Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3655/18.6T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
PERSI
CLIENTE BANCÁRIO
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 11/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE EXECUÇÃO DE SOURE -JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 2º, 3º, 12º A 21º E 39º DO DECRETO-LEI N.º 227/2012, DE 25/10 (PERSI).
Sumário: I – O DL nº 227/2012, de 25.10, entrado em vigor em 1.1.2013, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
II - O seu âmbito de aplicação rege-se pelo art.º 2º que dispõe:

1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:

a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;

b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;

c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;

d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;

e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.

2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março.

III - Nos arts. 12º a 21º do mencionado DL encontra-se regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI – cabendo às instituições de crédito a sua implementação relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.

IV - A aplicação da lei do tempo deste procedimento encontra-se prevista no art.º 39º do referido DL nos seguintes termos:

1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.

2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º

3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º

V - No que a estes contratos respeita e sendo, para a implementação do PERSI, cumulativos os requisitos do devedor ser cliente bancário e os contratos de crédito estarem em vigor – art.º 12º - deve começar por se averiguar se os mesmos se encontravam em vigor em 1.1.2013 – data da entrada em vigor do DL 227/2012, de 25.10.

VI - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios – art.º 2º, n.º 1 da LDC.

Decisão Texto Integral:






Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Os Executados deduziram oposição à execução que a C..., S. A. lhes moveu e à qual servem de título [1] os seguintes contratos:
Contrato de Empréstimo com hipoteca com a designação PT ...
Contrato de Abertura de crédito com hipoteca com a designação PT ...
Contrato de mútuo com hipoteca com a designação PT ...,
alegando no que à economia deste recurso importa que a Exequente nunca implementou um PERSI junto de si.
A Exequente apresentou contestação no respeitante à ausência de PERSI, alegando que os Executados foram integrados nesse plano em 16.11.2016, o qual foi fechado aquando da instauração da execução, o que lhes foi comunicado.
Juntaram documento comprovativo de que no que respeita ao contrato PT ... foram os agora executados integrado em PERSI o qual teve o n.º ...
Posteriormente esclareceram que os demais créditos não foram integrados no PERSI porque não são enquadráveis no conceito de Consumidor definido no artº 3º alínea a) do mesmo diploma, visto que foram concedidos ao Empresário em Nome Individual (ENI) porque destinados à indústria (ambos se tratam se operações destinadas à construção de imóveis para revenda).
No despacho saneador foi proferida a seguinte decisão:
I) – Sobre a aplicabilidade do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI):
O PERSI foi criado pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
O PERSI apenas é aplicável aos contratos celebrados com clientes bancários (art.º 2.º/1 DL. 227/2012).
A noção legal de cliente bancário para efeito do PERSI é dada pelo art.º 3.º/a) DL. 227/2012, isto é, trata-se de pessoa singular que actuando de forma não profissional intervém como mutuária em contrato de crédito.
Nos presentes autos encontram-se em discussão, presentemente, apenas os contratos alegados nos pontos II, III e IV do requerimento executivo (RE).
Para além do que resulta do teor dos contratos, são os próprios Executados/Embargantes que declaram e reconhecem na sua Oposição à Execução [confrontar, entre outros, os artigos 22.º, 28.º, 50.º e 53.º da petição inicial] que obtiveram estes financiamentos da Exequente/Embargada com vista à construção de frações autónomas para venda.
Deste modo, é claro e manifesto que os Executados/Embargantes atuaram ao contratar enquanto profissionais do ramo imobiliário e não enquanto consumidores que obtiveram financiamentos para finalidades não profissionais.
Em síntese, não assumem os Executados/Embargantes a qualidade jurídica de clientes bancários, à luz do art.º 3.º/a) DL.227/2012, que os pudesse colocar ao abrigo do PERSI.
Por outro lado, o DL.227/2012 apenas é aplicável aos contratos que à data da entrada em vigor do diploma legal permanecessem em vigor e se encontrassem em mora (art.º 39.º/1).
O DL.227/2012 entrou em vigor a 01-01-2013 (art.º 40.º).
Conforme resultado do contrato com a designação PT..., este, no máximo, extinguiu-se por caducidade a 18-04-2011.
Conforme resultado do contrato com a designação PT..., este, no máximo, extinguiu-se por caducidade a 08-06-2010.
Deste modo, pelo menos quanto a estes dois contratos nunca o DL.227/2012 seria aplicável por já não se encontrarem em vigor, mas apenas e só em incumprimento e mora por parte dos Executados/Embargantes, na data da entrada em vigor do DL.227/2012.
Pelo exposto:
Julga-se totalmente improcedente este fundamento de Oposição à Execução.
Os Embargantes interpuseram recurso da decisão que julgou não aplicável o PERSI, formulando as seguintes conclusões:
a) Não tendo sido discutida, em sede de audiência de julgamento, a questão de os executados/embargantes serem ou não clientes bancários, e estarem abrangidos pelo artº 2º/1 do DL 227/2012, impediu que o Tribunal apreciasse convenientemente a questão;
b) Não tendo o Tribunal a quo verificado a existência das CONFISSÕES feitas, na sua contestação, art.º 9º e em requerimento posterior, com junção de documento datado de 20.03.2020 com a referência ..., por parte da exequente/embargada que considerou ter integrado os executados em PERSI, impediu de apreciar concretamente a questão, que quanto aos contratos referidos nos pontos II e III do requerimento executivo, quer e
c) Principalmente quanto ao contrato referido em IV do mesmo requerimento, sendo que sobre este omitiu qualquer decisão.
d) Não tendo o Tribunal verificado que a exequente/embargada, apesar de ter declarado que integrou os executados/embargantes em PERSI, o fez sem os procedimentos necessários e sem a junção dos comprovativos de tal integrração, como sejam o plano com um processo individual para cada executado, em clara violação dos artºs 19º e 20º do referido DL e que,
e) Padecendo tal Plano de falta de procedimento, que são insupríveis, deveria o Tribunal a quo ter considerado e válida a exceção dilatória invocada pelos executados na sua Oposição, constituindo tal situação impedimento legal para que a exequente intentasse a presente execução e, como tal
f) Deveria, assim, o MMº Juiz a quo ter absolvido os executados por falta de integração em PERSI e declarar totalmente extinta a execução, o que não fez.
g) O Tribunal a quo, ao ter decidido parcialmente os embargos, sem que nos autos houvesse, ainda, prova suficiente, pronunciou-se sobre questões de que não podia tomar conhecimento, praticando uma nulidade, por violação do disposto no artº 615º, nº 1, al. d) do C.P.C.
h) Ao decidir, parcialmente, de forma diversa o Tribunal recorrido violou ou interpretou incorrectamente os artºs 615º, nº 1, al. d) do C.P.C. e os artºs 1º, 2º, al. a), 3º, al. a), 4º, 5º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º e 20º do DL 227/2012, de 25.10.
Em suma, deve ser alterada a decisão da matéria de facto em consonância com o atrás referido, por conseguinte os embargos de executado devem ser julgados procedentes por provados, com as inerentes consequências legais, a absolvição da acção executiva dos executados
Termos em que dando-se provimento ao presente recurso e revogando-se a sentença recorrida, deve julgar-se procedente a acção, com as legais consequências.
A Exequente apresentou resposta, pugnando pela confirmação da decisão.
1. Do objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas, cumpre apreciar as seguintes questões:
a)  A decisão é nula por excesso de pronúncia?
b) O tribunal não dispunha de todos os factos necessários à apreciação da questão decidida?
2. Da nulidade da decisão
Invocam os Recorrentes a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, defendendo que não foi produzida prova sobre a sua qualidade de clientes bancários.
O art.º 608º, n.º 2, do C. P. Civil determina que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excep­tuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do C. P. C. – quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – verifica-se quando o Juiz deixe de tomar posição sobre todas as causas de pedir invocadas na petição, sobre todos os pedidos formulados e mesmo sobre as excepções suscitadas ou de conhecimento oficioso, isto sem prejuízo do conhecimento de alguma delas prejudicar a apreciação das restantes – artigo 660º, nº 2, do C. P. C.
Da conjugação das normas citadas o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação, mas está, naturalmente, impe­dido de se pronunciar sobre questões não submetidas ao seu conhecimento: no primeiro caso – se não se pronunciar sobre todas as questões – existirá uma omissão de pronúncia, no segundo caso – conhecer de questões não submetidas à sua apre­ciação – ocorrerá um excesso de pronúncia.
Os fundamentos invocados como integrantes da aludida decisão não colhem, pois o excesso de pronúncia não integra a prematuridade da decisão.
A questão decidida faz parte do objeto do processo, independentemente da oportunidade do seu julgamento.
 Deste modo não se verifica a aludida nulidade por excesso de pronúncia.
2. Da prematuridade da decisão
Os Embargantes defendem que não está provado nos autos que eles não fossem clientes bancários para não terem sido integrados em PERSI quanto aos contratos PT... e PT...
A Embargada na sua resposta fez constar:
Os Recorrentes adquiriram o empréstimo a fim de proceder a revenda do imóvel a recuperar. Aliás, dos documentos juntos com a PI dúvidas não podem suscitar o escopo a que se destinava a construção do imóvel, tanto mais que juntaram propostas de compra e contrato promessa de compra e venda…
Os Recorrentes aquando dos embargos de executado declararam e confessaram que os créditos concedidos pela Recorrida não foram para aquisição de casa para habitação própria e permanente, mas sim para reconstrução de imóvel e consequente venda - veja-se entre outros os artigos 28.º e 54.º dos embargos de executado.
Pelo que, em face do exposto e conforme o estatuído na Lei de Defesa do Consumidor, artigo 2.º, n.º 1, não podem os Recorrentes, quanto às operações PT ... e PT ..., ser considerados Consumidores, logo não serão também considerados Clientes Bancários, nos termos dos art.º 2º, n.º 1 e art. 3.º do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro.

Os contratos designados por PT ... e PT ... extinguiram-se por caducidade em 18-04-2011 e 08-06-2010, pelo que já não se encontravam em vigor.
Pelo que não será aplicável o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.

O DL nº 227/2012, de 25.10, entrado em vigor em 1.1.2013, estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações.
Consta do seu preâmbulo:
‘A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas.
Em concreto, prevê-se que cada instituição de crédito crie um Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI), fixando, com base no presente diploma, procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que, por um lado, possibilitem a deteção precoce de indícios de risco de incumprimento e o acompanhamento dos consumidores que comuniquem dificuldades no cumprimento das obrigações decorrentes dos referidos contratos e que, por outro lado, promovam a adoção célere de medidas suscetíveis de prevenir o referido incumprimento.

Adicionalmente, define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.´.
O seu âmbito de aplicação rege-se pelo art.º 2º que dispõe:
1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
2 - O disposto no presente diploma não prejudica o regime aplicável aos sistemas de apoio ao sobre-endividamento, instituído pela Portaria n.º 312/2009, de 30 de março.
Nos arts. 12º a 21º do mencionado DL encontra-se regulado o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – PERSI – cabendo às instituições de crédito a sua implementação  relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito.
‘O cliente bancário, por seu turno, é o consumidor na aceção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31.7, e alterada pelo DL nº 67/2003, de 8.4, que intervenha como mutuário em contrato de crédito – cfr. art. 3, al. a) do DL nº 227/2012).
Sendo obrigatório o procedimento de integração de cliente bancário no PERSI, uma vez verificados os respetivos pressupostos, e até à sua extinção (art. 17º), a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento, de intentar ações judiciais para a satisfação do crédito, de ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito ou de transmitir a terceiro a sua posição contratual (art. 18º, nº 1).
Por conseguinte, a instituição de crédito só pode instaurar ação judicial destinada à cobrança do crédito após a extinção do PERSI quando haja lugar a este.
Do que vem de dizer-se resulta, assim, em resumo, que o regime do PERSI previsto no referido DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art. 2º, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na aceção da LDC.´ [2]
 A aplicação da lei do tempo deste procedimento encontra-se prevista no art.º 39º do referido DL nos seguintes termos:
1 - São automaticamente integrados no PERSI e sujeitos às disposições do presente diploma os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora relativamente ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito que permaneçam em vigor, desde que o vencimento das obrigações em causa tenha ocorrido há mais de 30 dias.
2 - Nas situações referidas no número anterior, a instituição de crédito deve, nos 15 dias subsequentes à entrada em vigor do presente diploma, informar os clientes bancários da sua integração no PERSI, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 14.º
3 - Os clientes bancários que, à data de entrada em vigor do presente diploma, se encontrem em mora quanto ao cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito há menos de 31 dias são integrados no PERSI nos termos previstos no n.º 1 do artigo 14.º
No que a estes contratos respeita e sendo, para a implementação do PERSI, cumulativos os requisitos do devedor ser cliente bancário e os contratos de crédito estarem em vigor – art.º 12º -  deve começar por se averiguar se os mesmos se encontravam em vigor em 1.1.2013 – data da entrada em vigor do DL 227/2012 de 25.10.
Analisados os documentos juntos aos autos e os factos cuja verificação está admitida pelas partes resulta que os contratos foram celebrados em 18.4.2002 e pelo prazo global de 108 meses, e em 8.6.2007 e pelo prazo global de 36 meses.
Do complemento completar referente à casa de um destes contratos resulta que o primeiro tem a natureza de uma abertura de crédito simples e o segundo um mútuo bancário.
O contrato de abertura de crédito é um contrato nominado, integrado nas operações de banco, em regra, legalmente atípico, mas socialmente típico, caracterizando-se por ser bilateral, sinalagmático, consensual, duradouro e regra geral oneroso.
Este contrato tem vindo a ser definido como o contrato pelo qual o banco (o creditante) coloca à disposição da outra parte, o beneficiário (ou creditado), uma quantia pecuniária que este tem o direito, nos termos aí definidos, de utilizar pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado. [3]
Uma das formas de extinção deste contrato,  que é um contrato comercial – art.º 362º do C. Comercial -  duradouro, sendo-lhe aplicáveis com as devidas adaptações as regras consagradas no DL 178/86, de 3/7 [4], é o decurso do prazo uma vez que o mesmo foi fixado.
Assim, tendo o contrato PT ... sido celebrado em 18.4.2002 e pelo prazo de 108 meses o mesmo caducou em 18.4.2011.
 Por sua vez o contrato PT ... configura um verdadeiro contrato de mútuo, que tendo sido celebrado em 8.6.2007 e pelo prazo de 36 meses, também se encontra extinto por caducidade, pois o prazo fixado para o mesmo há muito se encontra ultrapassado – art.º 1148º, n.º 1 e 2 do C. Civil à contrario e n.º 3. [5]
Assim, não estando os referidos contratos em vigor é desnecessário averiguar se os Executados tinham a qualidade de ‘Cliente Bancário’, nos termos em que é definida pelo DL 227/2012, de 25.10, uma vez que os requisitos – estarem os contratos em vigor e ter a qualidade de cliente bancário -  são cumulativos, ou seja é necessária a sua verificação simultânea.
Deste modo, fica prejudicada a apreciação da qualidade jurídica dos embargantes, pois independentemente de qual fosse nunca lhes seria aplicável, quanto aos contratos referidos – PT... e PT... -, o regime do PERSI.
No recurso os recorrentes, quanto ao contrato n.º PT ...  alegam que sobre este não foi proferida qualquer decisão.
Antecipámos que tal não corresponde à realidade processual, porquanto a decisão considerou que os Executados, no que aos contratos respeita - os identificados em II, III e IV do requerimento executivo -, que os mesmos não detêm a qualidade jurídica de clientes bancários, nos seguintes moldes:
Para além do que resulta do teor dos contratos, são os próprios Executados/Embargantes que declaram e reconhecem na sua Oposição à Execução [confrontar, entre outros, os artigos 22.º, 28.º, 50.º e 53.º da petição inicial] que obtiveram estes financiamentos da Exequente/Embargada com vista à construção de frações autónomas para venda.
Deste modo é claro e manifesto que os Executados/Embargantes atuaram ao contratar enquanto profissionais do ramo imobiliário e não enquanto consumidores que obtiveram financiamentos para finalidades não profissionais.
Em síntese, não assumem os Executados/Embargantes a qualidade jurídica de clientes bancários, à luz do art.º 3.º/a) do DL.227/2012, que os pudesse colocar ao abrigo do PERSI.
Foi considerado que, quanto a este contrato, os Executados não detêm a qualidade jurídica de clientes bancários.
É entendido como cliente bancário com vista à aplicabilidade do regime do DL 227/2012, de 25.10, conforme resulta do art.º 3º, a):
O consumidor na aceção dada pelo n.º 1  do art.º 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito.
 Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com caráter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios – art.º 2º, n.º 1 da LDC.
Dos autos consta e quanto ao contrato em análise, conforme decorre do art.º 50º da p. inicial de embargos, que o empréstimo concedido pela Exequente se destinou a adquirir e reconstruir pelos Executados um prédio urbano que identificam, constando ainda do doc. 2 junto pelos com esse articulado que o mesmo empréstimo foi por si destinado para a construção e comercialização de projetos imobiliários.
Ora, revestindo a inobservância do PERSI, como causa impeditiva do direito do credor instaurar ação executiva contra o devedor, que devesse ser abrangido por essa medida extrajudicial, a natureza de uma exceção dilatória inominada, o ónus de alegação e prova dos factos que a integram impede sobre quem a invoca, neste caso os Embargantes.
No caso dos autos os Embargantes limitam-se a alegar no seu requerimento de oposição à execução que não foi implementado pela Exequente um PERSI, não alegando factualidade que a provar-se permitisse concluir pela sua qualidade de consumidor, tal como atrás é definida para que essa obrigação adviesse para o Banco.
Não concordamos com a conclusão a que se chegou na decisão recorrida no seguinte trecho, considerando o teor dos contratos e os art.º 22.º, 28.º, 50.º e 53.º da petição inicial:
‘Deste modo, é claro e manifesto que os Executados/Embargantes atuaram ao contratar enquanto profissionais do ramo imobiliário e não enquanto consumidores que obtiveram financiamentos para finalidades não profissionais.
Em síntese, não assumem os Executados/Embargantes a qualidade jurídica de clientes bancários, à luz do art.º 3.º/a) DL.227/2012, que os pudesse colocar ao abrigo do PERSI.’.
Quanto ao contrato em análise resulta, além do seu texto, o alegado pelos Embragantes:
50º Os contratos designados de Abertura de crédito com hipoteca e nº ... e Contrato de mútuo com hipoteca com o nº ..., constituidos respetivamente em 08.06.2007 e em 23.10.2007, no valor de €390.000,00 e €150.000,00, serviram para que os executados adquirissem e reconstruissem um prédio urbano sito na Rua ..., com o artigo matricial ... e descrito na C.R.P. sob o nº ..., conforme certidão junta aos autos pela exequente.
53º  Sendo este 2º prédio um imóvel que tinha todo o interesse para o 1º imóvel – por lhe poder dar passagem a viaturas para as garagens situadas naquele 1º imóvel - acabou o diretor da agencia bancária da exequente por insistir e influenciar os executados para a sua aquisição.
Esta factualidade é manifestamente insuficiente para se concluir que os Embargantes ao contratar atuaram como profissionais, pois a simples aquisição de um prédio e a sua reconstrução não confere a quem quer que seja a qualidade de profissional do ramo imobiliário, pois não sabemos nem o seu destino nem se aqueles fazem dessa atividade profissão, factos essenciais para afastar a sua qualidade de consumidores, sendo também insuficiente para provar que o fizeram como consumidores.
No entanto, e como já dissemos, a alegação de tais factos incumbia aos Embargantes – art.º 342º, n.º 2 do C. Civil - que não o fizeram, sendo os mesmos essenciais da exceção invocada. Não o tendo feito não tem qualquer utilidade o julgamento da questão, pois não serão objecto de prova, permitindo a conclusão de que não provaram os mesmos que agiram como consumidores quando outorgaram o contrato em questão para deverem ser abrangidos pelo PERSI.
Assim, conclui-se pela oportunidade da decisão proferida.
Decisão
Nos termos expostos, julgando-se improcedente o recurso confirma-se a decisão proferida.
Custas pelos Embargantes.
                                                           Coimbra, em 24/11/2020 


***


[1] Já considerando a desistência do pedido referente ao contrato de mútuo com hipoteca com a designação PT ...
[2] Ac. do T. R. L. de 9.102018 relatado por Conceição Saavedra e acessível em www.dgsi.pt .

[3] Definição de Pestana de Vasconcelos in Direito Bancário, 2ª ed., pág. 218, Almedina.

[4] Pestana Vasconcelos, ob. citada, pág. 231.

[5] Pedro Romano Martinez, in da Cessação do Contrato, ed. 2005, pág. 365, Almedina