Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
33/10.9GCSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: AUTORIA
CUMPLICIDADE
Data do Acordão: 07/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE SÁTÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º E 27º CP
Sumário: 1.- O autor é aquele que decide a sua prática, que o executa, que detém o poder de controlo sobre o processo causal que o determina;

2.- O cúmplice não toma parte no domínio material ou funcional dos atos constitutivos do crime. Facilita a execução do crime mas o seu auxílio não é essencial para a realização deste – que sem o seu auxílio sempre levaria a cabo a sua realização, com outros meios, noutras circunstâncias. O cúmplice não executa, não determina, apenas auxilia, facilita a execução do facto sem tomar parte na sua decisão ou execução, enfim no domínio funcional da sua execução.

Por ultimo a cumplicidade está subordinada ao princípio da acessoriedade – a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outrem.

3.- Há co-autoria entre o dono da máquina e o dono do estabelecimento onde a máquina funcionava debaixo da sua vigilância e controlo

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Após audiência pública de discussão e julgamento foi proferida sentença, na qual o tribunal de comarca, julgando a acusação parcialmente procedente, decidiu:

1. Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de prática ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 110.º, n.º 1 do D.L. n.º 422/69, de 2 de Dezembro alterada pelo Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro, pela Lei n.º 28/2004 de 16 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na pena de um mês e quinze dias de prisão e na pena de multa de 15 (quinze) dias, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

2. Substituir aquela pena de prisão pela pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

3. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 1 do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, fixar o quantitativo global da pena de multa em 60 (sessenta) dias, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante total de € 330,00 (trezentos e trinta euros);

4. Condenar o arguido B... , como autor material de um crime de exploração ilícita de jogo previsto e punido pelo artigo 108.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, alterada pelo Decreto-Lei n.º 10/95 de 19 de Janeiro, pela Lei n.º 28/2004 de 16 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 40/2005, de 17 de Fevereiro e pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, na pena de 6 meses de prisão e na pena de multa 120 (cento e vinte) dias, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

5. Substituir aquela pena de prisão pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

6. Ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 1 do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, fixar o quantitativo global da pena de multa em 300 (trezentos) dias, à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante total de € 1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros);

8. Declarar perdidos a favor do Estado a máquina apreendido no “ X... ” devidamente identificada no auto de apreensão de folhas 17 com excepção do comando;

9. Declarar perdido a favor do Fundo de Turismo o dinheiro apreendido e depositado à ordem dos presentes autos conforme folhas 19.

*

Inconformado com a sentença, dela recorre o arguido B... .

Na respectiva motivação, formula as seguintes CONCLUSÕES:

1- O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, que condenou o ora arguido/recorrente como co-autor material de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo art. 180º, na 1 do Decreto-Lei na 422/98, de 2 de Dezembro, na pena global de 300 dias de multa á taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

2- No entender do recorrente o Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação e valoração dos factos e subsequente subsunção, interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis, estando, por isso, a douta Sentença inquinada dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.

3- De acordo com o Tribunal a quo e de acordo com o relatório pericial efectuado nos presentes autos, a máquina apreendida no estabelecimento gerido pelo ora recorrente só permitia o acesso aos jogos de fortuna e azar se nela fosse introduzida uma pen USB.

4- Tal pen, de acordo com o relatório pericial e tendo em conta os esclarecimentos prestados pelo perito C... , era a "chave" sem a qual aquela máquina apenas serviria, como um qualquer computador convencional, para aceder à internet.

5- A pen USB é, deste modo, um elemento de prova essencial para que se possa afirmar ter o arguido/recorrente praticado o crime de que aqui vem acusado.

6- Compulsando-se os presentes autos, não se vê qualquer rasto, nem sequer qualquer referência à existência ou apreensão de uma pen no estabelecimento do recorrente e muito menos que tenha sido encontrada introduzida na máquina apreendida.

7- Assim sendo, ou efectivamente o arguido A... estava a utilizar a máquina para jogar jogos ilícitos e, nesse caso, de acordo com a tese do Tribunal a quo, a pen USB teria que ser encontrada introduzida na respectiva entrada do computador ou, não tendo sido encontrara tal pen tal significa que o arguido A... não podia estar a usar a máquina para aquele fim e, nesse caso não estaria a cometer qualquer ilícito criminal.

8- E a ser assim, cai por terra toda a tese e fundamentação do Tribunal a quo que, diga-se, embora tenha destacado a importância da dita pen para o funcionamento da máquina, nada disse quanto ao facto da mesma não ter sido encontrada no estabelecimento ou na posse do recorrente, embora tenha reconhecido a importância da mesma para a prática do ilícito por parte do mesmo.

9- O Tribunal a quo socorreu-se das regras da experiência comum para dar como provada a acusação contra o recorrente, quando, neste caso, só a existência de uma prova material concreta poderia ter conduzido a tal raciocínio e poderia ter legalmente fundamentado a sua decisão.

10- Incorreu o Tribunal a quo no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410°, n° 2, al. a) do Cód. Proc. Penal uma vez que falta no processo um elemento de prova essencial para que ao recorrente possa ser imputado o crime de quem vem acusado.

11- Entende o recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao dar como provado os factos constantes dos pontos n° 12, 13, 14, 15 e 17 da matéria de facto.

12- Não podia o Tribunal a quo dar como provado o ponto n° 12, ou seja, que os arguidos C... e B... , ora recorrente, acordaram a instalação da máquina no estabelecimento que era gerido por este último, assim como a repartição dos lucros resultantes da prática dos jogos que a mesma desenvolvia, pois que, a máquina em questão já existia no estabelecimento antes do mesmo ser gerido pelo recorrente.

13- Se efectivamente a máquina já existia no bar antes do mesmo ser gerido pelo ora recorrente, não podia o Tribunal a quo dar como provado que a mesma foi ali colocada mediante acordo celebrado entre o ora recorrente e o arguido C... , uma vez que, a ter existido um tal acordo, o mesmo aconteceu entre o arguido C... e o anterior proprietário e gerente do bar em causa. O mesmo se dizendo relativamente ao suposto acordo quanto à repartição de lucros.

14- A mesma conclusão se retira em relação á prova dos factos cantantes do número 13 da matéria dos factos dados como provados, pois não podia o ora recorrente ter celebrado qualquer contrato com o dono da máquina apreendida uma vez que a mesma foi colocada no estabelecimento pelo anterior gerente do mesmo.

15- Da mesma forma, andou mal o Tribunal a quo ao dar como provados os pontos nº 14 e 15 da matéria de facto, pois que, atendendo aos factos em causa, ou existia efectivamente prova cabal, documental ou testemunhal, de que o arguido ou os seu funcionários procediam ao pagamento de prémios aos clientes ou, não havendo tais provas, estes factos não podiam ser dados como provados baseando unicamente em presunções e regras de experiência.

16- Ora, da prova documental e da prova testemunhal produzida em sede de audiência não resulta demonstrado que tais pagamentos ocorressem da parte do ora recorrente ou por parte dos seus funcionários.

17- Não podia o Tribunal a quo, como o fez, concluir, excluindo qualquer dúvida, que era o ora recorrente ou os seus funcionários que pagavam os prémios que os jogadores eventualmente ganhassem, violando assim claramente os princípios constitucionais do in dúbio pro reo e da presunção de inocência, previsto no art. 32°, n° 2 da Const. da Rep. Port.. Inconstitucionalidade esta que desde já se invoca para os legais efeitos.

18- Tendo em conta tudo o que supra se expôs, não podia igualmente o Tribunal a quo ter dado como provado o ponto n° 17 dos factos provados.

19- Não tendo resultado provado que tenha sido o recorrente a acordar a instalação da máquina no estabelecimento que o mesmo explorou e não tendo acordado qualquer contrapartida com o dono da máquina, não podia o Tribunal a quo dar como provado que o arguido B... agiu em comunhão de esforços e vontades com o arguido

João Paulo.

20- Não se encontram preenchidos, em relação ao recorrente, os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de exploração ilícita de jogos, previsto no art. 108° do D.L. 422/89, de 02.12.

21- O Tribunal a quo não podia ter condenado o recorrente como co-autor do crime de exploração ilícita de jogo, devendo, antes, na hipótese meramente académica de se considerarem preenchidos todos os requisitos de tal crime, tê-lo condenado por cumplicidade.

22- Ao condená-lo como co-autor violou o Tribunal a quo os art. 26° e 27° do Cód. Penal.

TERMOS EM QUE, Deve dar-se provimento ao presente Recurso e, em consequência, ser a Sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime pelo qual foi indevidamente condenado pelo Tribunal a quo.

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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido rebatendo, ponto por ponto, a motivação do recurso para concluir que não merece provimento.

No visto a que se reporta o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual corrobora a resposta apresentada em 1ª instância.

Corridos vistos, após conferência, cumpre decidir.


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II. A decisão da matéria de facto com a motivação probatória que a suporta é a seguinte:

A) MATÉRIA DE FACTO PROVADA

1. No dia 11 de Fevereiro de 2010, pelas 14h30m, militares do Núcleo de Investigação Criminal do Destacamento Territorial de Mangualde da Guarda Nacional Republicana levaram a efeito uma acção de fiscalização ao estabelecimento de restauração e bebidas, denominado por “ X... ”, sito no nº ... da Rua ... , em Sátão, na sequência de informações que reportavam a existência no estabelecimento de máquina de jogo ilícito.

2. Em resultado da acção de fiscalização acima referida, foi detectada, num compartimento do mesmo estabelecimento, que servia igualmente de armazém, uma máquina do tipo vídeo com a designação “Quiosque de Internet”, ligada à corrente eléctrica e sem qualquer referência exterior quanto à sua origem, fabricante, número de fábrica ou série.

3. No momento da abordagem pelas autoridades policiais, a referida máquina encontrava-se a ser utilizada pelo arguido A... , que ali jogava um jogo denominado de “Duende De La Suerte”.

4. A máquina em causa era constituída por um móvel de um só corpo, com estrutura em madeira, possuindo na parte frontal superior o monitor de vídeo e, mais abaixo, uma “gaveta” com um teclado de computador e uma ficha de ligação USB.

5. Na parte inferior encontrava-se um dispositivo de inserção de notas e outro para introdução de moedas, seguidos das portas dos respectivos cofres.

6. O funcionamento dessa máquina operava-se da seguinte forma:

Após a ligação à corrente eléctrica, introduzia-se uma pen USB que instalava no disco rígido e executava automaticamente uma aplicação que gerava uma ligação à internet, mais concretamente ao servidor do sítio dgtgames.com.

Dessa ligação, e com a introdução das credenciais adequadas, que eram validadas online, resultaria o download e execução de uma outra aplicação que, serviria para gerir a comunicação entre a máquina e um servidor de jogos.

Através dessa ligação devidamente autenticada pelo servidor, seria possível aceder a outras cinco aplicações que corresponderiam aos seguintes jogos: “POKER MANIA” (aplicação l.exe), “EL DUENDE DE LA SUERTE” (aplicação 2.exe), “HALLOWEEN” (aplicação 3.exe), “SHOW MAX” (aplicação 4.exe) e “POKER CLASSIC” (aplicação 5.exe).

7. Por sua vez, os jogos supra referenciados desenvolviam-se da seguinte forma: Jogo “SHOW MAX”

Este jogo possuía as características do jogo do Bingo. O seu objectivo seria obter determinados alinhamentos de números, os quais iam aparecendo de forma aleatória e dispostos num quadro, à medida que iam saindo.

Os alinhamentos que davam prémio encontravam-se expostos permanentemente na área superior direita do cenário de jogo com o respectivo valor de prémio em função da aposta efectuada. Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo, o jogador possuía uma imagem que acedia no menu de ajuda.

O jogador podia utilizar de 1 a 4 cartões para jogar e podia, nomeadamente, escolher de entre vários cartões disponíveis, que estavam dispostos na área inferior do ecrã.

Para começar o jogo era necessária a introdução de créditos. De seguida, era escolhida a quantidade de cartões (de 1 a 4) com que se pretendia jogar, após o que se efectuava a aposta. Através do accionamento do respectivo botão era iniciado o jogo, começando o sorteio aleatório de números (ou bolas).

Terminado o sorteio dos números, se existirem cartões com alinhamentos premiados, o valor dos respectivos prémios eram adicionados ao respectivo contador, podendo o jogador iniciar outra jogada. Caso contrário, o jogador nada ganhava.

Jogos “EL DUENDE DE LA SUERTE” e “HALLOWEEN”

Tratavam-se de jogos de vídeo-rolos (slot machine). O seu objectivo consistia em obter combinações de símbolos premiadas (encontrando-se estas descritas num menu específico - tabela de prémios).

Após a introdução de créditos em jogo, visualizavam-se cinco colunas e três linhas, perfazendo quinze símbolos com imagens alusivas ao respectivo tema.

Escolhido o número de linhas em que se queria apostar e o número de créditos que se pretendia apostar por cada linha, e através do accionamento do respectivo botão, era iniciado o jogo. Os rolos (símbolos) giravam e detinham-se rapidamente, um a um, sequencialmente da esquerda para a direita.

Quando os rolos estavam todos imobilizados, podiam ocorrer duas situações:

- Não se obtinha nenhuma combinação premiada sob qualquer uma das linhas de aposta e, neste caso, a jogada terminava;

Obtinha-se uma combinação premiada, sob pelo menos uma das linhas de aposta e, neste caso, o jogador ganhava os créditos correspondentes.

Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo escolhido, o jogador possuía uma imagem a que acedia no menu de ajuda.

Jogos “POKER MANIA” e “POKER CLASSIC”

Tratava-se de jogos de vídeo-póquer cujo objectivo era o de conseguir combinações premiadas tais como: Sequência Real, Sequência Numérica, Sequência de Cor, Fullen, Trios e Pares.

Para começar o jogo era necessária a introdução de créditos. De seguida, era escolhida a quantidade de créditos que se queria apostar por jogada.

Através do accionamento do botão de início ("DAR CARTAS" ou "DEAL") era iniciado o jogo. Surgia então, em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha no centro do ecrã cinco cartas de face voltada. Cada uma destas cartas pertencia a um baralho convencional, podendo portanto aparecer qualquer uma das 52 cartas ou o Jóquer que para efeito de combinações substituía qualquer carta. O jogador podia, nesta fase do jogo e se assim o pretendesse, fixar alguma das cartas de modo a tentar aumentar a probabilidade de obter uma sequência premiada. De seguida dava-se prosseguimento à jogada, parecendo novas cartas em detrimento daquelas que não foram fixadas.

Após, podia ocorrer uma de duas situações:

-Não se obtinha nenhuma combinação premiada e, neste caso, a jogada terminava;

- Obtinha-se uma combinação premiada, de acordo com a tabela de prémios e, neste caso, o jogador ganhava os créditos correspondentes, sendo-lhe dada a oportunidade de tentar duplicar os ganhos, ou seja, efectuar a dobra.

8. Para poder identificar as teclas respectivas a cada função durante o desenvolvimento do jogo escolhido, o jogador possuía uma imagem a que acedia no menu de ajuda.

9. Desenvolvia, assim, a máquina em referência, cinco temas opcionais de jogo em que o resultado dependia em tudo da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

10. O estabelecimento de restauração e de bebidas “ X... ” era, desde o mês de Junho de 2009, explorado pelo arguido B..., a quem cabia a gestão corrente e funcional do estabelecimento, inserindo-se na exclusiva esfera das suas decisões os assuntos relacionados com a exploração de máquinas de jogo e de diversão, o que incluía a decisão quanto ao tipo de máquinas que eram colocadas no estabelecimento, os contactos e a negociação com os proprietários das condições de exploração das máquinas, fazendo também e simultaneamente o atendimento dos clientes.

11. A máquina em causa nos autos era propriedade do arguido C....

12. Assim, em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a Novembro de 2009, os arguidos B... e C... acordaram a instalação da máquina naquele estabelecimento, assim como a repartição dos lucros que resultassem da prática dos jogos que a mesma desenvolvia, em proporção que se desconhece.

13. Para melhor ocultarem a exploração da referida máquina, os arguidos B... e C... não celebraram qualquer contrato, tendo o equipamento ficado instalado num local mais reservado do estabelecimento.

14. No lapso de tempo compreendido desde a sua colocação até à sua apreensão, em que a máquina esteve em funcionamento no “ X... ”, foi proporcionado aos seus clientes a prática dos temas de jogo pela mesma desenvolvido.

15. Era o arguido B... ou os seus funcionários que permitiam o acesso à máquina pelos clientes e entregavam os prémios correspondentes.

16. O estabelecimento " X... " não possuía licença de exploração de máquinas de jogos de diversão.

17. O arguido B... agiu em comunhão de esforços e vontades com o co-arguido C... , ciente da forma como os jogos acima enunciados se processavam, bem sabendo que lhes estava vedada a sua exploração sem a mencionada autorização e licença, e que tais tipos de jogos só podiam ser explorados em zonas de jogo legalmente autorizadas e por entidades concessionadas.

18. Também o arguido A... estava ciente do modo como o jogo “Duende De La Suerte” se desenvolvia e de que a sua prática apenas era permitida em casinos ou em locais similares.

19. O arguido B... já sofreu as seguintes condenações:

- Uma pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos na condição de pagamento da indemnização de 30.000$00 ao ofendido no prazo de 30 dias, pela prática em 15.07.93 de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal; a sentença foi proferida em 07.03.1996 no âmbito do processo nº 56/94 do Tribunal Judicial de Sátão;

- Uma pena de 6 meses de prisão pela prática em 30.11.95 de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 255.º, al. a), ambos do Código Penal; a sentença foi proferida em 29.11.1996 no âmbito do processo nº 74/96 do Tribunal Judicial de Sátão;

- Uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática em 19.01.1996 de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, nºs 1 e 2, al. h) e artigo 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal; a sentença foi proferida em 15.04.1997 no âmbito do processo nº 24/97 do Tribunal Judicial de Trancoso.

Foi efectuado cúmulo jurídico no âmbito destes três processos tendo sido fixada ao arguido uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

- Uma pena de 1 ano de prisão, pela prática em 25.06.1995 de um crime de furto qualificado e detenção de armas proibidas, p. e p. pelos artigos 296.º e 297.º, n.º 2, al. d) e 275.º, n.º 2, todos do Código Penal; a sentença foi proferida em 09.10.1997 no âmbito do processo nº 45/97 do Tribunal Judicial de Sátão.

Foi efectuado novo cúmulo jurídico com os processos nºs 24/97 de Trancoso, 56/94 de Sátão e 74/96 de Sátão, tendo sido fixada uma pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

- Uma pena única de 12 anos de prisão pela prática em 25.10.94 de um crime de introdução em lugar vedado ao público e incêndio, p. e p. pelos artigos 177.º, n.ºs 1 e 2, 253.º, 272.º e 259.º, todos do Código Penal em cúmulo jurídico com os processos n.ºs 45/97 de Sátão, 24/97 de Trancoso, 56/94 de Sátão, 74/96 de Sátão; a sentença foi proferida em 15.07.1998 no âmbito do processo nº 7/98 do Tribunal Judicial de Sátão.

Foi extinta a pena relativamente ao crime de introdução em local vedado ao público tendo sido fixada a pena de 11 anos de prisão.

Em 27 de Novembro de 2003 foi concedida liberdade condicional ao arguido e em 15 de Julho de 2007 foi-lhe concedida a liberdade definitiva.

20. O arguido A... não tem antecedentes criminais.

21. O arguido B... tem um processo pendente por crime de usurpação.

22. O arguido B... está desempregado e a mulher, que é engenheira civil, tem uma avença com uma empresa de Vila Nova de Paiva pela qual aufere o montante € 200,00, para além de fazer projectos na sua área. Têm um filho com 4 meses e vivem em casa arrendada pela qual pagam uma renda de € 210,00.

23. O arguido A... é solteiro, encontra-se desempregado e vive com a companheira em casa dos pais. A companheira explora o bar “ Y... ”.

B) MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

1. O funcionamento da máquina podia ser desligada através de um comando à distância.

C) FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

A convicção do Tribunal fundou-se nas declarações dos arguidos e nos depoimentos das testemunhas em conjugação com as regras da experiência comum e com a vasta prova documental junto aos autos.

Para dar como provados os factos referidos de 1 e 2, o tribunal teve em conta o auto de notícia de folhas 1 a 5, o auto de apreensão de folhas 17 e 19 e as fotografias de folhas 6 e 16.

Para a prova do facto referido 3, ou seja, que o arguido A... se encontrava a jogar no momento da fiscalização, o tribunal baseou-se no auto de notícia elaborado pelo militar da GNR D... , confirmado na íntegra no seu depoimento e, sobretudo, no depoimento do militar da GNR E... que também participou na operação efectuada ao estabelecimento “ X... ” e que declarou ter a certeza que quem

estava a jogar era o arguido A... até porque o conhecia.

A prova dos factos constantes de 4 a 9, relativos às características da máquina colocada na zona reservada do estabelecimento, resultou quer do relatório de “exame pericial a material de jogo” quer das regras da experiência comum. No relatório concluiu-se que a máquina permitia um acesso a jogos de fortuna ou azar assim que fosse introduzida uma pen.

Foi possível tirar essa conclusão da análise pormenorizada ao suporte informático, disco rígido da máquina. Na realidade, foi possível identificar diversos ficheiros localizados em pastas escondidas do sistema e que evidenciam o facto de a máquina desenvolver jogos de fortuna ou azar. Foi, igualmente detectada uma aplicação denominada online.exe que quando é executada faz despoletar uma ligação automática à internet, ao endereço de IP correspondente a um servidor do domínio dgtgames.com. Por outro lado, foram detectados cinco ficheiros executáveis que correspondiam a cinco jogos de fortuna ou azar dadas as informações extraídas das mesmas (som, imagens e algumas configurações de sistema). As aplicações estão configuradas para funcionarem apenas com uma ligação autenticada e validada ao servidor de jogos.

Ora, com a aplicação online.exe era efectuada uma ligação automática à internet e ao servidor de jogos sendo apenas necessário, para esse efeito, que o proprietário do estabelecimento introduzisse a pen no seu computador que permitia a execução da referida aplicação detectada, ou seja, a pen era o mecanismo que permitia fazer a ligação do computador colocado na área reservada com os jogos de fortuna e azar do servidor online. Isto mesmo resultou dos esclarecimentos prestados pelo perito C... .

Por sua vez, a prova dos factos referidos em 10 e 11 resultaram das declarações do arguido B... que confirmou ser o explorador do estabelecimento e o gerente de facto daquele espaço mas que a máquina era de do co-arguido C... e que já existia no estabelecimento quando o adquiriu. A ligação à internet, por sua vez, foi possível confirmar estar associada ao cliente da TMN C... , conforme resulta da informação de folhas 121 a 123.

A prova dos factos referidos em 12 e 13, ou seja, que os arguidos B... e C... acordaram a instalação da máquina no estabelecimento assim como a repartição dos lucros que resultassem da prática dos jogos que a mesma desenvolvia, resultou das declarações do arguido B... não obstante este apenas ter admitido que a internet era paga pelo proprietário da máquina. De facto, este arguido declarou que a máquina já estava no estabelecimento quando iniciou a exploração e que servia apenas para uso da internet pelos clientes e que era o co-arguido C... quem pagava a conta do referido serviço. Assim, de acordo com as suas declarações, não teria qualquer vantagem em ter a máquina no estabelecimento já que até os lucros de uso da internet eram para o dono da máquina, ou seja, o co-arguido C... .

Ora, esta versão dos acontecimentos não nos mereceu a mínima credibilidade. De facto, sendo certo que a máquina permitia a prática de jogos de fortuna e azar e que se encontrava num local reservado do estabelecimento, é óbvio que o explorador do espaço tinha um acordo com o dono da máquina. Se a máquina estivesse acessível ao público em geral, ainda poderia fazer algum sentido esta versão uma vez que permitiria um afluxo de clientes ao estabelecimento para uso da internet e o lucro do incremento do consumo daí resultante para o explorador. Agora, estando a máquina num local reservado, são as regras da experiência comum que nos dizem que o explorador do estabelecimento partilhava com o dono da máquina os lucros da sua utilização.

Quanto à forma como se procedia ao processamento do pagamento em caso de prémio, o tribunal baseou-se, mais uma vez, nos princípios da normalidade. Uma vez que apenas o arguido B... se encontrava habitualmente no estabelecimento ou os seus funcionários teria que ser o este a carregar os créditos e a proceder ao pagamento dos prémios obtidos pelos clientes.

O co-arguido B... ainda tentou convencer o tribunal que não sabia quais os sites que os clientes usavam quando acediam à internet e que podiam fazer utilizações on-line de jogos de fortuna e azar, mas não logrou os seus intentos. Na realidade, para se jogar através da internet são necessários créditos e o arguido A... encontrava-se a jogar no momento em que foi efectuada a fiscalização, pelo que os créditos tinham que lhe ser atribuídos no próprio bar já que o acesso à aplicação online exigia uma password.

Além disso, se fosse esse o caso não seria necessária a pen para executar a aplicação que faz despoletar a ligação automática à internet e ao IP do servidor.

Além disso, não nos parece plausível que o acesso à internet fosse pré-pago com um mínimo de € 5,00 (apenas o dispositivo de notas estava disponível). O normal são pagamentos variados de acordo com o tempo de utilização, entre € 0,50 e € 1,00. Quanto à classificação dos jogos como sendo de fortuna ou azar facilmente se concluiu pela análise do relatório de exame pericial, nomeadamente, da análise do conteúdo de cada uma das aplicações, tendo sido identificados os jogos “Poker Mania”, “El Duende de La Suerte”, “Halloween, “Show Max” e “Poker Classic” e que se encontram exemplificados no relatório, resultando dos mesmos que o objectivo é conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado pelo jogo, tudo dependendo exclusivamente da sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.

Da prova produzida se concluiu que o sistema montado neste estabelecimento era um plano arquitectado por ambos os arguidos com o objectivo de obter lucros derivados da instalação e disponibilização aos clientes da utilização de jogos de fortuna ou azar sem que as autoridades o conseguissem detectar facilmente. Assim, como vimos supra, havia um computador numa área reservada do estabelecimento identificado como de acesso à internet mas onde foi possível identificar aplicações, não obstante, estarem encriptadas, com referência a jogos de apostas resultantes de acesso via internet a um servidor a que só se tem acesso através de uma chave constante de uma pen.

Quanto ao conhecimento que o arguido A... tinha de que os jogos que estava a utilizar eram jogos de fortuna e azar, resulta, desde logo, de ter negado estar a utilizar a máquina.

De facto, para que ocultou a verdade dizendo que não estava a jogar? Apenas seria plausível a sua alegação se tivesse admitido que estava a utilizar os jogos mas que não sabia que eram jogos de fortuna e azar.

No que se refere às condições económicas e financeiras dos arguidos bem como à sua situação familiar e profissional tiveram-se em consideração as declarações dos mesmos na falta de outros elementos.

No que se refere aos antecedentes criminais dos arguidos o Tribunal baseou-se nos CRC’s juntos aos autos a fls. 281 e 282 a 287.

O facto não provado resultou de não se ter produzido em audiência de discussão e julgamento prova suficiente.


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III. Apreciação

1. O recorrente impugna a decisão da matéria de facto com base nos vícios do art. 410. n.º2, alíneas a) e c) do CPP e em erro de apreciação da prova.

Os tribunais da relação conhecem de facto e de direito – art. 428º do CPP.

A decisão da matéria de facto pode ser impugnada/sindicada com fundamento nos vícios do art. 410º, n.º2 do CPP ou com base na efectiva reapreciação dos meios de prova, nos termos previstos nos artigos 431ºdo CPP.

Os vícios do art. 410º têm como campo de aplicação privilegiado os casos em que o tribunal de recurso carece de competência para a reapreciação da matéria de facto (“nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito” diz o corpo do n.º2 do preceito). Designadamente os casos em que, na versão originária do CPP havia recurso “per saltum” da decisão do tribunal colectivo para o Supremo Tribunal, no regime da chamada “revista alargada”.

Com efeito, nos casos previstos no n.º2 do art. 410º, não existe reapreciação da prova produzida. Trata-se de vícios que emergem da própria estrutura da decisão recorrida ou do mero confronto da mesma com as regras da experiência comum, sem necessidade de análise ou reapreciação dos meios de prova produzidos. Constituindo “vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão” – cfr. Ac. STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224.Sendo, aliás, de conhecimento oficioso – cfr. Acórdão do STJ de para fixação de jurisprudência 19.10.1995, publicado no DR, I-A Série de 28.12.95.

Já no que toca ao recurso com base na reapreciação da prova, postula o art. 431º do CPP: Sem prejuízo do disposto no art. 410º, a decisão do tribunal e 1ªinstância sobre matéria de facto pode ser alterada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do art. 412º n.º3 do CPP.

No recurso com base na reapreciação dos meios de prova, ao contrário do que sucede com os vícios do art. 410º (aparentes, manifestos, de conhecimento oficioso) incide sobre o recorrente o ónus de identificar o erro apontado á decisão recorrida, como ainda o de o comprovar, especificando o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, “impor” a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.

Com efeito, sobre a motivação do recurso com base na reapreciação da prova, dispõe o art. 412º do CPP (redacção introduzida pela Lei 48/2007 de 29.08):

(…)

3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

O recurso não se confunde, como sucede na praxis diária, com um novo ou segundo julgamento da mesma coisa. Constituindo antes o instrumento para obter a correcção de erros de procedimento ou de julgamento – concretos, identificados e comprovados, com base numa argumentação minimamente persuasiva, na motivação do recurso – cometidos na decisão recorrida.

Com efeito, parafraseando Cunha Rodrigues (Jornadas de Direito Processual Penal, Centro de Estudos Judiciários, p. 387) “Como remédios jurídicos os recursos não podem ser utilizados com o único objectivo de melhor justiça. O recorrente tem que indicar expressamente os vícios da decisão recorrida. A motivação dos recursos consiste exactamente na indicação daqueles vícios que se traduzem em erros in operando ou in judicando. A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação de direito material. Esta natureza dos recursos justifica, por outro lado, que se lhes aplique o princípio dispositivo e que se reconheça às partes um importante papel conformador”.

O recurso com base no disposto no art. 431º do CPP poderá ter como fundamento:

 - a atribuição, pelo tribunal recorrido, aos meios de prova convocados como suporte da decisão, de conteúdo diverso daquele que efectivamente têm ou daquele que foi realmente produzido em audiência; ou

 - a violação de critérios legais de valoração e apreciação da prova incorporada nos autos ou produzida oralmente em audiência): - pela valoração de meios de prova ilegais ou nulos; - pela violação de critérios de apreciação da prova vinculada (vg. prova documental e pericial) - pela violação de princípios gerais de apreciação da prova, designadamente o princípio da livre apreciação previsto no art. 127º do CPP e o princípio in dubio pro reo.

A reprodução da gravação dos depoimentos, no tribunal de recurso, como instrumento de garantia/comprovação da genuinidade dos mesmos e da eventual divergência entre o conteúdo material do depoimento prestado em audiência e o pressuposto na decisão recorrida, apenas tem sentido no caso de, segundo a motivação do recurso, a decisão recorrida ter atribuído, aos depoimentos prestados oralmente em audiência, conteúdo/afirmações relevantes, materialmente diversas daquelas que foram efectivamente produzido em audiência. Afinal quando o fundamento do recurso é o de que a testemunha ou o depoente afirmou em audiência “coisa” materialmente diversa daquela que é reportada/valorada como suporte da decisão recorrida e que, como tal, inquinou a decisão, impondo, por isso, a sua correcção pelo tribunal de recurso. Pois que, como instrumento de reprodução, apenas permite corrigir erros de “audição” do tribunal recorrido.

Competindo ao recorrente, em tal situação, especificar as “passagens” que confirmam a apontada desconformidade entre aquilo que foi dito em audiência e aquilo que foi valorado pelo tribunal recorrido como suporte da decisão impugnada.

A gravação (como instrumento de garantia da genuinidade dos depoimentos) nada adiantará quando o fundamento do recurso radica na violação de critérios de valoração – não reproduzidos pela gravação. Pois que, pela sua natureza, a gravação apenas reproduz e comprova o teor dos depoimentos gravados. Nada adiantando para efeito de apreciação da obediência aos critérios (legais) de ponderação/avaliação/valoração da prova - que resultam da lei e dos princípios gerais de direito processual penal.

Em termos de valoração material da prova, apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo CPP, salvos os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada (vg. prova documental, prova pericial) vigora princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127º do Código de Processo Penal.

Liberdade de convicção não pode nem deve significar o impressionista-emocional arbítrio ou a decisão irracional “puramente assente num incondicional subjectivismo alheio à fundamentação e a comunicação” – cfr. Castanheira Neves, citado por Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 1, 43.

Pelo contrário, o princípio da livre apreciação da prova, conjugado com o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, exige uma apreciação motivada, crítica e racional, fundada nas regras da experiência mas também nas da lógica e da ciência. Devendo ser objectivada e motivada, únicas características que lhe permitem impor-se a terceiros.

A livre convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição.

Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Libano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra, 1997, pág. 13).

Sendo certo que a certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica – crf. Climent Durán, La Prueba Penal, ed. Tirant Blanch, p. 615.

O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto. Princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58. Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.

A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do Tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Só a dúvida séria se impõe à íntima convicção. Esta deve ser, pois, argumentada, coerente, razoável – neste sentido, Jean-Denis Bredin, Le Doute et L’intime Conviction, Revue Française de Théorie, de Philosophie e de Culture Juridique, Vol. 23, (19966), p. 25.

De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.

Assim, mais do que uma limitação da livre convicção pela dúvida razoável, o critério da livre apreciação e o critério da dúvida razoável é o mesmo, têm o mesmo cerne - que há-de orientar “o fio da navalha” da decisão judicial sobre a prova do facto: a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; e o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. Em ambos os casos, após a produção de toda a prova e da sua valoração em conformidade com os critérios de apreciação vinculada e, na falta deles, numa apreciação motivada, razoável, objectiva e racional.

No que toca especificamente à prova produzida oralmente em audiência – campo privilegiado de aplicação do critério do art. 127º do CPP - assume a maior relevância o princípio da oralidade e imediação, na plenitude da discussão cruzada, no exercício amplo do contraditório. Princípio que enfatiza a constatação de que o tribunal de recurso não procede a um novo julgamento mas apenas procede à sindicância de um julgamento previamente realizado em 1ª instância, na plenitude da audiência, nos termos supra identificados. Sabendo-se a voz apenas representa uma perspectiva parcelar do processo global da comunicação entre as pessoas.

Daí que “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.

Como pondera criteriosamente Germano Marques da Silva (in Revista Julgar, n.º1, Janeiro-Abril 2007 p.150) “Nem sequer parece importante o registo audiovisual da prova, porque no recurso não está em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção de julgamento em função das provas produzidas em audiência. Não se trata tanto da interpretação de provas produzidas, mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas em audiência”.

Assim, os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, apenas poderão afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias – jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 13.02.2008, recurso 76/05.4PATNV.C1 2º Juízo Torres Novas. Como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.... “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.

2. No caso dos autos, como fundamento do invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, alega o recorrente que “(…) falta no processo um elemento de prova essencial”.

O fundamento invocado não é, pois, de falta (insuficiência) de apuramento de matéria de facto (resultante da acusação, contestação, discussão da causa, ou que o tribunal devesse ter investigado oficiosamente) – que nem o recorrente alega qual pudesse ser. Mas antes insuficiência de prova para que o tribunal pudesse dar como provada a matéria de facto que deu como provada.

Também quando invoca o vício de erro notório na apreciação da prova a motivação do recurso não se refere a um vício lógico emergente do texto da decisão e/ou do seu mero confronto com dados elementares da experiência comum. Com efeito, a única referência ao aludido vício é efectuada na conclusão nº2 e sem qualquer esforço de substanciação nas conclusões que seguem. Como possível fundamento do aludido vício apenas é reportada a “insuficiência de prova” – conclusões 3 a 10 – e a discordância da apreciação da prova – conclusões 11 a 17.

De acordo com os fundamentos invocados, não se trata de erro de natureza lógica, emergente do texto da decisão em si e do mero confronto com regras, elementares, da vida/experiência comum, mas antes de discordância da valoração da prova efectuada pelo tribunal recorrido, com base em reapreciação da prova e na violação do princípio in dubeo pro reo (cfr. Conclusão 17)    

Assim, sem prejuízo da apreciação dos fundamentos probatórios, improcedem manifestamente os invocados vícios.

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2. Evidenciando o que acaba de ser exposto quanto aos vícios, nas conclusões 11 a 19 questiona o recorrente a apreciação da prova efectuada pelo tribunal recorrido para concluir que deve ser dada como não provada a matéria dada como provada pelo tribunal recorrido sob os pontos 12, 13, 14, 15 e 17 – matéria relativa ao acordo e conjugação de esforços com o dono da máquina, e ao proporcionar jogos aos clientes do estabelecimento, pelo recorrente.

Alega que “ não se vê qualquer rasto, nem sequer qualquer referência à existência ou apreensão de uma pen no estabelecimento do recorrente e muito menos que tenha sido encontrada introduzida na máquina apreendida (…) a pen USB teria que ser encontrada introduzida na respectiva entrada do computador ou, não tendo sido encontrara tal pen tal significa que o arguido A... não podia estar a usar a máquina para aquele fim”.

Ora, a decisão encontra-se devidamente fundamentada, relativamente aquela matéria.

Com efeito, ali se refere, além do mais:

«« que os arguidos B... e C... acordaram a instalação da máquina no estabelecimento assim como a repartição dos lucros que resultassem da prática dos jogos que a mesma desenvolvia, resultou das declarações do arguido B... (…) este arguido declarou que a máquina já estava no estabelecimento quando iniciou a exploração e que servia apenas para uso da internet pelos clientes e que era o co-arguido C... quem pagava a conta do referido serviço. (…) De facto, sendo certo que a máquina permitia a prática de jogos de fortuna e azar e que se encontrava num local reservado do estabelecimento, é óbvio que o explorador do espaço tinha um acordo com o dono da máquina. (…) Agora, estando a máquina num local reservado, são as regras da experiência comum que nos dizem que o explorador do estabelecimento partilhava com o dono da máquina os lucros da sua utilização.

Quanto à forma como se procedia ao processamento do pagamento em caso de prémio, o tribunal baseou-se, mais uma vez, nos princípios da normalidade. Uma vez que apenas o arguido B... se encontrava habitualmente no estabelecimento ou os seus funcionários teria que ser o este a carregar os créditos e a proceder ao pagamento dos prémios obtidos pelos clientes.

(…)

Na realidade, para se jogar através da internet são necessários créditos e o arguido A... encontrava-se a jogar no momento em que foi efectuada a fiscalização, pelo que os créditos tinham que lhe ser atribuídos no próprio bar já que o acesso à aplicação online exigia uma password.

Além disso, se fosse esse o caso não seria necessária a pen para executar a aplicação que faz despoletar a ligação automática à internet e ao IP do servidor.

(…)

Da prova produzida se concluiu que o sistema montado neste estabelecimento era um plano arquitectado por ambos os arguidos com o objectivo de obter lucros derivados da instalação e disponibilização aos clientes da utilização de jogos de fortuna ou azar sem que as autoridades o conseguissem detectar facilmente. Assim, como vimos supra, havia um computador numa área reservada do estabelecimento identificado como de acesso à internet mas onde foi possível identificar aplicações, não obstante, estarem encriptadas, com referência a jogos de apostas resultantes de acesso via internet a um servidor a que só se tem acesso através de uma chave constante de uma pen.(…)»»

Quanto ao conhecimento que o arguido A... tinha de que os jogos que estava a utilizar eram jogos de fortuna e azar, resulta, desde logo, de ter negado estar a utilizar a máquina.

De facto, para que ocultou a verdade dizendo que não estava a jogar? Apenas seria plausível a sua alegação se tivesse admitido que estava a utilizar os jogos mas que não sabia que eram jogos de fortuna e azar»».

Perante tal motivação probatória, para que a decisão seja revogada, impõe-se que o recorrente proceda ao rebatimento, de forma minimamente persuasiva (especificadamente), os seus fundamentos probatórios. Ou por ilegalidade dos meios de prova convocados, ou porque estes não têm o conteúdo atribuído pelo tribunal recorrido, ou porque a apreciação efectuada contraria os critérios legais de apreciação da prova.

Ora, a aludida fundamentação - em especial os excertos sublinhados - não é rebatida, pelo recorrente. Focando expressamente a circunstância de não ter sido apreendida a “pen” de acesso ao servidor. Circunstância que a própria motivação aprecia, explicitando que “não seria necessária a pen para executar a aplicação que faz despoletar a ligação automática à internet e ao IP do servidor (…) havia um computador numa área reservada do estabelecimento identificado como de acesso à internet mas onde foi possível identificar aplicações, não obstante, estarem encriptadas, com referência a jogos de apostas resultantes de acesso via internet a um servidor a que só se tem acesso através de uma chave constante de uma pen”.

Assim a questão da não apreensão da “pen” constitui um falsa questão. Quer porque a máquina estava efectivamente a proporcionar jogos a um cliente do estabelecimento (o co-arguido que estava a jogar nela) quer porque havia um computador numa área reservada do estabelecimento identificado como de acesso à internet mas onde foi possível identificar aplicações, não obstante, estarem encriptadas, com referência a jogos de apostas resultantes de acesso via internet a um servidor. Uma vez estabelecido o acesso através da chave constante de pen, esta deixa se ser necessária, uma vez que, depois de estabelecido o acesso a aplicação passa a estar on line.

E uma vez accionada a aplicação instalada, esta faz despoletar a ligação automática à internet e ao IP do servidor, sem necessidade da pen para executar os programas de jogos. Aliás qualquer aprendiz, depois de estabelecer o acesso guardaria a pen em recato a fim de não “dar bandeira” em caso de fiscalização por parte de agentes policiais menos habilitados em computação, “hardware” ou “software” imaterial.

No que toca à actuação do recorrente relativa à exploração da máquina em acordo e complementaridade de actuação com o proprietário, resulta da elementar experiência comum (invocada na motivação da decisão sem que a asserção seja questionada) que se a máquina estava a proporcionar jogos a um cliente do estabelecimento de que o recorrente tinha o domínio, não podia ignorar tal facto.

Aliás, quando assumiu o domínio do estabelecimento, se não quisesse lá a máquina ou não querendo explorá-la, bastava-lhe desligá-la, devolvê-la ao dono, ou, se este a não quisesse, entregá-la “nos perdidos e achados” da GNR. Sendo manifesto que somente com a anuência do recorrente era possível alguém jogar na máquina que aquele guardava, cuidadosamente, no reservado do seu estabelecimento, e que ele mantinha em funcionamento, proporcionando jogos aos clientes que ali queriam jogar, como jogavam.

O consenso e a complementaridade da actuação entre proprietário da máquina e a pessoa que detinha o domínio da sua exploração resulta evidente da circunstância de que qualquer deles tinha poder de controlo sobre a máquina e o seu funcionamento - o dono da máquina podendo retirá-la a qualquer momento do estabelecimento, o dono do estabelecimento podendo desfazer-se dela ou devolvendo-a ao dono a qualquer momento.

Assim, em conclusão, não só o recorrente não rebate, de forma minimamente consistentes, os fundamentos probatórios da sentença como pelo contrário a matéria de facto questionada repousa numa criteriosa apreciação da prova, conforme aos critérios legais em vigor.


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4. Em matéria e direito alega o recorrente que “não tendo resultado provado (…) não se encontram preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime” - cfr. conclusões 19 e 20.

É assim evidente que a pretensão jurídica do recorrente tem por fundamento que não resultou provada a matéria de facto impugnada - que o recorrente disponibilizasse ao público jogos na máquina apreendida no seu estabelecimento de comum acordo com o proprietário, na prossecução do mesmo desígnio comum e conjugando esforços/actividade entre si.

Ora tal pressuposto não se verifica, como resulta da apreciação do recurso da matéria de facto já efectuada.

Assim, da improcedência da premissa recorre a improcedência da conclusão que nela se suporta.

De qualquer forma, também em matéria de qualificação jurídica dos factos a sentença recorrida se encontra devidamente fundamentada. Referindo, além do mais, na parte que interessa à apreciação do recurso:

«« O arguido B... , por sua vez vem acusado da prática, em co-autoria material de 1 (um) crime de exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar, previsto e punido pelos artigos 1.º, 3.º, n.º 1 a contrario sensu, 4.º, n.º 1, al. g) e 108.º, n.º 1, todos do Decreto-lei n.º 422/89 de 2 de Dezembro.

Dispõe o artigo 108.º, n.º 1 do referido D.L. que “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”.

(…)

O que são jogos de fortuna ou azar diz-nos logo o artigo 1.º do supra mencionado diploma legal, definindo-os como “aqueles cujo resultado é contigente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.

Entre os tipos de jogos de fortuna ou azar compreendem-se “os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultados pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” - art.º 4.º, n.º 1, al. g), do D.L. n.º 422/89, de 2 de Dezembro.

No caso dos autos, a máquina colocada na zona reservada, estava apta a desenvolver jogos do tipo slot, jogo esse, cujo resultado depende exclusivamente da sorte e, por isso, é considerado de fortuna ou azar. Nestes jogos mediante o arriscar de créditos e a simples pressão do botão correspondente o objectivo é conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado pelo jogo, tudo dependendo exclusivamente da sorte independentemente da perícia e destreza do jogador.

Os créditos obtidos são deduzidos ou acumulados automaticamente pela máquina, sendo os mesmos pagos no final pelo explorador.

O aparecimento dos números e respectivas combinações, na medida em que decorre única e exclusivamente do mero accionamento dos botões próprios da máquina, sem que ao jogador seja deixado espaço, mesmo residual, para a sua perícia ou habilidade, assenta apenas na sorte.

Estamos, portanto, perante uma máquina que desenvolve um tipo de jogo de fortuna ou azar.»»»

Assim não sendo questionada tal fundamentação, sufragando-se a mesma, nada importa acrescentar.

Pelo que também por aqui se impõe a improcedência do recurso

5. Subsidiariamente (conclusão nº21) sustenta o recorrente que não deve ser condenado por co-autoria mas apenas por cumplicidade.

Também esta perspectiva acaba por ter implícita a prévia alteração da matéria de facto – julgada improcedente.

De qualquer forma

As formas de imputação do crime ao agente previstas no Capítulo II do C. Penal são a tentativa (art. 22º), a autoria (art. 26º) e a cumplicidade (art.27ª).

Postula o art. 26º do C. Penal que "é punível como autor quem executar o facto, por si ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução por acordo ou conjuntamente com outro ou outros e ainda quem, dolosamente determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução".

E o art. 27ª: 1. É punível como cúmplice quem, dolosamente ou por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.

Num determinado conceito, que tem hoje a seu lado a generalidade dos autores alemães, autor será quem detenha o domínio do facto, isto é, quem conscientemente detenha a possibilidade de dominar, finalisticamente, a realização do tipo legal de crime, ou seja, a possibilidade de a deixar continuar, de a deter ou interromper - Cfr. EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, II vol., ed. de 1968, 248.

No entanto o conceito de autoria dominante entre nós é o conceito extensivo de autoria, cujo fulcro gira à volta da teoria da causalidade adequada. Com efeito, como refere o mesmo EDUARDO CORREIA, ob. cit. 253, "é a causalidade adequada que deve continuar a considerar-se o verdadeiro fulcro à volta do qual gira a teoria da participação - em sentido positivo, de fundamentar a punição de todos aqueles que, com o seu comportamento dão causa à realização de um crime; e em sentido negativo, no sentido de que, sempre que tal nexo se não verifique, não poderá falar-se de participação criminosa".   

Assim, são autores, todos aqueles que, com o seu comportamento, dão causa á realização de um crime, praticando actos idóneos a causar o resultado. O que distingue a autoria da cumplicidade será o critério da "causa dans" ou "causa non dans" ao crime. Cumplicidade será a actuação sem a qual o crime seria igualmente cometido, embora por outro modo, em tempo, lugar e circunstâncias diferentes - cfr. EDUARDO CORREIA, ob. cit., 249 e 251.

Já para Figueiredo Dias, “A redacção encontrada para os actuais artigos 26º e 27º do CP representou, de alguma forma, o produto de uma transacção entre a concepção causalista de Eduardo Correia e a teoria do domínio do facto. O acordo obtido nesta matéria terá derivado mais, no entanto, da convicção de que o texto aprovado permitia soluções dos problemas concretos da comparticipação razoáveis e justas do que de qualquer unanimidade na compreensão dos fundamentos doutrinais sobre quais a intervenção e aplicação deveria assentar no futuro” – cfr. Direito Penal Parte Geral, Coimbra Editora 2007,Tomo I, p. 773.

«“Senhor” do facto é aquele que domina a execução típica, de tal modo que a ele cabe o papel director da iniciativa, interrupção, continuação e consumação da realização, dependendo estas, de forma decisiva, da sua vontade. A uma concretização desta ideia rectora serve, de resto, o nosso próprio sistema legal, pelo menos na medida em que o art. 26º do CP individualiza e distingue a autoria imediata, a autoria mediata e a co-autoria. Correspondendo a este terceto de forma de autoria depara-se, na verdade, com três tipos diversos de domínio do facto. O agente pode dominar o facto desde logo na medida em que é ele próprio quem procede à realização típica, quem leva a cabo o comportamento com o seu próprio corpo (chamando por Roxin domínio da acção que caracteriza a autoria imediata). Mas pode também dominar o facto e a realização típica mesmo sem nela fisicamente participar quando domina o executante através de coacção, de erro ou de um aparelho organizado de poder (quando possui o domínio da vontade do executante que caracteriza a autoria mediata). Como pode ainda dominar o facto através de uma divisão de tarefas com outros agentes, desde que, durante a execução, possua uma função relevante para a realização típica (possuindo o que Roxin chamou domínio funcional do facto que constitui o signo distintivo da co-autoria)» – cfr. Figueiredo Dias, Direito, Penal Parte Geral, 2007,Tomo I, p. 767-768.

Assim, o autor é aquele que decide a sua prática, que o executa, que detém o poder de controlo sobre o processo causal que o determina.

Já o cúmplice não toma parte no domínio material ou funcional dos actos constitutivos do crime. Facilita a execução do crime mas o seu auxílio não é essencial para a realização deste – que sem o seu auxílio sempre levaria a cabo a sua realização, com outros meios, noutras circunstâncias. O cúmplice não executa, não determina, apenas auxilia, facilita a execução do facto sem tomar parte na sua decisão ou execução, enfim no domínio funcional da sua execução.

Por ultimo a cumplicidade está subordinada ao princípio da acessoriedade – a cumplicidade pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outrem.

Ora, no caso, era o arguido quem detinha o controlo e domínio da máquina - parqueada e em laboração no seu estabelecimento - enfim do acesso aos jogos que ali eram jogados pelos clientes do estabelecimento de que tinha o domínio exclusivo.

Por outro lado nem tinha uma actuação subalterna, mas autónoma e paralela com o dono da máquina repartindo custos, tarefas, encargos, proveitos, de comum acordo e na prossecução do mesmo objectivo comum. Qualquer um deles podia por termo à situação – o dono da máquina, retirando-a do estabelecimento, o dono do estabelecimento (o arguido) desligando-a ou retirando-a de serviço, enfim, devolvendo-a ao dono.

Apenas com o consenso e a complementaridade da actuação de ambos, do domínio da máquina e do seu funcionamento por qualquer um deles, era possível a execução do crime, que qualquer deles podia fazê-lo cessar, a qualquer momento - o dono da máquina, retirando-a do estabelecimento, o dono do estabelecimento desfazendo-se dela ou devolvendo-a ao dono.

É assim evidente a co-autoria entre o dono da máquina e o dono do estabelecimento onde a máquina funcionava debaixo da sua vigilância e controlo.


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III.

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida. ---

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça (recurso com reapreciação da prova) em 5 (cinco) UC.   

Belmiro Andrade (Relator)

Abílio Ramalho