Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
676/04.0PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 328º. Nº6, 373º DO C.P.P
Sumário: 1. O artigo 328º. nº6 do C.P.P. dispõe que o adiamento da audiência não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção da prova já realizada. No entanto,

2. O artigo 373º do CPP estipula um outro prazo para a leitura da Sentença o que significa que o artigo 328º, nº6 do C.P.P. vale para a fase que precede a redacção da decisão final

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

No processo comum singular n° 676/04.0PBLRA do 3º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria o arguido RA..., após audiência de discussão e julgamento, foi condenado como autor material de um crime de ofensa á integridade física simples, p.p pelo art 143°. n.1 do C.Penal na pena de 100 dias de multa e de um crime de injúrias, p. p. pelo art. 181° do C. Penal na pena de 60 dias de multa, na pena única de 120 dias de multa à taxa diária de 4,50€, o que perfaz o montante global de 540.00€ e na procedência do pedido cível formulado a pagar ao ofendido, a título de indemnização global pelos danos sofridos, o montante de 350,00€, acrescido dos respectivos juros de mora, à taxa legal, que deverão ser contados desde a data da notificação para contestar o pedido cível formulado até integral e efectivo pagamento.

Inconformado com a decisão interpôs recurso e formulou as seguintes conclusões:

1 . A audiência de discussão e julgamento, teve lugar no dia 24.11.2006 e continuando no dia 28.11.2006.

2 . A sentença foi proferida a 19.10.2007.

3.- Entre a data de julgamento, com produção de prova e a data em que foi proferida a sentença mediaram mais dos 30 dias, previstos pelo art. 328°, n. 6 do C.P.P.

4.- Tendo decorrido mais de 30 dias desde a audiência de discussão e julgamento até à data da leitura de sentença a prova produzida em audiência perdeu eficácia, impondo-se por isso a anulação e a repetição do julgamento. . .."

5.- No preceito do art. 328°, n° 6 do C. P.P. aflora a ideia de celeridade, permitindo ao julgador ter bem presente e vivo, no momento de decidir, o filme das provas a que assistiu."

6.- Tendo entre o dia em que se iniciou a audiência e a leitura da sentença decorrido mais de 30 dias, houve violação do princípio da continuidade.

7.- O princípio da continuidade da audiência destina-se a garantir os da imediação, da concentração e da celeridade processuais, e não apenas a evitar a perda da memória do julgador, não resultando aqueles princípios satisfeitos com o simples registo da prova, e, indicando as provas que serviram para fundamentar a sua convicção, estando esta intimamente ligada a impressão viva que lhe foi transmitida pela audiência oral e contínua."

8.- Independentemente da documentação da audiência, porque o princípio da continuidade não sofre excepções, se for excedido o prazo de 30 dias preceituado pelo n° 6 do Art. 328° do C.P.P., a prova produzida perde eficácia, devendo ser repetida, o que implica a anulação do julgamento e da sentença subsequente.

9.- Se, após um adiamento da audiência, por período superior a 30 dias, o tribunal não procedeu à repetição da prova, que entretanto perdera eficácia, ocorre a nulidade prevista na alínea d) do no2 do art.120° do C.P.P.

10.- A violação do citado nº6 do Art. 328° do C.P.P., apesar de não se mostrar tipificada na lei como nulidade absoluta ou relativa, constitui nulidade nos termos preceituados no Art.120°, nº2, al. d), do C.P.P., na medida em que implica a violação do principio da imediação das provas, o que pressupõe a continuidade da audiência. Essa nulidade envolve a invalidade do julgamento, e consequentemente da própria sentença, conforme preceitua o citado Art.122°, no1.

11.-Tendo a sentença sido proferida sem que tenha tido lugar a repetição da prova, há que concluir que se omitiram diligências essenciais para a descoberta da verdade (repetição da prova), omissão esta que constitui nulidade dependente de arguição.

12.- O arguido arguiu tal nulidade, por requerimento ditado para a acta, no dia 19.10.2007, isto é, aquando a leitura de sentença.

13.- Além do mais, o arguido em sede de recurso, e como fundamento deste, vem arguir a nulidade prevista pelo art. 120°,n.2, al.d) do C.P.P., por violação do disposto no Art. 328°, n 6 do mesmo diploma.

14.- A audiência de discussão e julgamento teve lugar no dia 24.11.2006 e 28.11.2006, tendo a sentença sido proferida em 19.10.2007, sem que tivesse havido repetição da prova produzida.

15.- Verificou-se uma nítida omissão de diligências essências para a descoberta da verdade material, omissão que constitui nulidade nos termos preceituados no art. 120°, n.2, al. d), do C.P.P.

16.- Esta nulidade envolve a invalidade do julgamento, e consequentemente da própria sentença, conforme preceitua o Art, 122° n.1, daquele diploma legal.

O recurso foi admitido.

Na resposta diz o Ministério Público:

1.- Não se está perante nenhuma das situação que a lei consigna deverem correr em férias, sendo inteiramente aplicável, por força da remissão expressa da lei processual penal – art. 104º nº1 do Código Processo Penal – a regra da continuidade dos prazos e da sua suspensão  durante férias.

2.- A documentação dos actos de audiência garante que não se perde a imediação da análise das provas produzidas nesta sede de julgamento.

3.- Deve indeferir-se o recurso e manter-se a douta sentença recorrida.

No mesmo sentido vai o parecer do Exmº Procurador-Geral Adjunto.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

A única questão a decidir passa por saber se nesta decisão foi violado o princípio da continuidade e concentração da audiência de discussão e julgamento.

FACTOS PROVADOS

No dia 21 de Maio de 2004, cerca das 23h,00m, na R….., em Leiria, o arguido abeirou-se do assistente HC… e por desentendimentos, concretamente não apurados, deu-lhe um violento empurrão em consequência do qual aquele se desequilibrou e caiu ao chão, e em consequência do que sofreu dores e se viu molestado no seu bem estar físico, sem contudo sofrer qualquer lesão corporal.

Acto contínuo de viva voz e na presença de diversas pessoas o arguido disse ao assistente "filho da puta, cabrão, cobarde e cornudo";

O arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, com intenção de molestar fisicamente o ofendido, bem como de pôr em causa a honra e consideração que lhe são devidas, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

O arguido é fotógrafo, tem uma avença de €300,00 mensais de um jornal e aufere, em média, a quantia mensal de €500,00;

O arguido vive com a mãe, contribuindo com €150,00 mensais.

O assistente sofreu com as palavras referidas em b) profundo vexame e desgosto.

MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal formou-se quanto aos factos provados nos depoimentos do assistente que prestou depoimento de uma forma credível, descrevendo os factos de forma clara, nomeadamente quanto às agressões e injurias de que foi vítima

Tal depoimento foi corroborado pelas testemunhas VP, AB e JM, sendo que todos assistiram aos factos . A testemunha VP, funcionário do ofendido, ia juntamente com outra pessoa cerca de um metro atrás do ofendido e dirigiam-se para um café, sendo que no trajecto tinham que passar pelo café onde o arguido se encontrava e do qual é sócio com o ofendido. As testemunhas AB e JM, amigos do ofendido, assistiram a tudo já que se encontravam à porta do café para o qual se dirigiam o ofendido e os outros dois indivíduos e que fica a cerca de 20 metros do local onde os factos ocorreram, referiram que era habitual encontrarem-se com o ofendido a essa hora nesse local para tomarem café.

A testemunha VP disse ainda que juntamente com o outro colega tiveram necessidade de agarrar o arguido após esse ter empurrado o ofendido, por forma a impedir que o continuasse a agredir.

Quanto às palavras que o arguido dirigiu ao ofendido a testemunha VP disse ter ouvido, mas não ter compreendido em concreto quais foram, já que foram proferidos de forma rápida.

As testemunhas AB e JM disseram que o ofendido ficou revoltado e incomodado com as palavras que o arguido proferiu.

Importa dizer que o próprio arguido embora negando a os factos acabou por admitir ter existido uma discussão entre si e o ofendido, bem como que saiu do café e foi agarrado pelos dois indivíduos de nacionalidade ucraniana que seguiam com o ofendido, se bem que quanto a este facto tenha apresentado uma versão diferente.

No entanto, as suas declarações denotaram várias contradições, nomeadamente quando disse que os seus colegas os separaram, a si e ao ofendido, sendo que afirmou nunca ter havido qualquer confronto físico.

Quanto às testemunhas de defesa nada trouxeram de relevo pois que não presenciararn os factos relevantes, já que todas disseram que saíram quando se aperceberam de uma algazarra cá fora, sendo que essa algazarra terá ocorrido após os factos dados como provados, pois o próprio arguido referiu que saiu uma primeira vez do café, altura em que foi agarrado pelos dois indivíduos de leste, e voltou ao café para chamar os amigos, tendo saído novamente.

Na verdade, provou-se em julgamento - e apenas isto se provou - que em virtude de um acto ilícito e culposo do arguido, o ofendido teve incómodos, bem como humilhação, em virtude das palavras que lhe foram dirigidas pelo arguido e que também se deram como provadas

Por outro lado, convém não esquecer que o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável a sua situação económica e às do lesado e titular da indemnização, devendo air1da ser proporcional à gravidade do dano, tendo-se em conta as regras da boa prudência, senso prático e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Ora, por todos os depoimentos prestados conclui-se que nesta segunda vez já estavam também presentes as testemunhas AB e JM, que após assistirem ao arguido empurrar o ofendido, se aproximaram desse local,

A testemunha AR, namorada do arguido referiu também que o R…. saiu uma primeira vez, sendo que nessa altura não o acompanhou, tendo ficado no interior do café numa mesa a tomar café com uns amigos, Ora, tal testemunha disse que não saiu porque teve receio já que o ofendido e fazia acompanhar por mais dois homens, no entanto dirigiu-se para uma mesa onde estava a tomar café com os amigos, comportamento esse que não se coaduna com o receio invocado. E mais, acabou por dizer que nessa altura não sabe o que se passou cá fora.

Quanto aos antecedentes criminais do arguido: teor do certificado do registo criminal junto a fls 106;

Quanto à situação sócio-econórnica do arguido, as suas declarações.

Da violação do princípio da concentração

Argumenta o recorrente que a audiência de discussão e julgamento, teve lugar no dia 24.11.2006, continuando no dia 28.11.2006, e a sentença foi proferida a 19.10.2007. Entre a data de julgamento, com produção de prova e a data em que foi proferida a sentença mediaram mais dos 30 dias, previstos pelo art. 328°, n. 6 do C.P.P., impondo-se por isso a anulação e a repetição do julgamento.

Dois dados são inquestionáveis: a data em que ocorreram processuais e as consequências que a lei prevê para o adiamento para além de trinta dias.

Efectivamente diz o n. 6 do artº 328º que o adiamento não pode exceder 30 dias (trinta). Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.

Dito isto parece então inquestionável que este prazo se aplica a toda e qualquer audiência de discussão e julgamento. O n. 1 do artº 328º CPP estabelece a regra da continuidade da audiência de julgamento. Aí se impõe, em princípio, que o julgamento decorra sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento, consagrando-se igualmente os princípios da concentração e imediação da prova, visando a garantia de justiça célere e eficaz. Os n.s 2 e 3 daquela norma prevê casos excepcionais, e os números seguintes disciplinam formalidades a observar.

O princípio da oralidade arrasta consigo também o princípio da concentração. Os actos processuais devem, sempre que possível, praticar-se em uma só audiência ou em audiências de tal modo próximas no tempo que as impressões do juiz colhidas na audiência não se apaguem da sua memória.

E na prossecução deste princípio estabelece o art. 365º nº1, que salvo em caso de absoluta impossibilidade, a deliberação segue-se ao encerramento da discussão, neste caso estabelecendo um prazo razoável de dez dias art. 373º nº1.

Porém com cominações distintas, enquanto para os actos audiência comina a ultrapassagem do prazo com nulidade os actos de produção de prova, para a deliberação aponta um prazo razoável sem sancionar o seu não cumprimento com nulidade.

Aliás, solução igual para os dois actos implicaria consequências nefastas, que dizer das decisões que implicam um trabalho profícuo que ultrapassa os dez dias ou até da reapreciação da prova em sede de recurso?

Portanto não há dúvida que os planos são distintos e que neste caso não ocorre nulidade.

E nem por isso o recorrente está limitado nas suas garantias processuais, pois se entende que a decisão de facto está desfasada e não corresponde à prova produzida questiona a decisão da matéria de factos apontando os factos e as provas que foram mal avaliados. Se não o fez é porque não há qualquer irregularidade que implique com as suas garantias processuais.

Prova evidente que não o há passa pela leitura da motivação que nos aparece coerentemente articulada com a decisão da matéria de facto. O que, por via do conhecimento oficioso dos vícios da decisão, nos era possível sindicar – art. 410 do Código Processo Penal.

O artigo 328º. nº6 do C.P.P. dispõe que o adiamento da audiência não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção da prova já realizada. No entanto, o artigo 373º do CPP estipula um outro prazo para a leitura da Sentença o que significa que o artigo 328º, nº6 do C.P.P. vale para a fase que precede a redacção da decisão final. Assim, exceder o prazo previsto no artigo 373º. do C.P.P. não acarreta nulidade ou, perda da eficácia da produção da prova já realizada, poderá constituir mera irregularidade sujeita ao regime do artigo 123º do C.P.P.([1]).

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente – 3 UC de taxa de justiça


[1] Veja-se neste sentido Acórdãos da Relação de Lisboa nos Proc. 7292/04 3ª Secção e Proc. 4789/06 9ª Secção