Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2297/21.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TACÓGRAFO
FOLHAS DE REGISTO
DEVER DE APRESENTAÇÃO
ELEMENTOS DO TIPO
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA TRANSPORTADORA
Data do Acordão: 04/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 13.º, N.ºS 1 E 2, 14.º, N.º 4, AL.ª A), 25.º, N.º 1, AL.ª B), DA LEI N.º 27/2010, DE 30-08, E 551.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – A Lei 27/2010, de 30-08, veio estabelecer uma forma mitigada de responsabilidade objetiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora rodoviária com base numa presunção de culpa, permite a alegação e prova por esta de não ter sido responsável pela prática da infração, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais quanto a tacógrafo e seu registo.

II – É de concluir que a sociedade arguida não atuou com a diligência devida e de que era capaz se não resultou provada factualidade demonstrativa da organização do serviço por si de modo a que o condutor fosse portador das folhas de registo de atividade ou documento que justificasse a sua ausência e o exibisse à entidade fiscalizadora.

III – Donde a conclusão de não ter a arguida logrado provar, como lhe competia, que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto no Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento e do Conselho, de 04-02, incorrendo, por isso, em responsabilidade contraordenacional.

Decisão Texto Integral:
Recurso n.º 2297/21.3T8LRA.C1

Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

A arguida A..., Ldª, com sede em ..., ..., veio impugnar a decisão administrativa que lhe aplicou a coima única de € 2.720,00 pela prática de uma contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02; 14.º, n.º 4, a) e 25.º, n.º 1, b), ambos da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e 561.º, n.º 1, do CT.                             

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Recebido o recurso, procedeu-se a audiência de julgamento.

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De seguida, foi proferida a sentença de fls. 69 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente, nos termos acima expostos, o recurso interposto por “A..., Lda.”, e, em consequência, absolvê-la da prática da contraordenação que lhe vem imputada.

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O Ministério Público, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

“1- Ficou provado que:

a- A arguida ( “A..., Ldª) dedica-se à atividade de construção de obras públicas de engenharia civil;

b- No dia 08/07/2020, pelas ... horas a arguida mantinha em circulação, no ..., ao Km 150, sentido N/S, ..., o veículo pesado de mercadorias, de serviço particular e de matrícula ..-HV-.., conduzido pelo motorista AA, ao serviço e sob as ordens e instruções da arguida;

c- O motorista identificado em 2 foi admitido ao serviço da arguida no dia .../.../2020;

d- Fiscalizado pela GNR, na data referida em 2, o referido motorista não se fazia acompanhar dos registos respeitantes aos dias 6, 7 e 8 de julho de 2020, nem de qualquer registo/declaração de atividade referente a tais dias.

2- Tais factos integram a contraordenação prevista no artº 36º do Regulamento (EU) n.º 165º/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, classificada como muito grave pela al. b) do n.º 1 do artº 25º da lei 27/2010, de 30/08, e punível nos termos da al. a) do n.º 4 do artº 14º do mesmo diploma legal com coima de 20 UC a 300 UC em caso de negligência.

3- A não apresentação das folhas de registos do dia em curso da fiscalização e de um qualquer dos 28 dias anteriores deve ser justificada com vista a afastar a ilicitude da conduta, no acto da fiscalização, perante os agentes fiscalizadores, mediante a apresentação de uma declaração justificativa que confirme as razões dessa não apresentação o que pode ser feito através da denominada "declaração de actividade", apesar desta não ser obrigatória, ou por qualquer outro documento idóneo.

4- Não fazendo o empregador essa prova, tanto basta para que fique preenchido o elemento subjetivo da infração.

5- Compulsando o disposto na alínea a) do artigo 4.º do Regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, "transporte rodoviário é: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga".

6- E nos termos do seu artigo 2.º "O presente regulamento aplica-se ao transporte rodoviário:

a) De mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semi-reboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou

b) De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade,"

7- Em parte alguma do Regulamento em apreço é feita menção à necessidade de, para efeitos de aplicação do mesmo, ser necessário que as entidades empregadoras se dediquem à atividade de transporte rodoviário de mercadorias, a que corresponde o CAE 49470' .

8- Para que o Regulamento seja aplicável, necessário é que se trate de um transporte rodoviário de acordo com a definição prevista na alínea a) do artigo 4.o e que se trate de um veículo pesado nos termos definidos no artigo 2.º.

9- Ao julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela arguida, absolvendo-a consequentemente da prática da contraordenação que havia sido aplicada pelo Centro Local do ... da Autoridade para as Condições do Trabalho, foi violado, na sentença, o disposto no artº 36º do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, al. b) do n.º 1 do artº 25º e al. a) do n.º 4 do artº 14º , ambos da Lei n.º 27/2020 de 30 de agosto.

10- Deve por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que, julgando improcedente a impugnação judicial apresentada, mantenha a decisão proferida pelo Centro Local do ... e a condenação da arguida pela coima de € 2.720,00.

Vossas excelências apreciarão e decidirão com Justiça.”

                                                           *

A arguida apresentou as suas contra-alegações nos seguintes termos:

A) O Regulamento 165/2014 aplica-se apenas ao transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem.

B) Percorrendo a Lei 27/2010 de 30 de agosto, que visou transpor a diretiva 2006/22/CE não se verifica que tenha imposto às empresas a emissão de qualquer declaração de atividade para ser apresentada em controlos de estrada, quando os mesmos não tenham conduzido veículos não equipados com tacógrafos ou não tenham exercido atividade.

C) Corrente de jurisprudência dos Tribunais de Instância que vem sendo seguida, conforme douta sentença proferida no Processo 2264/18.4T8PTM que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Portimão.

D) Isso mesmo vem sendo entendido pelos Tribunais, como a título de exemplo a recente douta sentença proferida no Processo 2264/18.4T8PTM que correu termos no Juiz 2 do Juízo de Trabalho de Portimão.

TERMOS EM QUE, devem as presentes CONTRA ALEGAÇÕES serem admitidas e, por via delas, manter-se a sentença recorrida nos exatos termos em que foi proferida pelo Tribunal a quo, fazendo se, assim, a tão costumada JUSTIÇA!”

                                                   *

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 87, no sentido de que ao recurso deve ser dado provimento.                                                                                                                                           *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Saneamento

A instância mantém inteira regularidade por nada ter entretanto sobrevindo que a invalidasse.

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                                                             *

III – Fundamentação

a) - Matéria de facto provada constante da sentença recorrida:

1. A arguida dedica-se à atividade de construção de obras públicas de engenharia civil;

2. No dia 08/07/2020, pelas ... horas, a arguida mantinha em circulação, no ..., ao km 150, sentido N/S, ..., o veículo pesado de mercadorias, de serviço particular e de matrícula ..-HV-.., conduzido pelo motorista AA, ao serviço e sob as ordens e instruções da arguida;

3. O motorista identificado em 2 foi admitido ao serviço da arguida no dia .../.../2020;

4. Fiscalizado pela GNR, na data referida em 2, o referido motorista não se fazia acompanhar dos registos do tacógrafo respeitantes aos dias 6, 7 e 8 de julho 2020, nem de qualquer registo/declaração de atividade referente a tais dias.

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Factos não provados:

i) A arguida não organizou o trabalho do seu motorista no respeito pelas disposições legai em vigor, fornecendo-lhe todas as instruções necessárias e mantendo controlos regulares adequados, de forma a assegurar-se que o condutor cumprisse a legislação comunitária do setor dos transportes rodoviários;

ii) A arguida agiu com falta de cuidado, porquanto não diligenciou para que o condutor identificado nos autos se fizesse acompanhar de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas, de qualquer registo manual e impressão efetuados, que estava obrigada a apresentar, se solicitado por agente encarregado de fiscalização, sendo certo que, nas circunstâncias concretas, podia e devia agir de forma diferente, porquanto tinha conhecimento que a sua descrita conduta era punida por lei.

                                                     *

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b) - Discussão

Questão prévia

Resulta da matéria de facto não provada:

ii) A arguida agiu com falta de cuidado, porquanto não diligenciou para que o condutor identificado nos autos se fizesse acompanhar de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas, de qualquer registo manual e impressão efetuados, que estava obrigada a apresentar, se solicitado por agente encarregado de fiscalização, sendo certo que, nas circunstâncias concretas, podia e devia agir de forma diferente, porquanto tinha conhecimento que a sua descrita conduta era punida por lei.

Ora, como se decidiu no acórdão desta Relação de 23/04/2021, disponível em www.dgsi.pt, relatado pelo aqui Exm.º Desembargador adjunto:

Antes propriamente de entrar na análise da questão objecto do recurso, há que fazer a seguinte observação:

Esta observação prende-se com a redacção dada à matéria do ponto 10º dos factos provados, na parte em se considerou como assente que “a arguida não procedeu com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz”.

Só é punivel o facto praticado como dolo ou nos casos especialmente previstos na lei, com negligência (artº 8 do RGCO).

Para que seja possível imputar à arguida o ilícito contraordenacional é necessário apurar se houve culpa (no caso negligência) por parte daquela no cometimento da infracção.

Nesta medida, a redacção do ponto nº 5 na parte referida encerra em si mesma um manifesto juízo conclusivo resolvendo, sem mais, a questão relativa ao elemento subjectivo da infracção pois se traduz na fiel cópia das palavras utilizadas pela lei usa para definir o conceito de negligência (artº 15º do C. Penal).

Ora, a integração do tipo subjectivo de um determinado ilícito não pode ser levada a efeito em termos factuais directos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito, não uma questão de facto.

A afirmação de um juízo de censura há-de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática daquele ilícito, designadamente na sua dimensão objectiva.

Na verdade, os elementos subjectivos dos tipos de ilícito têm de ser inferidos dos factos materiais que, provados, apreciados segundo a livre convicção do julgador e em conjugação com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.

A prova dos elementos subjectivos dos tipos de ilícito terá de fazer-se indirectamente por ilações, a partir de outros factos provados, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.

Como assim, a aludida matéria não será levada em conta na apreciação e resolução das questões objecto da impugnação.

Regressando ao caso dos autos, e acompanhando o que ficou transcrito, a matéria descrita no ponto ii) dos factos não provados não será considerada na apreciação e decisão da questão objeto do presente recurso.

                                                             *

O Ministério Público recorrente suscita a seguinte questão:

1ª – Se a arguida deve ser responsabilizada pela contraordenação muito grave por que vem acusada.

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                                                             *

1ª questão

Se a arguida deve ser responsabilizada pela contraordenação muito grave por que vem acusada.

Alega o recorrente que:

- Os factos provados integram a contraordenação prevista no artº 36º do Regulamento (EU) n.º 165º/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, classificada como muito grave pela al. b) do n.º 1 do artº 25º da lei 27/2010, de 30/08, e punível nos termos da al. a) do n.º 4 do artº 14º do mesmo diploma legal com coima de 20 UC a 300 UC em caso de negligência.

- A não apresentação das folhas de registos do dia em curso da fiscalização e de um qualquer dos 28 dias anteriores deve ser justificada com vista a afastar a ilicitude da conduta, no ato da fiscalização, perante os agentes fiscalizadores, mediante a apresentação de uma declaração justificativa que confirme as razões dessa não apresentação o que pode ser feito através da denominada "declaração de atividade", apesar desta não ser obrigatória, ou por qualquer outro documento idóneo.

- Não fazendo o empregador essa prova, tanto basta para que fique preenchido o elemento subjetivo da infração.

- Compulsando o disposto na alínea a) do artigo 4.º do Regulamento 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, "transporte rodoviário é: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vazio ou em carga".

- E nos termos do seu artigo 2.º "O presente regulamento aplica-se ao transporte rodoviário:

a) De mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semi reboques, seja superior a 3,5 toneladas, ou

b) De passageiros, em veículos construídos ou adaptados de forma permanente para transportar mais de nove pessoas, incluindo o condutor, e destinados a essa finalidade,"

- Em parte alguma do Regulamento em apreço é feita menção à necessidade de, para efeitos de aplicação do mesmo, ser necessário que as entidades empregadoras se dediquem à atividade de transporte rodoviário de mercadorias, a que corresponde o CAE 49470.

- Para que o Regulamento seja aplicável, necessário é que se trate de um transporte rodoviário de acordo com a definição prevista na alínea a) do artigo 4.o e que se trate de um veículo pesado nos termos definidos no artigo 2.º.

Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:

1. Vem imputada à recorrente a prática, a título negligente, da contraordenação p. e p. pelo art. 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, e arts. 14º, nº 4, al. a) e 25º, nº 1, al. b), ambos da Lei nº 27/2010, de 30/08.

O Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, revoga o Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e altera o Regulamento (CE) nº 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários.

O art. 15º do citado Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho dispunha que “Os condutores devem utilizar as folhas de registo sempre que conduzem, a partir do momento em que tomem o veículo a seu cargo” (nº 2) e que “O condutor deve estar em condições de apresentar, a qualquer pedido dos agentes encarregados do controlo, as folhas de registo da semana em curso e, em todo o caso, a folha do último dia da semana precedente, no decurso da qual conduziu” (nº 7); por força das alterações ocorridas neste diploma, introduzidas pelo Regulamento (CEE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15.03.2006, os períodos em questão abrangem atualmente “o dia em curso e os 28 dias anteriores”.

Em consonância com o referido art. 15º, dispõe o atual art. 36º do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, sob a epígrafe “Registos que devem acompanhar o condutor”, que: “1. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores; ii) O cartão de condutor, se o possuir; e iii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006. 2. Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i) O seu cartão de condutor; ii) Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) nº 561/2006; iii) As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico (…)”.

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2. Na falta de registos tacográficos por inatividade ou realização de outras atividades não registáveis no cartão de condutor, é exigível apresentar a Declaração de Atividade contida no anexo I do Regulamento (CE) 561/2006?

Cremos que não; o referido diploma não contém qualquer norma que imponha a elaboração ou apresentação da referida declaração, e muito menos para apresentação de justificação de ausência de registos em dias de feriado nacional ou de descanso semanal (como, aliás, o próprio agente autuante reconheceu no depoimento prestado).

Tal declaração, enquanto formulário, decorre da Decisão da Comissão de 14 de dezembro (vide o seu Anexo I), que altera a Decisão 2007/230/CE respeitante a um formulário relativo às disposições em matéria social no domínio das atividades de transporte rodoviário.

A mencionada Decisão decorre da Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativa a exigências mínimas no que respeita à execução dos Regulamentos (CEE) nº 3820/85 e (CEE) nº 3821/85 do Conselho, quanto às disposições sociais no domínio das atividades de transporte rodoviário.

A Diretiva 2006/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, estatui no seu art. 11º que:

« 1. Nos termos do nº 2 do artigo 12º, a Comissão estabelecerá diretrizes sobre as melhores práticas de controlo.

Tais diretrizes serão publicadas em relatório bienal da Comissão.

2. Pelo menos uma vez por ano, os Estados-Membros estabelecerão programas conjuntos de formação sobre melhores práticas e facilitarão intercâmbios entre o pessoal do organismo de ligação intracomunitário e dos seus congéneres dos demais Estados-Membros.

3. Nos termos do nº 2 do artigo 12º, a Comissão elaborará formulários eletrónicos, que possam ser imprimidos, destinados a ser utilizados quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando o condutor tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CEE) nº 3820/85, durante o período previsto no primeiro travessão do primeiro parágrafo do nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85(…)».

E no seu art. 16º dispõe que: «Os Estados-Membros devem pôr em vigor, até 1 de abril de 2007, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva e comunicar imediatamente à Comissão o texto dessas disposições, bem como o quadro de correspondência entre as disposições da presente diretiva e as disposições de direito interno adotadas.

Quando os Estados-Membros aprovarem essas disposições, estas devem incluir uma referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência serão aprovadas pelos Estados-Membros» (nº 1).

O certo é que Portugal, no que tange à declaração de atividade, nunca o fez.

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3. Por outro lado, ainda que se entenda em sentido diverso, a Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto, veio estabelecer o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva nº 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Diretivas nºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro (e também não contém qualquer norma que torne obrigatória tal declaração no Estado Português).

A regulamentação internacional nesta matéria visou, por um lado, melhorar as condições de trabalho dos condutores, atuando sobre os seus tempos de condução, as pausas e os repousos, promovendo o descanso dos condutores e, simultaneamente, diminuindo os riscos de sinistralidade rodoviária – objetivos prosseguidos através da fixação de limites máximos de tempos de condução, de durações mínimas de pausa e períodos de repouso, de proibição de certas modalidades de pagamento do trabalho suscetíveis de agravar o risco de fadiga e de acidente, bem como da imposição de controlos e sanções por infração àquelas regras, a cargo das autoridades públicas; por outro lado, procurou harmonizar as condições de concorrência nas empresas de transporte rodoviário (pela incorporação de encargos das condições de trabalho e da segurança rodoviária nos custos da respetiva atividade) – vide, neste sentido, os considerandos iniciais no Regulamento (CEE) nº 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006.

O art. 2º do Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de outubro define a atividade de transporte rodoviário como “o contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias é o celebrado entre transportador e expedidor nos termos do qual o primeiro se obriga a deslocar mercadorias, por meio de veículos rodoviários, entre locais situados no território nacional e a entregá-las ao destinatário” (art. 2º, nº 1).

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4. O contrato de transporte, por sua vez, é a convenção pela qual uma das partes (o transportador) se obriga, perante a outra (o expedidor/passageiro/interessado), tendencialmente, mediante retribuição, a deslocar pessoas ou coisas, de um local para outro (vide, na doutrina, Menezes Cordeiro, in Introdução ao Direito dos Transportes, separata da ROA 68/I, 2008, 156 e Direito Comercial, 3.ª ed., Almedina, 2012, 805-806).

O contrato de transporte pode revestir natureza comercial ou civil. Nos termos do art. 366º do Código Comercial, ele será qualificado como mercantil “(…) quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente”. Assim, é objetivamente comercial o transporte realizado por via empresarial e profissionalmente: o transporte comercial pressupõe, pois, uma empresa transportadora (cuja atividade vem expressamente prevista no art. 230.º/7 do Código Comercial). O contrato de transporte comercial é um negócio oneroso: o transportador tem direito a uma contrapartida pecuniária, que assume diversas designações (tarifa, preço, frete, etc.). Também o transporte civil — o transporte, em regra, ocasional, não inserido no exercício profissional do transportador e da respetiva empresa, para o efeito constituída — constituirá, tendencialmente, um negócio oneroso; porém — ao abrigo da liberdade contratual: 405.º/1 do Código Civil — nada impede a celebração de contratos de transporte gratuitos (cfr. art. 1154.º do Código Civil

O âmbito de aplicação da Lei nº 27/2010, de 30 de agosto relaciona-se com a atividade de transporte rodoviário (de mercadorias), pressupondo o referido contrato de transporte a existência de entidades profissionais a tanto direcionadas (vide, a este propósito, o Decreto Lei nº 370/93 de 29/10), podendo definir-se o contrato de transporte rodoviário nacional de mercadorias como aquele celebrado entre o transportador e expedidor, nos termos do qual o primeiro se obriga a deslocar mercadorias, por meio de veículos rodoviários, entre locais situados no território nacional e a entregá-las ao destinatário (cfr. art. 2º nº 1 do Decreto Lei nº 239/2003, de 04/10), sendo o transportador a empresa regularmente constituída para o transporte público ou por conta de outrem de mercadorias e o expedidor o proprietário, possuidor ou mero detentor das mercadorias (nº 2 do último artigo citado).

No caso, não se demonstra que a arguida se dedique à atividade de transporte rodoviário, mas outrossim à construção de obras de engenharia civil, não se enquadrando na referida atividade de transporte rodoviário, pelo que o regime sancionatório estabelecido na Lei nº 27/2010, de 30 de agosto não é aplicável à atividade desenvolvida pela arguida (nem sequer consta da decisão administrativa que tal motorista efetuasse qualquer serviço de transporte de mercadorias no sentido ante exposto), pelo que nenhuma responsabilidade lhe pode ser atribuída, impondo-se a sua absolvição.” – fim de citação.

Apreciando a pretensão do recorrente:

Conforme resulta do artigo 1º da Lei n.º 27/2010, de 30/08, esta transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03, na parte respeitante ao regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento CE n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15/03.

Mais resulta da Lei n.º 27/2010, de 30/08 que a empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor – artigo 13.º.

Por outro lado, o artigo 1.º do referido Regulamento n.º 561/2006[2], <<estabelece regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros, visando harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, especialmente no sector rodoviário, e melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária. O presente regulamento pretende igualmente promover uma melhoria das práticas de controlo e aplicação da lei pelos Estados-Membros e das práticas laborais no sector dos transportes rodoviários.>>

E, por força do disposto na alínea a) do artigo 2.º do mesmo, o regulamento aplica-se ao transporte rodoviário de mercadorias em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semi reboques, seja superior a 3,5 toneladas. Mas não se aplica aos transportes rodoviários efetuados nos termos descritos no seu artigo 3.º, nomeadamente, aos efetuados por meio de <<veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas utilizados para transportar materiais, equipamento ou máquinas a utilizar pelo condutor no exercício da sua profissão e que sejam utilizados apenas num raio de 100 Km a partir da base da empresa e na condição do veículo não constituir a atividade principal do condutor;>> - alínea a-A e por meio de <<veículos ou conjuntos de veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas, utilizados em transportes não comerciais de mercadorias;>> - alínea h).

Acresce que, para efeitos do citado regulamento 561/2006, entende-se por <<”transporte rodoviário”: qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de passageiros ou de mercadorias efetuada total ou parcialmente por estradas abertas ao público, em vaziou ou em carga;>> e por <<”empresa transportadora” ou “empresa de transporte”: entidade que se dedica ao transporte rodoviário (…);>> - alíneas a) e p) do artigo 4.º, respetivamente. 

E, por fim, sob a epígrafe “responsabilidade das empresas de transportes”, consta do n.º 3 do artigo 10.º do regulamento 561/2006, que as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infração cometida pelos condutores da empresa.

O Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02/2014 (relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários) que alterou o regulamento 561/2006, determina que para efeitos do mesmo se aplicam as definições constantes do artigo 4º deste último e já supra enunciadas, sendo que, no seu artigo 33.º estabelece a responsabilidade das empresas de transporte.

Pois bem, aqui chegados e conjugando as normas supra enunciadas, é nosso entendimento que, pese embora os citados regulamentos façam referência a empresas de transporte, tal não significa que os mesmos só são aplicáveis às empresas de transporte que se dedicam exclusivamente a este transporte com o respetivo CAE 49410.

Na verdade, o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de março refere que deverá aplicar-se ao transporte rodoviário de mercadorias e define transporte rodoviário como qualquer deslocação de um veículo utilizado para o transporte de mercadorias (artigo 4.º), pelo que, o mesmo abrange toda a atividade móvel de transporte rodoviário e não apenas a atividade das empresas cujo objeto social é, exclusivamente, o transporte de mercadorias por conta de outrem (pressupondo um contrato de transporte).

Aliás, só assim se compreendem as previsões de não aplicação do mesmo constantes do seu artigo 3.º (bem como da Portaria n.º 222/2008, de 05/03), na medida em que, sendo o mesmo apenas aplicável a empresas com o exclusivo objeto social de transporte por conta de outrem, então não seria necessário prever a sua não aplicação ao transporte rodoviário efetuado por meio de <<veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas utilizados para transportar materiais, equipamento ou máquinas a utilizar pelo condutor no exercício da sua profissão e que sejam utilizados apenas num raio de 100 Km a partir da base da empresa e na condição do veículo não constituir a atividade principal do condutor;>> - alínea a-A) e por meio de <<veículos ou conjuntos de veículos com massa máxima autorizada não superior a 7,5 toneladas, utilizados em transportes não comerciais de mercadorias;>> - alínea h), transporte que já estaria naturalmente afastado.

Assim sendo, não acompanhamos a sentença recorrida quando na mesma se concluiu pela não aplicação do regime sancionatório estabelecido na Lei nº 27/2010, de 30 de agosto à atividade desenvolvida pela arguida, por não se ter demonstrado que a arguida se dedique à atividade de transporte rodoviário, mas outrossim à construção de obras de engenharia civil.

Quanto ao mais:

Conforme resulta do art.º 36.º n.º 1 do Regulamento n.º 165/2014, os condutores que conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem, as folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores, sendo que, a não apresentação daquelas constitui uma contraordenação muito grave, nos termos previstos pelo artigo 25.º, n.º 1, b), da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto.

Resulta da matéria de facto provada que no dia 08/07/2020, pelas ... horas, a arguida mantinha em circulação, no ..., ao km 150, sentido N/S, ..., o veículo pesado de mercadorias, de serviço particular e de matrícula ..-HV-.., conduzido pelo motorista AA, ao serviço e sob as ordens e instruções da arguida; ... pela GNR, o referido motorista não se fazia acompanhar dos registos do tacógrafo respeitantes aos dias 6, 7 e 8 de julho 2020, nem de qualquer registo/declaração de atividade referente a tais dias.

Ora, dúvidas não existem de que, por força do disposto no citado normativo, o motorista deve apresentar aos agentes de controlo, aquando da fiscalização, as folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores.

Não sendo as mesmas apresentadas, o condutor do veículo deve apresentar documento comprovativo que justifique a ausência das folhas de registo dos respetivos dias em falta, por forma a habilitar o agente da fiscalização a poder concluir se todas as folhas respeitantes ao dia em curso e aos 28 dias anteriores, lhe foram ou não apresentadas.

Na verdade, é elemento objetivo do tipo legal de contraordenação p. e p. pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (EU) n.º 165/2014, de 14/02, do Parlamento Europeu e do Conselho e 25.º, n.º 1, b), da Lei n.º 27/2010, de 30/08, a não apresentação das folhas de registo do dia e das utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores, aquando da solicitação por parte dos agentes fiscalizadores.

Certo é que só existirão folhas de registo utilizadas pelo condutor se tiver havido condução por parte do mesmo, no entanto, tendo em conta aquela obrigação, é à arguida que compete dotar o seu trabalhador dos elementos necessários para apresentação imediata com vista a demonstrar que não houve condução e, daí, a inexistência daquelas.

Salvo o devido respeito, o entendimento no sentido de que compete à acusação provar que o condutor exerceu a condução naqueles 28 dias anteriores, o que nem é elemento direto do tipo legal, consubstancia uma prova quase impossível e subverte o fim da norma que é a apresentação imediata das folhas de registo no ato da fiscalização.

Acresce que, não estamos no âmbito do direito penal mas sim no de mera ordenação social, o qual, também sujeito aos princípios da legalidade e da tipicidade, não se reveste exatamente das mesmas exigências do primeiro.

Assim sendo, impõe-se concluir pelo preenchimento do elemento objetivo da contraordenação imputada à arguida.

Por outro lado, conforme resulta do n.º 1 do artigo 551.º do CT, <<o empregador é o responsável pelas contraordenações laborais ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respetivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos>>.

Significa isto que é a própria lei que, no âmbito da relação laboral, imputa a responsabilidade das citadas contraordenações ao empregador, sendo que, não estamos perante uma verdadeira presunção de culpa mas antes perante a consagração da responsabilidade por atuação em nome de outrem assente na culpa in eligendo ou in vigilando[3].

E conforme resulta da Lei n.º 27/2010 de 30/08:

<<Artigo 13.º

1 – A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional.

2 – A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE)n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março. (…)>>.

Esta lei estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Diretiva n.º 2006/22/CR, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de março, alterada pelas Diretivas n.ºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de janeiro e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de janeiro e veio consagrar <<uma presunção iuris tantum de imputação da violação de um dever de comportamento à entidade patronal dos condutores de transporte rodoviário>>[4] ou, nas palavras de Soares Ribeiro[5], “uma imputabilidade subjetiva presumida, uma presunção iuris tantum de culpa, e de consequente responsabilidade do empregador”.

<<Ou seja, a Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento, qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida, pois que, consagrando embora a responsabilidade da empresa transportadora com base numa presunção de culpa, veio, contudo, permitir que esta alegue e prove não ter sido responsável pelo seu cometimento, para o que deverá demonstrar que organizou o trabalho de modo a que seja possível o cumprimento das imposições legais>>[6].

Como se refere no citado acórdão do Tribunal Constitucional 45/2014, <<se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contraordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção>>.

Ora, compulsada a matéria de facto provada, facilmente se conclui que a arguida não logrou provar, como lhe competia, que organizou o trabalho do condutor, controlou concretamente a sua atividade, de modo a que aquele pudesse respeitar a obrigação de apresentação imediata ao agente de fiscalização dos registos de atividade de dias anteriores e, por isso, não procedeu com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz, sendo certo que, como já ficou dito, a integração do tipo subjetivo de um determinado ilícito não pode ser levada a efeito em termos factuais diretos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito; a afirmação de um juízo de censura há de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática daquele ilícito, designadamente na sua dimensão objetiva.

Na verdade, da matéria de facto provada resulta que a arguida não atuou com a diligência devida e de que era capaz, na medida em que, não resultou provado qualquer facto que demonstre a organização do serviço por parte da arguida de modo a que o condutor fosse portador das folhas de registo de atividade ou documento que justificasse a sua ausência e o exibisse à entidade, pelo que, facilmente se conclui que a arguida não logrou provar (como resulta dos factos supra enunciados), como lhe competia, que organizou o trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto no Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento e do Conselho, de 04 de fevereiro.

E, o facto de ter resultado não provado que a arguida não organizou o trabalho do seu motorista no respeito pelas disposições legai em vigor, fornecendo-lhe todas as instruções necessárias e mantendo controlos regulares adequados, de forma a assegurar-se que o condutor cumprisse a legislação comunitária do setor dos transportes rodoviários, não belisca em nada o que ficou dito, na medida em que a não prova de um facto não significa a prova do contrário.  

Posto isto, uma vez que a arguida, como já referimos, agiu com negligência, encontram-se preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo e, por isso, todos os pressupostos de que depende a sua responsabilização e, consequentemente, a arguida encontra-se incursa na prática da contraordenação que lhe foi imputada.

Neste sentido, cfr. o acórdão desta Relação, de 23/04/2021, no qual se decidiu que:

<<Acontece que, percorrendo as decisões proferidas pelas outras Relações sobre a mesma questão, constatamos que o enquadramento jurídico perfilhado por esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra não é seguido pelos restantes tribunais de 2ª instância.

Aliás, nem nesta secção social o entendimento é unânime entre os Desembargadores que a constituem, tal como se dá conta no recurso.

Ou seja, esta secção social encontra-se isolada no que à matéria em questão concerne pelo que, independentemente da valia dos argumentos em confronto, há que inverter o entendimento por nós perfilhado até aqui, considerando que situações iguais devem ser tratadas de modo idêntico, ou seja, que o direito deve ser aplicado de forma uniforme[7] de maneira a assegurar o prestígio e a compreensão dos cidadãos na administração da justiça.

Assim, considerando ainda que se reclama certeza na aplicação do direito, esta Relação passará a seguir o que de forma esmagadora tem vindo a ser decidido sobre a questão pelos outros Tribunais da Relação.

Deste modo, no que tange ao elemento objectivo da infracção em causa (p. e p. pelo artº 25º, nº 1, al b) da Lei 27/2010 e do artigo 36º nº 1 do Regulamento 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho), esta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra, dando aqui por integralmente reproduzidos os argumentos jurídicos expendidos pelos outros Tribunais de 2ª instância, passará a entender e a decidir de acordo com o que, sinteticamente, se consignará de seguida:

(i) Não apresentando um condutor de veículo pesado que conduza viatura equipada com tacógrafo todas ou algumas das folhas de registos do dia em curso da fiscalização e dos 28 dias anteriores, deve esse condutor apresentar um documento comprovativo que justifique a ausência dos registos nos dias em falta.

(ii) Não é necessário para o preenchimento do tipo objectivo que se prove que nos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização o condutor tenha exercido condução profissional nos dias relativamente aos quais não exibiu registos tacográficos.

(iii) A não apresentação das folhas de registos do dia em curso da fiscalização e dos 28 dias anteriores deve ser justificada, com vista a afastar a ilicitude da conduta, no acto da fiscalização, perante os agentes fiscalizadores, mediante a apresentação de uma declaração justificativa que confirme as razões dessa não apresentação o que pode ser feito através da denominada “declaração de actividade”[8] ou por qualquer outro documento idóneo.

(iv) O tipo objectivo da infracção fica preenchido com a não apresentação imediata ao agente fiscalizador dos registos exigíveis pelo REG 165/201415

(v) A declaração de actividade ou qualquer outro documento idóneo não integra o elemento típico objectivo, o qual se basta com a falta de apresentação dos registos exigidos pelo artigo 36º do REG (CEE) 164/2014

(vi) O nº 3 do artº 36º do Regulamento 164/2014 reporta-se a meios de prova das causas de justificação para a não apresentação das folhas de registo.

Neste seguimento, a matéria dada como provada é suficiente para fazer preencher o elemento objectivo do tipo da infracção.

E isto porque se provou que no dia 6 de Março de 2018, pelas 12 horas e 2 minutos, a arguida mantinha em circulação na rotunda da Rua ..., ..., na ..., ..., o veículo pesado tractor de mercadorias, matrícula ..-TD-.., conduzido por BB e que este não era detentor dos registos de tacógrafo referentes aos dias 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 28 de Fevereiro de 2018 e 1, 2, 3 e 4 de Março de 2018, não se mostrando justificada a não apresentação das folhas de registo e, portanto, afastada a ilicitude, por o condutor não ter exibido no acto da fiscalização aos agentes da autoridade a declaração de actividade, registos manuais, diagramas de registo de tacógrafo ou qualquer outro documento idóneo equivalente[9].

Pese embora esta Relação tenha decidido não considerar parte da matéria consignada no facto 5 a que acima se fez referência, nem por isso deixa de estar verificado o elemento subjectivo da infracção

Conforme resulta do n.º 1 do artigo 551.º do CT, “o empregador é o responsável pelas contra-ordenações laborais ainda que praticadas pelos seus trabalhadores no exercício das respectivas funções, sem prejuízo da responsabilidade cometida por lei a outros sujeitos”.

É, assim, a própria lei que, no âmbito da relação laboral, imputa a responsabilidade das citadas contraordenações ao empregador, sendo que, não estamos perante uma verdadeira presunção de culpa mas antes perante a consagração da responsabilidade por actuação em nome de outrem assente na culpa in eligendo ou in vigilando[10].

(…)

Importa, deste modo, apurar se a recorrente logrou ilidir a “presunção de culpa” ou seja, se demonstrou ter organizado trabalho de modo a que o condutor pudesse cumprir o disposto nos Regulamentos Comunitários.

(…)

Pelo que a matéria de facto é insuficiente para se poder concluir ter sido ministrada ao motorista formação na área relativa aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos na actividade de transporte rodoviário e mais especificamente sobre a obrigação de apresentação a que alude o artº 36º do Reg. (EU) 165/2014.

Acresce que a emissão da declaração de actividade ou de documento idóneo é da responsabilidade do empregador, sendo que a matéria de facto não permite sequer perceber se essa emissão ocorreu e se a empregadora dotou o trabalhador daqueles documentos aptos a justificar a ausência dos discos de tacógrafo relativamente a dias em que não tenha havido condução.

Por outro lado, a mesma matéria de facto não permite perceber como era organizada e praticada a actividade exercida pela empregadora, designadamente, na posse de quem ficavam os discos de tacógrafo relativos aos dias em que se tenha eventualmente registado condução e compreendidos nos 28 dias anteriores, não sendo de excluir que no final de cada jornada de condução os trabalhadores devessem entregar esses discos ao empregador ficando os mesmos na posse da empregadora, com a consequente impossibilidade dos mesmos serem apresentados às entidades fiscalizadoras pelo condutor.

(…)

Tudo isto para dizer que a “presunção” não se mostra ilidida não se encontrando, por isso, excluída a responsabilidade da arguida/empregadora.

Assim, cometeu a arguida/recorrida a infracção por cuja prática foi absolvida em 1ª instância.>>

Aqui chegados, cumpre proceder à determinação concreta da medida da coima.

A contraordenação imputada à arguida é punida, na sua forma negligente, com coima de € 2.040€ a 30.600€ (artºs 25.º, nº 1, al. b) e 14.º, nº 4, al. a) da Lei n.º  27/2010 de 30 de Agosto).

Desta forma, ponderando o disposto no artigo 18.º do RGCC, mais concretamente, a gravidade da contraordenação e da culpa, e na ausência de outros elementos, afigura-se-nos justa e adequada a coima de € 2.720,00 aplicada pela autoridade administrativa, próxima do mínimo legal.

Procedem, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a revogação da sentença recorrida em conformidade.

                                                             *

                                                             *

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na procedência do recurso, em:

- Condenar a arguida A..., Ldª na coima de € 2.720,00 (dois mil setecentos e vinte euros) pela prática da contraordenação muito grave p. e p. pelos artigos 36.º, n.º 1, do Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02; 14.º, n.º 4, a) e 25.º, n.º 1, b), ambos da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e 561.º, n.º 1, do CT.

                                                             *

                                                             *

Custas a cargo da arguida, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC.

                                                             *

                                                             *  

Coimbra, 2022/04/29

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 (Paula Maria Roberto)

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(Felizardo Paiva)                                                                           

                                                                                          

 



[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjunto – Felizardo Paiva
[2] Alterado pelo Regulamento (UE) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04/02/2014.
[3] A este propósito, cfr. o acórdão do TC 359/01, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão do TC 45/2014, de 11/02/2014, disponível em www.dgsi,pt.
[5] Revista do Ministério Público, n.º 124, pág. 163.
[6] Acórdão da Relação do Porto de 05/12/2011, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Pois a aplicação uniforme do direito conduz à segurança jurídica e esse objectivo é apontado pelo legislador ao julgador, como decorre do disposto no artigo 8.º/3 do Código Civil.
[8] Apesar desta não ser obrigatória.
[9] Factos provados 1 a 3.
[10] A este propósito, cfr. o acórdão do TC 359/01, disponível em www.dgsi.pt.