Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161/06.5GCSAT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PILAR OLIVEIRA
Descritores: CRIME DE DANO
PREJUÍZO
SENTENÇA
NULIDADE
Data do Acordão: 10/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 212º CP, 122º, 1, 374º, 2 E 379º ,2 CPP
Sumário: 1. Essencial para a verificação do crime de dano é a existência de uma modificação física no objecto do crime ainda que o prejuízo causado não seja quantificado.
2. A nulidade da sentença apenas é sanável através da prolação de nova sentença.
3. O despacho inserindo-se em processo viciado de nulidade anteriormente cometida é também ele inválido por força do disposto no artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal
Decisão Texto Integral: I. Relatório
No processo comum singular nº 161/06.5GCSAT do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu a arguida M..., devidamente identificada nos autos, foi submetida a julgamento acusada da autoria de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal.
A ofendida A... deduziu pedido de indemnização contra a arguida no montante de 2.100 € (1.500 € por danos não patrimoniais, 600 € por danos patrimoniais) e juros de mora desde a notificação até integral pagamento.

Realizado o julgamento, por sentença de 23 de Outubro de 2008, foi decidido condenar a arguida M...:
1. Como autora de um crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de seis euros, no montante de 720 euros;
2. A pagar a A... a quantia de 500 euros e juros de mora a contar da sentença.

Inconformada com essa decisão, dela recorreu a arguida M..., condensando a respectiva motivação nas seguintes conclusões:
A) A condenação da arguida assentou na circunstância de se ter dado como provado que a mesma retirou de uma propriedade uma rede de vedação com uma extensão de 18 metros, sete esteios onde ela se encontrava apoiada, uma porta de acesso a essa propriedade e as couves que se encontravam plantadas no terreno em causa, pertença da ofendida A…;
B) Apesar de se ter dado como provado que esta conduta causou à ofendida danos que se cifram em € 500, não foram apurados os valores dos bens danificados nem identificada a forma de apuramento dos danos;
C) Tendo em conta que a circunstância das coisas danificadas deverem ter algum valor para que se mostre preenchido o elemento do tipo objectivo do ilícito por que a arguida foi condenada, o que não resulta provado na douta sentença recorrida, inexiste matéria de facto suficiente para suportar essa sua condenação;
D) Por isso, ao condenar a arguida pela prática do crime de dano sem que se tivesse apurado qual o valor dos bens danificados ou os prejuízos que individualmente e em concreto lhe foram causados, o que constitui um elemento do tipo objectivo deste crime, inexiste matéria de facto suficiente para condenar a arguida, o que constitui fundamento para o presente recurso nos termos do art. 410° n° 2 al. a) do CPP;
E) Por outro lado, apesar de se ter concluído que a totalidade dos danos se cifram em € 500, o certo é que não são identificados em relação a cada um dos bens considerados danificados, nem o respectivo valor, nem os danos que lhes foram individualmente infligidos;
F) Assim como não se identifica minimamente a forma como foram apurados estes danos, no seu conjunto, ficando assim sem se saber se por exemplo as couves que a arguida arrancou têm algum valor que permita atribuir carácter lesivo à sua conduta em termos de alcançar o limiar da dignidade penal;
G) Por isso, a Douta Sentença recorrida não se encontra fundamentada de facto, nos termos exigidos no art. 374° n° 2 do CPP o que a torna nula nos termos do art. 379° n° 1 al. a) do mesmo CPP o que constitui também fundamento do presente recurso de acordo com o previsto no art. 410° n° 3 ainda do CPP, tendo em conta que da mesma decisão recorrida não consta a base de apuramento dos prejuízos que se considerou terem sido infligidos à ofendida;
H) De resto, ainda que se entenda que assim não sucede, sempre a douta sentença recorrida deverá ser revogada por na determinação em concreto do montante da multa aplicada à
arguida, não terem sido seguidos os critérios para este efeito previstos no art. 71° do Código Penal, que por isso foi violado;
I) A pena de multa aplicada à arguida fixada em 1/3 do seu limite máximo, afigura-se, manifestamente exagerada, atendendo à possibilidade de ocorrência de factos diversos, mais gravosos, não só em termos de culpa do agente, como da existência de antecedentes criminais, intensidade do dolo, condições pessoais e situação económica do agente bem como da gravidade das consequências da conduta criminosa;
J)Não funcionando nenhuma das circunstâncias previstas no art. 71° n° 2 do Código Penal contra a arguida, não se afigura correcta a determinação concreta da pena de multa, a qual se deveria por isso ter fixado próximo dos seus limites mínimos;
K) Assim como se afigura exagerado por manifestamente desadequado à realidade sócio-económica da arguida, o montante diário da pena, fixado em € 6 (seis);
L) E isto porque, o montante da pena de multa aplicada à arguida equivale a quase 3 remunerações mensais que ela aufere, as quais, como ficou provado, correspondem a pouco mais de metade de um salário mínimo nacional que já de si, como é pacificamente reconhecido, não cumpre as mais das vezes o seu objectivo de garantir uma existência condigna dos seus beneficiários.
M) Daí que, no caso da arguida, tendo-se sempre presente as despesas inevitáveis e inerentes à satisfação das necessidades básicas de qualquer ser humano, que não podem deixar de ter-se por assentes, as quais muito facilmente consomem a sua remuneração mensal, é manifesto que o montante total da pena de multa a que foi condenada a pagar, coloca em risco a satisfação das suas necessidades básicas, constituindo por isso um sacrifício desmesurado e desproporcionado em relação à conduta por cuja prática foi condenada;
N) Mostra-se assim por isso desrespeitado o critério a este propósito fixado nos arts. 47º n° 2 e 71° do Código Penal, por não ter sido atribuído o devido relevo à situação económica da arguida (ai. d) do n° 2 do art. 71°) bem como ainda à não gravidade das consequências da actuação que lhe foi imputada (al. a) do n° 2 do art. 710), preceitos estes que assim foram violados pela douta sentença recorrida;
O) Por isso, deve a pena aplicada ser substituída por outra que se fixe próximo dos seus limites mínimos, quer na sua determinação quer na fixação da respectiva quantia, a qual, ainda assim, constituirá um sacrifício real e considerável para a arguida, em face da sua situação sócio-económica que se encontra provada nos presentes autos.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e anulando-se o julgamento realizado,
Ou caso assim se não entenda, fixando-se a pena de multa a aplicar à Recorrente próximo dos seus valores mínimos legalmente previstos.
Com o que se fará, como sempre, JUSTIÇA.

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto, concluindo que exceptuada a parte em que se dá como provado que os danos causados à ofendida se cifraram em 500 euros (cuja invalidade, por total falta de fundamentação, se admite seja declarada - sem que, no entanto, afecte a parte restante da sentença, nos termos do disposto no art. 122 do CPP-, caso não venha a ser suprida pelo tribunal como é permitido pelo art. 379, n°2 do mesmo diploma legal) deve manter-se a douta sentença recorrida.

Foi o recurso objecto de despacho de admissão.
Antes de ordenar a remessa dos autos a este Tribunal da Relação, a Mmª Juiz a quo, ao abrigo do disposto no artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal, proferiu despacho de reparação da decisão recorrida no que concerne à falta de fundamentação do valor atribuído aos danos, nulidade invocada pela recorrente.

Remetidos os autos a esta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:
1. - Vício da decisão
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
A al. a) do n° 2 do art° 410° do C.P.P, refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronuncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da decisão da causa que sejam relevantes para a decisão, isto é, decorre da circunstância de o tribunal na factualidade vertida na decisão em recurso quando se verifica que faltam elementos que, tendo resultado da discussão podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação, e em que termos, ou de absolvição.
A recorrente refere nas "conclusões" da Motivação apresentada, que se verifica insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque considera que o tribunal não indagou como podia e devia qual o montante dos danos causados à ofendida.
A recorrente confunde o vício de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão com insuficiência de prova, que no seu entender, ocorreu, para dar como provada a matéria de facto.
Tomando em consideração a matéria de facto dada como provada e as razões explicitadas na fundamentação que levaram o tribunal "a quo " a considerá-la como verificada entendemos que tal vício, não decorre do texto da decisão recorrida.
Pelo que nenhuma razão assiste à recorrente quando pretende apenas que a prova produzida fosse valorada de forma diferente

II. Falta de fundamentação da decisão - nulidade suprida
Após ter sido prolatada a douta decisão de que se recorre nos autos, veio a ser proferido a fls 291 dos autos um despacho de suprimento de nulidade, em que se pretende ao abrigo do disposto nos art°s 379° n°2 do C.P.P. e 414° n°4 do mesmo diploma legal, agora reparar a nulidade referentes à decisão proferida quanto à omissão de pronuncia sobre a forma como o tribunal elaborou a sua convicção para poder concluir que o dano causado à ofendida é no valor de €500.
Dispõe o art° 379° n°2 do C.P.P.:
"As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no art° 414°n°4 do C.P.P. "
Por sua vez o art° 414° n°4 do C.P.P., preceitua:
" Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, afinal, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão "
Ora, o que se verifica no caso vertente é que o recurso interposto é de uma decisão que conhece a final do objecto do processo.
Porém, depreende-se da redacção actual do art° 379° n°2 do C.P.P., com a entrada em vigor da Lei 48/2007, que se deu ao tribunal de recurso a possibilidade de vir a suprir as nulidades invocadas em recurso ou que mesmo o tribunal recorrido as poderia eventualmente suprir.
No entanto, como diz o Prof Paulo Pinto de Albuquerque, em Cód Proc Penal Anotado, em anotação ao art° 379°n°2, a inovação contraria não só o princípio geral de direito processual português de esgotamento imediato do poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa logo que proferida a sentença, como por outro lado, seria intolerável a insegurança e incerteza jurídica resultante da sanação dos vícios de uma sentença final penal nula, que permitisse ao tribunal a quo que depois de proferida a sentença esta fosse reescrita e em que questões conhecidas fossem omitidas e questões omissas fossem conhecidas.
Também, neste sentido, se pronuncia em anotação ao art° 379° do C.P.P. o "CÓDIGO DE PROCESSO PENAL- Comentários e Notas Práticas", elaborado pelos Magistrados do M°P° do Distrito Judicial do Porto quando refere : "(..) Esta adaptação ao disposto no art° 414° n°4 , suscita, porém, algumas dificuldades, porquanto o art° 379° n°2só se aplica a decisões finais e o art° 414° n°4, excepciona expressamente do seu âmbito a sua aplicação a decisões que conheçam a final do objecto do processo. A Jurisprudência dominante vem entendendo que, havendo recurso, as nulidades devem ser conhecidas pelo tribunal superior, restringindo, assim, o âmbito de aplicação do art° 379° n°2 , parte final, aos casos em que a nulidade foi arguida em sede de recurso.
Resumindo, dir-se-á que o art° 379° n°2, contempla duas formas de arguição de nulidades da sentença - perante o tribunal que proferiu a decisão ou em sede de recurso ­sendo o prazo de arguição , num caso e no outro, o prazo geral de interposição de recurso, mas se forem arguidas em recurso apenas podem ser conhecidas pelo tribunal superior"
Pelo exposto, aderindo à tese defendida pelo Prof. Paulo de Albuquerque, consideramos ser inconstitucional o art° 379° n°2 terceira parte, por violar o disposto nos art°s 2°, 27° n°1 e 32° n°1 da C.P.R. e art° 6° CEDI-1.
Pelo que acima referimos, somos de parecer que só o tribunal de recurso pode conhecer da nulidade invocada, pelo que se deve ter como não reparada a decisão em apreço e como não suprida a nulidade ali referida.

Deste modo, entendemos que a decisão sob recurso contém esta nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do art° 379° n°1 c) do C.P.P., e falta de fundamentação e exame critico da prova que serviu para formar a convicção do tribunal quanto a estes factos, pelo que deve ser anulado esta decisão e ser proferida nova decisão, ou se assim se não entender, ser este Tribunal de recurso a suprir tal nulidade, mantendo-se a decisão recorrida.

III. Medida da pena
Caso este Tribunal Superior entenda suprir a referida nulidade e não anular a decisão, no que respeita à medida da pena aplicada à arguida, subscrevemos integralmente a argumentação aduzida pelo M°P° na 1' instância, pelo que se deverá manter a pena de multa aplicada e a respectiva taxa diária.

Pelo que, em nosso entender, o recurso merece parcial provimento.
***
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II. Fundamentos da Decisão Recorrida
1. Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto e de direito (transcrição):
Excepção do Caso julgado:
A demandante A... deduzir pedido de indemnização civil, contra a demandada M..., pedindo a sua condenação, além do mais, no pagamento da quantia de E 600, a titulo de danos patrimoniais.
Encontra-se junta aos autos certidão da sentença transitada em julgado em 25/10.2007, proferida no âmbito da acção de processo sumário n.° 3345/07.5TBVIS que correu termos do 1.° Juízo Cível, onde foi declarada a autora, aqui demandante, proprietária do prédio identificado na petição inicial, e os réus, sendo a ré mulher a aqui arguida, condenada a reconhecer a autora como dona e legitima proprietária daquele prédio, a restituir o prédio livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes de o ter ocupado, repor a vedação no estado em que se encontrava antes do derrube, designadamente repondo os ferros e rede de vedação, que se encontravam erguidos e que delimitavam a propriedade da autora, bem como o portão de acesso ao prédio, bem como a pagar à autora indemnização por danos causados pela violação do seu direito de propriedade que se vier a liquidar em execução de sentença.
O caso julgado constitui uma excepção dilatória que a proceder determina a absolvição da instância (art.º 494, al. i), 493, n.° 1, e 497 todos do CPP).
Nos presentes autos não foram concretizados quaisquer danos patrimoniais, não podendo o Tribunal, oficiosamente, determiná-los, não havendo por isso, causa de pedir.
Além do mais, verifica-se, me face da pendência de tal acção supra referida, a excepção do caso julgado, relativamente aos danos patrimoniais, sendo que as partes são as mesmas.
Assim, e verificando-se a excepção dilatória do caso julgado, absolvo da instância a demandada M…, relativamente ao pedido de indemnização civil formulado, quando aos danos patrimoniais (€ 600).
Custas pela demandante.
(…)
Matéria de facto provada:
No dia 15 de Novembro de 2Q06, a hora não concretamente apurada, mas antes das 8h, a arguida dirigiu-se a uma propriedade de A..., sita em L… Viseu, e com o auxilio do seu tractor e de dois trabalhadores que contratou para o efeito, J... e D..., retirou a rede de vedação da citada propriedade, numa extensão de 18 metros, sete esteios onde a mesma se encontrava apoiada, uma porta de acesso à propriedade, e as couves, que se encontravam plantadas no terreno em causa, pertença da ofendida A..., causando-­lhe danos que se cifram em € 500.
A rede e os respectivos suportes foram colocados no terreno pela ofendida A..., junto à linha divisória do mesmo, contíguo ao caminho de acesso à casa da arguida, a fim de o delimitar e impedir a respectiva devassa, o que ocorreu pelo menos cerca de dois anos antes da data atrás referida.
A arguida agiu livre, voluntaria e conscientemente, com o propósito concretizado de inutilizar e destruir a vedação, retirando os respectivos esteios e rede, e danificar e inutilizar as couves, arrancando-as, sabendo que tais bens não lhe pertenciam, que actuava contra a vontade e em prejuízo da ofendida A..., legitima proprietária dos mesmos, como aconteceu.
A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
Mais se provou que por sentença transitada em julgado em 25/10.2007, proferida no âmbito da acção de processo sumário n.° 3345/07.5TBVIS que correu termos do 1.° Juízo Cível, foi declarada a autora, aqui assistente, proprietária do prédio identificada na petição inicial, e os réus, sendo a ré mulher a aqui arguida, condenada a reconhecer a autora como dona e legitima proprietária daquele prédio, a restituir o prédio livre de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes de i ter ocupado, repor a vedação no estado em que se encontrava antes do derrube, designadamente repondo os ferros e rede de vedação, que se encontravam erguidos e que delimitavam a propriedade da autora, bem como o portão de acesso ao prédio, bem como a pagar à autora indemnização por danos causados pela violação do seu direito de propriedade que se vier a liquidar em execução de sentença.
A ofendida é pessoa humilde, respeitada e respeitadora no meio social onde vive.
Vive sozinha, é analfabeta, pela sua idade encontra-se numa situação de especial vulnerabilidade.
A situação vivida causou-lhe incómodo, sentindo-se ofendida, bem como desgosto ao ver a sua propriedade devassada e as suas culturas destruídas.
A arguida é reformada e aufere de pensão cerca de € 250; o marido também é reformado e aufere de pensão de reforma cerca de € 400.
Mora em Lisboa em casa arrendada pela qual paga a quantia de € 100.
Tem casa própria em L…, Viseu. Tem um filho maior.
Não tem qualquer escolaridade. A arguida é primária.

Matéria de facto não provada:
Não se provou que:
Os factos ocorreram às 6h.

Fundamentação da matéria de facto.
A convicção do tribunal alicerçou-se, essencialmente, e desde logo, nas declarações da arguida que os admitiu, sendo que referiu que a vedação não se encontrava em qualquer terreno da ofendida, mas sim na via pública. No entanto admitiu que bem sabia que a rede e a respectiva vedação foram lá colocados pela ofendida, há mais de quatro anos. Confirmou igualmente quem foram as pessoas que contratou para realizarem o serviço, sendo que ouvidas em Tribunal, as testemunhas D... e J…, vieram confirmar o trabalho que realizaram.
A ofendida não assistiu aos factos mas disse que foi alertada para o sucedido por um primo seu.
De igual modo a testemunha F... confirmou ao Tribunal que quando ia a passar viu os trabalhadores a tirar a vedação. Foi então ter com a A… para saber se ela tinha vendido o terreno,
Teve-se ainda em conta o depoimento das testemunhas T… e H… acerca da consideração da arguida.
Teve-se ainda em conta as declarações da arguida acerca da sua situação sócio económica e familiar.
Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, resulta do CRC que se encontra junto aos autos.

Fundamentação dos factos não provados:
Os factos não provados resultaram da ausência total de prova quanto a eles, ou por se ter feito prova do contrário.

O DIREITO
A arguida está acusado pela prática de um crime de ando, p.p. pelo art.º 212, n.° 1 do CP. Dispõe tal preceito legal do seguinte modo: "quem destruir no todo ou em parte, danificar, desfigurar, ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa".
O crime de dano é um crime contra a propriedade, protegendo-a contra agressões que atinjam directamente a existência ou a integridade do estado da coisa. Deve no entanto salientar-se que, salvo nos casos de destruição total, o direito de propriedade não é atingido, mas apenas uma dimensão ou direito decorrente daquele, traduzido no "domínio exclusivo sobre a coisa, isto é, o direito reconhecido ao proprietário de fazer da coisa o que quiser, retirando dela, no todo ou em parte, as gratificações ou utilidades que ela pode oferecer"(cfr. Manuel de Andrade, Comentário Conimbricense ao Código Penal, vol. II, pág. 207).
Relativamente ao tipo objectivo de ilícito, temos que objecto de acção é qualquer coisa móvel, alheia.
O conceito de coisa identifica-se com o que é dado para o crime de furto, com a diferença de que no dano podem ser consideradas coisas imóveis. Deve pois trata-se de coisa materialmente apreensível ou de qualquer forma exposta à actuação destruidora ou modificadora do homem.
A qualificação como alheio é determinada pelos princípios gerais do direito civil, excluindo-se os bens próprios, rei nullius e as coisas insusceptíveis de apropriação.
As modalidades da conduta típica são as seguintes: destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável.
A destruição significa a perda total das utilidades da coisa, implicando normalmente o sacrifício da sua substância.
O danificar implica um atentado à substância ou integridade física da coisa que não atinja o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão já existente.
Por "desfigurar" entende-se os atentados à integridade física da coisa que alterem a sua imagem exterior.
"Tornar não utilizável" abrange as acções que reduzem a utilidade da coisa, segundo a sua função.
O tipo subjectivo exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, bastando o dolo eventual.
O crime de dano é um crime material, consumando-se com a efectiva destruição, total ou parcial, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa.
Procedendo agora à análise da matéria de facto, não restam dúvidas que a arguida cometeu o crime de que está acusada.
Na verdade, provou-se que no dia 15 de Novembro de 2006, a hora não concretamente apurada, mas antes das 8h, a arguida dirigiu-se a uma propriedade de A..., sita em L…, Viseu, e com o auxilio do seu tractor e de dois trabalhadores que contratou para o efeito, J... e D..., retirou a rede de vedação da citada propriedade, numa extensão de 18 metros, sete esteios onde a mesma se encontrava apoiada, uma porta de acesso à propriedade, e as couves, que se encontravam plantadas no terreno em causa, pertença da ofendida A..., causando-lhe danos que se cifram em € 500.
A rede e os respectivos suportes foram colocados no terreno pela ofendida A..., junto à linha divisória do mesmo, contíguo ao caminho de acesso à casa da arguida, a fim de o delimitar e impedir a respectiva devassa, o que ocorreu pelo menos cerca de dois anos antes da data atrás referida.
Ora, bem sabia a arguida que a vedação não lhe pertencia, e ao mandar retira-la do local, estava a destruir tal vedação, e isto independentemente de ter guardado ou não a rede e os esteios. E que a vedação tem de ser considerada com as suas concretas características e não como um mero conjunto de rede e esteiros, que possa ser retirada. Ao retirar a vedação a arguida impede o uso que se pretendia retirar dela, no local.
E por isso tem de se entender a sua actuação como integradora da pratica de um crime de dano.
A arguida agiu livre, voluntaria e conscientemente, com o propósito concretizado de inutilizar e destruir a vedação, retirando os respectivos esteios e rede, e danificar e inutilizar as couves, arrancando-as, sabendo que tais bens não lhe pertenciam, que actuava contra a vontade e em prejuízo da ofendida A..., legitima proprietária dos mesmos, como aconteceu.
A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e que incorria em responsabilidade criminal.
E porque estão verificados os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime pelo qual está acusada, tem a arguida de ser condenada.

Determinação da medida da pena
O crime de dano é punível com pena de prisão de duração mínima de 1 mês e duração máxima de 3 anos (art.º 143 e 41 do CP), ou com pena de multa, cujo limite mínimo são 10 dias e o limite máximo 360 dias (art.º 47 do CP).
De acordo com a estatuição legal do n.° 1 e 2 do art.º 40 "a aplicação de penas. . .visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" sendo que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
A determinação em concreto da pena a atribuir, tendo em atenção o ilícito praticado, e conforme estipula o art.º 71, n. 1, do CP, far-se-á dentro dos limites da moldura penal abstracta fixada na lei, tendo em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, de harmonia com os factores ínsitos no n.° 2 do art.º 71, que deponham a favor ou contra o arguido, desde que tais elementos não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, vol. 1, 2002, pág. 809, Cavaleiro de Ferreira, lições de Direito Penal, 1985, 1 vol. pág. 9).
A finalidade primordial visada pela pena é a protecção de bens jurídicos associado à prevenção geral positiva ou de integração. Esta visa a necessária tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou seja o restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime. Visa o reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança, face à violação da norma jurídica ocorrida (cfr. Figueiredo Dias, Consequências jurídicas do crime, pág. 72). Com o recurso à prevenção geral busca-se dar satisfação aos anseios comunitários da punição do caso concreto, tendo-se em atenção a necessidade premente da tutela dos bens e valores jurídicos.
Dentro da moldura da prevenção geral positiva deve actuar a prevenção especial de socialização do agente, ou seja, a necessidade de conformação com o quadro de valores vigentes, em particular com aqueles que tutela o bem jurídico atingido, bem como, excepcionalmente, a advertência individual (cfr. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 104 e ss, Consequências jurídicas do Crime, pág. 215). Traduz-se, pois, na necessidade de sensibilização do arguido para a necessidade de conformar a sua conduta com os valores jurídico-penais.
Atendendo a que a arguida é primário e tendo em conta a prevalência que se deve dar a medidas não detentivas, o tribunal opta pela aplicação de pena de multa por se entender que satisfaz de forma adequada as finalidades da punição.
"A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n. ° 1 do artigo 7 " nos termos do art.º 47, do CP.
Ponderando os factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena, tem de se considerar que a arguida actuou com dolo directo, com perfeito conhecimento, consciência e vontade de cometimento do crime de que vem acusada.
O grau de ilicitude e o dolo é médio.
Contra a arguida o facto de não obstante confirmar os factos, dar pouca relevância à sua pratica, considerando, teimosamente e mesmo contra o já decidido por sentença transitada em julgado, que a ofendida não possui qualquer propriedade naquele local e que a rede estava colocada na rua.
A arguida, não obstante estar a ser julgada, não demonstrou qualquer arrependimento, nem interiorizou a gravidade da sua conduta, sendo de prever, que caso volte a ser colocada, no local, a vedação, a arguida volte a incorrer na prática do mesmo crime.
Também se deve ter em conta as concretas consequências da sua conduta, e o valor dos danos provocados.
A seu favor deve ponderar-se o facto de se encontrar bem inserido socialmente e a nível familiar.
Assim entende-se justo fixar em 120 (cento e oitenta) dias a pena de multa.
Na determinação do quantitativo da pena de multa deve atender-se ao estatuído no n.° 2 do art.º 47 do CP. Se por um lado a pena de multa há-de implicar para o condenado um sacrifício que de algum modo corresponda ao preço da remissão em dinheiro de uma pena de encarceramento, o montante diário deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, sem deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das necessidades e do respectivo agregado familiar.
Deve ainda ter-se em consideração que "o montante diário da pena de multa não deve ser doseado para que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um entendimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade" (Ac. da RC, de 13/08/95, CJ, tomo IV).
Assim, atendendo aos rendimentos conhecidos e provados do arguido, o tribunal fixa o montante diário da pena em € 6 (seis euros).

PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Nos termos do art.º 483 do CC, aplicável em conjugação com o art.º 129 do CP, "aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação"
São requisitos essenciais para a existência de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nos termos do art.º 562 do CC " quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga a reparação; abrangendo a obrigação de indemnizar, de acordo com a regra do art. 563 do CC, todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Pelo que não há que ressarcir todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha na realidade ocasionado, desempenhado aqui, o nexo de causalidade a função delimitadora do montante da indemnização (neste sentido Almeida Costa, Obrigações, 4.a edição, 397).
No cálculo da indemnização esclarece o art. 564 do CC que "o dever de indemnização compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão":
A regra é a reconstituição natural, sendo apenas preterida nos casos em que tal não se mostre possível, suficiente, ou se afirme excessivamente onerosa, situações em que há recurso à indemnização por equivalente, nos termos do disposto no art. 566° do CC.
Relativamente à conduta do demandado e perante os factos dados como provados resultam preenchidos todos os requisitos supra enunciados, ou seja: os factos traduzidos na agressão que integra o crime de dano, a conduta que se consubstancia na violação de direitos subjectivos, do ofendido, ou seja o património, o dolo, enquanto ligação psicológica do facto ao demandado uma vez que a tinha perfeita consciência que estava a lesar bens pertencentes ao ofendido; o nexo de causalidade; e os danos de carácter não patrimonial traduzidos nos incómodos e desgostos sentidos pela ofendida, ao ver a sua propriedade devassada.
Assim entende-se adequado fixar em € 500 o valor a atribuir à demandante para compensação desses danos, improcedendo o demais peticionado.

2. O despacho acima aludido de "reparação" da nulidade da sentença, arguida em recurso, é do seguinte teor (transcrição):
A arguida M... veio recorrer da sentença proferida nos autos, em que foi condenada pela pratica de um crime de dano, p.p. pelo art.º 212 do CP.
Invoca, além do mais, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação de facto, nos termos exigidos pelo art.º 374, n.° 2 do CP, no tocante ao valor atribuído aos danos, no valor de €500.
Nos termos do art.º 379, n.° 2 é licito ao Tribunal suprir as nulidades invocadas, designadamente quando estejam em causa as menções a que aludem o n.° 2 e na al. b) do n.° 3 do art.º 374 do CPP, o que se procede de imediato, sendo que o presente despacho passa a fazer parte integrante da sentença proferida.
Assim, no tocante à fundamentação do valor atribuído aos danos, o mesmo resulta do declarado pela ofendida A..., que, quando confrontada com o valor dos danos sofridos confirmou tratar-se mais ou menos de € 500. Além do mais a própria ofendida quantificou, em termos aproximados o valor da rede e dos esteiros, sendo que o valor por ela atribuído às couves era de todo improvável, atenta a sua exorbitância, e por isso não foi atendido pelo Tribunal.
Notifique.
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III. Apreciação do Recurso
A documentação das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento implica que, este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (artigos 364º, nº 1 e 428° nº 1 do Código de Processo Penal).
Mas, a concreta abrangência do recurso é sempre delimitada pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigo 412°, nº 1 do Código de Processo Penal) sem embargo da obrigação de conhecimento oficioso de determinadas questões, como sejam os vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.
Vistas então as conclusões do recurso interposto, as questões que reclamam apreciação e solução são as seguintes:
1. Se a sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal;
2. Se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação nos termos dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal;
3. Se a pena de multa e a respectiva taxa diária se mostram exageradas devendo ser reduzidas em obediência ao critério dos artigos 71º e 47º, nº 2 do Código de Processo Penal.

1. Da invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
A recorrente invoca que a decisão recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada por não terem sido apurados os valores dos bens danificados, não sendo suficiente a fixação em 500 euros do valor total dos danos, sem especificação do valor de cada um dos bens considerados danificados. Na sua perspectiva os factos provados não são suficientes para a imputação objectiva do crime de dano por que foi condenada.
Preceitua o artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal que «mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da sentença recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;».
A insuficiência a que se reporta este preceito é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada (cfr. Simas Santos/Leal-Henriques, Código de Processo Penal, Volume II, em anotação ao artigo 410º).
Vista a noção e latitude do conceito de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, verificamos que o Tribunal a quo deu como provado que a arguida e ora recorrente com a sua actuação de retirar a rede de vedação de propriedade da ofendida, numa extensão de 18 metros, sete esteios onde a mesma se encontrava apoiada, uma porta de acesso à mesma propriedade e couves que se encontravam plantadas no terreno em causa, causou-lhe danos que se cifram em € 500.
Esta factualidade é claramente suficiente para a integração da tipicidade objectiva do crime de dano que lhe é imputado, uma vez que o comete quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia (artigo 212º, nº 1 do Código Penal). E diga-se, aliás, que a tipicidade do crime em questão sempre se verificaria através da descrita acção ainda que não tivesse sido possível apurar o valor concreto do dano causado. Ou seja, essencial para a existência do crime é a existência de uma modificação física no objecto do crime ainda que o prejuízo causado não seja quantificado, sendo manifesto, no caso, que essa modificação física ocorreu por acção da arguida em coisa alheia (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, em anotação ao artigo 212º, da autoria de Manuel da Costa Andrade). Trata-se, pois, de uma falsa questão se o valor dos danos foi avaliado conjunta ou individualmente por cada um dos bens atingidos pela modificação física realizada, porque daí não se pode extrair qualquer consequência que tenha implicação na qualificação jurídica efectuada.
Não padece, pois a sentença recorrida de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, carecendo de razão a recorrente.

2. Da invocada nulidade da sentença recorrida
A recorrente alega que a sentença proferida é nula nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal por ter violado o disposto no artigo 374º, nº 2 do mesmo diploma legal, uma vez que não contém fundamentação de facto no que concerne à fixação do valor dos danos em 500 euros.
O artigo 374º, nº 2 do Código de Processo Penal estipula, para além do mais, que a sentença deve conter a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão com indicação e exame crítico das provas.
E, com efeito, no que concerne à fixação do valor dos danos que consta como provado o Tribunal a quo não indica na sentença recorrida as provas em que se baseou e, concomitantemente, não efectua a respectiva análise crítica.
Verificamos, porém, que, em despacho posterior proferido no âmbito do disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal, a Mmª Juiz a quo pretendeu sanar a referida nulidade da sentença recorrida.
Preceitua esse normativo que "as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao Tribunal supri-las, aplicando-se com as necessárias adaptações o disposto no artigo 414º, nº 4". Quanto a este preceito dispõe que "se o recurso não for interposto de decisão que conheça a final do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão".
Resta, no entanto, equacionar se o despacho proferido é de facto susceptível de sanar a nulidade da sentença.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação tomou posição sobre a questão pronunciando-se no sentido de que o segmento normativo do artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal que permite a reparação de nulidades da sentença é inconstitucional por violar o disposto no artigos 2º, 27º, nº 1 e 32º, nº 1 da CRP e artigo 6º da CEDH, seguindo, nomeadamente, a posição perfilhada por Paulo Pinto de Albuquerque em Código de Processo Penal Anotado.
Escreve com efeito esse autor, em anotação ao artigo 379º (nota 9, pag. 966, 2ª edição actualizada) "A inovação não contraria apenas o princípio geral do direito processual Português do esgotamento imediato do poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa logo que proferida a sentença (artigo 666º, nº 1 do CPC ). São intoleráveis num Estado de Direito a insegurança e a incerteza jurídicas resultantes de um sistema de sanação dos vícios da sentença penal nula que permitisse ao tribunal a quo, depois de proferida a sentença, que a fundamentação da sentença penal fosse toda reescrita, os factos dados como provados diversos dos descritos na acusação ou pronuncia fossem modificados ou supridos, questões conhecidas fossem omitidas e questões omissas fossem conhecidas. Pelo exposto é inconstitucional o artigo 379º, nº 2, terceira parte ("aplicando-se com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 414º, nº 4") por violar os artigos 2º, 27º, nº 1 e 32º, nº 2 da CRP, o artigo 6º § 1º da CEDH e o artigo 14º, nº 1 PIDCP".
Na verdade, a aplicação do mencionado artigo é susceptível de colocar em causa o disposto no artigo 20º, nº 4 da CRP quando se refere ao direito a processo equitativo (igualmente consagrado no artigo 6º, nº 1 do Convenção Europeia dos Direitos do Homem) e o disposto no artigo 32º, nº 1 (garantias de defesa entre as quais o contraditório e direito ao recurso).
A possibilidade de prolação de despacho para sanar nulidades de decisão final pode contender com o direito a processo equitativo que não só impõe a igualdade de armas entre as partes como impede a prolação das chamadas decisões surpresa que contendam com direitos processuais. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros em Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, em anotação ao artigo 20º, trata-se de um conceito aberto que não se esgota na efectividade do direito de defesa no processo, bem como nos princípios do contraditório e da igualdade de armas, podendo aplicar-se residualmente em qualquer situação em que se conclua que o processo não está estruturado em termos que permitam uma decisão da causa ponderada. E uma das dimensões em que se reflecte a exigência do processo equitativo é do processo leal em que os dados em que foram exercidos os direitos processuais não sejam alterados, sem possibilidade de nova organização da defesa em face dos novos pressupostos. E no caso é manifesto que o conteúdo do direito ao recurso foi afectado depois de exercido, sem que ao recorrente tenha sido facultada qualquer possibilidade de contraditório perante a nova decisão proferida que alterou aquela de que recorreu. É que a alteração da decisão de que recorreu deveria garantir-lhe em face dos preceitos constitucionais citados novo direito ao recurso.
Importa, porém, questionar se o disposto no artigo 379º, nº 2, no segmento em causa é susceptível de interpretação conforme com a constituição. É que essa é a primordial tarefa do intérprete e que lhe é imposta pelo artigo 9º do Código Civil quando apela à unidade do sistema jurídico. Ora, o vértice da pirâmide do sistema legislativo é a constituição que, no seu artigo 3º, nº 3, estipula que a validade das leis depende da sua conformidade com a constituição. o que impõe, não só a inaplicabilidade de lei que viola a constituição, mas também que, em primeiro lugar, o intérprete busque interpretação que seja conforme com ela.
O juízo de inconstitucionalidade apenas se impõe se com a interpretação sistemática não for possível alcançar tal conformidade.
O que no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal se prevê à a possibilidade de sanar a nulidade de uma sentença se essa nulidade for invocada em recurso, chamando-se a atenção para o facto de a remição para o artigo 414º, nº 4 não ser pura e simples, mencionando-se que é aplicável com "as necessárias adaptações". E quais serão essas necessárias adaptações?
A interpretação sistemática também nos responde a essa questão.
Se o vício em causa, cuja sanação se prevê por tal via, é uma nulidade, manifesto é, a nosso ver, que é aplicável o disposto no artigo 122º do Código de Processo Penal que se refere aos efeitos da declaração de nulidade preceituando o seguinte:
1. As nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.
2. A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.
3. Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.
A aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto no artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal significa que a declaração e sanação da nulidade não pode ser efectuada à margem do disposto neste preceito.
E se a nulidade torna inválido o acto em que se verifica bem como os que dele dependerem, como sejam todos os actos processuais praticados posteriormente, não pode ser sanada por despacho como foi realizado.
Por despacho, apenas poderia ser declarada a nulidade e identificados os actos que por força dela se consideram inválidos, ordenando a sua repetição.
E a invalidade da sentença apenas é susceptível de ser sanada através de prolação de uma nova sentença que, independentemente de declaração nesse sentido, implica novo direito a recurso.
Sendo esta a forma de sanar nulidade de sentença nos termos do artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal, nenhuma violação se pode vislumbrar do direito a processo equitativo e dos direitos de defesa, aliás o reconhecimento de nulidade nesta instância determina exactamente o mesmo tipo de procedimento, prolação de nova sentença com o renascer do direito ao recurso relativamente à nova sentença que for proferida.
O disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal tem óbvias vantagens do ponto de vista da celeridade processual, princípio também contemplado no artigo 20º, nº 4 do Código de Processo Penal e 6º da CEDH quando se referem ao direito a decisão em prazo razoável. Nada de inconstitucional se detecta em normas tendentes a assegurar tal direito quando igualmente realizam os restantes valores/direitos constitucionalmente garantidos.
Em suma, o despacho proferido no sentido de sanar a nulidade da sentença não teve a virtualidade de a sanar porque a nulidade da sentença apenas é sanável através da prolação de nova sentença. Aliás, tal despacho inserindo-se em processo viciado de nulidade anteriormente cometida é também ele inválido por força do disposto no artigo 122º, nº 1 do Código de Processo Penal. Nesta medida merece provimento o recurso interposto, ficando prejudicada a apreciação da restante questão suscitada pela recorrente.
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IV. Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos acordam em declarar nula a sentença recorrida com a consequente invalidade dos actos posteriores, com excepção do recurso interposto respectivo processamento e despacho de admissão, devendo ser proferida nova sentença que supra o vício de que padece a recorrida, a proferir pela Mmª Juiz que proferiu esta.
Não há lugar a tributação.
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Coimbra,
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).
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(Maria Pilar Pereira de Oliveira)

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(José Eduardo Fernandes Martins)