Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
107/05.8TATBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: SUSPENSÃO DA PENA
CONDIÇÃO
Data do Acordão: 10/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 51º CP
Sumário: 1.- A suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição irrazoável, assim como a obrigação que for fixada deve responder à ideia da exigibilidade e ao princípio da propor­cionalidade.
2.- Porém tal não significa que a condição tenha que se restringir ao que for confortável ao agente, isto é, àquilo que ele puder cumprir sem sacrifício, sob pena de não se poder impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de indemnização ao lesado quando o agente seja pobre.
3.- É que a pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada.
Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Para julgamento, sob a aludida forma de processo comum com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Público deduziu acusação pública contra os arguidos A... e B..., ambos já melhor identificados, imputando-lhes a prática de factos consubstanciadores da co-autoria material, sob a forma consumada, de dois crimes de insolvência dolosa, sendo um relativo à sociedade Faianças XX... Lda. – p.p.p. art.º 227.º, n.ºs 1, alíneas a), b), c); 2; 3 e 5, do Código Penal – e, outro, respeitante à Sociedade YY... – Cerâmicas Decorativas Lda. – p.p.p. mesmo art.º 227.º, n.ºs 1, alínea a); 2 e 5 –.

Petróleos de Portugal – PG..., S.A., entretanto admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, após adesão à acusação pública deduzida, apresentou igualmente tempestivo pedido de indemnização civil contra os dois mencionados arguidos, visando obter a respectiva condenação solidária a solverem-lhe, a título ressarcitório, a quantia de € 10.167,94 [correspondente a Esc. 2.038.488$00], acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da notificação aos demandados do pedido de indemnização formulado, até efectivo e integral pagamento da quantia assim em dívida.

1.2. Remetidos os autos a juízo, no momento processual a que alude o art.º 311.º, do Código de Processo Penal, a M.ma Juiz do tribunal a quo despachou consignando, nomeadamente:

* Do Pedido de Indemnização Civil.

Petróleos Portugal – PG..., S.A. veio deduzir pedido de indemnização civil (fls. 1188 e ss.) alegando, em breve súmula, que os arguidos deverão ser condenados a pagar uma indemnização civil no valor de € 10.167,94 atento o facto de a mesma ter feito fornecimentos de mercadoria em tal montante, montante esse que nunca foi pago atendendo à conduta dos arguidos (juntando facturas alusivas aos referidos fornecimentos) e que ora peticionam.

Contudo, como vem sublinhando bastamente a jurisprudência, apenas é admissível como causa de pedir da responsabilidade civil por adesão ao processo penal, os factos consubstanciadores de responsabilidade civil extracontratual (art.º 483.º do Código Civil) e não já a responsabilidade civil contratual.

De facto, o legislador ao permitir a dedução do pedido de indemnização cível no processo penal parece ter restringido o mesmo apenas à verificação de responsabilidade por factos ilícitos, deixando de fora a responsabilidade contratual.

De facto, o artigo 129.º do Código Penal, remete somente para o artigo 483.º do Código Civil, artigo este que estabelece os pressupostos gerais da responsabilidade civil por factos ilícitos, responsabilidade que emerge da violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos.

Ademais, não obstante o artigo 377.º, n.º 1, do C.P.P., estabelecer um princípio de autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade criminal, não impedindo que o Tribunal, em caso de absolvição da responsabilidade criminal, conheça da responsabilidade civil, o certo é que esta última tem de ter a mesma causa de pedir, ou seja, os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal[1].

Assim sendo parece-nos estar afastada a responsabilidade contratual.

Neste sentido vejam-se, v.g., os dizeres lapidares do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Ac. de 12.11.2009 (Proc. 448/06.7 TCLSB.5.ª) no qual se refere “I – De acordo com o princípio da adesão que vigora no nosso sistema de processo penal, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (art.º 71.º do CPP). II – Por força desta norma legal e da que se lhe segue, a causa de pedir na acção cível conexa com a criminal é sempre a responsabilidade civil extracontratual [pois que fundada na prática de um crime e não no incumprimento contratual] e não qualquer outra fonte de obrigações, como a responsabilidade civil contratual ou o enriquecimento sem causa. III – Do mesmo modo, uma vez deduzido o pedido cível conexo com o criminal, se o arguido vier a ser absolvido da prática do crime imputado, a sentença condena o arguido em indemnização civil, nos termos do art.º 377.º, n.º 1, do CPP, sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 82.º, isto é, do juiz remeter as partes para os meios comuns). IV – Como se vê, mesmo no caso de absolvição penal, a lei delimita o âmbito da condenação no pedido cível à indemnização civil, confirmando e até reforçando a norma respeitante à propositura da acção. V – Nem podia ser de outro modo: se a causa de pedir é [necessariamente] a responsabilidade civil extracontratual, a decisão final não pode deixar de nela se fundar, tanto mais que no domínio do processo civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, rege o princípio de que a sentença não pode ultrapassar o âmbito do pedido (“A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” - art.º 661.º do CPC). (...)

No mesmo sentido, veja-se, v.g. o Acórdão da Relação de Évora, de 04.05.2004, Proc. 305/04.1, disponível em www.dgsi.pt quando afirma “Esta responsabilidade civil, que poderá exclusivamente ser apreciada em processo penal (se o pedido for aí deduzido), refere-se tão-somente àquela que emerge da violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, com dolo ou mera culpa e da qual resultem danos, ficando, portanto, excluída a responsabilidade contratual (artigo 483.º do Código Civil).

Ora, a sociedade lesada peticiona precisamente os montantes que decorrem das facturas, aludindo aos fornecimentos feitos e não pagos. Vale isto por dizer que alega factos consubstanciadores de responsabilidade civil contratual que, como vimos, e salvo melhor opinião, não é admissível.

Assim, a sede própria para que a lesada tente a satisfação dos seus créditos é a reclamação de créditos no processo de insolvência (e posterior graduação e eventual pagamento) e não um pedido por adesão ao processo penal.

Face ao exposto, por inadmissibilidade legal, não admito o pedido de indemnização civil deduzido.” (fls. 1.223 e segs.)

Discordando desta decisão, a demandante interpôs recurso (fls. 1.237 e segs.), o qual foi admitido por intermédio do despacho que é fls. 1.609 dos autos, como tendo efeito devolutivo e subida deferida, concretamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final.

1.3. Na subsequente tramitação processual, realizado o contraditório, mostra-se proferido aresto através do qual e ao que ora releva, se decidiu:

- Condenar cada um dos arguidos[2] pela co-autoria material, mediante a forma consumada, dos dois ilícitos assacados, nas penas parcelares também individuais de dois anos de prisão e a que, em cúmulo jurídico de imediato operado se fez corresponder a pena única para cada um deles, de 3 (três) anos de prisão.

- Mais os condenar a pagarem à demandante a reclamada quantia de € 10.167,94, acrescida de juros de mora contabilizados desde a data da sua notificação para contestarem o pedido cível, até seu efectivo e integral pagamento.

- Determinar a suspensão de execução da pena assim aplicada a cada um dos arguidos, pelo correspondente período de 3 (três) anos, mediante sujeição à obrigação de, durante tal prazo, procederem ao pagamento à demandante do montante arbitrado a título de indemnização cível.

1.4. Desavindos tão somente com o segmento da decisão que os instituiu na obrigatoriedade de solverem a indemnização reclamada como condição a que ficou subordinada a decretada suspensão de execução da pena de prisão aplicada a cada um deles, interpuseram recurso os dois arguidos, extraindo do requerimento com que minutaram a discordância, a seguinte ordem de conclusões:

1. Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pela assistente, realça-se que o mesmo teve como causa de pedir uma relação comercial, de cariz contratual, de que resultaria, apenas e só, uma obrigação de indemnizar pela via da responsabilidade civil contratual.

2. Através do despacho de fls. 1.223 e segs., tal pedido de indemnização civil foi rejeitado, por inadmissibilidade legal.

3. Esse despacho não foi tido em conta aquando da prolação do acórdão ora sob censura.

4. Determinando uma contradição insanável da sua fundamentação: por um lado, refere-se aí que “A assistente PG..., S.A. deduziu o pedido de indemnização civil contra ambos os arguidos, requerendo a condenação de ambos no pagamento no valor de 2.308,488$00, correspondente a € 10.167,94, acrescido de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento, alegando para o efeito que tal valor corresponde ao crédito comercial que detinha sobre a sociedade Faianças XX..., Lda. devido a fornecimentos efectuados a tal sociedade”, e, por outro lado, condena os demandados no pagamento do valor peticionado no pedido de indemnização civil, lançando mão dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual: “No que se refere aos demandados, importa determinar se com as suas condutas se constituíram na obrigação de indemnizar a demandante, com base nas regras da responsabilidade civil extracontratual.”

5. O artigo 129.º, do Código Penal, que remete para o artigo 483.º do Código Civil, apenas se aplica à indemnização por perdas e danos emergentes de crime.

6. O caso dos autos não se subsume a uma situação de responsabilidade extracontratual, falecendo todos os requisitos legalmente exigidos para que o pedido de indemnização civil (cuja causa de pedir é o fornecimento de gás) pudesse ser julgado procedente.

7. Sem conceder, cumpre referir que o tribunal recorrido fez uma apreciação incorrecta dos factos provados relativamente à condição económica dos arguidos.

8. Na verdade, a fixação do prazo de três anos de suspensão da execução da pena não obedeceu nem ao princípio da razoabilidade consagrado, nomeadamente, no artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal, nem aos factos dados como provados.

9. Verifica-se, assim, a existência dos vícios previstos no disposto no artigo 410.º do Código de Processo Penal, pelo que atendendo nomeadamente à contradição da fundamentação e erro na apreciação da prova, deverão os recorrentes ser absolvidos do pedido de indemnização civil.

10. Acaso também assim se não entenda, o prazo de suspensão de execução da pena deverá ser prorrogado por mais dois anos, tendo em conta os factos provados relativamente à situação económica dos arguidos, ao facto de terem dois filhos menores de 4 e 11 anos de idade, bem como a idade avançada do arguido (70 anos) e a sua impossibilidade de auferir outros rendimentos para além da reforma.

Terminaram pedindo que no provimento dos recursos seja decretada a sua absolvição relativamente à decretada responsabilização civil ou, acaso deva ela subsistir, seja prorrogado o prazo de suspensão de execução da pena para 5 anos.

1.5. Cumprido o disposto pelo art.º 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, responderam os sujeitos processuais visados:

A assistente e demandante cível, sustentando da verificação dos pressupostos exigíveis ao decretar da responsabilização civil dos arguidos, que sequer o aludido despacho de fls. 1. 223 e segs. prejudicaria atento o saneamento operado através da decisão recorrida e cuja pretensa nulidade os recorrentes não suscitaram, bem como da manutenção do demais sentenciado.

O Ministério Público, sufragando que o acórdão recorrido incorreu em excesso de pronúncia ponderando o pedido de indemnização, logo em nulidade ex vi do art.º 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, conducente à respectiva declaração nesse excerto e à alteração na parte penal que impôs aos recorrentes, como condição da suspensão de execução das penas de prisão, a obrigação do pagamento desse pedido.

1.6. Proferido despacho admitindo os recursos, foram os autos remetidos para esta instância.

1.7. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º, do mencionado diploma, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente ao improvimento do recurso respeitante à parte penal.

Foi cumprido o subsequente art.º 417.º, n.º 2, sem que qualquer réplica se mostre oferecida.

No exame preliminar a que alude o n.º 6 do mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância determinar a apreciação sumária das impugnações ou obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a deverem prosseguir seus termos com a recolha de vistos, o que sucedeu, e sujeição à presente conferência.

Urge agora ponderar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. Após discussão da causa, o tribunal recorrido teve como provada a seguinte factualidade:

(Da acusação)

1. A empresa “Faianças XX... Lda.” pessoa colectiva n.º, com sede no Lugar de …, concelho de ..., era uma sociedade comercial por quotas, com um capital social de 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), que tinha como objecto o fabrico e comercialização de faianças, porcelanas e grés fino.

2. Originariamente, tinha como sócios o arguido A... que detinha uma quota no valor de 6.600.000$00 (seis milhões e seiscentos mil escudos) e F..., que detinha uma quota no valor de 6.800.000$00 (seis milhões e oitocentos mil escudos), figurando ambos como gerentes.

3. Em 05/07/1995, F... renunciou à gerência, facto inscrito no registo comercial a 12/10/1995.

4. Em 11/11/1996, foi deliberado que a nova gerência passaria a ser assumida pelos arguidos A... e B..., facto inscrito no registo a 16/1/1997.  

5. Por seu lado, a empresa YY... – Cerâmicas Decorativas, Lda”, pessoa colectiva n.º …, com sede no …, era uma sociedade comercial por quotas, com um capital social de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), que tinha como objecto o fabrico e comercialização de faianças decorativas, porcelanas e grés fino.

6. Originariamente, tinha como sócios, o arguido A..., que detinha uma quota no valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos) e F..., que detinha uma quota no valor de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), tendo sido ambos nomeados gerentes.

7. Em 9/12/1996 houve alteração do pacto social registada a 20/01/1997, com divisão e cessão da quota detida por F... e cessão das suas funções como gerente.

8. A quota em causa foi dividida em duas, uma de 4.000.000$00 (quatro milhões de escudos) que transmitiu ao arguido A...e outra de 1.000.000$00 (um milhão de escudos) adquirida pela arguida B....

9. Em 18/02/1997 foi registada a alteração da sede da sociedade, que passou para o Lugar de  …e concelho de .... Passou a estar matriculada na Conservatória de Registo Comercial de ..., sob o n.º … .

10. Por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 285/03.0 TBTBU, do Tribunal Judicial de ..., datada de 11/12/2003, foi a empresa “YY... – Cerâmica Decorativas, Lda” declarada falida, tendo sido nomeado como liquidatário judicial o Sr. Dr. H..., com domicílio profissional na Rua … .

11. Por sentença proferida no âmbito do Processo n.º 175/04.0 TBTBU, do Tribunal Judicial de ..., datada de 05/11/2004, foi a empresa “Faianças XX..., Lda” declarada falida, tendo sido nomeado como liquidatário judicial o Sr. Dr. H..., com domicílio profissional na Rua … .

12. Para laboração da empresa Faianças XX... Lda., foi adquirido o prédio urbano “Nave Industrial”, acto registado em 13/12/1988, na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º  …e que em 01/08/2002 tinha o valor patrimonial de € 88.481,76.

13. Foi nesse local que sempre laborou esta empresa até cessar a sua actividade no mês de Dezembro de 1996, data a partir da qual não foi praticado qualquer acto de comércio em seu nome.

14. Contudo, no mesmo local, com a quase totalidade dos mesmos funcionários e o mesmo equipamento, iniciou a sua actividade produtiva a empresa YY... – Cerâmicas Decorativas, Lda., em conformidade com a declaração fiscal de início de actividade reportada a 2/1/1997.

15. Esta empresa tinha estado inactiva desde a sua constituição, tendo-se limitado a adquirir um imóvel para o seu imobilizado, que vendeu em 1994 e tendo apresentado declaração fiscal de cessação de actividade reportada a 15/10/1995.

16. Entre o final do ano de 1996 (já depois de a arguida B... ter assumido formalmente a gerência da sociedade) e o início de 1997, para darem início à actividade da YY..., como supra se descreveu, os sócios gerentes da Faianças XX..., A... e B..., à data também sócios gerentes da YY..., transferiram todo o equipamento daquela empresa para esta.

17. A sociedade YY... adquiriu em estado novo:

- Máquinas de uso específico pelo valor de 1.624.000$00;

- Computadores pelo valor de 525.000$00;

- Programas de computador pelo valor de 322.500$00

No valor global de 2.471.500$00

E foram adquiridas em estado de uso:

- Fornos no valor de 7.450.000$00;

- Máquinas de uso específico no valor de 6.111.000$00

- Compressores no valor de 470.000$00;

- Viatura Mitsubishi … no valor de 1.200.000$00; 

- Viatura Mazda ... no valor de 2.000.000$00

- Moldes de gesso ou madeira no valor de 1.580.270$00

Totalizando o valor de 18.811.270$00

18. Também quanto às viaturas Mitsubishi de matrícula ... e Mazda ..., foram as mesma adquiridas pela YY..., respectivamente, por 1.200.000$00 e 2.000.000$00, embora já constassem do mapa de imobilizado da Faianças XX... no ano de 1995, como tendo sido adquiridas em 1991 por 2.163.392$00 e 2.815.367$00, respectivamente facto que, só por si, expressa uma manifesta sobreavaliação do valor de aquisição, assim permitindo um benefício financeiro ilegítimo.

19. Não obstante, pela mencionada transferência de equipamento e dos veículos supra referidos não se verificou qualquer entrada de dinheiro na Faianças XX..., sendo certo que apenas houve uma compensação parcial com a assumpção de algumas das dividas relativas a salários ou fornecedores, mantendo-se assim alguns dos débitos, que vieram a ser reclamados no âmbito do processo de falência nº 285/03.0 TBTBU do Tribunal Judicial de ....

20. No início do ano de 1993, aquando da guerra do Golfo, começou a verificar-se uma diminuição acentuada das encomendas em diversos sectores do comércio nacional e designadamente do sector de cerâmicas.

21. O arguido A...efectuou pagamentos de algumas dívidas da XX... Lda. através de cheques pessoais seus bem como cheques da sociedade YY... Lda., designadamente dívidas relativas a salários em atraso e a fornecedores.

22. Dos dados registados nas declarações Modelo 22 relativos à Faianças XX... resulta que os valores brutos do imobilizado corpóreo em 1996 atingiam o valor de 282.323.564$00 e em 1997 foram reduzidos para 215.787.147$00 (fls. 25 verso e 43 verso do apenso I), concluindo-se por um manifesto desinvestimento, sem se saber, contudo, se o mesmo ocorreu por abate ou alienação, atenta a ausência dos mapas anexos de imobilizado e mais e menos valias.

23. Mais, este valor de 215.787.147$00 de 1997, corresponde a um valor líquido de 126.261.074$00, depois de deduzidas as amortizações acumuladas nos vários exercícios, que totalizavam, neste exercício, 89.526.073$00 (fls. 43 verso do Apenso I), sendo certo que, no exercício económico de 1998 (fls. 47 verso do Apenso I), mantém-se o valor bruto do imobilizado corpóreo, mas o total das amortizações acumuladas foi reduzido para 76.351.719$00. O que se traduz num valor liquido de 139.435.428$00.

24. Pelo menos desde 1992 e até à data em que a Faianças XX... ficou inactiva, bem como durante todo o período de actividade da YY..., que ocorreu deste o início de 1997 até data não concretamente apurada de meados do ano 2001, foi sempre utilizada uma conta bancária da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de …, titulada pelo arguido A..., que era movimentava para a generalidade das operações da empresa.

25. Este procedimento foi comprovado em sede de acção inspectiva levada a cabo pela Direcção de Finanças de Coimbra relativamente ao período de 1992 a 1994.

26. A sociedade XX... Lda. esteve inibida de uso de cheques em 1993 e em 1999, mas já não em 1994 (fls. 1267 a 1269) e em 1996 foi alvo de restrições na obtenção de financiamento (fls. 1275).

27. Os pagamentos e recebimentos eram efectuados por intermédio de uma conta pessoal do sócio gerente A..., sendo contabilizados na conta de caixa, pelo que o movimento das contas bancárias da própria empresa deixou praticamente de existir, a partir da movimentação das contas pessoais.

28. Os documentos eram sujeitos a um lançamento provisório extra-contabilístico, posteriormente objecto de regularizações com documentos internos por contrapartida da conta de empréstimos do arguido ou de depósitos à ordem, resultando em fluxos monetários não controláveis.

29. Durante esse período verificou-se igualmente uma desordenação da contabilização das facturas de vendas, duplicações de facturas e não contabilização de outras.

30. Contabilizaram-se devoluções inexistentes por não existir qualquer suporte documental que o comprovasse e provisões indevidas.

31. Assim no período de 1992 a 1994 a contabilidade “oficial” divergia da “paralela”, pelo menos no valor de 48.440.562$00 que, uma vez corrigida permitiria à empresa em 1995 atingir capitais próprios positivos, sendo que tal correcção e depois de vários exercícios de prejuízos acumulados, ainda permitiria que a empresa alcançasse em 1998 (ou seja já depois de cessada a sua actividade) um activo superior ao passivo.

32. Tal divergência foi concretamente apurada (fls. 30 a 35 do Apenso II), tendo resultado das seguintes situações:

- Não contabilização de uma factura de Fevereiro de 1992, com o n.º 270, emitida à Swissline, no valor de 2.092.272$00;

- Contabilização de devolução de vendas em 1993, no valor de 32.877.315$00, que não estão reflectidas em qualquer documentação e que apenas serviu para saldar contas de clientes.

- Provisões de 11.815.575$00 no que respeita ao ano de1994, sem cumprir os requisitos formais para a constituir e sem contabilizar o custo daí resultante, tendo ainda sido utilizada tal provisão, no mesmo exercício, para saldar contas dos clientes, que podem ou não ter pago;

- Omissão de um proveito de 1.655.400$00, em 1994 decorrente da venda de 5.518 vasos.

33. A contabilidade não reflectia, assim, as operações efectuadas.

34. A par da contabilidade oficial” existia uma contabilidade “paralela”, para a qual os arguidos utilizavam um diário “0” e números de ordem “0”, para não perderem o controlo.

35. Nos exercícios subsequentes os arguidos adoptaram idêntico comportamento, utilizando a conta bancária pessoal do arguido A...para a generalidade das operações empresariais e gerindo contabilisticamente as operações conforme melhor lhes convinha, para tanto recorrendo sempre, como haviam feito desde o seu início, aos serviços de contabilidade do gabinete da especialidade denominado “III... – Contabilidade, Gestão e Fiscalidade, Lda.”, com sede em …, Leiria, de que eram sócios gerentes os arguidos, sendo que era a arguida B... quem levava a cabo tal tarefa, na qualidade de TOC.

36. Depois de ter cessado a actividade da YY..., o arguido A...deslocou-se às instalações fabris, entretanto ocupadas pela sociedade ..., Lda., e daí retirou alguma documentação daquela empresa, inviabilizando o acesso à mesma por parte do Administrador Judicial nomeado no processo de falência e bem assim da administração fiscal.

37. No contexto da laboração da YY... e seguindo o mesmo tipo de actuação, os arguidos foram simplesmente permitindo que se acumulassem dívidas da empresa, quer dívidas fiscais, quer dívidas à segurança social, quer a alguns fornecedores e trabalhadores, como as contraídas junto do requerente do processo de falência n.º 175/04.0 TBTBU, do Tribunal Judicial de ..., ou seja, o Instituto da Segurança Social relativamente ao qual nunca foram pagas as cotizações correspondentes às declarações de remunerações de Fevereiro de 1997 a Agosto de 2001, ou seja de todo o período em que a sociedade exerceu a sua actividade.

38. Entre o ano 2000 e até meados de 2001, os arguidos foram dissipando o património da empresa, coarctando a sua capacidade de produção e impedindo a satisfação dos créditos sobre a mesma.

39. Em 8 de Julho de 2000, venderam à empresa ..., dois fornos a gás para cozer, que se encontravam em pleno funcionamento, da marca Fornocerâmica, referência GET 1200 de 8m3, pelo preço de 1.930.500$00 e 2.106.000$00.

40. Para pagamento desses fornos, descriminados nas facturas 191 e 192 de 2000 (cfr. fls. 868 e 869), foi entregue ao arguido A...o cheque sacado sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, datado de 08.07.2000. no valor de 4.036.500$00 (fls. 867).

41. Em 30/12/2000 venderam a G..., sócio gerente da … uma prensa por 450.450$00, transacção esta que se destinou a compensar créditos que G...Costa tinha relativamente à sociedade Faianças XX... Lda.

42. Em data não concretamente apurada, mas entre o ano de 1997 e antes de 21.01.2001, por modo e preço que também não se logrou apurar, venderam a viatura ..., hoje registada em nome de ….

43. Em data não concretamente apurada, mas entre o ano de 1997 e antes de 07.06.2002, por modo e preço que também não se logrou apurar, venderam a viatura ..., hoje registada em nome de … .

44. Em 15/2/2001 no âmbito dos autos de procedimento cautelar n.º 52/2001, em que é requerente Terpal – comércio e indústria de produtos cerâmicos, Lda., e requerida a YY...s foram arrestados das instalações fabris de … os bens constantes do auto de arrolamento, designadamente um torno a gás Fornocerâmica, uma fieira de vácuo marca Vicentini, um jante semi-automático, um secador a gás, três máquinas de enchimento e uma máquina de paletização, marca AZE, que foram transportadas para a sede da requerente e posteriormente vendidas.

45. Em 15/6/2001 venderam a G..., sócio gerente da …, diverso equipamento fabril, no valor total de 1.497.600$00, designadamente duas máquinas de acabamento manual, dois tornilhos de acabamento com vácuo, um jaulo, dois limpa fretes, 8 tornilhos manuais, um empilhador marca Toyota e um aspirador industrial, transacção esta que se destinou a compensar créditos que G...Costa tinha relativamente à sociedade Faianças XX... Lda.

46. Em nenhuma das vendas descritas, à excepção das vendas efectuadas a G..., se logrou apurar o destino dos valores pagos como contrapartida das aquisições.

47. A máquina de enchimento automática com referência Me/20 e duas pistolas de enchimento foram removidas pela respectiva sociedade de locação financeira (fls. 381 e 382);

48. Em meados de 2001 já não restavam quaisquer equipamentos, apenas o imóvel onde se situava a unidade fabril, que nunca chegou a ser transmitido para a YY..., mas que nesse ano, em data não concretamente apurada, foi cedido à ..., Lda., que passou a laborar nessas instalações, sendo que a 9 de Julho até 2001 esta empresa adquiriu um crédito hipotecário que incidia sobre tal imóvel e que era detido pelo arguido A..., ocupando-o, como forma de garantia da aquisição do crédito hipotecário pela ....  

49. A escritura pública relativa ao contrato de cessão de crédito em causa foi celebrada no Cartório Notarial de ... em 9/7/2001, pelo preço de 85.000.000$00 (oitenta e cinco milhões de escudos).

50. Aquando da declaração de falência da Faianças XX... Lda., a sociedade apenas dispunha do mencionado imóvel, onerado com hipoteca e três fornos para cozedura a gás 8/1200, com os números de série 1464, 1461 e 1186, uma máquina de calda, modelo BA 12, uma pistola tipo B, uma caldeira auxiliar, uma prensa estática de 50 toneladas, marca Rmac e um roller hidráulico para aplicação de moldes de aço, marca Rumas, que se encontravam penhorados em sede de execução fiscal – n.º 0868 – 92/100300.3.

51. Aquando da declaração de falência da YY... – Cerâmicas Decorativas, Lda. a sociedade não tinha quaisquer bens.

52. Ao actuarem da forma supra descrita, reflectindo na contabilidade operações e valores inexactos, considerando custos inexistentes ou ignorando proveitos, lograram os arguidos, beneficiar pessoalmente desse diferencial, retendo-o na conta bancária pessoal do arguido Cipriano, mas que utilizavam para proveito comum, nessa medida agravando artificialmente prejuízos, reduzindo lucros da sociedade e prejudicando os seus credores.

53. Quando decidiram cessar a actividade da Faianças XX... no final de 1996, transferindo todo o seu equipamento e a generalidade dos seus trabalhadores, os arguidos operaram uma efectiva transferência do processo de fabrico, impedindo a continuação da normal laboração da sociedade, descapitalizando-a e impedindo os credores de conseguirem obter a satisfação dos seus créditos, mas dando, contudo, a aparência de continuidade face a clientes, fornecedores e trabalhadores, que passaram a relacionar-se com a YY....

54. Aliás, estes últimos não foram sequer informados da mudança, passando, simplesmente, a ser processados, pagos e os respectivos recibos emitidos pela YY... a partir de 1997, com as correspondentes declarações à Segurança Social, sem qualquer alteração formal dos contratos de trabalho.

55. Ao dissiparem e dissimularem o património da sociedade da forma como o fizeram, os arguidos coarctaram a capacidade de produção da empresa e inviabilizaram a satisfação dos créditos incidentes sobre a mesma.

56. O mesmo sucedeu quando dissiparam e dissimularam o património da YY... nos termos descritos, deixando-a integralmente sem quaisquer bens a que os credores se pudessem socorrer para satisfação coerciva dos seus créditos e revertendo para proveito pessoal o produto das vendas realizadas.

57. Estas condutas foram causa directa e necessária da posterior decisão judicial de falência de ambas as sociedades.

58. Durante todo o período de tempo em que as sociedades Faianças XX..., Lda. e YY... Lda. se mantiveram em actividade, o arguido A...tomava todas as decisões respeitantes ao seu funcionamento, dirigia os negócios e praticava os mais diversos actos de gestão, procedendo ao pagamento de salários e impostos, adquirindo matérias-primas, máquinas, vendendo mercadorias.

59. Nestas funções era acompanhado pela arguida B..., no que concerne à sociedade YY..., Lda. e também quanto à sociedade Faianças XX... a partir do momento em que esta assumiu a gerência, sendo que mesmo antes dessa data, a arguida actuou da forma supra descrita, processando contabilisticamente os recebimentos e pagamentos nos termos assinalados, com conhecimento e consentimento do arguido A… .

60. Os arguidos actuaram sempre de forma concertada e em comunhão de esforços, acordando em todas as decisões descritas e actuando materialmente conforme previamente acordado, visando impedir alguns dos credores das duas sociedades de obter a satisfação dos seus créditos.

61. Os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas estavam previstas e eram punidas como ilícitos criminais.

62. O arguido reside em casa própria pertencente aos filhos, com a mulher, ora co-arguida, e os dois filhos, de 4 e 11 anos de idade, pagando ao banco uma prestação de € 500,00 relativa à mencionada habitação.

63. Recebe mensalmente € 800,00 de pensão de reforma, uma vez que 2/3 da mesma se encontra penhorado.

64. Estudou até ao 12.º ano de escolaridade.

65. A arguida é … e tem uma empresa de …, auferindo cerca de € 800,00 a € 900,00 mensais.

66. Estudou até ao 12.º ano de escolaridade.

67. O arguido A... já foi condenado pela prática, em 30.09.1997, por sentença de 05.03.2003, de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, na pena de 200 dias de multa à taça diária de € 7,00; pela prática, em 1997, por sentença de 10.07.2003, de um crime de Abuso de Confiança Contra a Segurança Social, na pena de 2 anos e 4 meses suspensa por 4 anos com a obrigação de pagamento dos valores em dívida; pela prática, em 17.01.2002, por sentença de 09.03.2005, de um crime de Abuso de Confiança Contra a Segurança Social, na pena de 1 ano e 6 meses suspensa por 4 anos com a obrigação de pagamento dos valores em dívida;

68. A arguida B... já foi condenada pela prática, em 30.09.1997, por sentença de 05.03.2003, de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, na pena de 200 dias de multa à taça diária de € 7,00; pela prática, em 1998, por sentença de 10.07.2003, de um crime de Abuso de Confiança Contra a Segurança Social, na pena de 2 anos e 4 meses suspensa por 4 anos com a obrigação de pagamento dos valores em dívida; pela prática, em 17.01.2002, por sentença de 09.03.2005, de um crime de Abuso de Confiança Contra a Segurança Social, na pena de 8 meses suspensa por 4 anos com a obrigação de pagamento dos valores em dívida, bem como na pena de multa de 90 dias à taxa diária de € 5,00.

(Do pedido de indemnização civil)

69. Ao agir como agiram os arguidos impediram a credora Petróleos de Portugal – PG..., S.A. de obter o pagamento de crédito comercial que detinha sobre a Faianças XX... Lda., na sequência de fornecimentos efectuados à mesma, no montante de € 10.167,94 (dez mil, cento e sessenta e sete euros e noventa e quatro cêntimos) causando-lhe consequentemente prejuízo patrimonial de igual montante.

2.2. Por seu turno, e no que concerne a factos não provados, considerou enquanto tais a mesma decisão recorrida os seguintes:

1. Que não tivesse havido qualquer assumpção de dívidas da Faianças XX... Lda. pela YY... Lda.

2. Que as transferências de bens entre as duas sociedades não tivessem sido devidamente reflectidas na contabilidade.

3. Que o arguido A... tivesse utilizado os créditos bancários que obteve no pagamento de dívidas das referidas empresas.

4. Que os arguidos tivessem vendido a viatura ... ao Stand de automóveis  …e que este a tivesse vendido a  … pelo valor aproximado de 800.000$00.

5. Que os arguidos tivessem vendido a viatura ... ao Stand de automóveis …, e que este a tivesse vendido a  … pelo valor de € 5.486,78.

2.3 Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória constante da mesma decisão:

A fixação dos factos provados e não provados teve por base a globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e da livre convicção que o Tribunal formou sobre a mesma, partindo das regras de experiência, assim como da prova documental e oral que foi produzida nos autos, aferindo-se quanto a esta o conhecimento da causa e isenção dos depoimentos prestados.

Desde logo, atendeu-se às declarações do arguido A..., que reconheceu que efectivamente fechou a sociedade Faianças XX... Lda., e abriu com o mesmo equipamento, trabalhadores e local a empresa YY... Lda., sendo que todos os bens da primeira passaram para a segunda, tendo igualmente pago algumas das dívidas da primeira quando a segunda já se encontrava a laborar, não tendo contudo, conseguido pagar a totalidade das mesmas.

Mais esclareceu que fazia pagamentos de contas pessoais suas em virtude de as empresas não terem crédito bancário, mas o próprio ter e nessa medida recorreu a créditos pessoais e à sua conta pessoal para efectuar pagamentos das empresas.

Todavia e não obstante o arguido ter juntado documentos que comprovam a obtenção de créditos pessoais, tal não permite, sem mais, provar que os mesmos foram utilizados para o pagamento de dívidas das empresas, razão pela qual não se deu tal facto como provado, provando-se contudo ter o arguido recorrido às suas contas pessoais para efectuar pagamentos de dívidas das empresas.

Todavia também se provou que o arguido não só efectuava pagamentos da sua conta como também os recebia e nem sempre as empresas em causa tiveram problemas de financiamento, além de que a YY... Lda. nunca esteve inibida do uso de cheques e mesmo a XX... Lda., apenas o esteve em 1993 e em 1999.

Face a tais circunstâncias não logrou o arguido dar justificação plena e plausível quanto à utilização habitual das suas contas pessoais para as operações relativas às sociedades em causa.

Dos depoimentos dos ex trabalhadores destas sociedades, resultou, em síntese, não ter havido qualquer comunicação aos funcionários quanto à alteração da sociedade, apenas tendo constatado no próprio recibo de vencimento constar outra denominação.

Mais resultou haver ainda créditos de trabalhadores por pagar.

A testemunha …, ex-trabalhador de ambas as sociedades (tendo iniciado em 1991 e saído em 2000) declarou que saiu da empresa porque fazia horas extras e não recebia, não sabendo porquê uma vez que havia encomendas, declaração esta, que em conjugação com os demais elementos constantes do processo permite concluir por uma gestão deficitária por parte dos gerentes das sociedades em causa.

A testemunha G... declarou ter sido credor da XX... Lda. razão pela qual certa vez foi às instalações da sociedade e de lá retirou algumas máquinas a fim de acertar as contas, tendo ainda recebido cheques de conta pessoal do arguido (fls. 386 e 387) para pagamento da dívida remanescente.

Com a documentação que os arguidos juntaram aos autos conclui-se que efectivamente houve um reflexo na contabilidade da YY... Lda. a respeito da aquisição por parte desta do equipamento da XX... Lda., ao contrário do que constava da acusação, contudo tal deveu-se ao facto de aquando das inspecções não terem os respectivos inspectores tido acesso a tais documentos que apenas agora foram juntos pelos arguidos. De qualquer modo e não obstante tal reflexo, a verdade é que não entrou qualquer valor na sociedade XX... Lda. na sequência de tais transferências de equipamentos, a que acresce o facto de as dívidas da XX... Lda. não terem sido assumidas e pagas na sua totalidade pela YY... Lda., pelo que não ocorreu qualquer compensação entre estas duas sociedades no sentido de o valor dos equipamentos não entrar na XX... Lda. em virtude de a YY... Lda. assumir o pagamento das dívidas daquela.

A testemunha …, bancário, declarou que a sociedade YY... Lda. tinha um empréstimo do Banco onde trabalha, desconhece se tal sociedade ficou a dever ou não algum dinheiro ao banco. Ora, tal facto contraria a tese do arguido no sentido de apenas utilizar as suas contas pessoais para as operações das sociedades em virtude de as mesmas não terem crédito bancário, pois não obstante tal ter ocorrido, não ocorreu sempre.

A testemunha H..., Administrador de Insolvência, declarou, designadamente, não ter tido acesso a quaisquer documentos contabilísticos, tendo-se dirigido à sede onde se encontrava a sociedade ... Lda. a laborar, onde foi informado de que o arguido já levara várias pastas de documentação dessas instalações, restando ainda algumas. Consultadas tais pastas a testemunha verificou que o conteúdo das mesmas era destituído de relevância, pois apenas continham correspondência e nenhum documento contabilístico. Mais declarou nunca ter obtido qualquer resposta por parte dos arguidos no âmbito das suas funções e designadamente para a obtenção de elementos contabilísticos necessários ao processo de insolvência.

A testemunha …, declarou que já a XX... Lda. tinha processos de execução por faltas de pagamentos continuados e que a YY... Lda. nunca efectuou qualquer pagamento ao ISS., valores esses que permanecem em dívida.

A testemunha …, chefe da secção de contencioso da …, declarou que a XX... Lda. era cliente da  … e ficou a dever doze mil e tal euros, quantia essa nunca paga até à presente data.

Foi de grande relevância o depoimento de … , Especialista Superior da Polícia Judiciária, da área contabilística, o qual subscreveu o Exame Pericial junto aos autos a fls. 690 a 732 e prestou diversos esclarecimentos relativamente à gerência das sociedades em causa por parte dos arguidos.

Esta testemunha não só reiterou o teor do mencionado exame pericial como esclareceu que efectivamente se verificou um decréscimo de exportações com o conflito internacional da Guerra do Golfo, em 1993, decréscimo este que atingiu as indústrias de cerâmica, todavia, declarou igualmente que “a Faianças XX... continuou no erro”, referindo-se a um erro de gestão e de manutenção da sociedade em laboração.

Declarou ter tido acesso a documentação fiscal mas já não contabilística dado a ausência da mesma, sendo que apenas agora, com a junção por parte dos arguidos de documentação contabilística teve acesso à mesma.

Declarou que o problema da sociedades Faianças XX... Lda. foi o excesso de endividamento externo, sobretudo com a Banca, pelo que a opção correcta a tomar relativamente a esta sociedade seria ou uma injecção de capital ou então abrir a insolvência pois de contrário estaria a agravar a situação dos credores, que foi o que sucedeu uma vez que não houve qualquer injecção de capital, tendo antes havido uma alienação do seu património. Acresce que ao fechar as portas e ao reabrir apenas com outro nome conduziu a um favorecimento de credores, pois uns foram pagos e outros não.

Acrescentou o Sr. Perito que o problema da YY... Lda. é que já iniciou com pouco capital e nunca conseguiu recuperar, pois os credores da Faianças XX... Lda. exigiram pagamento de dívidas, o que foi feito a alguns, além de os credores da YY... Lda. terem começado a penhorar o equipamento.

Esclareceu que a sociedade YY... Lda. foi descapitalizada para pagar as dívidas da XX... Lda. e se já tinha começado com uma má situação assim ainda ficou pior.

O Sr. Perito declarou igualmente ter constatado o pagamento de dívidas das sociedades através de cheques pessoais dos arguidos, havendo mesmo entrada de cheques pessoais para a YY... Lda.

Todavia, também se apurou através das acções inspectivas efectuadas que o arguido tanto fazia pagamentos como recebimentos de capital através da sua conta bancária pessoal, pelo que se conclui terem os arguidos beneficiado de tal situação e terem tirado proveito da mesma, pois não obstante as sociedades terem passado por dificuldades de financiamento, apenas a XX... Lda. esteve inibida, em 1993 e 1999 do uso de cheques, mais resultando dos autos ter o arguido utilizado as suas contas pessoais para tratar de assuntos das empresas desde o início da laboração das mesmas, o que não tem qualquer justificação, pelo que se conclui inequivocamente terem os arguidos beneficiado de tal promiscuidade contabilística.

O Sr. Perito declara igualmente que a sociedade YY... Lda. iniciou mal, tendo os arguidos naturalmente consciência de que não era possível cumprir os seus compromissos.

O depoimento do Sr. Perito foi efectuado de forma isenta e esclarecedora, pelo que convenceu plenamente o Tribunal.

Cumpre esclarecer que os arguidos não lograram provar que a venda das viaturas em causa tiveram como destino a compensação de dívidas, pois os documentos de fls. 1845 e ss. nada provam a tal respeito, sendo meras declarações particulares sem qualquer reflexo ao nível do registo de tais automóveis, pelo que nada provam.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

Teve-se em conta, designadamente, a certidão de fls. 38 a 42; teor de fls. 46 a 62; 70 a 81; 84 a 113; 150; 160 e 161; informação do ISS de fls. 177 a 185; 196 e 197; 208 a 209; certidão de fls.248 a 517; documentação fiscal de fls. 529 a 607 e de fls. 611 e 612; Relatório de Acção de fiscalização Fiscal de fls. 641 a 653; 658 a 674; fls. 684, 687; informação bancária de fls. 689; 749/750; 767/ 768; Relatórios de Inspecção Tributária de fls. 772 a 842; facturas de fls. 868/869, 878/879; certidões de matrícula de fls. 930 a 938; CRC de fls. 1033 a 1044; fls. 1053 a 1110; Informação Fiscal constante do Apenso I; Relatórios de Inspecção tributária constantes do Apenso II. 

Documentação junta com a contestação a fls. 1266 a 1603.

Relativamente ao pedido de indemnização civil teve-se em conta, além de toda a prova da acusação, a prova testemunhal e documental junta pelo Assistente (cfr. fls. 1196 a 1206 dos autos).

A situação pessoal dos arguidos foi dada como provada com base nas suas próprias declarações.

Os antecedentes criminais foram dados como provados com base nos CRC´s juntos aos autos.


*

III – Fundamentação de Direito.

3.1. Como constitui jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal –, é através das conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, e nas quais deve sintetizar as razões do pedido [artigo 412.º, n.º 1, do mesmo diploma], que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal ad quem.

Nessa perspectiva, e porque não ocorre qualquer circunstância conducente àquela intervenção oficiosa, questões a resolver serão, pois, a de apurarmos, por um lado, a) se os arguidos não deveriam ter sido instituídos na obrigação de indemnizar a demandante cível; b) acaso deva manter-se tal condenação, se o seu pagamento não deveria ter sido considerado como condição à decretada suspensão de execução das penas cominadas a cada um deles; por fim, c) devendo ambas manter-se, sempre o prazo fixado deve ser prorrogado (recursos dos arguidos), e, por outro lado, se deve revogar-se o despacho que não admitiu o pedido de indemnização cível apresentado (recurso da demandante).

Vejamos de todas elas, isto salvaguardada a hipótese de eventual prejudicialidade de alguma/algum relativamente às subsequentes/demais.

3.2. Como resulta do relatório supra (I), aquando da prolação do despacho a que alude o art.º 311.º, do Código de Processo Penal, o pedido de indemnização cível deduzido pela PG..., S.A. não foi recebido por se entender ocorrer fundamento conducente à sua inadmissibilidade legal.

A demandante discordando, interpôs recurso do decidido, sendo tal impugnação admitida para subir diferidamente, vale por dizer, atento o art.º 407.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.”

Isto é, ao invés do que alega aquela recorrente, a decisão de não admitir o pedido de indemnização mantém validade no processo até ao momento em que se mostre apreciada por tribunal de recurso; ela própria manifeste a vontade da sua não ponderação (o que, inequivocamente, não se verificou), ou, last but not least, se haja por prejudicado o seu conhecimento.

Por isso, (re) apreciando-a o tribunal a quo, como o fez (fls. 2.028 e segs.), tudo redunda em que, no que concerne, ocorra a emergência da nulidade prevista pelo parte final da alínea c), do n.º 1, do art.º 379.º, do Código de Processo Penal, uma vez que, assim, conheceu “de questões de que não podia tomar conhecimento.”

Pese embora a afirmação, não se torna todavia necessário conhecer da impugnação oposta pela demandante.

Tudo porquanto, e independentemente da posição que se sufrague sob a bondade do despacho que não admitiu o pedido de indemnização cível que apresentou, entendemos que com distinto fundamento devem os recorrentes/demandados ser condenados a pagar a quantia a ele correspondente e, por essa via, claudicar o efeito útil que determinaria a necessidade dessa apreciação.

Com efeito:

Assume entendimento jurisprudencial pacífico aquele segundo o qual:

“I – A “obrigação” de pagar uma indemnização, imposta nos termos do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro da qual o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. II – De forma que o montante da indemnização a arbitrar como integrando o conteúdo desse dever imposto como condição da suspensão de execução da pena, embora deva, naturalmente, ser fixado tendo em atenção os critérios regulados pela lei civil, por forma a corresponder o mais possível ao que resulta da consideração desse critérios e a não os exceder, deve obedecer em tudo o mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade do pagamento, á sua referida função no quadro do mencionado instituto.”[3]

“I – A obrigação de pagar uma indemnização, imposta nos termos do art.º 51.º, n.º 1, al. a), do CP, embora não constitua um efeito penal da condenação, assume natureza penal, na medida em que se integra no instituto da suspensão da execução da pena, no quadro da qual o dever de indemnizar destinado a reparar o mal do crime assume uma função adjuvante da realização da finalidade da punição. II – O montante dessa indemnização deve ser fixado tendo em atenção os critérios que emanam da lei civil, sem excesso, obedecendo, no mais, quer quanto à medida desse montante objecto específico de tal dever, quer quanto ao prazo e modalidade de pagamento, à referida função, no quadro do instituto da suspensão da execução da pena. III – Distinguindo-se a indemnização pedida nos termos da lei civil dessa obrigação de indemnizar que tem por fundamento não apenas o dano mas a realização ou o fortalecimento das finalidades da pena, não existe qualquer contradição quando o tribunal desatende, por razões formais, os pedidos de indemnização civil, mas fixa, na decisão final, aquela obrigação.”[4]

A conformidade constitucional do aludido art.º 51.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal[5]suscitada já perante o Tribunal Constitucional, mereceu resposta afirmativa num aresto respectivo[6], no qual se consignou, mormente, que:

“ (…)

É, no entanto, manifestamente improcedente a alegação de que a norma que se extrai do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, traduz uma violação do princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e à segurança (artigo 27.º, n.º 1 da Constituição).

Na realidade, e mais uma vez, não se trata aqui da impossibilidade de cumprimento como única razão da privação da liberdade, mas antes da consideração de que, em certos casos, a suspensão da execução da pena de prisão só permite realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição se a ela – suspensão da execução – se associar a reparação dos danos provocados ao lesado, traduzida no pagamento (ou prestação de garantia de pagamento) da indemnização devida.

Não é, por isso, inconstitucional, designadamente por violação do artigo 27.º, n.º 1, da Constituição, a norma constante do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na parte em que permite ao juiz condicionar a suspensão da execução da pena de prisão à efectiva reparação dos danos causados ao ofendido.”

Por outro lado, sabe-se, o crime tipificado pelo art.º 227.º impõe como pressuposto subjectivo que o agente actue com a intenção de prejudicar os credores.

Sequer os recorrentes/arguidos controvertem da verificação dos elementos que determinaram a sua condenação nos autos, logo, também da verificação desse elemento subjectivo.

Ora, nesta perspectiva, nenhum fundamento obsta, antes justifica, que a suspensão das penas que lhe foram aplicadas, fiquem subordinadas à “obrigação” de pagamento instituída com base no preceito indicado.

Aliás, conforme anota Paulo Pinto de Albuquerque[7], afirmando que “Contudo, não é requisito deste dever que já tenha sido deduzido pedido de indemnização, como resulta expressamente da alternativa prevista pelo legislador (garantia de indemnização por caução.”.

3.3. O que vem de afirmar-se faz intuir fácilmente que também não opera o segundo argumento avançado pelos recorrentes, qual seja o de que a decretada suspensão de execução das penas não deveria ter ficado subordinada ao cumprimento do dever de ressarcimento da demandante, porque assim infringido o princípio da razoabilidade, com assento no art.º 51.º, n.º 2, do Código Penal [Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir].

Qual a interpretação que há de fazer-se quando a lei coloca assim ao estabelecimento de deveres o limite da exigência razoável?

Desde logo, como é óbvio, a suspensão da execução da pena não pode ficar dependente de uma condição impossível, fisicamente impossível, tal como não pode ficar dependente de uma condição irrazoável.

Mas se limites impossíveis não podem ser estabelecidos como contrapartidas à suspensão, a suspensão também não pode ficar dependente de uma condição que, embora possível, justa, adequada, não seja razoável de exigir por se afigurar de satisfação impossível.

Sendo certo que nesta sede logo nos vêm à cabeça, inevitavelmente, os princípios da exigibilidade e proporcionalidade dos deveres impostos, teremos que considerar um outro dado neste raciocínio.

É evidente que não se pode limitar a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma indemnização de 100 quando os danos provocados se cifram em 10: trata-se de uma condição manifestamente desproporcionada às consequências provocadas pelo facto.

Mas será que o mesmo sucede quando os danos provocados foram de 100 e a indemnização fixada se cifrou nesses 100, embora o seu pagamento, possível face aos elementos disponíveis, exija esforço por parte do agente? Será que para obviar ao esforço se deve baixar o montante da condição, atendendo apenas à situação do agente e desconsiderando a do ofendido?

Conforme se vê, o juízo de razoabilidade da condição só pode fazer-se perante o caso concreto. E no nosso caso a condição fixada – que se cifrou, e bem, na totalidade da contabilização dos danos –, não se revela impossível, nem sequer irrazoável: não viola, portanto, o princípio da proporcionalidade invocado.

Conforme referem as actas da Comissão de Revisão do Código Penal, foi acolhida neste diploma a ideia de que o agente do crime deve proceder ao pagamento segundo aquilo que puder e de acordo com as suas forças.

Mas isto não significa que a condição tenha que se restringir ao que for confortável ao agente, isto é, àquilo que ele puder cumprir sem sacrifício, sob pena de não se poder impor como condição de suspensão da execução da pena o pagamento de indemnização ao lesado quando o agente seja pobre.

Assim, e citando o decidido pelo S.T.J. no acórdão de 13 de Dezembro de 2006, proferido no processo 06P3116[8], diremos que o n.º 2 do art.º 51.º do Código Penal consagra o princípio da razoabilidade, que significa que a imposição de deveres deve atender às forças do destinatário, o agente do crime, para não frustrar, logo à partida, o efeito reeducativo e pedagógico que se pretende extrair da medida, mas cuidando de não cair no extremo de fixar uma condição atendendo apenas às possibilidades económicas e financeiras oferecidas pelos proventos certos e conhecidos do condenado, sob pena de se inviabilizar, na maioria dos casos, o propósito que lhe está subjacente, qual seja o de dar ao arguido margem de manobra suficiente para desenvolver diligências que lhe permitam obter recursos indispensáveis à satisfação do dever ou condição.

Uma pena, qualquer pena, para ser eficaz, deve ser sentida pelo agente e no caso de pena suspensa muitas vezes a única coisa que o agente sente é, precisamente, a condição fixada.

Mas se é verdade que uma indemnização de € 10.167,94 é excessiva por confronto com os rendimentos recebidos – conhecidos pelos arguidos – € 800,00 mensais de reforma o arguido, uma vez que os restantes 2/3, se encontram penhorados, e, aproximada quantia a arguida – € 800,00/900,00 –, pagando € 500,00 relativos à habitação na qual residem –, também é certo que tendo presentes, apenas, estas contas, os rendimentos de ambos não podem restringir-se a tais quantias. Na verdade, como é que fazem face às despesas correntes inerentes a um agregado familiar, como é que têm logrado subsistir?

Seja, a conclusão de que a condição fixada não se revela violadora dos princípios legais enunciados.

3.4. Último argumento aduzido pelos recorrentes o de que se impõe a dilação do prazo de suspensão da execução da pena.

Apenas um patente equívoco sobre o regime instituído para a duração do período de suspensão de execução da pena pode suportar esse desiderato.

Com efeito, se no texto resultante da revisão operada ao Código Penal através do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, se preceituava no respectivo art.º 50.º, n.º 5, que “O período de suspensão é fixado entre 1 a 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”, já no que adveio da alteração introduzida por intermédio da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, se passou a consignar que “O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado.”   

Isto é, traduz agora lei expressa a correspondência entre a duração da pena de prisão aplicada e o período durante o qual pode decretar-se a suspensão da sua execução (ressalva a hipótese de a primeira se mostrar inferior a um ano, período mínimo pelo qual poderá a suspensão ser decretada, conforme parte final do normativo em causa, mas o que não é a hipótese presente).

Vale por dizer, também da improcedência deste fundamento do recurso.

3.5. Assim dirimidas as questões suscitadas pelos arguidos, nomeadamente a primeira, bem se intui da prejudicialidade do conhecimento do recurso interposto pela demandante. De facto, se efeito útil da lide era obter a condenação dos demandados, a solverem-lhe a reclamada quantia de € 10.167,94, acrescida dos juros moratórios vencidos desde a data da sua notificação para contestarem o pedido, e dos vincendos até integral pagamento, já o mesmo advém da suspensão condicionada que se impôs aos arguidos e há de ser mantida.


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IV – Decisão.

São tudo termos pelos quais se decide:

- Considerar nula a parte do acórdão sindicado que apreciou o pedido de indemnização civil apresentado pela demandante PG... – S.A. (fls. 2.028/2.034)

- Corrigir o dispositivo do mesmo aresto recorrido (V -), seu ponto 2., pela forma seguinte:

Condena-se a arguida B..., pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de dois crimes de insolvência dolosa, sendo que um é relativo à sociedade Faianças XX... Lda., p.p.p. art.º 227.º, n.ºs 1 a), b), c); 2; 3 e 5 do CP), e, o outro, respeitante à Sociedade YY... – Cerâmicas Decorativas Lda., p.p.p. mesmo art.º 227.º, n.ºs 1, alínea a); 2 e 5, na pena de 2 (dois) anos de prisão para cada um deles.”

- Negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos do acórdão final e, embora com fundamento diverso, manter o decidido.

- Considerar como prejudicado o recurso interposto pela demandante cível do despacho de fls. 1.223. e segs.

Custas dos recursos interpostos pelos arguidos por ambos, fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em 6 UCs.

Sem custas o recurso interposto pela demandante.

Notifique e, oportunamente, averbe as alterações ora introduzidas no local próprio.


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Brízida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves


           


[1] Sobre tais casos em que há absolvição na parte penal foi já tirado o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7 /99, no qual se fixou a seguinte Jurisprudência: Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se basear em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual.”
[2] Sendo porém certo que o dispositivo da sentença se mostra omisso quanto às penas parcelares aplicadas à arguida (cfr. fls. 2.026 e 2.024 do aresto em causa), lapso que, a final, se reparará, ut disposições conjugadas dos art.ºs 374.º, n.º 3, alínea b) e 380.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, ambos do Código de Processo Penal.
[3] Acórdão do STJ, de 11 de Outubro de 2000, in processo n.º 2102/00-3.ª, SASTJ, n.º 44, pág. 71.
[4] Acórdão do STJ, de 19 de Junho de 2002, in processo n.º 1680/02-3.ª, SASTJ, n.º 62, pág. 62.
[5] Na redacção introduzida por intermédio do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[6] De 2 de Novembro de 1999, prolatado no processo n.º 162/97, e publicado no Diário da República, II.ª Série, de 22 de Fevereiro de 2000.
[7] In Comentário do Código Penal, Universidade Católica Portuguesa, pág. 196.
[8] Citado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Maio de 2011, prolatado no âmbito do processo n.º 728/08.7 PDVNG.P1, pela Ex.ma Desembargadora Olga Maurício.