Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
150/09.8TBPNH.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ACTUALIZAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO
FÓRMULA DO INE APLICÁVEL
Data do Acordão: 09/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTº 24º, Nº 2 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: I – Índice de preços no consumidor será o que como tal é qualificado pelo INE.
II - Acresce que se a norma legal se refere a índices de preços não será, em rigor, correcto aplicar taxas de variação entre índices, isto é, as taxas de inflação.
III - Por outro lado, visando a actualização do valor indemnizatório por expropriação por utilidade pública preservar o valor do capital, não se justifica a “capitalização” sucessiva dos aumentos anuais, na procura, porventura, de um tratamento mais favorável dos expropriados que, se outrora se compreendia, perante valores indemnizatórios muito baixos, não tem actualmente razão de ser, face aos valores normalmente atribuídos.
IV - A evolução dos índices, que traduz a actualização devida, é-nos dada pela fórmula indicada em documento do INE, atendendo-se ao valor da indemnização, ao índice dos preços no consumidor sem habitação (IPC) no mês da data da fixação definitiva dessa indemnização, isto é, mês do trânsito em julgado da decisão, e no mês da data da publicação da DUP.
V – É correcta esta posição quando se refere que não devem ser utilizadas as taxas de variação média dos últimos 12 meses para actualização de um determinado valor anteriormente fixado, devendo antes utilizar-se a fórmula aplicada pelo INE para esse efeito, a qual tem em consideração a preocupação presente no método acima indicado em primeiro lugar, utilizando para cálculo do factor de actualização a ratio entre o índice dos preços ao consumidor sem habitação no mês em que transitou em julgado a decisão que fixou o valor da indemnização e o mesmo índice na data da declaração de utilidade pública, com referência a um período base.
VI - Remetendo o artigo 24º, n.º 2 do Código das Expropriações para o INE, a determinação do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, segundo o qual se procederá à actualização do valor da indemnização fixado, por referência à data de declaração de utilidade pública da expropriação, deve essa remissão abranger também o método de aplicação desse índice.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos presentes autos de expropriação da parcela 1.8.2 – parcela de terreno com a área de 9.175m2, a confrontar do norte, sul e nascente com o próprio e EN 226, e do poente com …, a desanexar do prédio rústico, com a área total de 210,450 m2, da freguesia de Souropires, concelho de Pinhel, a confron­tar do norte com … e outro, do sul e do poente com … e do nascente com …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Pinhel sob o n.º … e inscrito na matriz respectiva sob o art.º …, veio a ser proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
Por tudo o exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade expropriante e, em consequência, fixar em € 113.911,70 (cento e treze mil novecentos e onze euros e setenta cêntimos) a indemnização a pagar pela expropriante EP – Estradas de Portugal, S.A. aos expropriados M…, J…, G… e A…, devida pela expropriação da parcela 1.8.2, quantia esta a actualizar, desde 02/06/2004, data da publicação da DUP, pela aplicação dos índices do preço no consumidor, com exclusão da habitação, relativos ao local da situação dos bens, publicados pelo INE, e até ao trânsito em julgado da presente decisão.

Na sequência da notificação feita nos termos do art.º 71º, n.º 1, do C. Exp., veio a Expropriante juntar nota discriminativa e justificativa do montante a restituir, na qual conclui que lhe deve ser devolvido o montante de € 88.939,05, considerando o valor por si depositado e o valor fixado pela sentença, valor este actualizado nos anos de 2004 a 2009, tendo como critério os índices de preço ao consumidor com exclusão da habitação.

Desta nota reclamaram os Expropriados, defendendo que é de considerar na actualização do valor da indemnização a taxa média de variação dos preços, concluindo que lhes é devido o montante de € 126.854,05.

Foi proferida decisão que, julgando aplicável, para a actualização em causa, a taxa média anual de variação de preços, determinou que a Expropriante deve aos Expropriados o montante de € 126.854,05.

Inconformada com a decisão a Expropriante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
...
Os Expropriados apresentaram resposta, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­gações da Recorrente cumpre apreciar a seguinte questão:
O valor actualizado da indemnização devida pela expropriação € 124.186,25?

2. Dos factos
Para a decisão deste recurso importa considerar a verificação dos factos acima mencionados.

3. O direito aplicável
Neste recurso está apenas em discussão o método de actualização do montante de indemnização arbitrado pela expropriação de um terreno.
Sendo a obrigação de indemnização uma dívida de valor, está subtraída ao princípio nominalista das obrigações pecuniárias, pelo que, ocorrendo um período de tempo entre a data de fixação do montante de uma indemnização e a sua entrega ao respectivo credor, deve proceder-se a uma actualização desse montante, pois, só assim se concederá ao expropriado uma soma que lhe permitirá substituir o bem perdido por outro equivalente, cumprindo-se, assim, a exigência constitucional do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação.
Nos termos do artigo 24º, n.º 1, do Código das Expropriações, numa solu­ção que foi introduzida pelo Código de 1991, o montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, devendo, por isso, ser actualizado à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
O n.º 2 do mesmo artigo determina que esse índice é o publicado pelo Ins­tituto Nacional de Estatística, relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão.
Anteriormente à introdução do critério de actualização das indemnizações por expropriação pelo Código das Expropriações de 1991, por referência ao índice de preços ao consumidor apurados pelo INE, já ele era utilizado pela jurisprudência, face ao silêncio do Código das Expropriações de 1976 [1].
Esta actualização era, habitualmente, efectuada não através da aplicação da soma das taxas de variação média anuais do índice de preços ao consumidor ao valor da indemnização, mas sim através da aplicação sucessiva de cada uma dessas taxas de per si, sobre o apuramento que resultava da aplicação da taxa anterior.
O mesmo método era, aliás, aplicado na actualização das indemnizações em resultado de responsabilidade civil extracontratual [2].
Posteriormente à consagração legal do referido critério de actualização das indemnizações por expropriação no artigo 23º do Código das Expropriações de 1991, tem-se verificado alguma confusão na sua aplicação pelos tribunais [3].
Alguns arestos mantiveram o método de aplicação acima referido nos ter­mos explicados no Acórdão da Relação do Porto de 4 de Junho de 2001 [4]: tomando os respectivos índices de preços no consumidor publicados pelo INE (conforme o impõe o art.º 23.º do CE/91), se os aplicarmos ao montante indemnizatório senten­ciado, ano a ano, isto é, sobre o resultado obtido por aplicação do índice do ano em que foi declarada a utilidade pública do bem expropriado vai fazer-se incidir o índice de preços que imediatamente se lhe seguiu e referente ao ano que lhe sucedeu; à importância assim obtida vai aplicar-se o índice do ano seguinte, obtendo-se o exacto valor da expropriação para esse ano e, assim, sucessivamente. Na prática este desiderato obtém-se multiplicando, de forma sucessiva, o valor da indemnização pelos factores correspondentes aos índices de preços no consumidor indicados pelo INE. A aplicação do somatório dos índices de preços fornecidos pelo INE ao montante indemnizatório arbitrado, ocorridos desde a data da declaração de utilidade pública até à data da decisão final, distorcendo o princípio da contempora­neidade consagrado na lei das expropriações (art.º 22º, n.º 1, do CE/91), é uma operação que, por não se enquadrar dentro do espírito do sistema retributivo sancionado pelo nosso ordenamento jurídico, não tem apoio legal e, por isso, tem de excluir-se o seu uso para o cômputo da actualização do montante final da indemni­zação relativa ao bem expropriado.
Outras decisões aplicaram as referidas taxas de variação média dos preços em cada ano sobre o valor fixo da indemnização [5], ou a sua soma, método que era criti­cado pelos defensores da posição anteriormente referida.
Contudo, no Acórdão da Relação do Porto de 11 de Novembro de 2004 [6], entendeu-se, de modo aparentemente diferente:
Índice de preços no consumidor será, pois, o que como tal é qualificado pelo INE. Acresce que, se a norma legal se refere a índices de preços não será, em rigor, correcto aplicar taxas de variação entre índices, isto é, as taxas de inflação.
Por outro lado, visando a actualização, como se disse, preservar o valor do capital, não se justifica, parece-nos, a “capitalização” sucessiva dos aumentos anuais, na procura, porventura, de um tratamento mais favorável dos expropriados que, se outrora se compreendia, perante valores indemnizatórios muito baixos, não tem actualmente razão de ser, face aos valores normalmente atribuídos. A evolução dos índices, que traduz a actualização devida, é-nos dada pela fórmula indicada no documento do INE (última página) e, de forma mais simplificada, no cálculo efec­tuado pela entidade expropriante, atendendo-se ao valor da indemnização, ao índice dos preços no consumidor sem habitação (IPC) no mês da data da fixação definitiva dessa indemnização, isto é, mês do trânsito em julgado da decisão, e no mês da data da publicação da DUP.

Revela-se correcta esta última posição quando se refere que não devem ser utilizadas as taxas de variação média dos últimos 12 meses para actualização de um determinado valor anteriormente fixado, devendo antes utilizar-se a fórmula aplicada pelo INE para esse efeito, a qual tem em consideração a preocupação presente no método acima indicado em primeiro lugar, utilizando para cálculo do factor de actualização a ratio entre o índice dos preços ao consumidor sem habitação no mês em que transitou em julgado a decisão que fixou o valor da indemnização e o mesmo índice na data da declaração de utilidade pública, com referência a um período base.
Esta fórmula, utilizando dados diferentes do método acima referido em primeiro lugar, não deixa de ter em consideração a mesma preocupação que estava presente na aplicação sucessiva das taxas de variação média dos preços no último ano, ou seja a de que o valor da inflação num determinado período não deve incidir sobre o valor inicial do bem em causa, mas sim sobre o valor que ele tinha no termo do período anterior correspondente a uma medição da inflação.
O problema do primeiro método não era o da aplicação sucessiva das taxas, mas sim a utilização dessas taxas que apenas indicavam a média da variação ocorrida num ano, e que se revela corrigido na fórmula aplicada pelo INE.
Remetendo o artigo 24º, n.º 2, do Código das Expropriações, para o INE a determinação do índice de preços ao consumidor com exclusão da habitação, segundo o qual se procederá à actualização do valor da indemnização fixado, por referência à data de declaração de utilidade pública da expropriação, deve essa remissão abranger também o método de aplicação desse índice, devendo por isso aplicar-se a fórmula utilizada por aquela entidade.
Encontrando-se actualmente disponível no site desta entidade – www.ine.pt – uma aplicação informática que permite calcular uma concreta actualiza­ção segundo essa fórmula, torna-se desnecessário solicitar ao INE a actualização pretendida, podendo utilizar-se essa aplicação, inserindo os dados do caso concreto numa actualização entre meses.
Neste processo a publicação da declaração de utilidade pública ocorreu em Junho de 2004.
Foi proferida sentença que transitou em julgado em Julho de 2011 que fixou o valor da indemnização pela expropriação em €113.911,70, reportado àquela data.
Em Janeiro de 2010 os Expropriados foram notificados que tinha sido autorizado o levantamento de €104.892,70.
Tendo-se verificado esta autorização a actualização do valor da indemni­zação deve ser feita até ao mês em que essa autorização ocorreu, recaindo a actuali­zação desde esta data até ao mês em que transitou em julgado a sentença que fixou a indemnização sobre a diferença entre o valor actualizado nos termos acima referidos e o valor da quantia cujo levantamento foi autorizado.
Inserindo estes dados na referida aplicação informática do INE, o valor actualizado de €113,911,70, em Janeiro de 2010, correspondia a €123.634,23.
E o valor actualizado da diferença entre €123.634,23 e €104.892,70, ou seja €18.741,53, em Julho de 2011, correspondia a €19.756,36.
Assim, o valor da indemnização actualizado é de €124.658,06 (€123.634,23 + €19.756,36 - €18.741,53).
Devendo ser este o valor da indemnização actualizado deve o recurso ser julgado parcialmente procedente.

Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente e, em conse­quência, altera-se o despacho recorrido, determinando-se que o montante da indemni­zação devida aos Expropriados, na sequência da actualização prevista no art.º 24º, do Código das Expropriações, é de €124.658,06.

Custas pelos Expropriados, na proporção de 82%, e pela Expropriante, na proporção de 18%.

 Coimbra, 11 de Setembro de 2012.


[1] Nesse sentido os seguintes Acórdãos das Relações:
- do Porto, de 21.3.1985, relatado por Flávio Pinto Ferreira, na C.J., Ano X, tomo 2, pág. 223.
- do Porto, de 1.4.1986, relatado por Martins da Costa, na C.J., Ano XI, tomo 2, pág. 184.
- de Lisboa, de 5.3.1987, relatado por Costa Raposo, na C.J., Ano XII, tomo 2, pág. 133.
- de Lisboa, de 18.10.1990, relatado por Cardona Ferreira, na C.J., Ano XV, tomo 4, pág. 153.

[2] Vide, neste sentido, a título de exemplo, os seguintes Acórdãos das Relações:
- de Évora de 19.2.1987, relatado por Cardona Ferreira, na C.J., Ano XII, tomo 1, pág. 312.
- de Évora de 20.10.1987, relatado por Cortês Neves, na C.J., Ano XII, tomo 4, pág. 296.
- de Lisboa de 26.3.1992, relatado por Cruz Broco, na C.J., Ano XVII, tomo 2, pág. 152.

[3] Na doutrina, Salvador da Costa, em Código das Expropriações e Estatuto dos peritos avaliadores, anotados e comentados, pág. 160, da ed. de 2010, da Almedina, diz propender para que a incidência dos índices dos preços no consumidor seja sucessiva, enquanto Pedro Elias da Costa, em Guia das Expropriações por utilidade pública, pág. 263, ed. 2003, Almedina, refere que as a aplicação das taxas de variação é sucessiva, aplicando-se cada uma de per si, sobre o apuramento emergente da taxa anterior, aplicando, seguidamente, a fórmula do INE no cálculo da actualização.

[4] Relatado por António Gonçalves, acessível em www.dgsi.pt.
  Essa posição foi também seguida pelos seguintes Acórdãos das Relações:
- de Évora, de 11.1.2007, relatado por Mata Ribeiro, acessível em www.dgsi.pt.
- de Évora, de 6.12.2007, relatado por Bernardo Domingos, acessível em www.dgsi.pt.
- de Lisboa, de 25.5.2010, relatado por Pedro Brighton, acessível em www.dgsi.pt.
- de Évora, de 22.9.2010, relatado por Gonçalves Marques, acessível em www.dgsi.pt.

[5] Ver, utilizando este método, o Acórdão da Relação de Coimbra de 30.5.2006, relatado por Távora Vítor, acessível em www.dgsi.pt.

[6] Relatado por Pinto de Almeida, na C.J., Ano XXIX, tomo 5, pág. 169.
  Essa posição foi também seguida pelos seguintes Acórdãos:
- do S.T.J., de 27.5.2008, relatado por Serra Baptista, acessível em www.dgsi.pt.
- da Relação de Lisboa, de 28.5.2009, relatado por Fátima Galante, acessível em www.dgsi.pt.
- da Relação do Porto, de 27.10.2009, relatado por Ana Lucinda Cabral, acessível em www.dgsi.pt.
- da Relação de Lisboa de 6.4.2010, relatado por Maria do Rosário Barbosa, acessível em www.dgsi.pt.