Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
88/16.2T8SEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
DESPACHO
RECURSO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (SEC. COMP. GEN. DA INST. LOCAL DE SEIA - J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 73.º DO RGCO
Sumário: I – É irrecorrível o despacho, proferido, no tribunal da 1.ª instância, no âmbito de processo de contraordenação, que indefira requerimento visando a realização e produção de meio de prova.

II – O artigo 73.º do RGCC, interpretado no referido sentido, não é materialmente inconstitucional.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito dos autos de contraordenação que assumiram o n.º 88/16.2T8SEI.C1 e correram termos na Comarca da Guarda, Seia – Inst. Local – Sec. Comp. Gen – J2 por decisão da Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro de 13 de Novembro de 2014 foi a arguida A..... , Lda., condenada pela prática, a título de negligência, de três contraordenações graves, p. e p. pelo artigo 18.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 3 de Abril, na redação do Decreto-Lei n.º 126/2006, de 3 de Julho, por falta da monitorização da sua fonte fixa – caldeira, nos anos de 2009, 2010 e 2011, na coima especialmente atenuada de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), por cada uma das infrações, ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.ºs 1 e 2 alínea c) do C. Penal conjugado com o artigo 18.º, n.º 3 do Regime Geral das Contraordenações, subsidiariamente aplicável por força do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as respetivas alterações e, operado o cúmulo, na coima única de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

2. Decisão essa que foi objeto de impugnação judicial, concluindo, então, a arguida:

1. Entende a arguida que não existiu prática de qualquer contraordenação pelas seguintes razões:

2. Primeiro, a Caldeira esteve avariada entre 2009 e 2011,

3. Não funcionando e, consequentemente, não poluindo.

4. Razão pela qual a arguida não monitorizou as emissões gasosas.

5. Segundo, o responsável da fábrica padeceu de doença prolongada, no período indicado, acabando por falecer.

6. Razão pela qual foi necessária uma focalização nos serviços mínimos indispensáveis para a manutenção do legal funcionamento da fábrica.

7. Terceiro, o procedimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro foi drasticamente alterado, sem qualquer aviso prévio.

8. Na verdade, nos anos anteriores, a arguida comunicava os dados à Comissão, através de formulário por esta enviado.

9. Não o tendo feito, entre 2009 e 2011, porquanto não recebeu qualquer formulário.

Termos em que deve revogar-se a decisão recorrida, em conformidade com as conclusões.

3. Admitida a impugnação judicial e realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 11.07.2016, o tribunal decidiu julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo a decisão administrativa nos seus precisos termos.

4. Uma vez mais inconformada recorre a arguida, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

B1. O Tribunal recorrido indeferiu a inquirição de um técnico e a junção de um relatório técnico por ele elaborado.

B2. A inquirição da testemunha e a junção do relatório mostravam-se imprescindíveis e cruciais para a descoberta da verdade material, posto que poderiam comprovar a versão dos factos apresentada pela defesa, a qual emergia em franca distonia com aquela apresentada pela acusação, através do inspetor que lavrou o auto.

B3. Ora, tal indeferimento consubstancia uma omissão de diligência essencial para a decisão da matéria de facto, posto que a prova requerida só deve ser rejeitada quando se apresentar legalmente inadmissível ou se resultar que são irrelevantes ou supérfluas, forem de impossível ou muito duvidosa obtenção ou, ainda, tiverem finalidade meramente dilatória, o que manifestamente não era o caso dos autos.

B4. Efetivamente, com a prova requerida tinha-se em vista lograr a inquirição do técnico que introduziu as caraterísticas técnicas da máquina de tratamento do soro e, por conseguinte, poderia explicitar o seu modo de funcionamento e as alterações nela introduzidas, o que era, de todo, crucial, necessário e imprescindível para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, posta a contradição de versões levadas ao conhecimento do Tribunal a quo.

B5. Ao assim não suceder, violou o Tribunal a quo o princípio da investigação ínsito no artigo 340.º do CPP, segundo o qual cabe ao Tribunal o poder-dever de investigar todos os factos relevantes, atendendo a todos os meios de prova que não se demonstrem, pelo menos a uma primeira vista, irrelevantes para a boa decisão da verdade material.

B6. Por conseguinte, deve o despacho em crise ser declarado nulo e, em consequência, serem declarados nulos todos os atos a ele subsequentes, incluindo a própria sentença condenatória. Ademais, devem os autos ser remetidos à primeira instância para que se proceda conforme o explanado, e, a final, ser proferida nova sentença. Ad cautelam,

B7. São elementos integradores da contraordenação em crise: - existência de uma fonte fixa com emissões gasosas (elemento objetivo); - funcionamento da fonte fixa (elemento objetivo); - falta de monitorização das emissões gasosas (elemento objetivo); - que o agente tenha atuado, ao menos, com negligência (elemento subjetivo).

B8. Ora, a decisão sob escrutínio não dá como assentes a existência de uma fonte fixa ou o funcionamento da mesma.

B9. Nem tampouco tal materialidade foi invocada e provada pela entidade autuante (ou MP, em sede de audiência de julgamento), a quem competia prová-la posto que a decisão condenatória por si proferida, em caso de impugnação, equivale a acusação.

B10. Destarte, deve a arguida ser absolvida da contraordenação que lhe era imputada, por não estarem verificados todos os requisitos objetivos que integram a mesma. Para tanto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que assim julgue.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, extraídos os corolários dimanados das “conclusões” tecidas, assim se fazendo justiça.

5. O recurso foi admitido com subida imediata e efeito suspensivo.

6. Por intempestivamente apresentada o tribunal não admitiu a resposta ao recurso apresentada pelo Ministério Público.

7. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não merecer o recurso provimento.

8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, remeteu a arguida para os fundamentos já invocados no requerimento de interposição de recurso.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Questão prévia

No recurso por si apresentado, pretende a recorrente colocar em crise não só a sentença, mas ainda a decisão proferida em 30.06.2016, na sequência de esclarecimentos subsequentes por parte daquela, mantida na sessão da audiência de julgamento de 01.07.2016, que indeferiu a realização de diligências de prova só então (que não no requerimento de interposição da impugnação judicial) requeridas pela arguida, concretamente a inquirição de uma testemunha e a junção de um documento.

Contudo, por se tratar de decisão irrecorrível não pode, nesta parte, o recurso ser objeto de apreciação, circunstância que terá de conduzir à correspondente rejeição.

De facto, a decisão em causa não se inscreve em nenhum dos casos previstos no artigo 73.º do RGCC do D. L. n.º 433/82, de 27.10 (aplicável ex vi do artigo 2.º do da Lei quadro das contraordenações ambientais) que dispõe sobre as Decisões judiciais que admitem recurso, entre as quais se incluem as decisões tomadas por despacho, nos termos do artigo 64.º, quando tiver havido oposição do recorrente a tal forma de decisão e, ainda, aquelas outras que impliquem a rejeição da impugnação judicial, circunstância que, como com acerto se escreve no acórdão do TRE de 29.03.2005 (proc. n.º 678/05-1), disponível em www.dgsi.pt/jtre, sustenta a interpretação no sentido de que «... relativamente aos despachos interlocutórios, não se estará perante um caso omisso e, consequentemente, não será viável fazer aplicação subsidiária do regime que para os mesmos se estabelece no CPP».

Idêntica posição é defendida, entre outras, nas decisões proferidas em sede de reclamação pelo Presidente do TRE em 28.09.2009 (proc. n.º 226/08.9TBMRA-A.E1), em 03.11.2004 (proc. n.º 2473/04-1), pelo Presidente do TRC em 05.01.2004 (proc. n.º 3/04), nos acórdãos do TRL de 13.02.2007 (proc. n.º 101/2007 – 5), de 27.03.2014 (proc. 829/11.4TFLSB.L1-9), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Pode, assim, afirmar-se que, contrariamente ao que sucede no regime penal, no domínio contraordenacional vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões, limitação do direito ao recurso (para a Relação), essa, justificada quer em função da natureza de mera ordenação social dos ilícitos em questão, quer pelo caráter eminentemente económico das coimas correspondentes.

Constituindo esta, sem dúvida, a posição maioritariamente defendida pela jurisprudência dos tribunais superiores, não deixa a mesma de receber o conforto da doutrina como decorre das palavras de Oliveira Mendes e Santos Cabral, quando a propósito, concluem: O próprio Tribunal Constitucional tem entendido como suficiente para assegurar o direito de recurso em matéria de facto, e o princípio do duplo grau de jurisdição, a possibilidade de o tribunal de recurso poder anular a decisão recorrida se nele encontrar deficiência, contradição insanável, erro notório na apreciação da prova ou ainda inobservância do requisito cominado sob pena de nulidade insanável, como resulta do disposto no art.º 410º, n.º 2 e 3 do C.P.P.

Por igual forma se poderá dizer que a admissibilidade de recurso da decisão interlocutória no processo contraordenacional, não sendo imposta constitucionalmente, está em flagrante oposição com a natureza de tal tipo processual onde impera a celeridade e um menor formalismo. (cf. Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 3.ª Edição, Almedina, pá. 256).

 Seguindo a mesma orientação escreve Pinto de Albuquerque: São irrecorríveis as decisões interlocutórias de natureza estritamente processual, que não afetem direitos das pessoas, como, por exemplo, o despacho interlocutório que negue a realização e produção de meio de prova (acórdão do TC n.º 522/2008), o despacho de indeferimento de uma inspeção judicial requerida pelo arguido na audiência de julgamento (decisão do vice-presidente do TRL de, de 27.06.2001, In CJ, XXVI, 3, 134) o despacho de indeferimento de expedição de uma carta rogatória (decisão do presidente do TRC, de 18.05.2007, processo 111/07), o despacho de indeferimento de arguição de nulidade processual (…) proferido na pendência da fase judicial de impugnação (acórdão do TRE, de 28.6.2005, in CJ, XXX, 3, 269) - (cf. Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações, Universidade Católica Editora, pág. 301).

Semelhante interpretação não tem sido objeto de juízo de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, o qual já por mais do que uma vez foi chamado a pronunciar-se sobre a questão – (cf. vg. os acórdão do TC n.ºs 659/2006, 95/2008, 35/2012, 415/2014).

Neste sentido, debruçando-se sobre uma situação em que não foi admitido o recurso interposto de uma decisão judicial que, no seio de um processo contraordenacional, indeferiu a realização e produção de um meio de prova, dando, então, origem à arguição da inconstitucionalidade material do artigo 73.º do RGCC, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 73.º do Regime Geral das Contraordenações, interpretada no sentido de que é irrecorrível o despacho interlocutório que, em primeira instância, negue a realização e produção de meio de prova, no âmbito de processo de contraordenação (cf. acórdão do TC n.º 522/2008), respigando-se do aresto:

 A questão da irrecorribilidade do despacho que indeferiu um meio de prova convoca a problemática do direito ao recurso, ou seja, ao duplo grau de jurisdição.

Note-se que o direito ao recurso (a que se refere o n.º 1 do artigo 32.º) é coisa diferente do direito de audiência e defesa que o n.º 10 do mesmo preceito garante em processos de contraordenação e em quaisquer processos sancionatórios. Esta última norma significa que é inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (cf. JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, t. I, Coimbra, 2005, 363).

Das garantias gerais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, vertidas, nomeadamente, no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, não decorre um direito ao recurso, ou seja, à reapreciação das decisões judiciais por um tribunal superior (neste sentido, cf., por exemplo, o Acórdão nº 589/2005).

Diferentemente, no âmbito específico do processo penal, as garantias de defesa incluem expressamente o direito ao recurso – n.º 1 do artigo 32.º, na redação resultante da revisão constitucional de 1997.

O problema que se coloca é o de saber em que medida este princípio da «constituição processual penal» (…) é transponível para o processo contraordenacional. A esta questão o Tribunal Constitucional tem recorrentemente respondido com a afirmação da «não aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal», que, no entanto, é «conciliável com a “necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contraordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal” (cf. Acórdão n.º 659/2006 e jurisprudência aí citada).

(…)

Não estando constitucionalmente consagrado um direito ao recurso de todas as decisões proferidas em processo penal, por maioria de razão não pode entender-se que a Constituição imponha tal garantia no processo contraordenacional.

Em síntese:

(i) No processo contraordenacional o artigo 73.º do RGCC enumera de forma positiva os casos e os pressupostos de admissão de recurso para o Tribunal da Relação;

(ii) Não deixando de contemplar decisões tomadas por despacho, nos termos do artigo 64.º do RGCC, e, ainda, aquelas outras que impliquem a rejeição da impugnação judicial, circunstância que contraria o pensamento de que relativamente aos despachos interlocutórios se está perante um caso omisso a justificar a aplicação subsidiária do regime que, para os mesmos, decorre do CPP;

(iii) Ao contrário do que sucede no regime penal, no domínio contraordenacional vigora o princípio da irrecorribilidade das decisões;

(iv) Tal limitação do direito ao recurso (para a Relação) encontra justificação quer em função da natureza de mera ordenação social dos ilícitos em questão, quer pelo caráter eminentemente económico das coimas correspondentes;

(v) A interpretação a que se procede do artigo 73.º do RGCC (no sentido ser irrecorrível o despacho interlocutório que rejeita a produção e realização de meios de prova), como vem decidindo, o Tribunal Constitucional, não encerra qualquer inconstitucionalidade material da norma em questão.

Impõe-se, pois, rejeitar o recurso na parte em que incide sobre o despacho interlocutório que indeferiu a realização e produção dos meios de prova requeridos pela arguida (no caso em momento posterior à apresentação do requerimento de impugnação judicial, no qual havia oferecido prova), porquanto, à luz do artigo 73.º do RGCC, é o mesmo irrecorrível.

2. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões (na parte não prejudicada pelo supra decidido), as quais consabidamente delimitam o objeto do recurso, a questão a decidir resume-se a saber se decorrem da sentença os elementos objetivos dos ilícitos contraordenacionais imputados à arguida/recorrente.

3. A decisão recorrida

Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]:

A. Factos Provados

Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A arguida A... , Lda. Não procedeu a medidas de autocontrolo na sua fonte de emissões gasosas “Caldeira” através da monitorização pontual, nos anos de 2009, 2010 e 2011.

2. A arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir com a obrigatoriedade de proceder à monitorização pontual da fonte de emissões gasosas e enviar o respetivo relatório de autocontrolo à autoridade administrativa, o que não fez.

3. A arguida não tem antecedentes contraordenacionais ambientais.

4. No ano de 2013, a arguida procedeu à monitorização da sua fonte de emissão, dando cumprimento aos VLE aplicáveis.

5. No ano de 2013 a arguida apresentou um lucro tributável no valor de € 92.110,37.

6. Já no ano de 2014 apresentou um lucro tributável no valor de € 279.074,04.

7. O responsável da fábrica padeceu de doença prolongada, no período indicado em 1., acabando por falecer.

8. Com a conduta referida em 1. A arguida não suportou os custos com a realização das medidas de autocontrolo na sua fonte de emissão sujeita a VLE através de entidade legalmente credenciada para o efeito.


*

B. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Designadamente não se provou que:

a. A caldeira estava avariada e, como tal não funcionava, nos anos de 2009, 2010 e 2011.

b. Em consequência do referido em 7. Foi necessária uma focalização nos serviços mínimos indispensáveis para a manutenção do legal funcionamento da fábrica.

c. O procedimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro foi alterado, sem qualquer aviso prévio.

d. A recorrente não comunicou os dados à entidade administrativa no período indicado em 1. Porquanto não recebeu qualquer formulário.


*

C. Motivação da matéria de facto

Estriba a decisão do Tribunal quanto aos Factos Provados e Não Provados, acima enunciada, a articulação de todos os meios de prova apresentados em Audiência de Discussão e Julgamento de que resultou valor probatório, devidamente articulados com as regras da experiência comum e que permitiram, no seu conjunto, ao Tribunal alcançar as conclusões que infra melhor se fundamentam.

Para a prova do referido em 1. Consideramos, no essencial, o teor do depoimento prestado pela testemunha F... que elaborou o auto de participação junto a fls. 9, que se nos afigurou isento, credível e espontâneo.

No demais, explicitou os procedimentos tomados pela entidade administrativa no que concerne aos elementos de monitorização e, bem assim, que até ao ano de 2009 essas informações eram veiculadas pelas empresas em formato papel e que, a partir do ano de 2010, tudo passou a ser processado através de uma plataforma online, sendo certo que para aceder à mesma era necessário efetuar um login, cujos elementos apenas eram detidos pelas próprias empresas, com obrigação legal de prestar tais elementos.

No decurso do seu depoimento, junto o documento que se encontra a fls. 78, donde constam horas de funcionamento da caldeira (vide “produção de vapor”) nos anos de 2009 a 2011. O teor dessa documento foi complementado pela informação posteriormente junta a fls. 122 a 124, onde se pode ler “ a submissão com sucesso dos dados relativos de Emissões” dos anos de 2010 e 2011, confirmado por e-mail remetido pela autoridade administrativa para “ A... .pt”, endereço eletrónico coincidente com o de que o “Sr. E...” era titular, conforme corroborado pela testemunha B... , funcionário da sociedade arguida.

A prova do facto referido em 2. Resulta da conjugação do mencionado supra, com as regras da experiência comum, assim como, com a circunstância de resultar dos autos que nos anos anteriores e posteriores a 2009, 2010 e 2011 a sociedade arguida cumpriu com as obrigações que sobre si impendiam no que concerne à monitorização pontual da fonte de emissões gasosas e envio do respetivo relatório de autocontrolo à autoridade administrativa.

A prova dos factos ínsitos em 3., 4. e 8 resultam do próprio teor da decisão administrativa, os quais não foram colocados em crise pela recorrente, sendo certo que o ponto 8. Resulta, igualmente, da conjugação do teor do depoimento da testemunha F... com as regras da experiência comum.

Para a tomada de posição dos factos mencionados em 5. e 6. Mostrou-se crucial a análise das declarações de IRC da sociedade arguida juntas a fls. 57 a 73, devidamente submetidas a contraditório em sede de audiência de julgamento.

Por fim, o mencionado no ponto 7. Foi afirmado quer pelo legal representante da sociedade arguida, quer por todas as testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, com exceção da que é estranha à sociedade.


*

A tomada de posição quanto aos factos veiculados em a) resulta da inexistência de prova cabal que sustentasse o aí alegado. Na verdade, e pese embora as testemunhas indicadas pela sociedade arguida tenham afirmado que a caldeira não trabalhou no período em questão, esse facto foi notoriamente colocado em crise pela conjugação do teor dos documentos juntos a fls. 78 e 122 a 124 que já tivemos oportunidade de fazer referência supra com o depoimento da testemunha F... .

De realçar, ainda, que o depoimento das testemunhas foi pouco espontâneo, e com contradições notórias, crendo este Tribunal que estas não tinham conhecimento direto sobre tal circunstância. Vejamos mais pormenorizadamente.

O legal representante da sociedade, que apenas começou a exercer funções na empresa, no ano de 2013, ou seja, após a morte do seu progenitor, referiu que a caldeira não funcionava, até porque, alegadamente tinham encontrado uma solução alternativa àquela, com custos menores, e que passava pela utilização da máquina de soro e do recuperador de calor. Partindo do pressuposto de que nos anos de 2009 a 2011 pouco (ou nenhum!) conhecimento detinha quanto ao funcionamento da sociedade arguida, foi deveras manifesto que o por si afirmado não resulta de factos de que tenha tido conhecimento direto.

O mesmo se diga da testemunha B... , funcionário da sociedade arguida, que num primeiro afirmou que deixaram de usar a caldeira porque encontraram métodos mais económicos e, num outro momento, conseguiu relembrar que afinal a caldeira estava avariada durante os anos de 2009 a 2011. No entanto, e quando confrontado com os documentos juntos a fls. 78 e 122 a 124, afirmou não ter conhecimento dos mesmos, conjeturando a possibilidade de ter sido o “Sr. E... ” a remeter tal informação à autoridade administrativa. Mais referiu que enquanto o procedimento de comunicação dos valores atinentes à caldeira “eram manuais” era o próprio que tratava da informação, situação que se alterou quando o procedimento passou a ser informático.

Ora, por conseguinte, e contrariamente ao alegado pela sociedade arguida, o procedimento da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro não foi alterado, sem qualquer aviso prévio (cf. al. c)). A testemunha B... tinha perfeito conhecimento dos meios/mecanismos ao seu dispor, sabendo inclusivamente que a partir de determinada data os mesmos passaram a ser efetuados informaticamente. Decorre da mesma evidência lógica a não prova do facto vertido em c).

Por seu turno, a testemunha D... , que à data da prática dos factos objeto dos presentes autos era funcionário da sociedade arguida, afirmou que a caldeira já se encontrava avariada desde o ano de 2007, e não obstante ter sido imediatamente reparada – o que diverge da versão trazida aos autos pelo legal representante da sociedade arguida que informou que procedeu ao pagamento do valor de € 2.000,00 para reparação da caldeira, já no ano de 2013 -, decidiu “substituir” a sua utilização pela máquina de soro. Quanto a comunicações e documentos juntos não denotou conhecimento.

Já a testemunha C... , também funcionário da sociedade arguida, logo no início do seu depoimento afirmou saber que “a caldeira esteve parada de 2008 a 2012 … porque a água era aquecida pelo sistema de soro”. E mais não disse. A afirmação era apenas e só, desprovida de qualquer outro circunstancialismo que permitisse aferir da origem e credibilidade do por si afirmado.

Como já tivemos oportunidade de afirmar, não temos dúvida que a caldeira esteve em funcionamento nos anos de 2009 a 2011, sendo certo que ultrapassava todas as regras da experiência e da vida que a sociedade arguida tivesse efetuado as comunicações vertidas nos documentos juntos a fls. 78 e 122 a 124 relativamente a uma caldeira sem uso.

Não foi feita qualquer prova cabal do sentido da existência de uma relação causal entre o estado de saúde do responsável da fábrica e o vertido na alínea b).

A não prova do facto mencionado em c) advém da insuficiência de per se da decisão administrativa junta a fls. 237 e 238 para se concluir pela não colocação em causa da qualidade da água do Rio Paiva.

4. Apreciação

Questiona a recorrente a presença dos elementos constitutivos das contraordenações que lhe vem imputadas.

Estranhamente, porém, se atentarmos nos factos descritos na decisão administrativa, reproduzidos na sentença, relativamente aos quais aquando da impugnação judicial, na parte que ora importa, se limitou a pôr em crise o funcionamento da caldeira, alegando a sua avaria entre 2009 e 2011, motivo pelo qual não teria monitorizado as emissões gasosas, sendo certo que – aduziu então – nos anos anteriores sempre havia comunicado os dados à Comissão.

Significa, portanto, ter atingido perfeitamente o alcance da imputação, da qual se defendeu, sem sucesso, embora, já que a invocada avaria não resultou provada, razão pela qual quer, agora, abalar os pressupostos da(s) infrações quando é por demais evidente integrarem os mesmos, de forma expressa ou implícita, mas ainda assim em sentido inequívoco, a sentença.

Vejamos, pois, as normas do D.L. n.º 78/2004, de 3 de Abril que fundamentam a imputação das contraordenações:

- Artigo 18.º, integrado na Secção da Monitorização das emissões, sob a epígrafe Medições:

1 – O autocontrolo das emissões sujeitas a VLE é obrigatório e da responsabilidade do operador.

2 - O autocontrolo das emissões é efetuado nos termos fixados na respetiva autorização ou licença da instalação, mas sempre no respeito pelas disposições constantes do presente diploma ou de acordo com o estipulado nos artigos 19.º a 22.º do presente diploma.

(…)

- Artigo 19.º, sob a epígrafe Monitorização pontual:

1 – Estão sujeitas a monitorização pontual, a realizar duas vezes em cada ano civil, com um intervalo mínimo de dois meses entre medições, as emissões de poluentes que possam estar presentes no efluente gasoso, para os quais esteja fixado um VLE nos termos do n.º 1 do artigo 17.º, e cujo caudal mássico de emissão se situe entre o limiar mássico máximo e o limiar máximo mínimo fixados nas portarias a que se refere o mesmo artigo.

- Artigo 34.º, sob a epígrafe Contraordenações e coimas:

(…)

2. Constitui contraordenação grave, punível (…)

(…)

d. A violação de obrigação da realização de autocontrolo, nos termos do artigo 18.º;

(…).

Com base em semelhante complexo normativo concluiu o julgador:

Considerando a matéria de facto tida por provada, verificamos que a sociedade arguida não procedeu a medidas de autocontrolo na sua fonte de emissões gasosas “Caldeira” através da monitorização pontual, nos anos de 2009, 2010 e 2011 e, bem assim, que a mesma não agiu com a diligência necessária para cumprir com a obrigatoriedade de proceder à monitorização pontual da fonte de emissões gasosas e enviar o respetivo relatório de autocontrolo à autoridade administrativa, o que não fez.

E o que contrapõe a recorrente?

Não ter ficado demonstrado tratar-se de uma fonte fixa, por um lado, e em funcionamento, por outro.

Se as fontes fixas se traduzem nas emissões lançadas à atmosfera por um ponto fixo, ocupando uma área relativamente limitada, permitindo, assim, uma avaliação direta na fonte, contrastando com as fontes móveis que, ao invés, sendo provenientes de fontes em movimento (compreendendo os veículos, comboios, aviões, embarcações marítimas), se dispersam pela comunidade tornando inviável a avaliação na base de fonte por fonte, naturalmente que, estando em causa a ausência de autocontrolo na sua fonte (caldeira), através da monitorização pontual, da medida de emissões gasosas (cf. o pontos 1 e 2 dos factos provados), só por distração se justifica a alegação de não decorrer do acervo factual a existência de uma fonte fixa.

Também a pretensa ausência da consagração do funcionamento da fonte não passa de sofisma, traduzido numa argumentação falaciosa, porquanto manifesto se torna reportarem-se os factos a uma fonte em funcionamento (como a recorrente nunca deixou de estar ciente) pois só assim se compreende a imputação relativamente aos anos em referência (2009, 2010 e 2011) das condutas traduzidas na omissão de autocontrolo, com o correspondente benefício para a recorrente de não haver suportado o respetivo custo.

Na lógica da decisão o funcionamento da fonte fixa é o pressuposto da imputação, é o dado adquirido sem o qual esta não seria possível, aspeto de todo apreensível à luz dos factos provados.

Obviamente que ao invocar a avaria da caldeira no período em questão, logo o seu não funcionamento, pretendeu a recorrente paralisar o pressuposto da imputação, sem que, contudo, tenha alcançado o seu propósito.

Neste quadro, manifesta se torna a improcedência do recurso.

III. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal em:

a. Rejeitar, por irrecorribilidade da decisão, o recurso na parte em que versa sobre o despacho interlocutório de indeferimento de realização e produção de meios de prova;

b. Julgar improcedente o recurso.

c. Condenar a recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs

Coimbra, 16 de fevereiro de 2107  

[Processado e revisto pela relatora]

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)