Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
327/10.3PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO

CHAPAS DE MATRÍCULA DE AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 10/03/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 255º E 256.º NºS 1 AL. A) E 3 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: A chapa de matrícula de um veículo automóvel é um documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que comete o crime p. e p. pelo artº 256.º nºs 1 al. a) e 3 do Código Penal, com referência ao artº 255.º al. a) do mesmo diploma legal, o arguido que apõe numa viatura automóvel as chapas de matrí­cula correspondentes a uma outra, com o objetivo de não ser detetado na posse do veículo furtado.
Decisão Texto Integral: 10

pág. 26
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº, contra o arguido:
A..., atualmente em cumprimento de prisão no Estabelecimento Prisional de Izeda
Sendo decidido:
1. Condenar o arguido pela prática, em concurso real, de:
-2 crimes de furto simples, p. e p. pelo art. 203.º n.º 1 do Código Penal;
• na pena de 1 ano de prisão (parágrafo I);
• na pena de 1 ano de prisão (parágrafo II).
-1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 al. b), ambos do Código Penal;
• na pena de 2 anos de prisão (parágrafo III).
-1 crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts 203.º n.º 1 e 204.º n.º 1 al. a), ambos do Código Penal;
• na pena de 3 anos de prisão (parágrafo IV).
-1 crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º n.os 1 al. a) e 3 do Código Penal, com referência ao art. 255.º al. a) do mesmo diploma legal.
• na pena de 2 anos e 6 meses de prisão (parágrafo V).
2. Condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
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Inconformado, do acórdão interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
1-O Tribunal, sem atender à falta de prova produzida em Audiência, limitou-se a dar como provado os factos constantes da acusação.
2- Assim, no modesto entender do recorrente, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados são os seguintes:
Pontos I - 1, II - 2 pag. 2 do Acórdão, referentes à prática dos crimes de furto simples p. e p. no art. 203 n°. 1 do CP.
Pontos III - 3 e 4 pag. 3 do Acórdão referente ao crime de furto qualificado p. e p. no artigo 203 n°. 1 e 204 n°. 1 b) do CP.
Pontos IV - 5 e 6 pag. 3 do Acórdão referente ao crime de furto qualificado p. e p. no art. 203 nº. 1 e 204 n". 1 a) do CP.
Pontos V - 7 e 8, pag. 4 do Acórdão referente ao crime de falsificação de documento p. e p. nos art. 256 nº, 1 al. a) e 3 do CP, com referencia ao art. 255 a) do mesmo diploma legal.
Pontos V - 14 a 16 pag. 4 e 5 do Acórdão.
3- Verificam-se concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, no que concerne aos Pontos I - 1, II - 2 pag. 2 do Acórdão, dos factos provados, por no nosso entender, não se ter apurado quem foi o autor de tais crimes em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, designadamente atendendo ás transcrições feitas dos depoimentos (pag. 2 a 3 e 5 a 6 deste recurso) das testemunhas C... na 1ª. Sessão de audiência de julgamento em 13-03-2012. ás 10:36:58 até ás 10:41:14 do minuto 00:00:01 até ao minuto 00:03:31 do CD e da testemunha ... na 1ª. Sessão de audiência de julgamento em 13-03-2012. ás 10:41:14 até ás 10:45:24 do minuto 00:01:00 até ao minuto 00:03 :26 do CD e do minuto 00:01:02 até ao minuto 00:06:40 do CD, que aqui se dão por reproduzidas, tanto mais, que os objetos furtados (matriculas) não se encontravam sequer na posse do arguido.
4- Na verdade, do depoimento da testemunha C..., resulta que nada sabe sobre quem terá retirado a matricula 55-IF-29 da viatura Sprinter, cor branca, pelo que não pode ser dado como provado que tenha sido o arguido quem praticou os factos constantes do ponto 1 do titulo I dos factos provados do Acórdão, visto que nenhuma outra prova ter resultado.
5- O mesmo se diga do depoimento da testemunha ... que não sabe o dia e ano em que os factos ocorreram e também nada sabe sobre quem terá retirado a matrícula 30-02-HF da viatura Mitsubishi, pelo que não pode ser dado como provado a data em que os factos ocorreram, nem que tenha sido o arguido quem praticou tais factos constantes do ponto 2 do titulo II dos factos provados do Acórdão, visto que nenhuma outra prova resultou.
6- Porém, o Tribunal, pelo facto de ter sido apreendida na viatura DP uma chave de fendas, pressupôs que o arguido tivesse sido o autor de tais furtos, (p. 8 paragrafo 2°. do Acórdão) socorrendo-se, para o efeito, dos meios indiretos de prova para fazer tal conclusão, o que é ir além do que tal método de prova permite.
7- Os meios indiretos de prova não podem ter aplicação no presente caso já que, a ser assim, estar-se-ia a condenar com base em meras presunções, tanto mais que, não foi feita prova se a chave de fendas estaria na viatura, como bem pertencente do proprietário da viatura, como bem pertencente a outra pessoa, ou se a mesma era apta a retirar as matrículas das viaturas.
8- Da matéria dos factos provados não consta qual o método, os objetos utilizados para retirar as matrículas das viaturas, nomeadamente, se utilizou a referida chave de fendas, pelo que o Tribunal também não poderia retirar tal convicção de um facto que não resultou da prova produzida em audiência e que não deu como provado.
9- Invoca o douto acórdão recorrido que "o arguido refugia-se no direito ... ao silêncio, procurando porventura desta forma criar nos julgadores uma hipotética duvida sobre a proveniência destas chapas de matricula", (p. 7 3º parágrafo do Acórdão) porem o ónus de provar que os bens furtados foram da sua autoria cabe à acusação, dai que, o facto de o arguido, que não prestou declarações em audiência e não ter dado qualquer explicação para os factos que lhe são imputados na acusação, a dúvida que a esse respeito se suscita, não pode prejudica-lo, à luz do princípio in dúbio pró reo, antes deve beneficiá-lo.
10- O constante da conclusão anterior, é explicitamente referido na fundamentação do Ac, do TRP de 11-01-2012, processo nº, 136/06.4GAMCD.Pl, Convencional JTRP000 Relator: Sr. Dr. Pedro Vaz Pato, publicado em www.dgsi.pt. ao afirmar-se que: "O ónus também não é do arguido em dissipar qualquer suspeita, dando uma justificação para o facto. Se as suspeitas nunca deixam de ser apenas suspeitas, daí não pode retira-se alguma certeza. Por outro lado, do direito do arguido ao silêncio decorre que este não pode ser valorado contra si, como indício de culpabilidade. E da mesma forma que não pode concluir-se, simplesmente, do silêncio do arguido que seria ele o autor dos furtos (alegando que se fossem inocentes, teriam certamente prestado declarações, pois "quem não deve, não teme"); também não pode desse silêncio concluir-se que seria ele o autor do furto uma vez que não apresentou qualquer justificação para o facto (alegando que se não fosse ele o autor dos furtos, teria dado essa justificação) ou que nenhum deles apresentou qualquer justificação para o facto (suspeito, por aí não residirem)."
11- Verificam-se concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, no que concerne aos Pontos III - 3 e 4 pag. 3 e Pontos IV - 5 e 6 pag. 3 do Acórdão, dos factos provados, por no nosso entender, não se ter apurado quem foi o autor de tais crimes em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, designadamente atendendo ás transcrições feitas dos depoimentos da testemunha ... na 1ª Sessão de audiência de julgamento em 13-03-2012. ás 10:24:25 até ás 10:34:05 do minuto 00:00:01 até ao minuto 00:06:40 do CD, da testemunha António de Jesus . na 1ª Sessão de audiência de julgamento em 13-03-2012. ás 10:31:52 até ás 10:36:57 do minuto 00:00:01 até ao minuto 00:03:52 do CD, (pag. 7 a 8 e 10 a 11 deste recurso), que aqui se dão por reproduzidas, tanto mais, que os objetos pretensamente furtados na viatura Mitsubishi, e a viatura DP, não se encontravam sequer na posse do arguido.
12- Do depoimento da testemunha ..., apenas se sabe que uma das viaturas, a Mitsubishi, ficou com o vidro partido e foram retirados alguns objetos e outra, a Nissan, foi furtada, sem que a mesma imputasse tal facto a alguém, pelo que se impunha que o Tribunal decidisse de forma diferente os pontos 3., 4., 5., 6. e 7. dos factos dados por provados, já que não se provou quem é que partiu o vidro da viatura Mitsubishi, modelo Pajero, retirou os pretensos objetos que se encontravam no seu interior e também quem furtou a segunda viatura.
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13- E mesmo que assim não se entenda, sempre ficarão dúvidas, e quando há duvidas, fica um leque de hipóteses para a ocorrência dos factos, bastando pensar, a titulo de exemplo: o arguido não praticou nenhum do factos de que vem condenado; poderia ter sido um terceiro quem entregou a viatura ao aqui arguido; o próprio arguido poderia ter já furtado a viatura a um terceiro; o próprio arguido poderá ter, por mero acaso, colocado as suas impressões na viatura;
14- Também não pode o Tribunal basear-se em meras presunções ou alicerçar-se no registo criminal do arguido, veja-se o Ac. Veja-se o Ac. do TRP de 11-01-2012, processo nº, 136/06.4GAMCD.Pl, nº, Convencional JTRP000 Relator: Sr. Dr. Pedro Vaz Pato, publicado em www.dgsi.pt:
"I- A presença de objetos furtados na posse do arguido apesar de indicar, como muito provável, que o arguido tenha sido autor do furto, não deixa de ser razoável a dúvida de que tenha sido outro o autor do crime e que os objetos possam ter vindo, posteriormente, a entrar na posse do arguido: a autoria do furto não é mais do que uma das várias hipóteses possíveis a qual, para além de ser a mais prejudicial para o arguido, carece da segurança exigida pela observância do princípio in dubio pro reo. II- Na avaliação das provas quanto à culpabilidade do arguido não podem ter qualquer relevância, mesmo a título acessório, os seus antecedentes criminais ou a imagem que tem junto das autoridades policiais. A autoria de outros crimes não pode criar, na mente do julgador, algum preconceito contrário ao princípio in dubio pro reo. III- O direito do arguido ao silêncio impõe que essa circunstância não pode ser valorada contra si, como indício de culpabilidade: do silêncio do arguido não pode concluir-se que é ele o autor do furto porque "quem não deve não teme", ou porque não apresentou qualquer justificação para o facto de ter na sua posse os objetos furtados."
15- Do depoimento da testemunha ..., pai do arguido, apenas se pode concluir que viu o arguido com uma viatura de cor azul e que a trouxe de Viseu.
16- Quanto à questão formulada pelo MM. Juiz, se as chaves da viatura foram encontradas na viatura da testemunha, na resposta a tal questão a mesma refere que não se lembrar onde estavam, pelo que, não se entende que no Acórdão, na parte 2.1.3. conste que a testemunha António de Jesus . tenha referido "que as chaves foram encontradas dentro do seu veículo, mas foi o filho que as lá colocou", veja-se da transcrição em momento algum é referido tal facto pela testemunha, visto que a mesma disse não se lembrar. Pelo que não poderia o Tribunal alicerçar a sua convicção em algo que não é referido pela testemunha.
17- Tendo as chaves sido encontradas na viatura do pai do arguido, estranho é o facto de o exame lofoscópico ter apurado o polegar do arguido no puxador da porta direita e já não no puxador da porta do condutor ou no interior da viatura, dai que se impunha ao Tribunal que averiguasse com maior exatidão o porquê do depoimento do próprio pai do arguido.
18- Pois do depoimento do pai do arguido não resulta com certeza que a viatura a que o mesmo se refere seja a Nissan Navara, DP, porquanto este afirma que a cor era azul, tendo a mesma sido furtada já há uns anos. Ora, tendo o arguido já sido condenado por factos semelhantes aos dos autos - vejam-se boletim nº, 2, boletim nº, 8, boletim nº, 9, boletim n° ll, boletim nº, 12, do registo criminal do arguido - não sabemos se o pai se referia àquela viatura ou a outra pelo qual o arguido já foi condenado.
19- Acresce que em relação ao resultado dos relatórios de inspeção lofoscópico fls. 22 a 24 e de 93 a 95 o Tribunal não teve em atenção a Jurisprudência vertida no Ac. do TRG de 25-01-2010, processo n° 300/04.0GBBCL.G2, Relator Sr. Dr. Cruz Bucho, publicado em www.dgsi.pt, onde, além do mais, consigna: "b) Se a impressão digital faz prova direta do contacto dessa pessoa com o objeto onde foi detetada aquela impressão ou que aquela pessoa esteve no local onde ela foi colhida, já não faz prova direta da participação do sujeito no facto criminoso (até porque aquele contacto com a coisa pode ser posterior à prática do crime ou meramente ocasional)."
20- Se não se provou que tipo de uso foi dado pelo arguido à viatura, nem quem conduziu a aludida viatura, não pode, salvo o devido respeito, considerar-se como preenchido o tipo legal de crime p. e p. no artigo 203 nº 1 e 204 n° 1 a) do Código Penal.
21- Verificam-se concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, no que concerne ao Pontos V - 7 e 8 pag. 4 do Acórdão, dos factos provados, por no nosso entender, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento não se ter apurado quem colocou as matriculas no veiculo DP, designadamente atendendo à falta de qualquer alusão nos depoimentos transcritos das testemunhas já mencionadas.
22- No ponto 2.1.3. p. 6 a 8 do Acórdão (A convicção do Tribunal) o Tribunal não refere quais os elementos de prova que o levam a formar a convicção de ter sido o arguido quem praticou os factos dados como provados no ponto 7, 8, que integram a prática do crime de falsificação de documento.
23- Os factos constantes da acusação, no que concerne à colocação de duas chapas de matrícula noutra viatura, não podem ser punidas pelo art. 256 nº, 1 e nº 3 com referência ao artigo 255 todos do CP, conforme consta do Acórdão, porquanto, o número da chapa permite à generalidade das pessoas reconhecer que foi classificada como tal e destina-se a fazer a prova do facto juridicamente relevante da sua identificação, pelo que pode considerar-se um documento para efeitos jurisdicionais penais, de harmonia com o artigo 229, n.º 3, do Código Penal de 1982 [agora artigo 255, alínea a), do Código Penal revisto] embora se trate de mero sinal materialmente feito.
24- Todavia, esse número de registo não é composto por qualquer autoridade pública, por notário ou outro oficial dotado de fé pública, no círculo de atividades a cada um atribuído, mas a sua autoria é atribuída a um qualquer particular, sem função certificadora dotada de fé pública. Desta forma, o número de chapa de matrícula e congéneres, pelo conceito civilístico, é tão-somente um documento particular, devendo a sua viciação ser punida pelo n.º 1 do artigo 228, e não pelo n.º 2 do mesmo preceito, agora pelo artigo 256, n.º 1, alínea a), do Código Penal revisto. Sendo o conceito de documento autêntico excecional em relação ao conceito residual de documento particular, verifica-se, também, que só pode considerar-se como documento autêntico o que a lei define como tal, o que não é manifestamente o caso da chapa de matrícula. (Cf. o acórdão do Supremo Tribunal proferido no processo n.º 270/96) - Sebastião Duarte de Vasconcelos da Costa Pereira. Portanto os factos constantes do ponto 7 e 8 integram a previsão legal do crime de falsificação previsto no art, 256 n°.l a) do CP.
25- Assim em relação a todos os crimes que o arguido vem condenado e apresenta o presente recurso importa atender à fundamentação do já mencionado Ac. do TRP, onde, além do mais, consta que "Importa, porém, não olvidar um princípio estruturante do processo penal: o de que para a condenação se exige um juízo de certeza e não de mera probabilidade.
Na ausência desse juízo de certeza (segundo a fórmula tradicional, para além de toda a dúvida razoável), vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32, nº 2, da Constituição) e a regra, seu corolário, in dubio pro reo."
26- E finalmente do mesmo Ac. consta também: "A questão reside, então, em saber se aos factos em que se baseia o douto acórdão recorrido são suficientes como indícios seguros e inequívocos, capazes de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, de que foi o arguido o autor dos furtos em apreço. Antes de mais, importará, para este efeito, excluir a relevância, mesmo a título acessório, de factos como os antecedentes criminais do arguido, ou a imagem dos mesmos junto das autoridades policiais. A autoria de outros furtos não pode criar na mente do julgador algum preconceito contrário ao princípio da presunção de inocência do arguido, que vale para todos os arguidos, independentemente dos seus antecedentes criminais, do seu cadastro policial ou da sua imagem na comunidade. E também não tem qualquer relevância, para este efeito, como é óbvio, a referência dos relatórios sociais à "instabilidade das relações afetivas, profissionais e familiares dos arguidos."
27- "Sobre uma situação semelhante à que está agora em apreço, pronunciou-se o douto acórdão da Relação de Guimarães de 19 de Janeiro de Guimarães, processo n° 2025/08-2, relatado por Cruz Bucho, in www.dgsi.pt. Aí se afirma: «A simples detenção dos objetos furtados por parte do arguido, desacompanhada de qualquer outro indício, não permite induzir a forma como as coisas furtadas foram por ele obtidas, nem que ele as obteve nas condições requeridas pelo artigo 203 do Código Penal. A experiência ensina que o arguido sempre poderia ter entrado na posse das coisas furtadas por as ter recebido de um terceiro sem ter tido qualquer participação no furto. Neste caso, como a jurisprudência espanhola vem reiteradamente afirmando, a autoria do furto não é mais do que uma das várias hipóteses possíveis a qual, para além de ser a mais prejudicial para o arguido, carece da segurança exigida pela observância do princípio in dubio pro reo».
28- O facto de constar dos relatórios de inspeção lofoscópica de fls. 22 a 24 e 93 a 95 as impressões digitais do arguido no puxador da porta direita da viatura DP, não pode servir de fundamento para se imputar ao arguido a prática de todos estes crimes de que vem condenado, já que uma correta apreciação do resultado do exame lofoscópico, o mesmo nunca seria acusado, já que provas como chaves de fendas apreendidas a existência de um mapa de Espanha constante do banco traseiro, as chapas de matriculas, não são indícios suficientes, por manifestamente, a prova não poder basear-se, para além de toda a dúvida razoável, da prática de um crime de furto nessa circunstância.
29- Deste modo, devemos considerar que, estamos perante erro notório de apreciação da prova já que a produzida não permite sequer a condenação do arguido, acrescendo que, mesmo que a assim não se entender, sempre se teria que atender ao principio do in dúbio pró reo, pelo que se impõe dar provimento ao recurso e absolver o arguido dos crimes por que vem condenado.
30- Foi assim violado o disposto nos artigos 203 nº 1, 204 n° 1 b) e a) nos art. 256 n° 1 al. a) e 3 do CP, com referencia ao art. 255 a) todos do CP, e artigos 32 n° 2 da CRP e 410 nº2 al. c) do CPP.
Deve dar-se provimento ao recurso, e, consequentemente, absolver-se o arguido.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Na discordância que manifestou quanto ao decidido em matéria de facto, o recorrente limita-se a alegar a existência de dúvidas, a desvalorizar alguns depoimentos ou a transcrever excertos de outros testemunhos que, em seu entender, justificariam interpretação que, sendo diversa daquela a que o tribunal chegou, corresponderia àquela que por si pretendida. Fá-lo, porém, de forma não integrada, descontextualizada de uma análise de cada meio probatório no seu todo e de uma apreciação concertada de todos eles, apenas de modo a fundamentar uma opinião diferenciada e que mais lhe conviria.
2- No entanto, a impugnada decisão em matéria de facto resultou de uma livre e fundamentada apreciação da prova, privilegiada pela oralidade e imediação na sua produção e aferida pelas regras da experiência, constituindo o julgamento de facto não apenas uma das possíveis soluções, segundo essas regras da experiência comum, mas a única que estas poderiam, no caso, justificadamente aceitar.
3- Não há ofensa ao princípio do ín dubío pro reo, porquanto e na apreciação dos factos que vieram assentes, não se colocou, ao tribunal, qualquer situação de dúvida que, para além do razoável, se tornasse irremovível.
4- Assim e perante a prova produzida e decorrente da factualidade estabelecida, concluiu, o Tribunal, como se impunha, pela verificação de todos os elementos (objetivos e subjetivos) constitutivos dos crimes imputados e censurados ao arguido.
5- O douto acórdão recorrido fez correta interpretação dos preceitos legais que havia a aplicar, não se mostrando ofendido qualquer normativo e, designadamente, o disposto nos artigos 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
Deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se o acórdão condenatório.
Nesta Relação, o Ex.mº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
2.1.1. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
I.
1. Em data não concretamente apurada, mas seguramente entre o dia 12 de Março e o dia 15 de Março de 2010, o arguido A.... dirigiu-se ao veículo automóvel ligeiro de mercadorias, da marca “Mercedes”, legalmente representada por C..., que se encontrava estacionado no parque de estacionamento sito nas proximidades da residência da mesma, sita na Rua … , em Tondela, área desta comarca, e retirou a chapa de matrícula da frente do veículo, de valor não concretamente apurado, levando-a consigo, fazendo-a sua.
II.
2. Na noite de 13 para 14 de Março de 2010, o arguido dirigiu-se ao veículo automóvel, marca “Mitsubishi”, com a matrícula ….”, representada legalmente por ..., com sede na … , em Tondela, área desta comarca, que se encontrava estacionada no parque de estacionamento da referida firma e retirou a chapa de matrícula do referido veículo, de valor não concretamente apurado, levando-a consigo, fazendo-a sua.
III.
3. Entre as 18H00 do dia 13 de Março de 2010 e as 10H00 do dia seguinte, o arguido A..., dirigiu-se ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca “Mitsubishi”, modelo “Pajero”, com a matrícula … , propriedade do ofendido ..., que se encontrava estacionado na Rua … , em Viseu, partiu o vidro da porta lateral do lado direito, abriu a porta e entrou no mesmo.
4. Do interior do veículo, o arguido retirou e fez seus um par de óculos de sol, marca “Cristhian Dyor”, no valor aproximado de €250,00; um telemóvel marca “Samsung”, no valor de €50,00 e as chaves do veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca “Nissan”, modelo “Navarra”, com a matricula … , propriedade do ofendido ..., que se encontrava estacionada ao lado daquele e que se encontravam no interior do veículo.
IV.
5. De seguida, com a referida chave, o arguido, entrou no veículo DP e colocou-o em marcha, conduzindo-o para parte incerta.
6. No interior do veículo automóvel, possuía o ofendido os documentos referentes ao mesmo, nomeadamente, apólice de seguro de responsabilidade civil, livrete, titulo registo de propriedade e ficha de inspeção.
V.
7. Em data não concretamente apurada, mas certamente antes do dia 15 de Março de 2010, o arguido, munido das referidas chapas de matrícula que havia furtado, colocou a matrícula … na frente do veículo DP e na retaguarda colocou a matrícula … , passando a circular com o veículo na via pública.
8. Ao colocar as referidas matrículas no veículo DP, pretendia o arguido não ser detetado na posse do veículo furtado e ludibriar as autoridades, policiais ou outras, obtendo desta forma vantagem ilegítima e causadora de prejuízos a terceiros.
9. O veículo DP veio a ser recuperado pela GNR no dia 15 de Março de 2010, quando se encontrava na Rua principal, em Póvoa de Arcediago, em Canas de Santa Maria, apresentando vários danos, nomeadamente, riscos profundos no patim esquerdo, riscos profundos da porta traseira esquerda, riscos profundos no guarda-lamas do lado esquerdo, risco profundo no para-choques e o pneu da frente do lado direito rebentado.
10. O valor do veículo DP ascende a €20.000,00.
11. O valor dos danos provocados no veículo DP ascendem a €1.000,00 e no veículo ON ascendem a €200,00.
12. O veículo veio a ser apreendido, bem como as chapas de matrículas que ostentava e duas chaves de fendas.
13. Foi efetuada inspeção lofoscópica ao veículo, tendo sido encontrados vestígios com valor identificativo no puxador da porta direita do veículo que foi identificado com a impressão digital do dedo polegar da mão esquerda do arguido A....
14. O arguido A...., agiu de forma deliberada, livre e consciente pretendendo, e conseguindo, fazer seus os objetos acima descritos, bem como o veículo automóvel DP, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, que atuava contra a vontade dos seus donos e que não tinha quaisquer direitos sobre os mesmos.
15. O arguido A...., agindo de forma deliberada, livre e consciente, procurou obter para si uma vantagem ilegítima e causadora de prejuízos a terceiros, utilizando como instrumento para o efeito, duas chapas de matrícula contendo números e letras que não correspondiam ás verdadeiras, a fim de circular na via pública com o veículo em causa, sem que o mesmo fosse identificado pelo seu proprietário e pelas autoridades.
16. Bem sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.
Mais resultaram provados os seguintes factos:
17. O arguido A.... é solteiro; frequentou a escola até ao 8º ano de escolaridade na Alemanha junto da sua mãe; regressou a Portugal por volta dos 16 anos de idade, tendo sido colocado numa instituição em Tondela até aos 18 anos.
18. O arguido cumpriu o serviço militar obrigatório em Lisboa, onde esteve cerca de 2 anos, regressando depois à zona de Viseu; consumia estupefacientes e abusava do consumo de bebidas alcoólicas.
19. O arguido habitou em casa do seu pai cerca de 3 meses.
20. O arguido foi depois detido e preso preventivamente, encontrando-se atualmente a cumprir pena de prisão no estabelecimento prisional em Izeda, Bragança.
21. O arguido A.... possui os antecedentes criminais descritos no Certificado do Registo Criminal junto a fls. 354/369, tendo já sofrido várias condenações, entre as quais se contam 8 anos e 6 meses, 9 anos e 6 meses, 2 anos e mais 4 anos, pela prática de diversos ilícitos criminais de diferente natureza.
2.1.2. Factos não provados:
Com interesse, inexistem factos não provados.
2.1.3. A convicção do tribunal.
A convicção do tribunal resultou da ponderação de todas as declarações e depoimentos prestados, bem como de toda a documentação junta aos autos.
Vejamos os depoimentos das testemunhas.
..., 45 anos, comerciante, afirma que, na madrugada de sábado para domingo; tinha duas viaturas estacionadas na rua; tinha objetos dentro do Mitsubishi – óculos, telemóvel, no valor de €200,00 a €300,00; o veículo Nissan Navarro DP poderia valer cerca de €20.000,00; recuperou o veículo com matrículas falsas, mas não os objetos; confirma todas as matrículas e os valores dos danos.
.., pai do arguido, refere que o seu filho roubou a viatura tipo jipe e trouxe-a; as chaves foram encontradas dentro do seu veículo, mas foi o filho que as lá colocou; a GNR apreendeu o veículo, que tinha cor azul.
C..., 47 anos, comerciante e legal representante da sociedade “ … , Ld.ª”, confirma que foi retirada a matrícula do veículo Mercedes Sprinter, que veio mais tarde a recuperar através da GNR.
Por fim, ..., 59 anos, legal representante da sociedade “ … ”, confirma também que deu por falta da matrícula da frente na viatura Mitsubishi.
Assim e no que concerne aos factos relatados na acusação, dúvidas não subsistem de que foi o arguido quem furtou a viatura DP, a qual veio a ser recuperada pela GNR no dia 15 de Março de 2010 (cfr. o auto de apreensão de fls. 48) – o seu pai confirma esta situação e os relatórios de inspeção lofoscópica de fls. 22-24 e 93-95 corroboram a existência de impressões digitais do arguido no puxador da respetiva porta direita, bem como na parte exterior de um mapa de Espanha que estava no banco traseiro (portanto, no interior do próprio veículo).
E o que dizer do furto das chapas de matrícula e restantes objetos?
O arguido refugia-se no direito (legítimo, é certo) ao silêncio, procurando porventura desta forma criar nos julgadores uma hipotética dúvida sobre a proveniência destas chapas de matrícula. É certo que ninguém viu diretamente o arguido a furtar os referidos objetos, fundando-se a convicção do tribunal nas denominadas “provas indiretas” – no entanto, a prova indireta (ou indiciária) não tem estatuto de menoridade relativamente à prova direta, porquanto se naquela intervém a inteligência e a lógica do julgador, que associa o facto indício a uma regra da experiência que lhe permite alcançar a convicção sobre o facto a provar, nesta poderá intervir um elemento que ultrapassa a racionalidade, por vezes mais perigoso de determinar, que é a credibilidade da prova testemunhal.
O que em qualquer caso importa é que a convicção do julgador seja motivada e objetivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios, suportada ainda nas regras da experiência, permita fundamentar a condenação, funcionando, aqui também, o princípio da livre apreciação plasmado no art. 127 do citado diploma legal.
Nesta medida, não se exige a existência de provas diretas e cabais do envolvimento do arguido nos factos, como sucederia por exemplo se alguém afirmasse em audiência ter visto o arguido a praticar os factos ou que este próprio expressamente os confessasse – condição necessária, mas também suficiente, é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a fundamental certeza, dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define (sobre este tema da prova indiciária ou indireta, aqui se transcreve o sumário do Ac. do STJ, de 12/9/2007, processo n.º 07P4588, publicado em dgsi.pt).
Neste contexto, se a viatura DP tinha colocadas as chapas de matrícula que desapareceram dos outros dois veículos horas antes, e se nenhuma explicação é apresentada para o sucedido, parece de elementar evidência associar o arguido a estes outros ilícitos – todos vivemos no mesmo mundo!
Aquando da apreensão da viatura DP, mais foram apreendidas duas chaves de fendas (ver fotografia de fls. 60), utilizadas seguramente pelo arguido para retirar as chapas de matrícula dos outros dois veículos, colocando-as depois no veículo DP (vejam-se as várias fotografias juntas aos autos a fls. 23, 24 e 58 a 60).
Por fim, mais se constata que as chaves do veículo DP estavam dentro do veículo com a matrícula …, pelo só pode ter sido também o arguido a partir o vidro desta viatura e retirado do seu interior os demais objetos.
Ou seja, dúvidas não podem subsistir que o arguido praticou efetivamente todos os factos que lhe são imputados.
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O tribunal considerou igualmente as declarações do arguido sobre as suas condições socioeconómicas; afirmou que viveu na Alemanha com a mãe dos 3 até aos 16 anos, onde estudou até ao 8º ano; todavia, por falta de condições da sua mãe e outros problemas de inadaptação, acabou por regressar a Portugal, ingressando numa instituição até aos 18 anos; mais tarde, foi fazer o serviço militar durante 2 anos, voltando depois a esta zona; por esta altura, consumia haxixe e álcool em excesso; esteve 3 meses a habitar com o pai antes de ser preso.
Mais se atendeu ao Certificado do Registo Criminal junto aos autos.
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Conhecendo:
Analisemos as questões suscitadas:
- Errada interpretação da prova produzida relativamente aos pontos I-1, II-2, III-3 e 4, IV-5 e 6, V-7 e 8, 14 a 16, entendendo haver falta de prova para serem dados como provados tais factos.
- Fundamentação indevida em prova indireta e presunções.
- Situação que pelo menos deveria suscitar a dúvida e o arguido beneficiar do princípio in dúbio pro reo.
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- Insuficiência da matéria de facto considerada provada e consequente violação do princípio in dúbio pró reo;
Matéria de facto:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Também, se dirá que o recurso não tem como funcionalidade reexaminar a matéria de facto, e o recurso não serve para um novo julgamento.
Não há que reexaminar toda a prova produzida, mas apenas aquela que (concretizando-a) o recorrente tem como deficientemente apreciada.
O recurso sobre a matéria de facto é um remédio para corrigir patentes erros de julgamento sobre matéria apontada pelo recorrente e tendo por base a sua argumentação que pode levar a decisão diversa e apenas isso.
O recorrente questiona a matéria de facto, colocando em causa a prova e a apreciação da mesma.
O recorrente considera insuficiente a prova produzida para serem dados como provados aqueles factos (consubstanciadores dos crimes, que dos de furto quer do de falsificação) e de que pelo menos deveria resultar a dúvida (in dúbio pró reo).
Não se trata do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que como qualquer dos outros vícios elencados no nº 2 do art. 410 do CPP, são de conhecimento oficioso, sendo que os mesmos hão de resultar do próprio texto da decisão. Em causa estará a falta de prova para se darem como provados os factos dos crimes, mas não o vício elencado na alínea a) do nº 2 do art. 410 do CPP (que não se alega).
Mas alega-se o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410 nº 2 al. c) do CPP.
O erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento público generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respetiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S.T.J., de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec. (sublinhado nosso).
No caso concreto, entendemos não se verificar este vício, do texto da decisão não resulta que deveria dar-se como provada matéria diferente.
Na motivação da matéria de facto na sentença se diz, de forma justificada (análise crítica da prova) como se formou a convicção do julgador, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.
O que o recorrente alega é a desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correta face à prova produzida.
No nosso ordenamento jurídico/processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova, sendo esta valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador -, art. 127°do C. P. Penal.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
E não dispensa a prova testemunhal um tratamento cognitivo por parte do julgador mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal qual a prova indiciária de qualquer natureza, pode ser objeto de formulação de deduções ou induções baseadas na correção de raciocino mediante a utilização das regras de experiência.
A atribuição de credibilidade ou da não credibilidade a uma fonte de prova por declarações assenta numa opção motivável do julgador na base da sua imediação e oralidade que o tribunal de recurso só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum. O juiz é livre de formar a sua convicção no depoimento de um só declarante em desfavor de testemunhos contrários, cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, 207.
Na parte em que o recorrente discorda da convicção do tribunal este fundamentou-se em prova produzida, depoimentos das testemunhas que objetivamente demonstram a ocorrência dos furtos e exames efetuados, justificando a sua convicção de modo coerente e conforme às regras da experiência. Face ao depoimento das testemunhas e face à total ausência de explicação do arguido para o facto de os bens se encontrarem na posse (havendo todo um encadeamento), o tribunal só podia concluir como concluiu, imputando os factos, relativos aos crimes de furto, ao arguido.
O que o recorrente pretende é que o tribunal de recurso faça um novo julgamento e que julgue de acordo com as suas próprias convicções, o que não é viável pois que o ato de decisão pertence ao tribunal que aprecia as provas segundo as regras de experiência e a sua livre convicção, como disciplina o art. 127 do CPP.
No entender do recorrente, apenas podiam ser condenados os agentes do crime apanhados em flagrante delito.
Mas, in casu, o arguido também deixou rasto da sua atuação e, seguindo esse rasto, demonstra-se a sua autoria dos factos.
O tribunal também pode e deve socorrer-se da prova indiciária.
São bastantes os indícios quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados; por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele.
Na verdade, conforme refere Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, pág. 82) é clássica a distinção entre prova direta e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indireta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
Assim, se o facto probatório (meio da prova) se refere imediatamente ao facto probando fala-se de prova direta, se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indireta ou indiciária.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.
A associação que a prova indiciará proporciona entre elementos objetivos e regras objetivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova direta e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho (Mittermaier Tratado de la Prueba em Matéria Criminal).
Conforme refere André Marieta (La Prueba em Processo Penal, pág. 59) são dois os elementos da prova indiciária:
a) - Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Delaplane define-o como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, suscetível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido).
O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova direta (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder bens furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).
O que não se pode admitir é que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária atenta a insegurança que tal provocaria.
b) - Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício-premissa menor - permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.
A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.
A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.
A lógica tratará de explicar o correto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova da capacidade de convicção.
Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.
O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável.
Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio que há de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.
Porém o facto de também relativamente à prova indireta funcionar a regra da livre convicção não quer dizer que na prática não se definam regras que, de forma alguma se poderão confundir com a tarifação da prova. Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes e concordantes entre si.
Como salienta o acórdão do STJ de 29-02-1996, anotado e comentado na "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", Ano 6º, fascículo 4º, pág. 555 e seguintes, "a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indireta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz".
Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação (conforme Mittermaier "Tratado de Prueba em Processo Penal pág. 389) - (in Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Coletânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).
Conforme Ac. do STJ Acórdão de 11 de Julho de 2007, “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova direta (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar inter-relacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência”.
E no recurso desta Relação nº 1056/05, de 11-05-2005, “I-Na ausência de prova direta nada impede que o tribunal deduza racionalmente a verdade dos factos a partir da prova indiciária (prova artificial ou por concurso de circunstâncias).
II- No entanto, a prova indiciária deverá obedecer, em princípio, aos seguintes requisitos:
-Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis;
-Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência (reto critério humano e correto raciocínio)”.
Do exposto resulta que apesar de não haver prova direta em relação ao recorrente (ninguém o viu a retirar os objetos –veículos e chapas de matrícula), houve outra prova que conjugada permitiu, segundo as regras da experiência, concluir pela responsabilidade do recorrente.
É a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e fazendo uso da lógica que permite ultrapassar as várias probabilidades, mais ou menos adquiridas, e passar a um estado de certeza sobre o facto probando.
Assim que, fazendo a análise crítica da prova, a partir dos factos concretos provados, só se podia concluir como na sentença, em suma, todos os elementos expostos, conjugados com as regras da experiência comum, conduziram à convicção de que o arguido praticou os factos que lhe foram imputados na acusação pública e pelos quais foi condenado.
A testemunha C... confirma que foi retirado do veículo da sociedade que representa a chapa de matrícula … , que depois veio a recuperar através da GNR, o mesmo se passando com a testemunha ... em relação à matrícula 30-02-FH.
A testemunha ... confirma ter dois veículos estacionados em Viseu e num deles tinha objetos que descreve e ainda as chaves do outro veículo, que aí havia esquecido, como refere. Desapareceram os bens que estavam no veículo Mitsubishi e ainda as chaves de veículo que foram utilizadas para colocar a trabalhar o veículo Nissan Navarra, que foi levado daquele local e depois veio a ser recuperado pela GNR e entregue ao dono. Nessa altura este veículo ostentava as chapas de matrícula … .
Este Veiculo Nissan foi encontrado perto de onde mora o arguido e feito exame lofoscópico apurou-se que era do dedo polegar da mão esquerda do arguido, no puxador da porta direita.
Assim como foi indentificativo o vestígio recolhido na ”parte exterior de mapa de Espanha”, que se encontrava no banco traseiro do Nissan Navarra.
Também a testemunha .., apesar de dizer que do “local onde foram encontradas as chaves não se lembra” refere que o arguido roubou um carro em Viseu e que estava atrás da Capela, em Póvoa de Arcediago, era azul escuro, tipo jeep com caixa atrás. Que corresponde ao Nissan Navarra.
Também refere que tal teria ocorrido em 2011, pelo que tem a ver com os factos destes autos e não com factos antigos pelos quais o arguido já teria respondido.
De toda esta situação, fazendo o “volta atrás”, fácil é concluir que foi o arguido o autor de todos estes factos.
Há indícios vários que apontam no mesmo sentido e, conjugados levam ao arguido, sem réstia de dúvida.
A convicção do julgador não deixou dúvidas.
Violação do princípio in dubio pro reo:
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange (situação alegada no recurso), a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97. (sublinhado nosso)
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
Como já se disse, o que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ele -recorrente- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
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Alteração das chapas de matrícula e crime de falsificação:
Entende o recorrente que a alteração das chapas de matrícula num veículo não pode ser punido pelo art. 256 nº 1 e 3, com referência ao art. 255 do CP, mas apenas pelo nº 1 al. a).
A chapa de matrícula corporiza ou materializa o número de matrícula, e é a autoridade pública que, dentro dos limites da sua competência, efetua a matrícula dos veículos automóveis e atribui o correspondente número, sem que todavia emita as respetivas chapas.
“É a aposição da chapa de matrícula no veículo que verdadeiramente releva para efeitos de a mesma poder ser considerada jurídico-penalmente documento. Só depois de aposta no veículo, só depois de fixada no veículo de forma inamovível, é que ela cumpre o seu efeito identificador e revelador de que foi feita a matrícula do veículo e que o respetivo número é o que dela consta.
Um veículo só pode circular com chapas de matrícula, mas estas têm de expressar o correspondente número de matrícula e nenhum outro.
E a falsificação de chapas de matrícula de veículo automóvel, como ilícito criminal, consubstancia-se pela substituição das chapas com número de matrícula dado pela autoridade pública por outras com letras e números ou números e letras diversos, ou pela alteração das letras e números ou dos números e letras de uma chapa com o número de matrícula dado pela autoridade pública de modo a formar um novo número.
A substituição das chapas de matrícula com número dado pela autoridade pública por outras com o mesmo número e para apor no mesmo veículo não é crime.
Daí que, em bom rigor, a falsificação atinja não a chapa em si mas o próprio número de matrícula dado pela autoridade pública, número que, como resulta dos artigos 42.º, n.º 1, e 44.º, n.os 2 e 5, do Código da Estrada de 1954, até é anterior à emissão do correspondente certificado de matrícula que vem a ser o livrete.
A chapa de matrícula aposta num veículo constitui o suporte material, visível para toda a gente e obrigatório, de um número criado por entidade pública com competência para tal - por isso com a fé pública que daí decorre.
Não foi emitida por essa entidade, mas, uma vez fixada no veículo automóvel a que respeita a matrícula, passa a ter a mesma força probatória que um documento autêntico. Não é um documento autêntico nem um documento autenticado - a lei penal nem sequer acolheu esta classificação de documento -, mas um documento com igual força, na terminologia legal do artigo 228.º, n.º 2, do Código Penal.
Em suma, na vigência do Código Penal de 1982, redação original, a chapa de matrícula de um veículo automóvel, nele aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que a sua alteração dolosa consubstancia um crime de falsificação de documento previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 228.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, e 229.º, n.º 3, daquele diploma”.- Assento n.º 3/98, Processo n.º 45887, in DR nº 294/98 SÉRIE I-A, de 22 de Dezembro de 1998, sendo do seguinte teor o “assento”, agora acórdão de fixação de jurisprudência, “Na vigência do Código Penal de 1982, redação original, a chapa de matrícula de um veículo automóvel, nele aposta, é um documento com igual força à de um documento autêntico, pelo que a sua alteração dolosa consubstancia um crime de falsificação de documento previsto e punível pelas disposições combinadas dos artigos 228.º, n.º 1, alínea a), e 2, e 229.º, n.º 3, daquele diploma”.
E das alterações legislativas ao crime de falsificação não resulta fundamento para que se altere esta interpretação jurídica.
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Face ao exposto, temos como improcedentes as conclusões do recurso e consequentemente este.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
1- Julgar não provido o recurso do arguido A... e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Coimbra,
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