Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/05.1PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 01/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412,4 CPP
Sumário: 1. È de rejeitar o recurso no qual o recorrente omite inteiramente a concretização – individualização - das passagens que pretende sejam ouvidas em sede de recurso, i.e. dos segmentos em discurso directo registados em audiência pelas fontes de prova pessoal que, no entender do recorrente, foram incorrectamente avaliados.
2. Ao invés, encontra-se no corpo da motivação tão-somente uma sinopse do que considera resultar desse depoimento, o que obedece ao intuito delimitador que norteia a exigência especificadora da parte final do referido nº4 do artº 412º do CPP.
3. Estas situações não estão abrangidas pelo convite ao aperfeiçoamento, pois traduzem insuficiência do recurso e não apenas insuficiência das conclusões .
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA


I. Do recurso


[1] Nos presentes autos com o NUIPC nº 41/05.1PBCBR do 3º Juízo Criminal de Coimbra, foi o arguido R... acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelos artºs. 132º, nº2, als. d) e j), todos do CP.
[2] Paralelamente, os Hospitais da Universidade de Coimbra deduziram pedido de reembolso da quantia de 1.683,89 relativa à assistência hospitalar prestada a J….
[3] Realizado julgamento, por sentença proferida em 12/06/2008 foi o arguido absolvido do imputado crime e julgado improcedente o pedido de reembolso formulado pelo Hospitais da Universidade de Coimbra.
[4] Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso, extraindo da motivação as conclusões que seguem:

1 — Nos presentes autos foi o arguido R... pronunciado pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelo art. 146.°, 1, com referência aos arts. 1430, 1, 146°, 2 e 132°, 2, d) e g), todos do C. P.

2 - Efectuado o julgamento, foi proferida sentença pelo Mmo Juiz o qual absolveu o arguido do crime de que vinha pronunciado.

3 — No entanto, analisada a prova produzida em julgamento, de acordo com as regras da experiência comum, dúvidas não restam de que o arguido praticou o crime de que vem pronunciado.

4 — Da análise da prova efectuada pelo Mmo Juiz, não podemos deixar de concluir que aquele entendeu não ter sido provado que o arguido tenha sido o agressor com base nos reconhecimentos efectuados nos autos e que não considerou credíveis.

5 — Não considerou, contudo, a restante prova testemunhal efectuada em julgamento, em especial as declarações do queixoso.

6 — É que, do depoimento firme, claro, sério e coerente do queixoso, não nos restam quaisquer dúvidas de que foi o arguido o agressor em causa.

7 — A testemunha J…, queixoso nestes autos, prestou depoimento segundo a acta de audiência de julgamento de 06 /05/ 2008, com depoimento constante do CD de 06/05/2008.

8 — E do depoimento sério e absolutamente seguro do queixoso não restam, nem nunca restaram, quaisquer dúvidas de que foi o arguido o autor da agressão.

9 — Depois de ter sido agredido e apesar de ter caído ao chão e ter ficado atordoado, o queixoso não desmaiou.

10 — Reagiu de imediato, levantando-se, verificou a matrícula do Rover e quando entrou no seu veículo, escreveu-a.

11 - Nestas circunstâncias, não se compreende que o Mmo Juiz tenha posto em causa que o queixoso tivesse escrito a matrícula do carro depois de ter sido agredido. Ele fez o que qualquer pessoa no seu lugar teria feito.

12 - Em julgamento, o queixoso foi peremptório e não teve quaisquer dúvidas em identificar o arguido como a pessoa que o agrediu. Assim como não teve quaisquer dúvidas em o identificar quando foi ao Mac Donalds da Solum e o viu dentro do estabelecimento.

13 - Nessa altura e como é óbvio, se o queixoso tivesse dúvidas e esse respeito ele seria o primeiro interessado em continuar a sua "investigação" para apurar quem o tinha agredido.

14 — Com efeito, o queixoso não tinha qualquer interesse em acusar o arguido (pessoa que ele não conhecia nem nunca tinha visto) se este não fosse o autor da agressão. O interesse do queixoso, é tão só que seja punido o autor de tão bárbara agressão.

15 - Assim, da conjugação dos depoimentos do arguido e do queixoso, analisados de acordo com as regras da experiência, entendemos que se mostram incorrectamente julgados os factos constantes dos pontos:

1), 4), 5), 6), 7), 8), 9), a), b)

16 — Sendo que, da conjugação daqueles depoimentos deveria o Mmo Juiz dar como provado que o veículo Rover de cor verde tinha a matrícula 32-98-FS e que foi o arguido o autor da agressão.

17 - Violou, assim, a sentença recorrida o disposto no artigo 146.°, 1, , com referência aos arts. 143°, 1, 146°, 2 e 132°, 2, d) e g), todos do C. P. e art. 127°, do C.P.P.


[5] Notificado, o arguido apresentou resposta, no sentido da improcedência do recurso.
[6] Neste Tribunal, aberta vista para os efeitos do artº 416º do CPP, a Exª Srª. Procuradora-geral Adjunta remeteu para os fundamentos do recurso apresentado, defendendo o seu provimento.
[7] Em face das conclusões supra, as questões colocadas circunscrevem-se à impugnação da decisão em matéria de facto, mormente no respeita ao afastamento da prova bastante para afirmar que o arguido R… foi o autor da conduta que vitimou J….
[8] Tal como referido, entendo que o recurso padece de manifesta improcedência, como se passa a demonstrar de forma sumária, nos termos permitidos pelo art.420º do CPP.


II. Especificação sumária dos fundamentos da decisão


[9] Como se referiu, a única questão colocada pelo recorrente prende-se com discordância relativamente à decisão em matéria de facto, com apelo a reapreciação das declarações do arguido Rómulo e da testemunha João Moura e alteração da decisão constante dos pontos 1,4, 5, 6, 7, 8 e 9 dos factos provados e als. a) e b) dos factos não provados.
[10] Nos termos do artº 428º do CPP, as relações conhecem de facto e de direito, podendo modificar a decisão de facto quando a decisão tiver sido impugnada nos termos do artº 412º, nº3 do mesmo código. Porém, essa dimensão do recurso não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, como se a decisão da 1ª instância não existisse, mas sim, e apenas, remédio jurídico votado a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, expressamente indicados pelo recorrente.
[11] Assim, para atingir a adequada delimitação do objecto do recurso e obstar à sua utilização apenas para sobrepor uma nova apreciação àquela formulada em 1ª instância, veio o legislador processual penal da revisão operada pela Lei 48/2007, de 29/8, a par da eliminação da exigência da transcrição dos depoimentos, impor ao recorrente em matéria de facto que na motivação proceda a uma tríplice especificação: concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e ainda, quando o solicitar, concretas provas a renovar. Relativamente às duas últimas especificações, recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: deve o recorrente não só ter como referência o consignado na acta[1] quanto ao registo áudio ou vídeo das prova prestadas em audiência, mas também indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 5 do artº 412º do CPP).
[12] Tomando as conclusões e o corpo da motivação que necessariamente sintetiza, verifica-se que em qualquer delas o recorrente omite inteiramente a concretização – individualização - das passagens que pretende sejam ouvidas em sede de recurso, i.e. dos segmentos em discurso directo[2] registados em audiência pelas fontes de prova pessoal que, no entender do recorrente, foram incorrectamente avaliados. Ao invés, encontra-se no corpo da motivação tão-somente uma sinopse do que considera resultar desse depoimento, o que obedece ao intuito delimitador que norteia a exigência especificadora da parte final do referido nº4 do artº 412º do CPP.
[13] Assim, e tendo em obediência a jurisprudência do T.C, no sentido que essas situações não estão abrangidas pelo convite ao aperfeiçoamento, pois traduzem insuficiência do recurso, e não apenas insuficiência das conclusões[3], cumpre concluir que não pode este Tribunal conhecer da impugnação da decisão em matéria de facto e pela manifesta ausência de fundamento do recurso, improcedência essa patente do simples confronto da motivação.

III. Dispositivo

Pelo exposto, decido:

1. Rejeitar o recurso, por manifestamente improcedente;
2. Sem custas (artº 522º, nº1, do CPP).

Notifique.


Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).

Recurso nº 379/06.0GBACB

                                                                       Coimbra, 14/01/2009

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(Fernando Ventura)


[1] Note-se que essa exigência conexiona-se com o disposto no artº 364º, nº2 , do CPP, em que se impõe que fique consignado na acta o início e o termo da gravação de cada declaração, o que foi incumprido nos presentes autos. Cfr acta de fls. 435.
[2] Não se esqueça que esse esforço acrescido sobre os sujeitos processuais justifica materialmente o alargamento do prazo de recurso por 30 dias, como decorre do artº 411º, nº4, do CPP, persistindo, ao invés, inalterado o prazo de 15 dias para a prolação de acórdão nesta Relação.
[3] Ac.do TC  nº 140/2004, de 10/3 e decisão sumária nº274/06, de 22/05.