, dialecticamente construída.

Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. De resto, a lei determina a exigência de objectivação, através da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art.653º, nº 2 do CPC).

Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

Conforme orientação jurisprudencial prevalecente, o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve, por isso, restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição.

Ouvida integralmente a gravação da prova, verifica-se, em síntese, duas versões contraditórias: …

Improcede a alteração de facto.

2.5. - 3ª QUESTÃO

A sentença recorrida, após haver correctamente caracterizado o contrato de mediação imobiliária, julgou a acção improcedente, por considerar que o contrato de compra e venda celebrado, em 29 de Março de 2011, entre o Réu e J… (cf. fls. 68 e segs.) não resultou da actividade da Autora, em termos de causalidade adequada.

Em contrapartida, sustenta a Autora o direito à remuneração, por estar comprovado que a actividade da Autora influiu no negócio entre o Réu e o interessado comprador.

Autora e Réu celebraram, em 28 de Agosto de 2010, contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, tendo por objecto a venda de um andar moradia, sendo aplicável o regime jurídico instituído pelo DL nº 211/2004, de 20/10 (antes da alteração do DL nº 69/2011, de 15/6).

A obrigação principal do mediador é a de aproximar diferentes pessoas, através da sua intermediação, na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas (obrigação de fazer), numa relação de causa/efeito (obrigação de resultado).

Por sua vez, a obrigação principal do comitente é a de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, sendo, por isso, um contrato oneroso, já que tanto o mediador (que é remunerado), como o comitente (que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.

Sendo assim, o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

Na vigência do DL nº 285/92, de 25/9, algumas dúvidas se suscitavam no sentido de saber o momento em que nasce a obrigação de o cliente remunerar o mediador, sustentando a jurisprudência ser necessário uma relação de causa/efeito entre a actividade do mediador e o negócio realizado, exigindo-se que o negócio se concluísse como consequência adequada da actividade do mediador (cf., por ex., Ac da RL, 24/06/93, C.J. ano XVIII, tomo III, pág.139, Ac da RE, 24/03/94,C.J. ano XIX, tomo II, pãg.260, Ac do STJ, 31/05/01, C.J., ano IX, tomo II, pág.109.).

Por isso, o DL nº 77/99, entre cujas motivações esteve a de “clarificar o momento e estabelecer as condições em que é devida a remuneração pela actividade de imediação imobiliária” (Preâmbulo), veio estabelecer no seu art. 19º, nº 1 que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.

E o art.18º, nº1 do DL nº 211/2004, de 20/10, contém idêntica norma (“ A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”), exceptuando além do mais, “os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração “ (nº 2, a)).

Continua, assim, a ser válida a orientação jurisprudencial sobre a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio (cf., por ex., Ac STJ de 27/5/2012, Ac RC de 17/1/2012, Ac RL de 14/6/2012, disponíveis em www dgsi.pt)

Na situação dos autos, e como se justificou na sentença, sendo o contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, não ficou provado que a conclusão do negócio resultasse da actividade da Autora, cujo ónus da prova impendia sobre ela (art.342º, nº1 CC).

A pretensão recursiva tinha como pressuposto alteração de facto, que não logrou acolhimento.

Com efeito, verifica-se que o interessado comprador tendo contactado a Autora, acabou por desistir do negócio, através dela, sem que tal desistência se possa imputar à culpa do Réu, contrariamente ao preconizado pela Apelante.

Improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

            2.6. – Síntese Conclusiva:

1.- As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art. 668º, nº1 do CPC, têm subjacente um erro de actividade ou de construção, distinguindo-se, por isso, do erro de julgamento (de facto ou de direito), bem assim das restantes nulidades processuais.

2.- A violação do art.659º, nº 3 do CPC não configura nulidade da sentença, mas antes erro de julgamento que a verificar-se conduzirá à alteração ou ampliação da matéria de facto.

3.- A remuneração no contrato de mediação imobiliária pressupõe a comprovação do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

           


 Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo