Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
485/07.4TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE
PENSÃO
JUROS DE MORA
PRESTAÇÕES DEVIDAS
Data do Acordão: 04/23/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 135º CPT E 17º, Nº 4, DA LAT
Sumário: I – Dispõe o artº 135º do Código Processo de Trabalho que na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido decididas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir, e fixa também os juros de mora pelas prestações em atraso.

II – O artº 17º, nº 4, da LAT determina que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta.

III – Há sempre lugar à fixação de juros de mora desde que se verifique atraso no pagamento de pensões e de indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor.

IV – Mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento até à data da entrega do capital de remição.

Decisão Texto Integral:               Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

Nestes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado A... , identificado nos autos, e entidade responsável Companhia de Seguros B... , tendo aquele na tentativa de conciliação designada na fase conciliatória do processo discordado apenas da não atribuição de IPP pela Sr.ª. perita médica do GML, veio, no prazo aludido nas disposições conjugadas dos artºs. 138º, nº 2 e 119º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, apresentar pedido de exame por Junta Médica.

Submetido, então, o sinistrado ao respectivo exame médico nos termos do nº 1 do artº 139º do Código de Processo do Trabalho, os Srs. peritos médicos concluíram por maioria que, em virtude do acidente dos autos, o referido sinistrado apresenta sequelas que levam a atribuir-lhe uma desvalorização de 7,5% (sete vírgula cinco por cento) com alta em 05.02.2005, tendo o Sr. perito médico da seguradora expressado opinião de que a IPP dever ser de 5% porque sequelas há que não têm nexo de causalidade com o acidente.

Proferiu-se então decisão segundo a qual se determinou que o sinistrado tinha direito a uma pensão anual de € 7.073, 50, desde o dia imediato ao da alta (ou seja 6/2/05), pensão essa obrigatoriamente remível.

Foi assim a seguradora condenada  no pagamento ao trabalhador acidentado do capital remição da pensão anula supra referida

Discordando, porque entende que lhe são  devidos também juros de mora, apelou o sinistrado, alegando e concluindo, em síntese:

1- O sinistrado tem direito a uma pensão anual no valor de € 7.073, 50 desde o dia imediato à alta - 6/2/05-

2- Ora se a fixação da incapacidade se vai retroagir ao dia seguinte ao da alta médica, tudo o mais também o será, inclusive a questão do pagamento da pensão

3- Ao sinistrado não foi estabelecida, nem paga, qualquer pensão provisória  por IP entre o dia seguinte ao da alta e o momento da fixação da pensão definitiva, nos termos do artº 17º nº 5 da LAT, o que poderia isso sim e em abstracto, afastar o pagamento  de juros de mora

4- O artº 135º do CPT estabelece que “ na sentença final o juiz considera  definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzira e fixa também, se forem devidos juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”

5- Sendo este um regime especial afasta-se a aplicação das regras do direito civil, também quanto à que questão da liquidez da dívida

6- Trata - .se de um regime excepcional ou especial em que a mora não depende da demonstração da culpa do devedor, bastando que se verifique o atraso no pagamento, desde que não imputável ao credor

7- Ora havendo ainda que proceder ao cálculo do capital de remição  a efectuar pela secretaria, são devidos juros até entrega efectiva do capital, uma vez que existe  mora, ainda que não imputável ao devedor a título de culpa

8- A sentença recorrida violou entre outras disposições legais o artº 135º do CPT e o artº 17º nº 5 da L. 100/97 de 13/9

Não houve contra alegações

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir

DOS FACTOS

É a seguinte a factualidade a ter em conta

1- A...  participou acidente de trabalho ocorrido quando laborava sob as ordens instruções e direcção da sua entidade patronal, o C...

2- Na denominada fase conciliatória do competente processo, não foi possível obter o acordo entre as partes somente porque  o sinistrado discordou da não atribuição de qualquer IPP pela Sr.ª  Perita Médica do GML

3-Requereu então exame por junta médica, que lhe atribuiu uma IPP de 7, 5%

4- A data da alta foi fixada na sentença em 5/2/05

5-  O acidente em causa  ocorreu em 24.09.2004, estando o sinistrado ao serviço de“C...” como praticante desportivo profissional de futebol;

6-  o sinistrado auferia o salário anual de 125.000,00;

8- a responsabilidade pelas consequências do acidente encontrava-se

transferida para a já referida seguradora por contrato de seguro;

9- a mesma seguradora aceitou a existência e caracterização do acidente

10- como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas pelo sinistrado e o acidente;

11-  o sinistrado nasceu em 19.05.74.

 
DO DIREITO

Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.

Pelo que no caso concreto cumpre apenas resolver se o trabalhador acidentado tem ou não direito a perceber os juros moratórios que peticiona.

Vejamos então:

Dispõe o artº 135º do CPT ( que é relativo às acções emergentes de acidentes de trabalho e doença profissionais) que na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido decididas na fase contenciosa, integra as decisões proferidas no processo principal e no apenso, cuja parte decisória deve reproduzir e fixa também os juros de mora, pelas prestações em atraso.

Como é sabido estes juros , até porque estamos no domínio dos direitos indisponíveis devem ser arbitrados ainda que não sejam pedidos ( cfr. C.J. XXVI, III; 161).

Ora no caso concreto, como oportunamente se referiu o processo apenas entrou na fase contenciosa, porque o sinistrado não aceitou o resultado da perícia que o considerava curado, sem desvalorização.

Daí a realização de junta médica, nos termos dos artºs 138º nº 2 , 139º  e 117º nº 1 b) todos do CPT.

No respectivo exame foi considerado ( o que não foi impugnado ) que o trabalhador ficou portador de uma IPP de 7, 5%, ao que corresponde uma pensão anual de € 7.073, 50, que declarada obrigatoriamente remível.

Conforme determina o artº 17º nº 4 da LAT, as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta.

Sabe-se por outro lado que a mora se traduz num incumprimento ( total ou parcial) de uma prestação que é devida e ainda passível de ser satisfeita.

Ora o artº 135º citado, corresponde exactamente ao que dispunha o artº 138º do CPT de 1981.

E no domínio de tal codificação, era já jurisprudência, pelo menos dominante, que este artº era uma  norma especial em relação ao regime geral do CCv ( artºs 804º e 805º) no que respeita à obrigação de pagamento de juros de mora, tendo carácter imperativo.

Daí que há sempre lugar à fixação deles desde que se verifique o atraso  no pagamento das pensões e indemnizações, independentemente de culpa no atraso imputável ao devedor ( Ac. STJ de 2/2/90- cfr.  Prontuário de legislação de Trabalho, nº 35º Novembro de 1990).

Estaremos assim perante um caso de mora objectiva ( apenas afastada se se demonstrar naturalmente a mora do credor, o que não é a nosso ver o caso dos autos)  e a que não obsta o facto de a obrigação não estar liquidada.

Como se refere no Ac do STJ, in CJ/STJ , VII, III, 252,  os juros de mora devem ser fixados desde a data do respectivo vencimento, sendo que é a partir daí que se verifica o atraso no pagamento.

Escreve- se ainda neste aresto . “ É este o entendimento que decorre da letra da lei e que corresponde à solução mais justa, traduzindo o pensamento legislativo de compensar o sinistrado pela demora ou atraso no pagamento de tais prestações em relação à data do seu vencimento. O legislador teve naturalmente em consideração  que as indemnizações e pensões substituem o salário perdido por causa da incapacidade sofrida em consequência do acidente, impondo-se por isso o seu pagamento na data do vencimento.

O que se pretende é uma integral compensação pelos atrasos no pagamentos e essa compensação  leva a que os juros de mora por esses atraso se reportem ao vencimento das indemnizações e pensões, independentemente de qualquer interpelação do devedor e mesmo que os respectivos montantes só posteriormente sejam liquidados”.

É certo que no caso em apreço, na primeira perícia, não foi fixada qualquer incapacidade.

Mas este facto não invalida a solução preconizada nos acórdãos citados.

Na realidade o que interessa é a fixação definitiva do grau de desvalorização permanente sofrido pelo acidentado, fixação essa que naturalmente se tem que retroagir ao dia imediato ao da alta, altura em que, como já se disse, se vence a pensão devida.

Temos assim e em resumo, que, mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar os juros de mora.

Não obviamente sobre o capital de remição( o que só em circunstâncias muito contadas pode suceder), mas obre o valor da pensão anual, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento, até à data da entrega do capital de remição, ou pelo menos até à sua disponibilização pelo responsável pela reparação infortunística.

No caso em análise foi judicialmente determinado ( sem oposição de qualquer das partes) que  a alta clínica  ocorreu em 5/2/05.

Pelo é a partir daí que são devidos os juros de mora a incidir sobre o valor da pensão determinado( neste sentido, cfr. ainda o Ac. Rel Porto de 14/7/08, in RP 200807140813129 e a doutrina e jurisprudência ali citadas).

Termos em que e concluindo, por tudo o eu se explanou se decide:

A) julgar procedente a apelação

 B) Consequentemente condenar a Ré seguradora a pagar ( também ) ao A ( sinistrado) os juros de ora à taxa legal, sobre o montante da pensão atribuída ( e não sobre o capital de remição) desde 6/2/05 até à entrega efectiva do capital de remição ao trabalhador acidentado.

                                           Custas pela Ré seguradora