Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1750/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
FIANÇA
NULIDADE
Data do Acordão: 06/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 655º, 688º, Nº 1, AL. B), E 712º, Nº 1, AL. A), DO CPC . 627º, 628º, Nº 2, E 280º, Nº 1, DO C. CIV.
Sumário: I – Só quando os elementos dos autos levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância é que se deve alterar as respostas à base instrutória, pois só nestas circunstâncias estamos perante um erro de julgamento .
II – O mesmo não sucederá quando existam elementos de prova contraditórios, pois neste caso deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido, já que se entra então no âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, o que não cabe ao Tribunal da Relação controlar – artº 655º do CPC .

III – Como a prova testemunhal é notoriamente mais falível do que qualquer outra prova, há que ser extremamente cauteloso e prudente na avaliação da credibilidade dos depoimentos testemunhais e, nessa avaliação, tem que reconhecer-se que o tribunal de 1ª instância está em melhores condições de a emitir .

IV – Só quando a falta de fundamentação (da sentença) seja absoluta é que ocorre a sua respectiva nulidade. Tal não se verifica quando a fundamentação seja deficiente ou insuficiente .

V - Uma fiança será nula quando incidir sobre objecto (futuro) não determinável, nos termos dos artºs 628º, nº 2, e 280º, nº 1, do C. Civ., devendo entender-se como objecto indeterminado mas determinável, quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, podendo-se, porém, posteriormente proceder à respectiva determinação, existindo critério para tal .

VI – Pelo contrário, a prestação ou o objecto será indeterminado e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à sua determinação, caso em que a obrigação será nula .

VII – Uma fiança geral que vise garantir obrigações vindouras impõe-se que indique um critério claro para a determinação dessas obrigações, sob pena de nulidade, isto é, as obrigações, no momento da prestação da fiança, devem resultar claras, ou seja, devem poder ser determinadas ou concretizadas no seu conteúdo .

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- (…)
1-2- A... e B..., ambos com domicílio profissional no Lugar da Chave, Gafanha da Nazaré, propõem contra a C..., com sede na Av. João XXI, 63, Lisboa, a presente acção com processo ordinário, pedindo que seja declarada a nulidade da fiança constante do “Termo de Fiança” assinado por eles, AA., em 12.8.88 e que seja declarado que não devem à R. as importâncias para cuja cobrança coerciva a R., em 26.4.93, requereu, na Repartição de Finanças de Ílhavo, que fosse instaurada execução contra eles, AA..
Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que a presente acção surge na sequência do acórdão proferido pelo STA, onde se remeteu os recorrentes para os tribunais judiciais, ficando suspensos os autos de oposição à execução pendentes no Tribunal Tributário de Aveiro. Tais oposições foram instauradas porque os AA. foram executados, no âmbito de uma execução instaurada na Repartição de Finanças de Ílhavo, a solicitação da CGD. A C.G.D., ora R., alegou naqueles autos executivos, deter sobre os AA. um direito de crédito no montante de Esc.: 216.944.251$00 acrescido de juros vencidos até 05.03.93 no valor de Esc.: 140.086.426$00 e de juros vincendos calculados a partir daquela data à taxa actualizada de 23%. Nesse requerimento executivo, a CGD alega que concedeu a D..., um crédito à exportação mediante desconto de remessas documentarias de exportação e um financiamento em divisas de apoio à importação. Os ora AA. foram aí executados em virtude de se terem constituídos fiadores. Sucede que o documento por si assinado e designado como “termo de fiança” é nulo, por indeterminabilidade do objecto. É que todas as dívidas daquela sociedade, anteriores à data em que o documento foi subscrito, estão extintas pelo pagamento, razão por que também se encontra extinta qualquer eventual fiança com que os AA. tivesse garantido essas obrigações. O documento em causa só se pode reportar a obrigações posteriores a 12.8.1988, mas como se trata de uma fiança genérica ou de conteúdo indeterminado, terá de ser considerada como nula. No caso verifica-se, não só uma indeterminabilidade quanto à natureza e à origem das responsabilidades e obrigações assumidas, mas também que elas são temporal e quantitativamente ilimitadas, à data em que foi constituída a fiança. Ainda que não se considere nulo o termo de fiança prestado, sempre a referida fiança teria que ser declarada nula por consubstanciar uma limitação ilícita aos direitos de personalidade e, enquanto tal, ser contrária aos princípios da ordem pública. A referida limitação, resulta do facto de os AA. não poderem controlar o grau de endividamento da sociedade “afiançada”. As responsabilidades ilimitadas que para os autores derivariam da fiança em questão consubstanciariam uma limitação aos seus direitos de personalidade, limitação essa que seria contrária aos princípios da ordem pública constitucionalmente consignados e universalmente consagrados, assim como atentatórios da moral e dos bons costumes. Por último, caso sejam julgados improcedentes os argumentos anteriormente deduzidos, sustentam os AA. que não devem à R. as quantias que por esta foram alegadas nos autos de execução cuja instauração requereu. Isto porque em 9.11.1989, “D....” apresentou à ora R. uma proposta para regularização da dívida, que também abrangia o passivo de “E...”, a R. apresentou uma contra-proposta, em 23/11/89, que foi aceite. Em cumprimento do acordado, “D...” pagou à R. o total de Esc.: 309.000.000$00. Contudo, deixou de efectuar o pagamento das prestações acordadas, porque constatou que a R., ao contrário do acordado, estava a imputar os montantes entregues nos juros e não no capital. E, apesar de várias insistências para que a R. desse uma explicação, esta nunca a deu, não agindo segundo os ditames estabelecidos no art.º 227º do Código Civil
1-3- A R. contestou, referindo, também em síntese, alegando que os AA. são sócios fundadores da sociedade “D...”, tendo sido sempre com os AA., na qualidade de sócios gerentes daquela sociedade, que foram contratadas as operações de crédito à exportação mediante desconto de remessas documentárias de exportação. Também foi nessa qualidade que foram subscritos os “termos de fiança”. Foi, também, na gerência dos AA. e com conhecimento dos mesmos, que foram libertadas as verbas em cumprimento dos contratos de financiamento celebrados, bem como discutidos os valores da dívida. Conclui que é ilegítimo o direito que o autor pretende fazer valer quanto à natureza, origem e valor do crédito. Por outro lado, considera a R. que o “termo de fiança” foi subscrito com o objectivo de garantir, em concreto, as operações de crédito identificadas nos autos, das quais os AA. tinham um especial conhecimento. Logo, a posição aqui sustentada pelos AA. revela, pelo menos, uma situação de abuso de direito, que deverá conduzir, quando muito, a uma nulidade parcial da fiança prestada. Nenhum dos contraentes deixaria de celebrar os contratos caso os mesmos não estivessem garantidos por fiança para obrigações futuras. Finalmente, a R. afirma que se encontra em dívida, em 22.4.2002, a quantia de 3.513.115,22 euros, negando que tivesse existido um acordo quanto ao perdão de juros ou que as verbas entregues pela “D...” seriam imputadas prioritariamente em capital.
Termina pedindo a improcedência das acções.
1-4- Os AA. apresentaram articulado de réplica, respondendo às excepções invocadas pela R..
1-5- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador ( onde se ordenou a apensação de acções já mencionada ), após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu ao questionário e se proferiu a sentença.
1-6- Nesta considerou-se improcedentes por provada as acções e, em consequência, absolveu-se a R. dos pedidos.
1-7- Não se conformando com esta sentença, dela vieram recorrer os AA., recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.
1-8- Os recorrentes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
(…)
Termos em que deve ser a sentença recorrida declarada nula, por omissão de pronúncia. Em todo caso deverá ser revoga e substituída por outra que julgue procedentes as acções intentads pelos recorrentes contra a recorrida.
1-9- A parte contrária respondeu a estas alegações sustentando o não provimento do recurso e a confirmação da decisão recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Após as respostas à matéria de facto da base instrutória, ficaram assentes os seguintes factos:
(…)
2-2- Uma vez que o âmbito objectivos dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas ( arts. 690º nº1 e 684º nº 3 do C.P.Civil ).
Compulsando tais conclusões, verifica-se que foram as seguintes questões que os apelantes colocaram a este Tribunal, para apreciação:
- Alteração da matéria de facto.
-Nulidade da sentença por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
- Nulidade das fianças por indeterminabilidade do seu objecto.
- Nulidade das fianças por consubstanciarem uma limitação ilícita aos direitos de personalidade dos AA. e serem contrárias aos princípios de ordem pública.
- Ausência de prova da dívida dos AA. à R..--------------
2-3- No que toca à alteração da matéria de facto, os apelantes sustentam que, ao contrário do que foi decidido e quanto ao processo principal, deveriam ter sido julgado provados os pontos nºs 1, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da base instrutória e que deveriam ter sido julgados não provados os pontos 14 e 27 da mesma base instrutória. Já no que concerne aos autos apensos, os recorrentes consideram que, ao contrário do que foi decidido, deveriam ter sido julgado provados os pontos nºs 4 e 5 da base instrutória e que deveria ter sido julgado não provado o ponto 6 da mesma base instrutória.
No pontos 1, 5, 6, 7, 8, 9 e 10 da base instrutória do processo principal, indagava-se se “a R. nunca comunicou ao A. os factos que lhe permitiam concluir pela existência dos créditos alegados no processo de execução identificado em B)”( ponto 1), se “quando faltavam quatro prestações para o integral pagamento da dívida da “D...”, esta empresa verificou, pela análise das contas apresentadas pela R. que, contra aquilo que havia sido acordado, as diversas prestações estavam a ser imputadas nos juros, o que levou a“D...” a pedir explicações à C.G.D.” ( ponto 5 ) se “nos termos do acordado a C.G.D. e a empresa “D...” convencionaram que os sucessivos pagamentos seriam primeiro imputados no capital e depois solvido este, nos juros” ( ponto 6 ), se “porém, não obstante a insistência da “D...” ( cfr. doc. nº 2 a fls. 61 ), a CGD não deu a esta empresa qualquer explicação pelo facto de não ter cumprido o que havia sido acordado e referido no facto 6º” ( ponto 7 ), se “em 29/04/92 ainda não tinha sido dado qualquer resposta à “D...”, à carta identificada na al. S)” ( ponto 8 ), se “por esse facto, em 29/04/92, entregou pessoalmente uma cópia da referida carta na agência de Aveiro da CGD ( cfr. doc 2, fls 61)” ( ponto 9 ) se “todavia a CGD não deu qualquer resposta à “D...” ( ponto 10 ). Por sua vez nos pontos 14 e 27 da mesma base instrutória perguntava-se se “se foi com o autor ( A... ), na qualidade de sócio gerente da sociedade “D...” que foram contratadas as operações de crédito, à exportação mediante desconto de remessa documentárias de exportação” (ponto 14 ) e se “a ré reuniu com o autor por diversas vezes a fim de resolver o incumprimento, já nos anos de 1991 e 1992, tendo sido sempre comunicado qual o valor do capital e juros em dívida, donde a sociedade e autor terem sempre presente tal facto e a posição da R.” ( ponto 27 ).
Segundo os apelantes àqueles pontos deveria o tribunal recorrido ter dado a resposta “provado” e a estes deveria o mesmo tribunal dar a resposta “não provado”.
Nos termos dos arts. 712º nº 1 al. a), 690º A e 522º C do C.P.Civil, a impugnação sobre a matéria de facto foi, formalmente, correcta. Mas será que a alteração pretendida, em concreto, se justifica ?
É esta a questão, em síntese, que nos é colocada.
Como ponto prévio, deveremos desde logo salientar que, como temos vindo a entender, só quando os elementos dos autos levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância, é que entendemos dever alterar as respostas. É que só nestas circunstâncias estamos perante um erro de julgamento. O mesmo não sucederá quando existam elementos de prova contraditórios, pois neste caso deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido, já que se entra então no âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não cabe a este tribunal controlar ( art. 655º do mesmo Código ). Isto porque estando o juiz de 1ª instância perante a pessoa que depõe, melhor que ninguém se apercebe da forma como realiza o seu depoimento, da convicção com que o presta, da espontaneidade que revela, das imprecisões que deixa escapar, de tudo enfim, o que serve para fundar a impressão que o depoimento deixa no espírito do julgador e contribui, em menor ou maior grau, para formar a sua convicção. Quer isto dizer que convém continuar a respeitar os princípios de oralidade, imediação e livre apreciação da prova, pelo que, em regra, o uso deste tribunal de controle e sindicabilidade sobre a convicção adquirida pelo juiz de 1ª instância se deve restringir aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão. Como a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, há que ser extremamente cauteloso e prudente na avaliação da credibilidade dos depoimentos testemunhais e, nesta avaliação, tem que reconhecer-se que o tribunal de 1ª instância está em melhores condições de a emitir, como já vimos. Na mesma linha deste entendimento, referiu-se no Acórdão de 13-1-01 (in Col. Jur. 2001, tomo 5, 85 ) que “apesar da maior amplitude conferida pela reforma do processo a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal reapreciar apenas os aspectos sob controvérsia. Por outro lado, mau grado a gravação magnética dos depoimentos oralmente prestados perante o tribunal a quo, as circunstância que a este tribunal se colocam não são inteiramente coincidentes. Isto para concluir, afinal, que mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por outros meios de prova de igual ou superior valor ou credibilidade” (neste mesmo sentido ainda, Acs. desta Relação subscritos pelo mesmo relator e 1º adjunto, nas apelações 350/99, 2101/02, 3182/02, 3371/02 , 316/03, 1065/03 e 1756/03 e ainda Ac. de 5-10-00, Col. 2000, tomo IV, 27 ).
(…)
2-4- Sustentam depois os recorrentes que a sentença é nula por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
Os apelantes, nas respectivas p.i., alegaram que a recorrida se arrogava deter sobre eles um direito de crédito no montante de 216.944.251$00 e que com fundamento nesse direito a recorrida requerera, em 26-4-93 ao Chefe de Repartição de Finanças de Ílhavo que fosse instaurada execução contra eles. Os recorrentes concluíram as respectivas petições pedindo, designadamente, que fosse declarado que eles não deviam à recorrida as importâncias para cuja cobrança coerciva esta recorrida, em 26-4-93, requerera, na Repartição de Finanças de Ílhavo, que fosse instaurada execução contra eles. Nas importâncias para cuja cobrança coerciva a recorrida requereu que fosse instaurada execução contra os recorrentes, contam-se, pois, não apenas as importâncias referidas no ponto 40 dos factos provados referidos na sentença, mas também importâncias respeitantes a juros. Os recorrentes alegaram não serem devedores desses juros e que a taxa a que os mesmos tinham sido reclamados pela recorrida ( 23% ao ano) era manifestamente ilegal. Todavia o tribunal recorrido não se pronunciou sobre essas questões. Tais questões deveriam ter sido conhecidas, até porque o seu conhecimento não se encontrava prejudicado pela resposta a outras questões. Tendo deixado de pronunciar-se sobre essas questões, a sentença violou o art. 668º nº 1 al. d) do C.P.C..
É verdade que a sentença será nula, por omissão de pronúncia, quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ( art. 668º nº 1 al. d) do C.P.C. ). Todavia, contra o que sustentam os recorrentes, a consequência da eventual nulidade não será a revogação do aresto, mas sim a obrigatoriedade deste tribunal, pese embora declare nula a sentença, de conhecer do objecto da apelação ( art. 715º nº 1 do mesmo diploma ).
Esta nulidade está directamente relacionada com o disposto no art. 660º nº 2 segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Segundo os apelantes, o Mº Juiz na sentença não se pronunciou da questão relativa aos juros, sendo que alegaram que não eram devedores desses juros e que a taxa a que esses juros haviam sido reclamados ( 23% ao ano) era manifestamente ilegal.
Compulsando a p.i. verifica-se que os AA. não formulam qualquer pedido em relação a juros. Como se viu acima, os AA. pediram, para o aqui interessa, que seja declarado que não devem à R. as importâncias para cuja cobrança coerciva a R., em 26.4.93, requereu, na Repartição de Finanças de Ílhavo, que fosse instaurada execução contra eles.
Nas suas petições iniciais, os AA. apenas falam em juros no art. 1º dessas peças. Fazem-no dizendo que a R. se arroga o crédito no montante que indicam “acrescido de juros vencidos até 5/03/93 no valor de ... e de juros vincendos calculados, a partir daquela data à taxa actualizada de 23%”. Quer dizer, os AA. referem os juros a propósito do crédito que invoca a R., CGD, crédito onde se englobarão juros. Terminam pedindo que se declare que não devem a quantia que a R. refere. Ou seja, em nenhuma parte pedem que o tribunal se pronuncie quanto a juros, ou quanto a taxas relativas a eles.
Em consonância com o pedido e com a forma como os AA. arquitectaram as suas petições, o tribunal equacionou a questão a derimir, como sendo “qual o montante que se encontra em dívida à ré”, tendo decidido que “vistos os factos provados sob o ponto 40. constata-se que se encontra em dívida o montante que a ré está a executar, falecendo por tal motivo razão aos autores também nesta parte”. Em consequência, considerou a acção improcedente.
De sublinhar que a questão ( essencial ) quanto a juros foi levantada pelos AA. noutro contexto, isto é, sobre se os pagamento da “D...” se deveriam primeiramente imputar ao capital, se aos juros. Isto porque discutia ( e se impugnava ) o montante da dívida. Entendeu-se na sentença, dado o ponto 16 dos factos provados, não ser inequívoca a pretensão dos AA. de que os pagamentos não fossem imputados nos juros. Considerando-se provada a factualidade do ponto 40 ( isto é, que se encontra em dívida o montante que a R. está a executar ), julgou-se, em consonância, improcedente a acção.
Como em parte alguma os AA. pedem que o tribunal se pronuncie directamente sobre juros, não ocorre a omissão de pronúncia que os recorrentes invocam.
Dizem também os apelantes que a sentença também é nula por falta de fundamentação.
Nos termos do art. 668º nº 1 al. b) a sentença será nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Como tem sido entendido pela jurisprudência, só quando a falta de fundamentação seja absoluta, é que ocorre esta nulidade da sentença. Essa nulidade não ocorre quando a fundamentação seja deficiente ou insuficiente ( entre muitos Ac. do STJ de 26-2-2004 in IJIJ/net - proc. 03B3798 ).
Ora compulsando o douto aresto, verifica-se que não ocorre esta irregularidade, visto que, na realidade, não só os factos provados se exaram nele, como também se integraram os mesmos no direito, retirando a consequência lógica dos fundamentos utilizados, a improcedência da acção. Qualquer erro de julgamento, a existir, é questão diversa da irregularidade da sentença de que vimos falando.
De resto, se observarmos as alegações dos recorrentes, aí também não se refere a razão por que o aresto padecerá da irregularidade que indicam nas suas conclusões de recurso. A sua argumentação, sobre a nulidade da sentença, diz apenas respeito à omissão de pronúncia a que já acima nos referimos.
A posição dos recorrentes é, pois, insubsistente.
2-5- Sustentam também os apelantes a nulidade das fianças por indeterminabilidade do seu objecto. Para além da natureza e a origem das responsabilidades e obrigações garantidas por essas fianças não serem determináveis, as mesmas são temporal e quantitativamente ilimitadas. Os recorrentes, à data da fiança ou em qualquer outra data, não podiam sequer imaginar por quanto tempo e por que quantias poderiam vir a responder. Para que tais fianças fossem válidas era necessário que na mesma foram constituídas, as obrigações por elas garantidas fossem determináveis por parâmetros objectivos, o que não aconteceu. Assim, ainda que posteriormente os recorrentes pudessem ter ficado a saber qual era a sua responsabilidade, nem por isso a fiança em causa deixaria de ser nula por indeterminabilidade do seu objecto. É que, para que não se verificasse a indeterminabilidade, era necessário que, no momento da prestação da fiança, fosse determinado o título de que a obrigação futura poderia derivar ou resultar ou, pelo menos, como ele haveria de ser determinado. Sucede que em cada “termo de fiança” os recorrentes declaram-se garantes de todas as responsabilidades que a firma “D...” viesse a assumir, sem que tivessem sido estabelecidos quaisquer limites de responsabilidade ou temporais. Se os recorrentes pudessem suspeitar do montante de responsabilidade que, pelo menos na prespectiva da recorrida, as garantias poderiam acarretar, nunca as teriam subscrito. Assim, sendo o objecto das fianças insusceptível de esclarecimento na data em que as mesmas foram constituídas, é nulo o negócio em que as garantias se consubstanciam.
Na douta sentença recorrida sobre o assunto referiu-se, em síntese, que o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2001, de 23.1.2001 ( publicado no DR, 1ª série, nº 57, de 8 de Março) clarificou a situação sobre nulidade das obrigações futuras.
Considerando os factos provados, entendeu-se não existirem dúvidas de que os AA. sempre tiveram total controle das operações de crédito celebradas entre a sociedade “D...” e a C.G.D. e que sabiam desde o momento da constituição da fiança qual o objecto da garantia. Assim tais fianças não serão nulas, na medida em que o seu objecto era determinável.
Vejamos:
São do seguinte teor as fianças em causa:
Por este instrumento se responsabiliza solidariamente ( os AA. ), como fiador e principal pagador de todas e quaisquer responsabilidades ou obrigações assumidas ou a assumir por D...., para com a C..., provenientes de todas e quaisquer obrigações em Direito permitidas, quer derivem de letras, livranças, prestação de fianças, comissões, empréstimos, créditos abertos de qualquer natureza, quer derivem de quaisquer outras operações ou títulos; b) que ele fiador dá desde já o seu acordo às prorrogações de prazo, moratórias, alterações de taxas de juro ou outras alterações que vierem a ser convencionadas entre a Caixa e a beneficiária, nas operações abrangidas por esta garantia; c) para efeitos exclusivamente fiscais atribui-se ao presente termo de fiança o valor de Esc. 10.000$00”.
Resulta, portanto, dos termos de fiança que os AA. ficaram obrigados perante a R., CGD, pela integral liquidação de todas e quaisquer responsabilidades provenientes de todas e quaisquer operações, em direito permitidas, assumidas ou a assumir por D..., relativas a letras, livranças, prestação de fianças, comissões, empréstimos, créditos abertos de qualquer natureza, quer derivem de quaisquer outras operações ou títulos. Mais ficou estabelecido que os fiadores davam o seu acordo às prorrogações de prazo, moratórias, alterações de taxas de juro ou outras alterações, nas operações abrangidas pela garantia, desde que convencionadas entre a Caixa e a beneficiária ( sublinhado nosso ).
Provou-se também que os AA. foram sócios fundadores da sociedade “D...”, com a participação de 100.000 contos, cada um, e mantiveram essa qualidade, com reforço da participação social por via de aumento de capital, nos termos da deliberação da medida recuperatória aprovada à mesma sociedade. Foi com os AA., na qualidade de sócios gerentes da sociedade “D...”, essencialmente com o A..., que foram contratadas as operações de crédito à exportação, mediante desconto de remessas documentárias de exportação. Foi pela qualidade de sócios gerentes, que os AA. subscreveram o documento de fiança. Foi sempre na gerência dos AA., com conhecimento dos mesmos, que foram libertadas as verbas em cumprimento dos contratos de financiamento celebrados e que se discutiram os valores da dívida. Foi sempre na gerência dos AA., com conhecimento dos mesmos, que foi aprovada a medida de recuperação já referida no ponto 22., na qual foi reconhecido e aprovado o crédito reclamado pela R.. A subscrição, pelos AA. dos termos de fiança, teve a ver com o património que possuíam à data, pelos quais foram libertadas as quantias subjacentes reclamadas nos autos de execução identificados no ponto 2.. Nunca as partes se quiseram desvincular das obrigações assumidas por via da fiança prestada nos termos referidos. Foi para garantir as responsabilidades emergentes dos financiamentos feitos à D..., que ambos os sócios e gerentes, o A. e A...., se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores.
Nos termos do art. 627º do C.Civil, através da fiança o fiador garante a satisfação do crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. Resulta do art. 628º nº 2 que a fiança pode incidir sobre obrigação futura ou condicional.
Estabelece, por sua vez, o art. 280 nº 1 do mesmo diploma que o negócio jurídico é nulo quando o objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
Para o que aqui importa, o negócio jurídico será nulo, quando o seu objecto for indeterminável. Assim, também será nula a fiança quando incidir sobre objecto ( futuro ) não determinável.
O art. 280º nº 1 fala da nulidade do negócio quando o objecto for indeterminável e não quando for indeterminado. A prestação será indeterminada mas determinável, quando não se saiba, num momento anterior, qual o seu teor, podendo-se, porém, posteriormente, proceder à respectiva determinação existindo critério para tal. Pelo contrário, a prestação será inderminada e indeterminável quando não exista qualquer critério para proceder à determinação( Sobre o assunto ver o que refere Prof. Menezes Cordeiro in Col. Jur. 1992, Tomo III, pag. 61.). Só neste caso a obrigação será nula.
O Prof. Antunes Varela entende ( igualmente ) que a prestação necessita de ser determinável, ou seja concretizável no seu conteúdo, acrescentando que nem o art. 280º nem o art. 400º ( que versa sobre a determinação de prestação ) exigem que ela seja determinada no momento da sua constituição, embora não se prescinda de que nessa altura seja determinável, que possa ser concretizada, de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei( In Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 762, 5ª edição ).
Chamado a pronunciar-se sobre a questão da indeterminabilidade das obrigações futuras, em caso de fiança, o S.T.J., através do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2001, de 23.1.2001 ( publicado no DR, 1ª série, nº 57, de 8 de Março) veio afirmar que “é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha”.
Neste acórdão, em jeito de síntese, observou-se sobre a questão em debate que “decorre do que se expôs devem ser interpretados quanto à determinabilidade do objecto da fiança, no sentido de que têm de ser fixados objectivos que permitam no futuro avaliar o conteúdo da prestação de forma que o fiador possa, ab initio, conhecer os limites da sua obrigação ou, pelo menos, os critérios objectivos que lhe facultem tal conhecimento”.
Justificando a conclusão que se retirou, de que as fianças em causa não são nulas em virtude do seu objecto ser determinável, disse-se no douto aresto recorrido:
Vistos estes factos, dúvidas não há que os autores sempre tiveram total controle das operações de crédito celebradas entre a sociedade “D...” e a C.G.D. e que sabiam desde o momento da constituição da fiança qual o objecto da garantia. Ora, é certo que no acórdão uniformizador de jurisprudência se salienta que a finalidade ou objectivo da fiança concedida – actividade comercial da sociedade afiançada - não pode constituir o critério que, com recurso à equidade, permita determinar o objecto da mesma. Justifica-se aí essa opção em virtude de “envolver sempre a responsabilidade de um conjunto de programas e iniciativas empresariais ou de relações complexas de negócios e em face da inexistência de uma qualquer forma de controlo, por parte dos fiadores da actividade comercial.” Contudo, prossegue-se naquele acórdão: “Poder-se-ía dizer que, para fazer algum sentido, o ponto central deste “critério” – actividade comercial - consistiria em saber se teria, ou não, existido alguma forma de controlo, pelo fiador, da actividade comercial da sociedade, admitindo-se a sua razoável invocação limitada aos casos em que o fiador, por desempenhar, v.g. funções de gerente, poderia influir no desenvolvimento da actividade comercial da sociedade. Ou seja: a actividade económica da sociedade apenas poderia delimitar – e contribuir para determinar – o objecto da fiança, na exacta medida em que os fiadores houvessem influído, ou tivessem podido influir, naquela actividade. Mas, não se verificando esse condicionalismo, o fiador fica sujeito ao arbítrio de terceiros.”Este entendimento foi também realçado na declaração de voto apresentada pelo Sr. Conselheiro Sousa Inês. O objecto da fiança é determinável se, “no momento em que é prestada, se encontrar estabelecido um concreto programa negocial entre o credor e o beneficiário e o devedor afiançado, programa esse conhecido e querido pelo fiador concedente, e a obrigação que o credor vier a invocar como garantida pela fiança fizer parte desse programa, desta sorte servindo o dito programa como critério de determinação do objecto.” No caso sub iudice, como já salientamos, os fiadores tinham total domínio do programa negocial estabelecido entre a sociedade afiançada e o credor/CGD ( numa situação semelhante e neste sentido cfr. os acórdãos do STJ de 9.5.2005, de 12.6.2002 e de 11.11.2004, in www.dgsi.pt ). Neste último acórdão escreve-se: “estando determinado o título ou fonte da obrigação, e dependendo o montante desta apenas do critério e da decisão das pessoas que se assumem como fiadores, então o objecto da obrigação garantida pela fiança, não sendo de montante determinado, é porém de montante determinável pelos fiadores ( não na qualidade de fiadores, mas na qualidade de sócios gerentes da sociedade afiançada) – ou seja, determinável precisamente para as pessoas protegidas pela necessidade de determinabilidade do objecto.” Concluindo, diremos que a fiança prestada em 12.8.88 pelos autores não é nula, na medida em que o seu objecto é e era determinável”.
Parece-nos esta posição absolutamente certa, pelo que iremos, somente, referir umas breves notas, até porque os apelantes se limitam a repetir a argumentação dos articulados, não colidindo, a nosso ver, esses argumentos, com o que se mencionou na decisão recorrida, decisão esta alicerçada, aliás, nos factos provados.
Estes factos denunciam que os AA., tendo o controle da empresa, já que eram sócios-gerentes dela, podiam determinar o conteúdo das obrigações que assumiam, ao subscrever os aludidos termos de fiança. Por isso, o objecto das fianças era determinável.
Assumiu, a sentença recorrida, a tese, segundo a qual, a determinabilidade da fiança ficará determinada ab initio se, atendendo às circunstâncias pelas quais os fiadores se obrigam, se verificar que seria, desde logo, possível determinar as concretas responsabilidades que estavam a assumir, tendo concluído que isso sucedeu no caso vertente, dado que os AA. possuíam o controle da empresa e, consequentemente, sabiam a que responsabilidades se estavam, pessoalmente, a vincular. No caso dos autos, dificilmente, dado esse controle empresarial, se poderia conceber que os AA. ao assumirem as obrigações, não conhecessem os termos precisos das obrigações a que se estavam a ligar. Por outras palavras, dado esse controle e os inerentes conhecimentos que dele resultam, os fiadores, como sócios-gerentes da empresa, estavam em condições de estar informados e saber os termos e os limites das obrigações que assumiam. De resto, provou-se também que, foi para garantir as responsabilidades emergentes dos financiamentos feitos à D..., que ambos os sócios e gerentes, os AA., se responsabilizaram solidariamente como fiadores e principais pagadores, donde será possível igualmente deduzir que, no momento da prestação das fianças, estariam cientes do conteúdo de responsabilidades a que se estavam vinculando.
Nesta conformidade, poderemos concluir que as obrigações de fiança, porque eram determináveis no momento da sua constituição, não geram a nulidade da obrigação.
Mantém-se, por conseguinte, a posição assumida na douta sentença recorrida.
Para terminar esta rubrica diremos que a conclusão que os apelantes retiraram em relação ao A. B... ( de que essa nulidade da fiança, por indeterminabilidade do objecto, é ainda particularmente evidente no que respeita ao recorrente B..., dado que ele nunca foi, de facto, gestor da sociedade alegada devedora ), parte de um pressuposto que não se pode ter como provado. É de que ele nunca foi, de facto, gestor da empresa(Esta circunstância não faz parte do acervo de factos provados.), razão por que todo o raciocínio que se faz partindo dessa circunstância, se não pode aceitar.
2-6- A outra questão colocada pelos apelantes para apreciação deste tribunal, diz respeito à nulidade das fianças, por consubstanciarem uma limitação aos seus direitos de personalidade, limitação essa que seria contrária aos princípios da ordem pública constitucionalmente consignados e universalmente consagrados, assim como atentatória da moral e dos bons costumes, pelo que essa limitação deverá ser julgada nula ( art. 81º do C.C.), o mesmo se passando com o facto jurídico ( fiança ) através do qual se operou essa limitação ( art. 280º do C.C. ). Assim, as fianças enfermam a de nulidade, por consubstanciarem uma limitação ilícita aos direitos de personalidade dos recorrentes e, enquanto tal, serem contrários aos princípios de ordem pública.
Segundo os apelantes tal limitação, na sua perspectiva, resulta do facto de não poderem controlar o grau de endividamento da sociedade “afiançada”. Daí que eles estariam sujeitos a ter que responder perante a recorrida sem quaisquer limites, designadamente temporais ou quantitativos. Ora, se tal fosse legalmente possível, os recorrentes, ao assinarem os termos de fiança, estariam a pôr em causa a própria vida, isto é, as condições indispensáveis à sua sobrevivência, a sua liberdade, na vertente da liberdade económica, a sua integridade moral e física.
Esta questão também já havia sido levantada na acção, tendo-se, na sentença recorrida, respondido a ela, sustentando-se que, tendo sido oa AA. que contrataram as concretas operações de crédito que levaram à dívida em discussão e tendo sido durante a sua gerência que a CGD foi libertando as verbas em cumprimento dos contratos de financiamento celebrados, nunca poderão dizer que não será possível poderem controlar o grau de endividamento da sociedade “afiançada”.
Mais uma vez nos parece que a razão está do lado do aresto recorrido.
Com efeito e mais uma vez, os apelantes fazem depender o seu raciocínio de uma circunstância que não se pode ter como assente. Estamos a referirmo-nos ao facto de que não poderem, os apelantes, controlar o grau de endividamento e das suas responsabilidades serem ilimitadas. Como acima já se referiu, sendo sócios gerentes da sociedade aquando prestaram os termos de fiança, estavam em condições de estar informados e saber os termos e os limites das obrigações que assumiam.
Ainda em relação ao facto de dizerem que as suas responsabilidades serão ilimitadas, sublinharemos que, mesmo em relação aos acordos de prorrogação de prazo, moratórias, alterações de taxas de juros a que se referem os termos de fiança, não se poderá defender tal ilimitabilidade, visto que tais acordos ficam dependentes, como se vê do seu próprio teor, do acordo entre a Caixa e a empresa.
No que respeita ao facto de dizerem que, ao assinarem os termos de fiança, estariam a pôr em causa a própria vida, as condições indispensáveis à sua sobrevivência, a sua liberdade, a sua integridade moral e física, salientaremos que não é possível isso deduzir do acervo dos factos provados. Claro que a maior ou menor possibilidade de solverem os compromissos que, com os termos de finança, assumiram está dependente da sua maior ou menor capacidade económica, circunstância que se desconhece e que nem sequer foi alegada. Por isso, não será possível, dos factos provados, deduzir quaisquer perigos para a sua saúde e vida, decorrentes de terem assumido as responsabilidade através dos termos de fianças.
Quer dizer que também aqui, carecem os apelantes de razão.
2-7- Por fim sustentam os recorrentes es que ainda que a fiança fosse válida, a recorrida não provou que os recorrentes lhe devessem as importâncias por ela alegadas, quer a título de capital quer a título de juros. Da pugnada alteração à matéria de facto dada como provada, resulta não serem os recorrentes devedores à recorrida das importâncias por ela reclamadas, quer dos 216.944.251$00 de capital, quer dos juros vencidos, quer dos juros vincendos calculados “à taxa actualizada de 23%”. Se quanto às questões dos juros reclamados, bem como da legalidade da taxa, o tribunal recorrido não se pronunciou ( o que determina a nulidade da sentença), quanto à questão o capital em dívida a sentença enferma de erro decorrente da decisão proferida sobre a matéria de facto. Conforme consta da sentença, a “D...” pagou à recorrida, entre 12/89 e 20/3/91, importâncias que somadas, ascendem a 309.000.000$00. Os recorrentes haviam alegado que esses pagamentos tinham sido efectuados ao abrigo de um acordo celebrado entre a recorrida e a “D...” e que entre ambas havia sido convencionado que esses pagamentos seriam primeiramente imputados no capital e, só depois de solvido este, nos juros. Nestes termos, os recorrentes consideram que deverá ser alterada a resposta dada ao ponto 6º da base instrutória do processo principal e ao ponto 5 da base instrutória dos autos apensos, com base na prova documental e testemunhal que foi produzida nos autos. Da pretendida alteração deverá resultar provado que a recorrida e a dita empresa haviam convencionado que esses pagamentos seriam primeiramente imputados no capital e, só depois de solvido este, nos juros e que, comprovadamente, a recorrida fez imputação dos pagamentos primeiramente nos juros e não no capital. Assim, uma vez que seja decretada a alteração da matéria de facto provada e não provada, nos termos propostos, sempre deverá daí resultar não ser a recorrida também credora dos valores de capital que tem vindo a reclamar dos recorrentes, tendo em consideração os pagamentos que lhe foram efectuados, no montante de 309.000.000$00. Não sendo, como não é, credora das importâncias que reclama a título da capital, nunca poderia a recorrida ser detentora dos créditos decorrentes de juros contados sobre o capital, isto para além de, em caso algum, poder ser reconhecida a legalidade da taxa de juros ( 23% ao ano ) que a recorrida liquidou e reclamou. Por conseguinte, ao concluir que «se encontra em dívida o montante que a ré está a executar», a sentença recorrida incorreu em manifesto erro, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, julgando procedente as acções intentadas pelos recorrentes contra a recorrida, declare que estes não são devedores das importâncias para cuja cobrança coerciva a recorrida requereu, na Repartição de Finanças de Ílhavo, que fosse instaurada execução contra eles.
Aqui parte da apelante de um pressuposto que se não verificou. É que se iria alterar a matéria de facto de forma a que ficasse provado que a recorrida e a empresa haviam convencionado que os pagamentos desta seriam, primeiramente, imputados no capital e, só depois de solvido este, nos juros e que, comprovadamente, a recorrida fez imputação dos pagamentos primeiramente nos juros e não no capital. Não se tendo proferido essa modificação à matéria de facto, é evidente, que a objecção dos apelantes deixou de ter fundamento.
Em resumo:
Apenas, em relação à matéria dada como provada se efectuarão as modificações acima refernciadas. Assim e no que toca às respostas aos factos 8º e 9º do processo principal, deverá mencionar-se que “um funcionário da empresa “D...” entregou uma carta da empresa na agência da CGD em Aveiro” e reletivamente ao ponto 6 do processo apenso se efectuará o esclarecimento de que foi, essencialmente, o A. ( do processo principal ) A..., na qualidade de sócio gerente da sociedade “D...” quem contratou estas operações de crédito ).
Estas alterações são irrelevantes para a decisão da causa.
No resto a posição dos apelantes é insubsistente.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, modifica-se as respostas àqueles pontos da matéria de facto, nos termos referidos.
No mais considera-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.