Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
318/06.9TBCDN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: VENDA POR AMOSTRA
COMPRA E VENDA COMERCIAL
Data do Acordão: 09/09/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 469º, DO CÓDIGO COMERCIAL; 919º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Do confronto dos artigos 469º, do Código Comercial, e 919º, do Código Civil, resulta a identidade substancial do conceito de venda sobre amostra, consagrador da modalidade da amostra-tipo, como sendo aquela que apresenta “qualidades iguais às da amostra”.

2. A modalidade de venda sobre amostra-tipo envolve uma condição suspensiva, cuja não verificação, ou seja, a da conformação da mercadoria com a amostra, importa a ineficácia do acto, mas em que o comprador não pode rejeitar a mercadoria, desde que a qualidade seja a mesma.

3. A constatação registada por um terceiro, comitente, de que o material fornecido pelo vendedor tinha dimensões não adequadas à obra, não significa que a mercadoria contratada entre as partes não fosse ou não tivesse sido da mesma qualidade da amostrada veiculada pela autora e colhida pela ré, não se demonstrando, assim, a existência de desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado.

4. Na venda mercantil, o exercício dos direitos do comprador está condicionado pela observância de um ónus, que se traduz no exame da mercadoria e na denúncia ao vendedor, no prazo de oito dias, que não consubstancia um prazo de caducidade, por parte daquele, de qualquer diferença em relação à amostra apresentada, sob pena de decaimento do mesmo, em todos os direitos que, em princípio, resultam do inadimplemento do vendedor, perfectibilizando-se o contrato, presumindo a lei, «iuris et de iure», então, a aceitação pelo comprador da mercadoria entregue pelo vendedor.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

A... , sociedade por quotas, com sede na ...., Condeixa-A-Nova, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra, sociedade por quotas, com sede na ...., em Évora, pedindo que, na sua procedência, esta seja condenada a pagar à autora a quantia de €10.147,09, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde o vencimento de cada uma das facturas e até bom e efectivo pagamento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que vendeu à ré, a pedido desta, os artigos mencionados nas facturas que juntou, sendo certo que esta não pagou o respectivo preço.

Na contestação, a ré alega, em resumo, que, relativamente aos produtos a que se refere a factura nº 197, o material fornecido não tem as características do encomendado, o que não permitiu a sua utilização em obra, tendo perdido o interesse na prestação da autora, sendo certo que, quanto aos demais fornecimentos, apesar do que consta das facturas, ficou acordado que o correspondente pagamento apenas teria lugar, num único acto, em função da libertação de verbas, por parte do dono da obra.

A ré deduziu ainda reconvenção, alegando danos decorrentes do facto de a autora não ter procedido ao levantamento dos cubos de granito respeitantes à factura nº 197, com a deslocação e guarda do material, que ascendem a €1.000, e bem assim como prejuízos para a sua imagem, que quantificou em €5.000.

A ré-reconvinte conclui com o pedido de absolvição parcial, em relação à pretensão deduzida pela autora, condenando-se esta a pagar-lhe o montante de €6.000, acrescido de juros de mora, e bem assim como a providenciar pela recuperação e transporte dos cubos de granito, no prazo de dez dias, devendo fixar-se, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €50, por cada dia de atraso.

Na réplica, a autora nega qualquer desconformidade do material fornecido com o encomendado e impugnou os factos relativos aos danos invocados pela ré, sustentando a improcedência da reconvenção, e pedindo a condenação desta como litigante de má-fé, em multa e indemnização, a favor da autora, em montante não inferior a €1.000.

A sentença julgou a acção procedente e, consequentemente, condenou a ré “B...” a pagar à autora “A...” a quantia de dez mil cento e quarenta e sete euros e nove cêntimos (€ 10.147,09), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa de juros a que se refere o artigo 102º, do Código Comercial (9,25%, até 30 de Junho de 2006; 9,83%, entre 1 de Julho de 2006 e 31 de Dezembro de 2006; 10,58%, entre 1 de Janeiro de 2007 e 30 de Junho de 2007, e de 11,07%, a partir desta última data), até integral e efectivo pagamento, contados nos seguintes termos, ou seja, sobre €1.213,28, desde 24 de Fevereiro de 2006; sobre €2.346,49, desde 7 de Março de 2006; sobre €3.876,92, desde 13 de Março de 2006; e sobre €2.710,40, desde 22 de Março de 2006, julgando ainda a reconvenção, improcedente por não provada, absolvendo, em conformidade, a autora dos pedidos contra si formulados.

Desta sentença, a ré interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

1ª – A ré logrou provar a existência da desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado, no que se reporta aos "cubos" de granito - Cfr. doc. n° 7 junto à douta p.i.

2ª - As partes estabeleceram um contrato de compra e venda sobre amostra, previsto no art. 919° do C.C.

3ª - O artigo 469° do Código Comercial deve-se aplicar nos presentes autos, que não o artigo 914° do C.C., face à natureza comercial das actividades desenvolvidas pelas partes.

4ª - A cominação para o incumprimento contratual da autora, assenta na ineficácia do contrato, assistindo à ré o direito de rescindir o mesmo.

5ª - Sendo certo que a autora agiu com claro e manifesto dolo.

6ª - Na factura n°197, de 22 de Março de 2006, não são indicadas quaisquer medidas dos "cubos", ou seja, não são descritas as características dos mesmos - Cfr. doc. n°7, junto à douta p.i..

7ª - Ao invés dos demais produtos fornecidos pela autora à ré, onde nas respectivas facturas, as medidas daqueles são devidamente descriminadas - Cfr. docs. n°s 1, 3 e 5 juntos à douta p.i.

8ª - Por conseguinte, a autora tentou ocultar dolosamente as reais medidas do produto fornecido em causa, ou seja, os "cubos" de granito - Cfr. art. 916°, n°1 do C.C.

9ª - Apostando, seguramente, na dificuldade da ré na percepção da
desconformidade sub judicio, por não visível.

10ª - Por tal razão, só quando a ré, conjuntamente, com o fiscal da obra, analisaram o produto fornecido, em 24 de Março de 2006, se aperceberam da situação.

11ª - Na sequência, a ré denunciou, de imediato, tal situação junto da autora, concretamente, em 28 de Março de 2006.

12ª - A denúncia efectuada pela ré à autora foi tempestiva e nos termos do consignado no artigo 471° do Cód. Com.

Aliás, e em bom rigor

13ª - A reclamação da ré seria sempre tempestiva, atento o facto da autora ter usado de dolo, ao tentar ocultar a desconformidade do produto fornecido aquela, de acordo com o disposto no artigo 916o do C.C.

Por último, refira-se ainda o seguinte:

14ª - A matéria de facto reputada por provada elencada no ponto n°17, deve ser alterada, eliminando-se a referência a qualquer variação das medidas do produto fornecido pela autora à ré, ao abrigo do disposto na alínea b), do n°1, do artigo 712° do CPC, nos seguintes termos: "Antes de a A. ter fornecido os materiais referidos em 9 a A. facultou à Ré algumas amostras de "cubos " de granito, de corte não regular e perfeito, com a medida de 11X11 cm".

15ª - Face ao sobredito, não poderá manter-se a douta decisão proferida em 1a instância, devendo a mesma ser alterada, negando-se provimento ao pedido formulado pela autora e em consequência, apreciando-se o pedido reconvencional formulado pela aqui apelante.

16ª - O Meritíssimo Juiz “a quo violou o correcto entendimento dos preceitos legais aludidos na presente peça.

Nas suas contra-alegações, a autora defende que deve ser confirmada a sentença recorrida.

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:
I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
II – A questão da venda sobre amostra.

                 I. DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Entende a ré que matéria de facto inserta da resposta ao ponto nº 3 da base instrutória, deve ser alterada, eliminando-se a referência a qualquer variação das medidas do produto fornecido pela autora à ré, por forma a que do mesmo fique a constar que «Antes de a A. ter fornecido os materiais referidos em 9 a A. facultou à Ré algumas amostras de "cubos " de granito, de corte não regular e perfeito, com a medida de 11X11 cm», ao abrigo do disposto na alínea b), do n° 1, do artigo 712°, do CPC.
O Tribunal julga segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, apreciando, livremente, as provas, de modo a chegar à decisão que lhe parecer justa, de acordo com o disposto pelo artigo 655º, nº 1, do CPC.
Mas, se o Tribunal formou a sua convicção com base em determinados meios de prova e se estes não chegam ao conhecimento da Relação, não pode, razoavelmente, reconhecer-se a esta o poder de alterar o julgamento da matéria de facto realizado em 1ª instância.
Porém, a regra da imutabilidade do julgamento efectuado, em 1ª instância, sobre a matéria de facto conhece excepções, entre as quais se destaca aquela veiculada pela apelante, ou seja, em conformidade com o estipulado pelo artigo 712º, nº1, b), do CPC, quando “…os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;”.
E este é o caso de o Tribunal «a quo» ter desprezado a força probatória de documento não impugnado, nos termos legais[1].
Porém, não é esta a hipótese que se configura, porquanto a pretensa alteração suscitada pela ré não se baseia em qualquer elemento insusceptível de ser contrariado por outras provas, sendo certo, igualmente, que não requereu a reapreciação da matéria de facto, ao nível da prova objecto de gravação, nos termos do disposto pelo artigo 712º, nº1, a), do CPC.
Assim sendo, tendo-se respondido ao ponto nº 3 da base instrutória, provado que «antes de a autora ter fornecido os materiais referidos em I) a autora facultou à ré algumas amostras de “cubos” de granito, de corte não regular e perfeito, com medidas que rondavam 11x11 cm (com variação - para mais e para menos - de cerca 2 cm)», e não tendo o mesmo sido impugnado, em conformidade com as hipóteses contempladas pelo artigo 712º, nº 1, do CPC, deve considerar-se como consagrada esta parte da matéria de facto.
Nestes termos, o Tribunal da Relação entende que se devem declarar como demonstrados os seguintes factos, a que se acrescenta, porém, um facto novo, sob a alínea O), com base no teor do documento de folhas 67, atento o disposto pelos artigos 373º, nº 1 e 376º, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3 e 713º, nº 2, do CPC:
A autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração, transformação, comércio, importação e exportação de granitos, mármores, rochas e similares – A).
A ré dedica-se à construção civil – B).
No âmbito das suas actividades comerciais, a autora forneceu à ré, a solicitação desta, 60.770 metros lineares de lancil cinza serrado, 25X15, ao preço unitário do metro linear de €16,50, sem IVA, material que foi entregue em 24 de Fevereiro de 2006 – C).
Aquando da entrega da mercadoria, referida em C), a autora emitiu e entregou à ré, para pagamento, a factura n°129, no montante de €1002,71, acrescido de IVA, à taxa de 21%, no valor de €210,57 – D).
No âmbito das suas actividades comerciais, a autora forneceu à ré, a solicitação desta, em 7 de Março de 2006, 117,53 metros lineares de lancil cinza serrado, 25X15, ao preço unitário do metro linear de €16,50, sem IVA – E).
Aquando da entrega da mercadoria, referida em E), a autora emitiu e entregou à ré, para pagamento, a factura n°160, no montante de €1 939,25, acrescido de IVA, à taxa de 21%, no valor de €407,24 – F).
No âmbito das suas actividades comerciais, em 13 de Março de 2006, a autora forneceu à ré 71,70 metros lineares de lancil granito serrado, 25X15, ao preço unitário do metro linear de €16,50, sem IVA, 55,00 metros lineares de lancil granito serrado, 25X15, ao preço unitário do metro linear de €10,50, 200,00 metros lineares de lancil serrado, 8X12,5, ao preço unitário do metro linear de €6,00, 17,92 metros lineares de lancil granito serrado, 8X12,5X112, em duas peças de granito, ao preço unitário de €6,00, e duas unidades de curvas de granito, 15X25, ao preço unitário de €68,00 – G).
Aquando da entrega da mercadoria, referida em G), a autora emitiu e entregou à ré, para pagamento, a factura n°175, no montante de €3 204,07, acrescido de IVA, à taxa de 21%, no valor de €672,85 – H).
No âmbito das suas actividades comerciais, a autora forneceu à ré duas remessas e quantidades de 140,00 metros quadrados de cubos de granito, ao preço unitário do metro quadrado de €8,00 (sem IVA), sendo o preço de cada remessa de €1 120,00 – I).
Aquando da entrega da mercadoria, referida em I), a autora emitiu e entregou à ré, para pagamento, a factura n°195, no montante de €2 710,40, acrescido de IVA, à taxa de 21%, no valor de €470,40, com data de vencimento de 22 de Março de 2006 – J).
O material, referido em I), foi entregue à ré, pela firma, subcontratada para o efeito pela autora, a “Cigran - Comércio e Indústria de Granitos, Lda” – K).

A primeira remessa do material, referido em I), foi entregue, a 13 de Março de 2006, e a segunda, a 14 de Março de 2006 – L).

A ré não pagou à autora as facturas, referidas em D), F), H) e J) – M).

Os materiais, referidos em C), E), G) e I), destinavam-se à obra de construção do Centro Cultural do Redondo, sita no Redondo – N).

Através de carta, datada de 28 de Março de 2006, que a ré subscreveu e endereçou à autora, relativa ao assunto “cubos de 11/11”, aquela solicitou a esta que “ordene a retirada com urgência de dois camiões de cubos, da obra do Centro Cultural do Redondo por os mesmos serem diferentes das amostras apresentadas e, não terem sido aprovados pela fiscalização” – Documento de folhas 67 – O).

A autora e a ré acordaram que o pagamento das facturas, referidas em D), F), H) e J), seria efectuado, respectivamente, em 24 de Fevereiro de 2006, 7 de Março de 2006, 13 de Março de 2006 e 22 de Março de 2006 – 1º.

A ré foi contratada para proceder à obra, referida em N), pela Câmara Municipal do Redondo – 2º.

Antes de a autora ter fornecido os materiais, referidos em I), facultou à ré algumas amostras de “cubos” de granito, de corte não regular e perfeito, com medidas que rondavam 11x11 cm (com variação - para mais e para menos - de cerca 2 cm) – 3º.

Em data não apurada, anterior a 28 de Março de 2006, o fiscal da obra, referida na resposta ao ponto nº 2, por considerar que os “cubos” fornecidos pela autora tinham dimensões não adequadas à obra, não permitiu que a ré os utilizasse nessa obra – 4º.

Os cubos de granito, referidos em I), nunca foram utilizados pela ré – 5º.

Em 28 de Março de 2006, a ré remeteu à autora a comunicação junta a folhas 67, cujo teor a sentença dá por reproduzido – 6º.

Em 2 de Maio de 2006, a ré, através do seu advogado, remeteu à autora a comunicação junta a folhas 67, cujo teor a sentença dá por reproduzido – 7º.

A autora não levantou os materiais, referidos em I), tendo a ré procedido ao seu armazenamento, em local diferente onde havia sido efectuada a descarga – 8º.

Para proceder à guarda do material, referido em I), a ré teve de utilizar mão-de-obra, que deveria ser utilizada na obra, e utilizar viaturas próprias – 9º.

Para proceder à guarda do material, referido em I), a ré teve custos de valor não apurado – 10º.

A ré é uma empresa de cariz, eminentemente, familiar e dedica-se, essencialmente, à realização de obras públicas, sendo grande parte dos seus clientes câmaras municipais – 12º.

A obra, referida em N), já foi concluída – 15º.

                           II. DA VENDA SOBRE AMOSTRA

Sustenta a ré, em síntese, neste particular, que ficou provada a desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado, no que se reporta aos "cubos" de granito, tendo as partes celebrado um contrato de compra e venda sobre amostra, regido pelo artigo 469° do Código Comercial, e não pelo artigo 914° do Código Civil.

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, no que interessa à apreciação e decisão do cerne da apelação, importa reter que, no exercício da actividade comercial a que se dedica, a autora forneceu à ré, a solicitação desta, para a construção civil que desenvolve, várias unidades de lancil, curvas de granito e cubos de granito, no valor total, incluindo IVA, de 10617,49€, que a ré não pagou, vencendo-se as facturas parcelares respectivas, em 24 de Fevereiro de 2006 [1002,71€+210,57€], 7 de Março de 2006 [1939,25€+407,24€], 13 de Março de 2006 [3204,07€+672,85€] e 22 de Março de 2006 [2710,40€+470,40€], correspondentemente.

Com efeito, no que toca ao fornecimento realizado a coberto da factura nº 197, a única cujo pagamento a ré questiona, ficou provado que, em relação às duas remessas de cubos de granito em apreço, sendo a primeira entregue, a 13 de Março, e a segunda, a 14 de Março de 2006, a autora, anteriormente a estas datas, já havia facultado à ré algumas amostras de “cubos” de granito, de corte não regular e perfeito, com medidas que rondavam 11x11 cm, com variação, para mais e para menos, de cerca 2 cm.
Porém, em data não apurada, anterior a 28 de Março de 2006, o fiscal da Câmara Municipal do Redondo, obra para que a ré fora contratada, por considerar que os “cubos” fornecidos pela autora apresentavam dimensões não adequadas à mesma, não permitiu que a ré as utilizasse nessa obra.
Neste particular, deve enfatizar-se ainda o teor da resposta explicativa ao ponto nº 3, em que se destaca que “antes de a autora ter fornecido os materiais referidos em I) a autora facultou à ré algumas amostras de “cubos” de granito, de corte não regular e perfeito, com medidas que rondavam 11x11 cm (com variação - para mais e para menos - de cerca 2 cm)”[2], e bem assim como da resposta restritiva ao ponto nº 4 da base instrutória, no qual, à pergunta sobre se “os cubos de granito referidos em I) apresentavam medidas de 11x7cm, 11x9cm e 9x9cm, o que não permitia a sua utilização na obra?”, se respondeu, tão-só, “em data não apurada, anterior a 28 de Março de 2006, o fiscal da obra referida na resposta ao ponto nº 2, por considerar que os “cubos” fornecidos pela autora tinham dimensões não adequadas à obra, não permitiu que a ré as utilizasse nessa obra”.

Por seu turno, a ré já concluiu a obra, sem ter utilizado os cubos de granito referidos, apesar de se não haver demonstrado, desde logo, porque aquela não o alegou, que tenha utilizado outros cubos de granito, próprios ou adquiridos a outrem.

Neste enquadramento, em 28 de Março de 2006, a ré subscreveu e endereçou à autora uma carta, relativa ao assunto “cubos de 11/11”, em que solicitou a esta que “ordene a retirada com urgência de dois camiões de cubos, da obra do Centro Cultural do Redondo por os mesmos serem diferentes das amostras apresentadas e, não terem sido aprovados pela fiscalização”, e que, em 2 de Maio de 2006, através do seu Advogado, lha remeteu, de novo.

Quer isto dizer que a autora, antes de fornecer à ré as duas questionadas remessas de cubos de granito, facultou-lhe algumas amostras desse produto, não com as medidas padronizadas de 11x11 cm, 11x7 cm, 11x9 cm ou 9x9 cm e com forma geométrica, como se perguntava, mas antes de corte não regular e perfeito, com medidas que rondavam 11x11 cm, com variação, para mais e para menos, de cerca 2 cm, mas sem que se tenha demonstrado que os aludidos cubos de granito não permitiam a sua utilização na obra, porquanto, tão-só, o fiscal camarário não consentiu que a ré os utilizasse na mesma, por considerar que os “cubos” fornecidos pela autora apresentavam dimensões não adequadas à obra.
Por outro lado, tendo a ré recebido as duas remessas de cubos de granito, a 13 e a 14 de Março de 2006, não obstante em data não apurada, anterior a 28 de Março de 2006, o fiscal camarário não ter permitido que a ré os utilizasse na obra, por considerar que os “cubos” fornecidos pela autora tinham dimensões não adequadas à mesma, tão-só, em 28 de Março de 2006, a ré subscreveu e endereçou à autora a carta em que lhe solicitava a retirada urgente de dois camiões de cubos, ou seja, catorze ou quinze dias após a recepção da encomenda.
O artigo 2º, do Código Comercial, diz que “serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”, acrescentando o respectivo artigo 463º, no seu nº 3, que “são consideradas comerciais a venda de cousas móveis, em bruto ou trabalhadas,…, quando a aquisição houvesse sido feita no intuito de as revender;”.

Por seu turno, preceitua o artigo 469º, do mesmo diploma legal, que “as vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada”.

O normativo acabado de considerar faz apelo ao conceito de venda sobre amostra, adoptado, também, pelo artigo 919º, do Código Civil, segundo o qual “sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto”.

Há duas modalidades de amostras, ou seja, a amostra-tipo, quando se contrata uma qualidade, rigorosamente, igual à amostra apresentada, e, portanto, correspondente aos seus caracteres específicos, e a simples amostra ou amostra específica, quando a mercadoria deva corresponder ao tipo, unicamente, nos seus caracteres gerais, sem que se exija uma identidade absoluta[3].

Na amostra-tipo, o comprador não pode rejeitar a mercadoria desde que a qualidade seja a mesma, porquanto foi essa a qualidade ajustada, enquanto que na amostra específica, porque ajustou não a qualidade, mas a espécie, pode deixar de concluir o contrato, havendo-o por desfeito.

Face ao exposto, resulta do confronto dos artigos 469º, do Código Comercial, e 919º, do Código Civil, que, considerando-se sempre as vendas sobre amostra como tendo sido “feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada” ou de apresentarem “qualidades iguais às da amostra”, aqueles diplomas legais se referem, manifestamente, às amostras-tipo, embora seja diverso o respectivo regime sancionatório, em caso de incumprimento, na venda sobre amostra comercial e na venda sobre amostra civil.

Em geral, esta conformidade com a amostra envolve uma condição suspensiva, cuja não verificação importa a ineficácia do acto[4], porque, normalmente, o comprador não paga o preço, sem verificar se a mercadoria é igual à amostra.

Na hipótese de venda comercial, que agora interessa considerar, quando o vendedor deixa de entregar a mercadoria, nas condições convencionadas, em que se traduziu a causa impeditiva invocada pela ré, o contrato não pode considerar-se ainda perfeito, mas antes em execução, assistindo, então, ao comprador o direito de operar a sua rescisão e de lhe ser restituído o preço, nos termos das disposições combinadas dos artigos 289º e 290º, do Código Civil, desde que, por seu turno, não tenha a obrigação de restituir ao vendedor a mercadoria ou o seu valor, por não ter sido, por sua culpa, que a mesma deixou de ser aplicada[5].

Porém, antes de fornecer à ré as duas remessas de cubos de granito controvertidas, cumprindo perante esta a obrigação genérica a que se havia vinculado, a autora facultou-lhe amostras desse produto, não se tendo demonstrado que os aludidos cubos de granito não permitissem a sua utilização na obra, porquanto, tão-só, se provou que o fiscal camarário não consentiu que aquela os utilizasse na mesma, por considerar que os “cubos” vendidos pela autora apresentavam dimensões não adequadas à obra.

Assim sendo, a constatação registada pelo fiscal camarário da Câmara Municipal do Redondo não significa que a mercadoria contratada entre as partes não fosse ou não tivesse sido da mesma qualidade da amostra veiculada pela autora e colhida pela ré.

De todo o modo, a ré não demonstrou a existência de desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado, no que se reporta aos "cubos" de granito em apreço.

Mas, mesmo que assim não seja, o que se admite, em sede de mero raciocínio argumentativo, tratando-se de uma venda mercantil sobre amostra-tipo, a lei condiciona o exercício dos direitos do comprador, decorrentes do incumprimento do outro contraente, diversamente do que sucede na compra e venda civil, que o comprador pode, em qualquer altura, accionar, ressalvadas as excepções que derivam do instituto da prescrição, e, independentemente de qualquer formalidade prévia, à observância de determinados prazos.

Estipula o artigo 471º, do Código Comercial, que “as condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto da entrega e não reclamar dentro de oito dias”.

Revertendo ao caso em apreço, tendo a ré recebido as duas remessas de cubos de granito, a 13 e a 14 de Março de 2006, apenas, em 28 de Março de 2006, subscreveu e endereçou à autora a carta-reclamação sobre a desconformidade dos cubos de granito com as amostras apresentadas, solicitando a retirada urgente dos mesmos, isto é, catorze ou quinze dias após a recepção da encomenda.

Quer isto dizer que, não se tendo provado se a ré examinou ou não a mercadoria comprada, no acto da entrega, o que é facto é que não reclamou da sua desconformidade, no prazo legal de oito dias.

Assim, por força do preceituado nos artigos 469º a 471º, do Código Comercial, na venda mercantil, o exercício dos direitos do comprador está determinado pela observância de um ónus, que se traduz na análise da mercadoria e na denúncia ao vendedor, no prazo de oito dias, de qualquer diferença em relação à amostra apresentada, decaindo o comprador em todos os direitos que, em princípio, resultam do inadimplemento do vendedor, caso não cumpra o aludido ónus.

Efectivamente, este regime mais apertado que ocorre na compra e venda comercial tem a ver com a natureza da actividade mercantil, em que as operações comerciais se processam em cadeia, influenciando outras de que são o ponto de partida e tendo sido determinadas por outras que as precederam, de modo a que se não crie um clima de incerteza quanto à validade de uma dessas transacções intermédias no encadeamento com as demais.

Ora, a certeza reclama curtos prazos, razão pela qual o ónus de exame e reclamação que impende sobre o comprador comercial é estabelecido, predominantemente, em benefício do tráfico comercial, em geral, mas de que beneficia, também, o vendedor.

Porém, este ónus de exame e reclamação que incide sobre o comprador não consubstancia um prazo de caducidade, a que alude o artigo 298º, do Código Civil, repercutindo-se antes o seu não exercício no decaimento do direito que o comprador goza de reagir, nos termos gerais, contra o incumprimento contratual do vendedor, presumindo a lei, «iuris et de iure», a aceitação pelo comprador da mercadoria entregue pelo vendedor, perfectibilizando-se o contrato[6].

Assim sendo, competindo à ré a prova da existência da desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado, nos termos do disposto pelo artigo 342º, nº 2, do Código Civil, o que não aconteceu, recai sobre si a presunção, «iuris et de iure», constante do artigo 471º, do Código Comercial, nada impedindo, assim, que o contrato em análise produza todos os efeitos que lhe são próprios.  

CONCLUSÕES:

I - Do confronto dos artigos 469º, do Código Comercial, e 919º, do Código Civil, resulta a identidade substancial do conceito de venda sobre amostra, consagrador da modalidade da amostra-tipo, como sendo aquela que apresenta “qualidades iguais às da amostra”.

II – A modalidade de venda sobre amostra-tipo envolve uma condição suspensiva, cuja não verificação, ou seja, a da conformação da mercadoria com a amostra, importa a ineficácia do acto, mas em que o comprador não pode rejeitar a mercadoria, desde que a qualidade seja a mesma.

III - A constatação registada por um terceiro, comitente, de que o material fornecido pelo vendedor tinha dimensões não adequadas à obra, não significa que a mercadoria contratada entre as partes não fosse ou não tivesse sido da mesma qualidade da amostrada veiculada pela autora e colhida pela ré, não se demonstrando, assim, a existência de desconformidade entre o produto fornecido e o encomendado.

IV - Na venda mercantil, o exercício dos direitos do comprador está condicionado pela observância de um ónus, que se traduz no exame da mercadoria e na denúncia ao vendedor, no prazo de oito dias, que não consubstancia um prazo de caducidade, por parte daquele, de qualquer diferença em relação à amostra apresentada, sob pena de decaimento do mesmo, em todos os direitos que, em princípio, resultam do inadimplemento do vendedor, perfectibilizando-se o contrato, presumindo a lei, «iuris et de iure», então, a aceitação pelo comprador da mercadoria entregue pelo vendedor.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, em confirmar a douta sentença recorrida.

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Custas, a cargo da ré-apelante.


[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 472.
[2] A parte em itálico constitui a explicação contida na resposta, cujo texto, como é óbvio, não aparece na formulação da pergunta.
[3] Adriano Antero, Comentário ao Código Comercial Português, 2ª edição, III, 28 a 31.
[4] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 1997, 214 e 215.
[5] Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, III, 30 e ss.; Da Compra e Venda no Direito Comercial Português, 411 e ss.; STJ, de 22-1-1952, BMJ nº 29, 442.
[6] RC, de 20-4-1999, CJ, Ano XXIV, T2, 34; RE, de 14-12-1989, CJ, Ano XIV, T5, 270; RP, de 16-10-1980, CJ, Ano V, T4, 215.