Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
137/18.0T8SAT.C3
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ANÁLISE CRÍTICA DAS PROVAS
IMPUGNAÇÃO DE ESCRITURA JUDICIAL
PRESUNÇÃO DERIVADA DO REGISTO PREDIAL FUNDADO NO PROCESSO DE JUSTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SÁTÃO, COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGO 7.º DO CRPREDIAL
ARTIGOS 342.º, N.º 1 E 350.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 89.º, N.º1, 116.º E 117.º H) A L), DO CÓDIGO DO NOTARIADO
Sumário: 1. - A exigência legal de fundamentação da convicção relativa à decisão de facto (de acordo com o art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv.) impõe que se explicite o iter decisório, estabelecendo o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e, do mesmo modo, os não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, mediante análise crítica e conjugada das provas decisivas, na sua aproximação aos concretos factos sob decisão.

2. - O processo de justificação (quanto ao trato sucessivo) a que aludem os art.ºs 116.º e segs do CReg.Pred. comporta tramitação legal, com produção de provas (inquirição de testemunhas) e decisão, a qual é passível de recurso para os tribunais judiciais, tornando-se definitiva, de molde a poder fundar o registo predial.

3. - Diversamente, a escritura de justificação notarial (n.º 1 do art.º 89.º do Cód. Not.) consiste numa declaração feita pelo próprio interessado, pela qual este afirma ser titular do direito que invoca e descreve os factos que lhe conferiram tal direito, inexistindo qualquer controlo do notário ou de outra entidade relativamente à correspondência entre as afirmações do interessado e a realidade histórica.

4. - Neste último caso, a impugnação deve ter lugar mediante ação judicial, bem se compreendendo que (de acordo com jurisprudência uniformizada do STJ), sendo a ação de impugnação de escritura de justificação notarial uma ação de simples apreciação negativa, seja ao réu que compete a prova do direito (de propriedade) que se arroga.

5. - Ocorrendo, diversamente, registo predial fundado naquele processo especial de justificação (com decisão definitiva) e sendo o justificante a intentar posterior ação de reivindicação quanto aos imóveis assim registados, tal caráter definitivo implica que também possa operar, nele suportada, a presunção registal, a favorecer o autor/reivindicante, com dispensa do ónus da prova, que passa a impender sobre a contraparte.

6. - Porém, essa presunção registal não abrange, como é jurisprudência pacífica, as áreas, composição, confrontações/limites dos prédios, que carecem, assim, de ser provados pelo interessado na ação de reivindicação.

7. - Por isso, não fica a coberto da presunção uma parcela de terreno de que se arrogam proprietárias as partes demandante e demandada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

BB e mulher, CC, também com os sinais dos autos,

pedindo que se decidisse por forma a:

«1. - Declarar-se que o Autor é dono e legítimo possuidor dos prédios descritos no artigo 1º da P.I..

2. - Condenarem-se os Réus a:

a) Reconhecerem o Autor como dono daqueles prédios e que a referida parcela do logradouro ocupada por aqueles e descrita nos artigos 19º, 22º a 29º inclusive, da P.I., é parte integrante do artigo rústico ...37 da freguesia ....

b) Desocuparem a parcela de terreno ocupado, os 19m2, restituindo-a ao Autor, retirando daquela o pilar, a pedra em granito, os blocos e pedras, bem como o reboque agrícola, colocados naquele local.

c) Colocarem os marcos divisórios nos seus anteriores lugares.

d) A pagarem ao Autor a quantia de 1500,00 € por danos morais.

e) A pagar ao Autor, por cada dia de mora na desocupação do prédio identificado no artigo 1º (ponto 2) da P.I, artigo 8137, uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € por dia, após o trânsito em julgado.».

Para tanto, alegou, em síntese:

- ser dono e legítimo possuidor dos três prédios rústicos que identifica no art.º 1.º da petição inicial, por via de doação verbal a seu favor, ocorrida há mais de 20 anos, sendo que, por si e antecessores, está na posse pública, pacífica e contínua de tais prédios há mais de 40 e 50 anos, na convicção de exercício de um direito próprio e sem ofensa de terceiros, pelo que ocorreu aquisição do direito dominial por usucapião;

- haver registo definitivo de aquisição a favor do A., pelo que a sua titularidade se presume;

- serem os RR., por sua vez, donos de três imóveis no local, tendo reconstruído junto da sua casa de habitação um barracão com duas portas viradas diretamente para o terreno do A., vindo a apoderar-se do espaço pertencente a um dos prédios do demandante, retirando os marcos divisórios e causando arrelias, inquietações e mal-estar ao A..

Os RR. contestaram, defendendo-se por impugnação e alegando que o A. logrou obter, de modo fraudulento, a criação dos artigos matriciais, com justificação dos mesmos em seu nome, através do processo de justificação em conservatória, processo que, contrariamente ao realizado em cartório notarial, não é publicitado num dos jornais mais lidos da localidade, mas num site para o efeito disponibilizado, que praticamente ninguém conhece e os RR. não consultam. Concluíram pela improcedência da ação.

Proferido despacho saneador e tramitados os autos, foi realizada a audiência final, com inspeção judicial ao local e produção das demais provas, após o que foi proferida sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR..

De tal sentença veio o A. interpor recurso, tendo este Tribunal da Relação (TRC), por acórdão de 20/10/2020, decidido anular a sentença recorrida, por deficiência e obscuridade no plano da fundamentação da decisão da matéria de facto, e, parcialmente, o julgamento, para repetição da diligência probatória de inspeção judicial ao local.

Repetida, na 1.ª instância, aquela diligência probatória, foi proferida nova sentença (datada de 21/07/2021), julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR..

Voltou a recorrer o A., tendo o TRC, por acórdão de 01/02/2022, decidido remeter os autos ao Tribunal a quo para cabal fundamentação da convicção, quanto a identificado factualismo objeto de impugnação recursiva.

Foi, então, proferida nova sentença, datada de 18/07/2022, julgando a ação não provada e improcedente, com a consequente absolvição total dos RR..

É desta sentença que vem o A., ainda inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões ([1]):

«1-O presente recurso versa sobre a decisão proferida pela Meritíssima Juiz “a quo”, que julgou improcedente a ação interposta pelo autor contra os aqui recorrentes.

2- O recurso ora interposto visa alterar a decisão da Mma Juiz “a quo”, uma vez que foi entendimento do douto Tribunal recorrido que os Réus lograram fazer prova da inveracidade do declarado no processo de justificação, no sentido de abalar o teor das declarações prestadas pelo Autor.

3-Ora, não pode o ora apelante conformar-se com esta visão plasmada na douta sentença sob sindicância por a mesma ser redutora e disforme da prova produzida nos autos, por se considerar que houve errónea apreciação da prova que, consequentemente levou a uma errada aplicação do direito.

4- Salvo douto entendimento, o Tribunal “a quo” incorreu, de facto, em erro manifesto na apreciação das provas produzidas em audiência de julgamento, contra as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto.

5- A douta sentença proferida não realiza, de uma forma crítica e concertada, a análise á prova produzida em sede de julgamento e que serviu para firmar a convicção do julgador, desconhecendo-se qual a prova que serviu para dar como provada e não provada cada ponto de facto constante da douta sentença proferida.

6-Ora, após proferido o douto Acórdão desta Relação de Coimbra que determinou o reenvio do processo á 1º Instancia “ para cabal fundamentação da convicção , quanto ao factualismo objeto de impugnação recursiva (o supra aludido), com base, designadamente, nas gravações efetuadas ou, se necessário, através de repetição da produção da prova;”, limitou-se o douto Tribunal a quo, e em sede de fundamentação, a fazer uma descrição dos meios de prova produzidos.

7- Tal descrição quedou-se no domínio da abstração e da generalidade, ou seja, não foi reportada a cada facto dado como provado ou não provado.

8- Como é óbvio, nem todos os meios probatórios produzidos terão servido para fundamentar todos e cada um dos factos dados como provados, pois que o acervo probatório, desde logo porque apresentado por partes com interesses antagónicos, certamente que foi diversificado no seu sentido probando.

9-Ora, salvo o devido respeito, que é muito, tal não respeitou, nem cumpriu com o doutamente determinado por decisão proferida por esse douto Tribunal da Relação, pois que se antes se verificava uma insuficiência de fundamentação da convicção probatória, também agora continua a estar…

10-Ademais, importa considerar que não satisfaz a exigência legal, uma motivação em bloco, reportada a todos os factos objeto de prova e dados como provados ou não provados, mediante mera indicação das provas relevantes para a formação da convicção do juiz.

11-No caso dos autos não existe completa indicação das provas uma vez que o tribunal se limita a remeter para todos eles, sem especificar que concretos documentos, depoimentos, confissão ou prova judicial relevaram e para que pontos de facto concretos.

12- Daí que, conforme se verá a propósito da impugnação da matéria de facto, não seja possível ao recorrente analisar e impugnar os concretos meios de prova que o julgador utilizou para cada um dos factos provados e não provados que o mesmo irá impugnar.

13-Pese embora, o ora recorrente, impugne a matéria de facto, continua sem saber quais foram os concretos meios probatórios que fundamentaram a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo acerca dos concretos pontos de facto.

14-Não tendo o douto Tribunal a quo efetuado a fundamentação da convicção probatória de forma adequada, concreta e coerente, revestindo-se essencial para a decisão da causa, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos dos artigos 154º, 607º nº 4 e 615º nº 1 alínea c) todos do NCPCiv.

15-Em face de tal vício, nos termos do artigo 662º do NCPCiv. relativamente á modificabilidade da matéria de facto deverá ser alterada nos termos infra descritos.

16-Para tanto requerendo-se a Vª Exªs a reapreciação de toda a prova produzida, nomeadamente a audição de toda a prova testemunhal, para efeitos de posterior ponderação, apreciação e análise crítica da mesma.

17- Na reprodução fotográfica efetuada no âmbito da diligência de inspeção judicial ao local, considerou a Mma Juiz a Fotografia nº 2 como tendo sido tirada para melhor demonstrar a versão do Autor, de que nesses prédios nada revela que deles parta uma linha que marca a direção a tomar para marcar o ponto preciso da divisão das propriedades em litígio, nem que tal linha aponte e acabe no ponto que o Autor assinala como al) a da fotografia que junta com a Petição Inicial, como Doc. 14 de fls 18 verso., e muito menos que esse ponto assinalado como al. a) seja o ponto divisório das propriedades em litígio.

18- Ora, a fotografia nº 2 encontra-se legendada como “tirada de sul para norte, por reporte ao artigo 1 e artº 18, ambos da petição inicial”, pelo que, não retrata o explanado por aquela na sua fundamentação.

19-O Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na apreciação das provas produzidas em audiência de julgamento.

20- Como se verá adiante, há depoimentos manifestamente contraditórios, sem se saber a quais é que o douto Tribunal a quo deu mais credibilidade do que a outros.

21-Da prova testemunhal produzida foi ouvida a testemunha DD, (testemunha do Autor) em depoimento prestado por vídeo-conferência, em 14-11-2019, depoimento gravado através do sistema de gravação digital, com inicio as 16h11m 11s e o termo as 16h 18m 33s., sem que o douto Tribunal a quo tenha feito qualquer referência ao seu depoimento, na sentença ora posta em crise.

22-Ora, o douto Tribunal a quo não evidenciou o depoimento daquela testemunha, nem sequer o mencionou na sua motivação de facto.

23- A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

24- O Tribunal a quo, em face da prova produzida, errou ao dar como provado o ponto 12), isto porque, entra de todo em contradição com os documentos juntos ao processo, doc. nº ... e doc. nº ...0, e em contradição com do ponto 4) dos factos assentes.

25-Além de que, nenhuma prova testemunhal foi produzida acerca de tal facto dado como assente, pelo que deveria ser dado como não provado.

26- A matéria de facto provada constante dos pontos 14) e 15) da douta sentença, deveria ter sido dada como não provada, por força das declarações prestadas testemunha EE, (Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 (00:27:06 e 00:27:28) , do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s), e pela fotografia do Google junta pelos RR. como Doc 3 de fls39.

27- A matéria de facto provada constante do ponto 17), deveria ser dada como não provada, porquanto da prova testemunhal produzida provou-se efetivamente o contrário, com base nos depoimentos de EE, (Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s) e da testemunha FF, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s), respetivamente tio e sobrinho do Autor, que presenciaram os factos e foram perentórios ao afirmarem que o Autor se insurgiu contra a ocupação dos Réus.

28- Também a matéria de facto provada constante do ponto 18) deveria ser dada como não provada, porquanto a prova que consta dos autos vai em sentido diverso do que foi julgado como provado, não se tendo provado que o Autor tenha arrancado qualquer marco, com base na conjugação dos depoimentos das testemunhas EE, (Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s); da testemunha GG, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:03 a 00:32:55 do dia 16/12/2019 das 11h:37m:29s a 12h:10m:26s); e da testemunha FF,  (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s).

29- A matéria de facto dada como provada nos pontos 19), 20); 21); 22) e 23) da douta sentença, deveria ter sido dada como não provada, com base nas declarações das testemunhas HH, anterior proprietário do prédio em causa, (Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s); GG, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:03 a 00:32:55 do dia 16/12/2019 das 11h:37m:29s a 12h:10m:26s); II, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:23:39 do dia 16/12/2019 das 12h:11m:35s a 12h:35m:23s); JJ , (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:09 a 00:32:42 do dia 16/12/2019 das 14h:01m:41s a 14h:34m:24s), pessoas que sempre habitaram naquela localidade e bem conhecedoras dos prédios ali existentes.

30- A única testemunha dos Réus que prestou depoimento sobre o aludido caminho, KK, filha de LL, referiu que quando ia apanhar castanhas á propriedade do pai, ia por um “carreirinho”, de terra muito batida e tinha raízes da cerejeira, tinha que passar até com algum cuidado que aquilo tinha uma inclinação. (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:00 a 00:13:06 do dia 16/12/2019 das 15h:44m:18s a 15h:57m:25s) e “(cfr . pag 21 , último parágrafo e pag 22 parágrafo 1, da sentença).

31- Portanto em relação a tais factos que o douto Tribunal a quo deu como provados, nenhuma prova foi produzida quanto aqueles, pois nenhuma testemunha ouvida falou das dimensões do referido caminho, ou de qualquer outra característica e da inspeção judicial efetuada certamente a Mma Juiz a quo não pode ter visualizou tal facto, conforme se pode verificar pelo fotografia (doc. nº ...7) junto com a P.I..

32- Quanto á matéria de facto constante dos pontos dados como não provados: “ Que as portas do barracão indicado em 8) estão viradas diretamente para uma parte de terreno que seja do A., artigo rústico ...39.”; “ Que aos poucos os RR. tem-se apoderado do espaço pertencente ao prédio do A.”; “Que os RR. colocaram um pilar em pedra, dentro do prédio do A. (cfr docs 13 e 14)”; “ Que nas fotografias juntas como Docs 13 e 14 se pode verificar o limite da propriedade do A., (sinalizado com “a”) bem como a parcela do terreno ocupada pelo Réu.”; “ Que os RR. se tem vindo a apropriar de cerca de 19 m2 do terreno (artigo rústico ...39), retirando os marcos divisórios que aí se encontravam a delimitar os prédios, sem mais.”; “ Que com os factos provados em 9) e 10) os Réus, tentam incorporar no seu prédio parte do prédio do A., com cerca de 19m2.”; “Que os Réus circulam dentro do prédio do A., bem como, colocam aí o seu trator agrícola”, na douta sentença, deveriam ter sido dados com Provados.

33- Tais factos deveriam ser dados como provados, mediante as declarações das testemunhas, HH, (Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 ( 00:27:28) do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s); GG, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:03 a 00:32:55 do dia 16/12/2019 das 11h:37m:29s a 12h:10m:26s); II, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:23:39 do dia 16/12/2019 das 12h:11m:35s a 12h:35m:23s); JJ (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:09 a 00:32:42 do dia 16/12/2019 das 14h:01m:41s a 14h:34m:24s) e FF,(Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s).

34- Ou seja, da análise do depoimento prestado pela testemunha, EE, os RR. propuseram comprar 35 metros do prédio pertencente ao ora Autor,( por doação feita pelo tio EE, artigo matricial rústico ...37), antes mesmo de terem efetuado a compra a DD do artigo 5468º.

35-Portanto os Réus reconheciam a referida testemunha como proprietária da identificada parcela ( artigo 8137), caso contrário não teriam efetuado a supra citada proposta de compra.

36-Também não restam dúvidas perante o depoimento da testemunha GG, II, JJ e MM, que o prédio adquirido á DD, não termina no caminho público que se encontra no local, mas confinava com uma barroca e agora com o muro em blocos que lá se encontra, feito pelo RR.

37-Provando-se ainda que as portas do barracão reconstruído pelos RR. encontravam-se antes da reconstrução, viradas para o caminho público que se encontra no local.

38- Ora as testemunhas, supra referidas, tiveram um discurso coerente, assertivo, cristalino e isento.

39-Aliás, as testemunhas aludidas depuseram de forma objetiva e coerente-coerência em si mesmo e entre si- para além de circunstanciada.

40- Ora da prova testemunhal apresentada pelo Réus, no que toca aos limites do artigo matricial ...68, ou seja, do prédio adquirido pelos Réus a DD, nenhuma das testemunhas ouvidas, afirmou ter conhecimento direto dos limites do artigo em causa, conforme se pode verificar pelos seus depoimentos: NN, genro dos RR, ” (pag. 22, parágrafo 2 da sentença.); OO, cunhado do R.,(pag. 23,ultimo parágrafo da sentença) e (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:00 a 00:11:21 do dia 16/12/2019 das 16h:23m:13s a 16h:34m:33s); PP, sobrinha do R., (pag. 24, parágrafo 1, da sentença) e ainda QQ, (pag. 24, parágrafo 3, da sentença:) e Depoimento conforme gravação digital de 00:00:00 a 00:07:07 do dia 16/12/2019 das 16h:43m:06s a 15h:57m:25s);

41-Pelo exposto e da análise destes depoimentos, as testemunhas não demonstraram qualquer conhecimento direto. Aliás tiveram um discurso de desconhecimento e obscuridade.

42- Quanto á matéria de facto constante dos pontos dados como não provados:“Que os RR aproveitam quando o A. Não está presente e sabem que aquele se encontra a trabalhar, para praticar tais atos abusivos, deparando-se o A com o facto, já consumado”; “Que esta situação inesperada, causou ao A. sérios aborrecimentos e arrelias”; “Que quando se dirigiu aos Réus para desocuparem a parcela do terreno ocupada, só recebeu daqueles insultos e críticas insidiosas, bem como ameaças”; “Que a sua vida desde então, começou a ser pautada por provocações constantes por parte dos Réus”; “ Que as provocações se agravam desde que o A. fez o desaterro no seu terreno, em Maio de 2017”; “ Que o Autor se depara diariamente com a ocupação que o Réu se encontra a fazer”; “Que com este comportamento os Réus causaram arrelias, inquietações e mal estar no Autor”, na douta sentença, deveriam ter sido dados com Provados.

43- Tais factos deveriam ser dados como provados, mediante as declarações das testemunhas FF, (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s) e RR, enteada do Autor a viver com aquele, prestou depoimento coerente e credível , tendo referido ao douto Tribunal a quo que presenciou aos factos , pois vive no Largo ... (Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:08:30 do dia 16/12/2019 das 15h:16m:10s a 15h:24m:43s)

44- Da prova produzida em audiência, em nosso entender foi feita prova no que toca a estes factos dados como não provados.

45-As provas constantes dos autos (croquis, fotografias e prova testemunhal) é suficiente e esclarecedora da prova da matéria de facto que supra se impugnou.

46- Ora, em face da alteração da matéria de facto supra referida, que atrás explanamos, provou-se a titularidade do Autor em relação a tais prédios.

47- Titularidade que o Autor logrou demonstrar, através da prova produzida, demonstrando que os prédios pertenceram á herança de SS e mulher CC, que os transmitiram a EE, tendo vindo posteriormente á posse do Autor, por doação aquele.

48- Ora dispõe o artigo 116º nº 1 do Código de Registo Predial “O adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial(…)”

49-Por sua vez, estabelece o artigo 89º nº 1 do Código de Notariado que “ A justificação para efeitos do nº 1 do artigo 116º do Código de Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.”

50-Acrescenta o nº 2 de tal dispositivo legal, que sendo alegada a usucapião baseada em posse não titulada, deverão mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião.

51- Ora o Autor na escritura de justificação notarial em análise, fundamenta a aquisição do direito de propriedade sobre os prédios aqui em questão, na usucapião.

52-Segundo o artigo 1287º do Código Civil, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida durante certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, é o que se chama de usucapião.

53- “A usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião.” (Oliveira Ascensão, “Efeitos substantivos do registo predial na ordem jurídica portuguesa” Revista da Ordem dos Advogados, ano 34, pp. 43-46).

54-De acordo com o artigo 1260º nº 2 do Código Civil, a posse não titulada presume-se de má-fé. Contudo, o Autor ilidiu essa presunção, pois que demonstrou haver possuído os prédios na convicção de não lesarem direitos de terceiros (artigo 1260º nº 1 do Código Civil), sendo pois, de reputar a sua posse como de boa-fé.

55- Resulta ainda da factualidade apurada, a existência por parte do Autor e dos seus antecessores de uma posse pública e pacífica-adquirida sem violência-que persistiu, ininterruptamente, durante pelo menos 20 anos.

56- No âmbito dos presentes autos, estamos perante uma ação de reivindicação de propriedade.

57- Portanto não houve qualquer pedido de impugnação judicial do referido processo de justificação notarial.

58-Os RR. não impugnaram a aludida escritura, apenas se limitaram a contestar a ação de reivindicação proposta pelo Autor.

59-Ora a justificação notarial não constitui ato translativo, pressupondo sempre, no caso da invocação da usucapião, uma sequência de atos a ela conducentes, que podem ser impugnados, antes ou depois de ser efeituado o registo, com base naquela escritura.

60-No caso dos Autos a referida escritura não foi impugnada, nem posta em crise.

61-Pelo que, o Autor beneficia da presunção do registo com base naquela escritura.

62- Sendo que, a escritura de justificação notarial, com as declarações que nela foram exaradas, apenas vale para efeito de descrição de prédios na conservatória do registo predial, se não vier a ser impugnada-artigo 101º do Código de Notariado.

63-O que efetivamente , não veio a acontecer, pois tal escritura não foi abalada e portanto também não foi posta em crise a credibilidade do registo e a sua eficácia prevista no artigo 7º do C.R.P., que é precisamente a presunção de que existe um direito.

64-Portanto, não pode o Tribunal a quo afirmar que “ …no presente caso, na nossa convicção, lograram os RR. fazer prova da inveracidade do declarado no processo de justificação, no sentido de abalar o teor das declarações prestadas pelo Autor conforme acima melhor se deixou consignado na motivação, o que evidencia a prova contrária exigida pelo artigo 350º nº 1 e 2 do Código Civil, para abalar a alegada presunção do registo.” (cfr, pag. 18, parágrafo 5 da sentença), quando não houve qualquer impugnação da referida escritura de justificação!

65-Decorre ainda da douta sentença de que se recorre que a presunção que decorre do registo predial se limita á titularidade do direito inscrito, mas não abrange as respetivas áreas, limites ou confrontações.

66-No entanto, segundo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.09.2017, relator Sr. Juiz Conselheiro Alexandre Reis, in www.dgsi.pt, sobre tal matéria, dispôs que: “ A presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do artigo 7º do C.R.P., abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito-que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito-, tal presunção não pode deixar de se estender á (crucial) existência do próprio prédio objeto do direito, ainda que não á respetiva área, ou, pelo menos á exatidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma.”

67-Assim da descrição fazem parte não só os elementos materiais essenciais á identificação dos prédios como os elementos meramente complementares ou acessórios. Os primeiros como que são inerentes á própria inscrição, pelo que só os segundos devem estar fora do alcance da presunção do artigo 7º do C.R.Predial, sob pena de esta não ter qualquer relevância pratica.

68-Das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme se encontra elencados no artigo 2º do C.R.Predial , ou sejam, constam deles os factos da vida real, que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos, no caso, constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintivos do direito de propriedade.

69-Como tal direito incide sobre coisas a inscrição tem de as identificar, o que faz por referência á descrição, sendo certo que alguns desses elementos identificativos são essenciais, no sentido de que, sem eles, não se saber sobre que coisa incide a inscrição.

70-Ou seja, esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7º do C.R.Predial, sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.

71- Pelo exposto e no caso dos presentes autos, o Autor beneficia da presunção derivada do registo a que se reporta o artigo 7º do C.R.P., ao contrário do constante na douta sentença de que se recorre.

72-Por tudo o exposto deverá, pois, dando-se provimento ao recurso, julgar a ação procedente e, em consequência, os pedidos formulados pelo Autor-recorrente, com as demais consequências legais.

73-O Tribunal “a quo”, na decisão da matéria de facto e na de direito, violou, entre outras, as seguintes disposições legais: artigos 154º; 607º nº 4 e 615º nº 1 alínea c) do NCPCiv ; o disposto nos artigos 1260º; 1287º e ss, e 1311º do Código Civil. , bem como, o disposto nos artigos 7º , 116 nº 1 do Código de Registo Predial e 89º do Código de Notariado.

Termos em que nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vªs Exªs, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida e, consequentemente, condenando-se os Réus nos exatos termos peticionados na P.I.

Decidindo nesta conformidade será feita JUSTIÇA.».

Os RR. contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([2]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursiva, ao conhecimento da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do atual Código de Processo Civil (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber ([4]):

a) Se ocorre nulidade da sentença, por “insuficiente fundamentação” [art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv., que se refere à falta de fundamentos], ou mesmo por eventual ambiguidade ou obscuridade [invocada al.ª c) do mesmo art.º 615.º, como vertido na conclusão 14.ª do Recorrente], ao não terem sido indicadas as provas fundantes da convicção, nem efetuado exame crítico de tais provas ([5]);

b) Se a sentença padece, efetivamente, do vício de inexistência de indicação das provas fundantes da convicção e falta de exame crítico da prova (conclusões 5.ª e segs. do Recorrente), impedindo uma adequada impugnação da decisão de facto e a cabal sindicância pela Relação;

c) Se deve proceder a impugnação da decisão de facto (conclusões 15.ª e segs.), por ocorrer erro de julgamento nesse âmbito, obrigando à alteração do decidido (quanto a factualidade julgada provada e a factos dados como não provados);

d) Se merece procedência a impugnação de direito (conclusões 46.ª e segs.), com especial saliência para a questão dominial (sem esquecer as demais que se prendem com os diversos pedidos formulados).


***

III – Fundamentação

          A) Nulidade da sentença

          O Apelante, no quando da invocada nulidade da sentença, parece querer centrar-se na mencionada «insuficiente fundamentação», o que nos transporta, logicamente, para o vício de falta de fundamentação, a que alude a al.ª b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv..

Ora, aquele pretendido vício de nulidade prende-se, como é consabido, com as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([6]).

Líquido, pois, que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação, logo teria de concluir-se pela improcedência desta linha de argumentação do Recorrente, ao aludir apenas a uma situação de «insuficiente fundamentação».

Acresce que não pode corroborar-se – como melhor se verá a jusante – a afirmação de não terem sido indicadas, na sentença em crise, as provas fundantes da convicção, o que não se confunde, obviamente, com o devido exame crítico das provas produzidas e relevantes.

Aliás, como já escrito nos anteriores acórdãos desta Relação (os dois já proferidos no âmbito destes autos) – e agora se reafirma perante a nova sentença –, deve notar-se que na sentença em crise estão especificados os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo notório que dela consta o quadro fáctico da causa – o considerado provado e o tido por não provado –, a alusão à fundamentação da convicção e a fundamentação de direito, seguida do dispositivo, no caso absolutório ([7]).

Acresce, então, dizer, com o devido respeito, que a eventual não indicação das provas fundantes da convicção e a omissão ou deficiência quanto ao exame crítico da prova, não são suscetíveis de consubstanciar, em rigor, causas de nulidade da sentença, seja por falta de fundamentação seja por ininteligibilidade, devida a ambiguidade ou obscuridade (que não são de conhecimento oficioso), apenas podendo, quando tal ocorra, consubstanciar a causa de anulação da sentença a que alude, no campo específico da decisão de facto, o art.º 662.º, n.º 2, al.ªs c) e d), do NCPCiv., ou motivo para determinação de acrescido esforço de completa fundamentação ao Tribunal a quo [cfr. al.ª d) deste mesmo dispositivo legal], matéria esta, diversamente daqueloutra, de conhecimento oficioso do Tribunal de recurso.

Também não pode entender-se, perante o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., que esteja verificada contradição entre os fundamentos e a decisão ou sequer ininteligibilidade por ambiguidade ou obscuridade, vício este que o A./Recorrente não explicita devidamente – nem, por isso, mostra onde pudesse estar consubstanciado –, apenas remetendo para aquela norma da al.ª c) do art.º 615.º.

Donde, pois, a improcedência da invocada nulidade da sentença.

B) Dos vícios de falta de indicação das provas fundantes da convicção e de exame crítico da prova

Esgrime o Recorrente no sentido de a sentença incorrer no vício de inexistência de indicação das provas fundantes da convicção e, ademais, de verdadeira falta de exame crítico da prova produzida.

Designadamente, invoca não ser possível saber, dentre as provas aludidas, quais as que foram relevantes para formação da convicção quanto a cada facto (provado e não provado), sendo que agora apenas importam os factos objeto de impugnação recursiva.

Cabe, então, saber se a sentença sob recurso padece, efetivamente, do vício de inexistência de indicação das provas fundantes da convicção e falta de exame crítico da prova (conclusões 5.ª e segs.), em termos até de deixar impedida a adequada impugnação da decisão de facto e a cabal sindicância pela Relação.

Vejamos.

Na decisão recorrida, a propósito da fundamentação da convicção sobre a decisão da matéria de facto, exarou-se assim:

«(…) o tribunal fundou a sua convicção na prova por declarações de parte do Autor e na prova testemunhal produzida em audiência final, devidamente conjugada com o teor dos documentos juntos aos autos, valorando tais elementos probatórios de forma livre, crítica e conjugada, de harmonia com as regras de distribuição do ónus da prova (…), do modo seguinte:

- Inspeção judicial ao local (…)», em conjugação com o «levantamento topográfico de fls. 17 (Doc 11 junto pelo Autor e da sua autoria e responsabilidade)», bem como «outra prova documental junta aos autos, nomeadamente, “Decisão final” no processo especial de justificação proferida na Conservatória do Registo Predial (…)», «teor das certidões matriciais, também elas dadas por integralmente reproduzidas (…)», sem esquecer a prova por «declarações de parte do Autor», as quais «foram valoradas com parcimónia, atento o seu manifesto interesse na causa», tal como a «prova testemunhal» (testemunhas «EE», «GG», «II», «JJ», «FF», «LL», «RR», «KK», «NN», «OO», «PP» e «QQ») ([8]).

Tal é quanto basta – contrariamente ao pretendido pelo impugnante – para se concluir, sem necessidade de outras considerações, pela clara indicação das provas produzidas, fundantes (ou não), em geral, da convicção do Julgador a quo.

Mas haverá falta de exame crítico dessas provas (como esgrimido nos pontos 5 a 12 do acervo conclusivo do A./Apelante), quanto aos ditos factos objeto de impugnação pelo Recorrente, em incumprimento do determinado pelo TRC e impedindo a impugnação (pela parte) e a sindicância recursiva (pela Relação) da decisão de facto?

Esses factos sujeitos a impugnação recursiva são os seguintes:

a) Julgados provados ([9]):

«12) A pequena parcela de terreno que se situa a poente do prédio dos Réus inscrito na matriz sob o artigo ...68º e a norte do seu prédio inscrito na matriz sob o artigo ...69º, confronta de norte com o caminho, sul com LL, agora ora Réus, artigo matricial ...69º, nascente com Réus, prédio que adquiriram a DD, artigo 5468º e de poente com uma construção de blocos, com um telhado em telhas de barro, com duas águas.

(…)

14) Em 2007, os réus, procederam ao desaterro da parte mais a norte do prédio que haviam adquirido a DD, artigo 5.468º, junto ao caminho, a fim de fazerem uma entrada e releixo para o barracão (indicado em 8) que possuem a nascente deste.

15) Nessa altura, os Réus fizeram na parte mais a sul do desaterro, um muro de suporte de terra e a norte, a cerca de 75 cm do limite poente da parcela em litígio, colocaram um pilar em granito (retratado nas fotografias juntos pelo autor).

(…)

17) Nunca antes da data de 2017 (indicada em 11), por altura do desaterro feito pelo Autor da parcela a poente do prédio dos Réus), o Autor afirmou que os Réus ocupavam o que quer que fosse desse prédio.

18) Antes de o autor fazer o desaterro, em 2017, os marcos que dividiam os prédios dos Réus – artigos 5468º e 5469º, da parcela em litígio – estavam no local e foram arrancados pelo A.

19) Desde sempre, o acesso ao prédio dos Réus antes pertencente a LL, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...69º, se fez pelo prédio que lhe fica a norte.

20) Por um caminho que se iniciava a norte junto ao caminho público, segue para sul, paralelamente à construção que a poente o margina, até atingir a sul o referido prédio, numa extensão de cerca de 6 metros de cumprimento por 1,5 metros de largura.

21) Este caminho até ao desaterro feito em maio de 2017 pelo autor, revelava-se, de forma clara delineado em toda a sua largura e extensão, por sinais bem visíveis e permanentes de terra batida bem calcada, pela passagem das pessoas ao logo dos tempos.

21) de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, e, pacificamente e sem oposição de ninguém [numeração repetida].

22) Os réus passam na sobredita parcela de terreno quando querem aceder ao seu atrás identificado prédio, sendo este o seu único acesso.»;

b) Julgados não provados ([10]):

«- que as portas do barracão indicado em 8) estão viradas diretamente para uma parte de terreno que seja do A., artigo rústico ...39.

- que aos poucos os RR. tem-se apoderado do espaço pertencente ao prédio do Autor.

- que os RR. colocaram um pilar em pedra, dentro do prédio do Autor (cfr Docs 13 e 14).

- que nas fotografias juntas como Docs 13 e 14 se pode verificar o limite da propriedade do Autor (sinalizado com “a)”) bem como a parcela do terreno ocupado pelo Réu.

(…)

- que os RR. se tem vindo a apropriar de cerca de 19 m2 do terreno (artigo rústico ...39), retirando os marcos divisórios que aí se encontravam a delimitar os prédios, sem mais.

- que, com os factos provados em 9) e 10), os Réus tentam incorporar no seu prédio parte do prédio do Autor, com cerca de 19 m2.

(…)

- que os Réus circulam dentro do prédio do Autor, bem como, colocam aí o seu trator agrícola.».

Importa, então, saber se a decisão de facto recorrida apresenta, nesta parte, deficiente definição da fundamentação da convicção, vício que, a ocorrer, a afetaria no tocante aos pontos impugnados, de si essenciais para o julgamento da causa.

O que determinaria que o Tribunal ad quem lançasse – novamente – mão, mesmo oficiosamente, do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª d), do NCPCiv., preceito segundo o qual a Relação deve determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

A este propósito, esclarece Abrantes Geraldes ([11]):

«Ligado ao poder de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto está o dever de fundamentação (…).

A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respetiva aquisição crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão (…) deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.

É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais em que se apoiam, nos termos do art. 607.º, n.º 4.

Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, para efeitos de inserção da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto».

Ora, sabido que o Tribunal recorrido, no essencial, se limitara anteriormente a fazer uma súmula – por vezes muito breve – quanto à substância da prova pessoal produzida (declarações de parte e depoimentos testemunhais, estes em elevado número), não evidenciando cabalmente as razões pelas quais conferiu – ou não – credibilidade a uns depoimentos em detrimento de outros, também se tornava líquido não ter sido realizada/oferecida uma enunciação facto a facto (ou por agrupamento homogéneo de factos) dos motivos fundantes da convicção.

Com efeito, apenas havia sido explicado (na anterior sentença), quanto ao factualismo não provado, em termos finais, «que as respostas negativas dos factos não provados tem a sua razão de ser em não ter sido produzida prova bastante da sua realidade, nomeadamente, por decorrência da análise crítica dos documentos que visavam sustentar a versão que se considerou não provada e por nada ter resultado da prova testemunhal que permitisse sustentar tal versão» (itálico aditado).

Antes haviam já sido explicitados, de algum modo, os fundamentos da convicção positiva/afirmativa:

a) De molde a mostrar a relevância da prova por inspeção judicial ao local, na sua conjugação com diversa prova documental, salientando-se que, «para uma melhor perceção das questões em litígio, foi possível constatar, no local, que os prédios descritos nos nºs 2 e 3 do art 1º da Petição inicial (que o Autor, juntamente com o descrito sob o nº ... desse artigo, levou ao registo predial, subsequentemente ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo especial de justificação por si instaurado) pouco têm a ver com o presente litígio, por assim dizer.»;

b) Chamando ainda a atenção para «a outra prova documental junta aos autos, nomeadamente, “Decisão final” no processo especial de justificação proferida na Conservatória do Registo Predial (…)», que, «apesar do que nela consta, tal não resolve a questão da propriedade, dos limites, das confrontações, das áreas, etc que relevam para o objeto do presente litigio, nem, conforme resulta da própria natureza de tal ato notarial, nele não se atesta a veracidade do seu conteúdo»; sendo ainda que, «No tocante ao teor das certidões matriciais, (as que estão desacompanhadas de registo predial) não contêm as virtualidades pretendidas pelo Autor, porquanto, por si só, carecem de qualquer relevância presuntiva da propriedade para efeitos civis (…)»; sem esquecer que a «fotografia do Google junta pelos Réus como Doc 3 de fls 39 demonstra que o des[a]terro feito pelos RR não foi em 2017, já que, pelo menos em 2010, já estava feito tal desaterro, bem como a construção do muro e do pilar feita pelos Réus, é quanto atesta a cópia da imagem em referência, junta pelos Réus»;

c) Salientando também a «prova por declarações de parte do Autor, as quais foram obviamente valoradas com parcimónia, atento o seu manifesto interesse na ação», num esforço de conjugação com prova documental junta;

d) E centrando-se, por fim, na prova testemunhal, com súmula dos testemunhos prestados (depoimento a depoimento), relativamente a todas as testemunhas aludidas, no sentido de clarificar o essencial do que relataram (já deixando menos esclarecido, quanto a todas e cada uma delas, se foram, ou não, convincentes e porquê).

Daí que se tenha concluído no anterior acórdão deste TRC:

«(…) claro se torna – salvo sempre todo o devido respeito –, perante a sentença agora em crise, quanto a cada um dos referidos factos objeto de impugnação recursiva – sejam os dados como provados ou os não provados –, que não logrou o Tribunal a quo esclarecer, sustentado em análise crítica e conjugada, quais as concretas provas que foram determinantes para a formação da sua convicção.

Por isso, fica sem se saber, por exemplo, em que concretas provas produzidas (mormente depoimentos testemunhais, sendo o caso) sustentou o Julgador a sua convicção no sentido de terem ocorrido – convicção positiva – os factos de cada um daqueles pontos 16, 18, 19 e 21 a 27.

E, do mesmo modo, quais as concretas provas – ou falta delas, e em que exatos termos – que foram decisivamente influentes, em imprescindível análise crítica (por legalmente imposta, atento o disposto no art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPCiv.), para formação da adotada convicção negativa quanto à lista de impugnados factos julgados como não provados.

Este mencionado – já claramente invocado pela parte recorrente – deficit/insuficiência de fundamentação da convicção probatória, verificado in casu, obriga à baixa do processo, para fundamentação adequada, concreta e coerente pela 1.ª instância quanto a esta específica factualidade, que, objeto de impugnação recursória, se reveste de essencialidade para a decisão da causa, atento o que nesta foi peticionado, âmbito em que vem impugnada a decisão de improcedência dos autos» ([12]).

Ora, vista a sentença entretanto proferida – e agora recorrida –, contata-se que o Tribunal a quo procedeu ao esforço exigível/suficiente de fundamentação da convicção mediante a análise crítica e conjugada das provas produzidas.

Assim, não deixou de anotar que, analisada e valorada toda a prova relevante – documental, por declarações de parte do A./Recorrente e testemunhal, a que aludiu em concreto –, a tese do demandante, quanto aos factos tendentes a demonstrar que a «parcela do logradouro – alegadamente ocupada pelos Réus – é parte integrante do artigo rústico ...37», que, por isso, «os Réus deveriam ser condenados a desocupar, restituir (…), foi matéria que não ficou demonstrada», isto é, cuja prova afirmativa não logrou convencer o Julgador, o que traduz uma opção, neste particular, em termos de fundamentação da convicção, não pela dita tese, mas pela tese fáctica contrária, para o que necessário seria evidenciar as razões dessa opção no plano fáctico/probatório.

Pode, a respeito, ler-se na sentença:

a) Quanto às declarações do A.:

«Em termos de delimitação, o Autor não especifica, nem comprova o ponto preciso da confluência do prédio dos RR com o seu.

As convocadas “escrituras” que o Autor sistematicamente menciona é por um lado, da escritura de justificação (Doc7), que na suas palavras consubstanciou a “doação” que o seu tio EE lhe fez do terreno em apreço, já aquelas que serviram de base para fazer o “levantamento do antigamente”, trata-se das escrituras “das partilhas”.

Por isso, que neste particular, se conclui que o Autor nada declarou de convincente e/ou produtivo relativamente às razões pelas quais promoveu a existência destes artigos matriciais e de registos, por simples levantamento, pois tal não revela, a final, a existência concreta do terreno, tal como ele o pretende ver configurado.

As áreas e a delimitação são coisas distintas: a dimensão em causa não determina, só por si, a delimitação da estrema no local pretendido pelo Autor.

Ademais, não foram demonstrados factos que nos conduzam à verificação de qualquer dos carateres da posse constitutivo da usucapião, na medida em que não se apurou nem provou que os atos de posse praticados sobre o prédio do A. se dirigisse à parte da parcela em litigio configurada pelo Autor no seu articulado.

Senão vejamos, no tocante às razões pelas quais o Autor teve (ou não) de promover a existência de 3 artigos matriciais, os seus esclarecimentos dos factos, relativamente aos quais, diga-se, deveria ter conhecimento direto, acabaram por se revelar parcos e muito conclusivos, em nada contribuindo para a delimitação concreta da parcela do terreno de que se arroga proprietário: o Autor nunca respondeu diretamente a algumas das perguntas que lhe foram feitas (entre outros, sobre confrontações) e respondeu sempre de forma evasiva referindo que “fez tudo como o tio lhe disse e que passou o terreno para o seu nome”. Chegando tudo a parecer tratar-se de uma “realidade virtual”, criada documentalmente, mas que nunca, anteriormente, teve qualquer suporte prático. Os atos de posse, da banda do Autor, limitaram-se à referência a uma cerdeira, com silvas à volta, um barraco onde o tio TT (conhecido por UU) metia lenha, com autorização do tio EE.

Chega-se assim à conclusão que o Autor não logrou estabelecer certeza sobre a área correspondente a cada um dos prédios, mais precisamente, a efetiva dimensão/extensão/configuração física integral de cada um deles, tendo resultado das suas declarações, desde logo, haver incerteza quanto à definição da linha divisória – estrema – entre os dois prédios. O Autor chega mesmo a admitir que a linha divisória das duas propriedades (do A. e dos RR.) poderá ter “uma diferença mínima” de 20 cm ”.

Tudo para concluir que estes factos denotam incertezas quanto à exata localização da linha divisória.

O levantamento (topográfico) com referência ao prédio que hoje o Autor se arroga ser de sua pertença e que teria servido para a escritura de justificação, não prova que o mesmo se situa geograficamente com as caraterística, configurações de que o mesmo se arroga, nem que se encontre delimitado como invoca: repare-se o “marco” de que tanto se fala teria lá sido colocado pelo seu tio quando, recentemente, procederam ao desaterro da propriedade. E quando questionado sobre se a área que reivindica está entre o muro e o pilar que lá se encontram, respondeu de forma evasiva “que está conforme com o alinhamento e a barroca”.

Daqui resulta que as declarações de parte do A. se revelaram de escasso valor probatório em geral, conforme já referimos.»;

b) Quanto a testemunhas arroladas pelo A.:

«Já se analisarmos o teor das prestações probatórias das restantes testemunhas, as mesmas revelaram-se de pouca importância para o esclarecimento dos factos, porquanto pouco adiantam para além daquilo que já resultava quer do teor dos documentos, quer do acordo das partes, quer da lógica das coisas, sendo mesmo de enfatizar que são manifestas as contradições entre os depoimentos das testemunhas do A. que não tiveram posição convergente, no que concerne, nomeadamente, ao espaço que sendo ocupado pelo “UU”, por tolerância do cunhado EE e ao seu comportamento, quando o R. BB comprou as parcelas (à DD e ao LL).

Na sua maioria, estas testemunhas eram pessoas idosas, familiares do A., que ao tempo da partilha, sabiam para quem tinha ficado a caber as parcelas de terreno por morte de VV. Este deixou uma parte a SS, que por sua vez, deixou ao seu filho EE, tio do Autor que os deixou para este e lhe pediu para os passar para o seu nome. Mas não admira que muitas destas testemunhas tenham conseguido falar da partilha e daquilo que ficou a caber a cada um dos familiares, mas que agora nada saibam explicar sobre a configuração atual dos prédios, quanto à parcela reivindicada, tendo por referência o processo de justificação.

Tanto mais, quando o Autor sustenta uma versão agora baseada nessa justificação notarial cujo teor estas testemunhas desconhecem.

Pelo menos denotou-se que a maioria das testemunhas, por serem idosos (tanto do lado do A. como dos RR), revelavam dificuldade em esclarecer ou descrever a atual realidade.

Outros depoimentos mostraram-se inócuos, por não ter conhecimento direto dos factos com interesse para a causa, limitando-se a repetir aquilo que já tinha sido dito em audiência de julgamento.» (destaques aditados);

c) Quanto, especificamente, a factos não provados:

«(…) as respostas negativas dos factos não provados tem a sua razão de ser em não ter sido produzida prova bastante da sua realidade, nomeadamente, por decorrência da análise crítica dos documentos que visavam sustentar a versão que se considerou não provada e por nada ter resultado da prova testemunhal que permitisse sustentar tal versão.

Cabia ao A., agora que reivindica aquela parcela em litigio, a prova dos elementos da posse conducentes à aquisição do imóvel por usucapião, com a configuração e delimitação que alega.

Perspetivando a especificidade do caso presente, conclui-se que não se logrou estabelecer certeza sobre a configuração física e efetiva extensão do limite da propriedade do Réu na parte que ora reivindica e diz estar ocupada pelos RR. desde logo quando há incerteza quanto à delimitação da linha divisória entre os dois prédios, quando é o próprio A. a admitir que até pode haver “uma diferença de cerca de 20 cm” (a favor dos RR.)».

Assim sendo, resultam agora suficientemente evidenciadas, perante a operada análise crítica e conjugada da prova produzida, as razões probatórias pelas quais se optou pela versão fáctica veiculada pelos RR., em detrimento, pois, da vertida nos autos pelo demandante, tratando-se, como se perceciona, de versões opostas/conflituantes, o que obrigava a optar por uma delas.

Donde que tenha a 1.ª instância sinalizado, na fundamentação da sentença ora apelada, o percurso lógico e crítico necessário a deixar evidenciadas as razões da sua opção no plano fáctico/probatório, permitindo o controlo e a impugnação recursiva pelas partes – sabido que o A./Recorrente não deixou de deduzir extensa impugnação quanto à decisão de facto – e a sindicância recursiva de facto pela Relação.

Em suma, improcedendo as conclusões do Recorrente em contrário, não se verifica agora falta de análise crítica e conjugada das provas, nem quebra no dever de fundamentação da decisão da matéria fáctica, mormente quanto à factualidade sob impugnação recursiva, aquela sobre que cabe tomar posição no recurso.

C) Do erro de julgamento quanto aos factos sob impugnação

Cabia ao A./Recorrente, observando os ónus legais a que alude o art.º 640.º do NCPCiv. – incluindo o respetivo n.º 2, al.ª a), na parte em que se suporta em prova pessoal, objeto de gravação áudio –, mostrar o erro de julgamento do Tribunal a quo ao optar, como visto, pela versão fáctica trazida aos autos pelos RR. (dando os correspondentes factos essenciais como provados), em detrimento da vertida pelo demandante, cuja factualidade acabou relegada, no essencial, para o elenco dos factos dados como não provados.

Vejamos se o logrou conseguir, sabido que, por um lado, os factos a considerar são os já enunciados supra, e, por outro lado, tratando-se de versões factuais opostas, somente uma delas poderia, sob pena de insanável contradição, merecer credibilidade e acolhimento pelo Julgador.

Começa o Apelante por argumentar que o ponto 12 dado como provado é contraditório com os documentos n.ºs ... e ...0 juntos ao processo e com o ponto fáctico 4, para além de nenhuma prova testemunhal ter sido produzida a respeito (conclusões 24.ª e 25.ª).

Ora, cabe dizer que tais documentos se reportam a cadernetas prediais (fls. 15 e seg. do processo físico), por isso de âmbito e natureza estritamente tributários, o que não lhes confere a força probatória que o Recorrente pretende ver reconhecida em termos dominiais, designadamente quanto a confrontações prediais.

Donde que também não se vislumbre incompatibilidade do ponto impugnado (facto 12) com a factualidade referente ao que consta das cadernetas prediais. Com efeito, uma coisa é o teor daquelas cadernetas prediais (documentos de índole tributária e sem significativo valor probatório na discussão sobre o domínio); outra, o que resulta das diversas provas produzidas quanto à situação de uma concreta parcela de terreno em disputa nos autos ([13]).

Âmbito em que tem de contar-se com a prova pessoal produzida, tanto mais que na fundamentação da convicção da sentença ora apelada, também quanto ao dito ponto 12, como resulta implícito – do mesmo modo que relativamente a outros pontos (dados como provados) no sentido da versão apresentada pelos RR. –, se deixou exarado que foram relevantes, para além da prova por inspeção judicial ao local (com as impressões então colhidas e decorrente convicção judicial formada), as declarações de parte do A. e os depoimentos das testemunhas a que o Tribunal conferiu maior credibilidade (as indicadas pelos RR.), tudo em análise crítica e conjugada/global das provas.

Ora, cabia ao Apelante mostrar/evidenciar o erro de julgamento do Tribunal, uma vez que a Relação apenas deverá alterar a decisão da matéria de facto se «a prova produzida» impuser decisão diversa [cfr. art.ºs 639.º, n.º 1, 640.º, n.º 1, al.ª b), e 662.º, n.º 1, todos do NCPCiv.].

Para tanto, não poderia o Recorrente demitir-se de convocar a prova pessoal em que se baseia (a afirmativa da sua versão fáctica), nem, obviamente, aquela em que o Julgador fez assentar a sua convicção ([14]), o que impunha que se observasse a norma imperativa do 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv..

Isto é, o Recorrente teria, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, de «indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso», contemplando, pois, não só as ditas declarações de parte, como ainda os aludidos depoimentos testemunhais – aqueles que considerasse atestarem a sua versão fáctica e aqueles que, a seu ver, foram indevidamente considerados/valorados/eleitos pelo Tribunal a quo.

Só assim, em análise crítica, lograria o Recorrente corresponder ao dito ónus legal imperativo e mostrar o pretendido erro de julgamento, o que o obrigava à dita indicação exata das passagens da gravação áudio implicadas e que haveriam de ser ouvidas e sopesadas pela Relação, posto a esta, devendo, embora, formar a sua própria convicção sobre os factos impugnados, não caber proceder a uma repetição integral do julgamento, nem à audição de toda a prova pessoal ([15]).

Porém, o Recorrente não observou, nesta parte, esse ónus legal imperativo, limitando-se a referir, de forma totalmente vaga, nas suas conclusões, que «nenhuma prova testemunhal foi produzida acerca de tal facto dado como assente» (cfr. conclusão 25.ª).

E também na motivação do recurso se quedou, outrossim, por essa vaga formulação negativa, termos em que não cumpriu o seu ónus legal de indicação exata de quaisquer passagens da gravação (cfr. fls. 377 e v.º do processo físico), nem sequer apresentando qualquer transcrição de excertos que considerasse relevantes, o que logo obriga à improcedência desta parcela recursiva.

Passando aos impugnados pontos 14 e 15 (cfr. conclusão 26.ª), invoca o Recorrente, a seu favor, apenas o depoimento da testemunha EE – passagem da gravação de «00:27:06» a «00:27:28» – e a «fotografia do Google junta pelos RR. como Doc 3 de fls. 39».

Trata-se de materialidade referente a um desaterro em 2007, bem como edificação coeva de um muro e colocação de um pilar em granito (pelos RR.).

Ora, é notório que o Tribunal recorrido fundou a sua convicção, nesta parte, essencialmente em prova testemunhal indicada pelos RR., à qual conferiu maior credibilidade – quanto à factualidade dada como provada – do que à prova pessoal oferecida pelo A./Recorrente.

Ouvido neste TRC o depoimento da testemunha EEpassagem da gravação mencionada –, contata-se que esta testemunha, aludindo, quanto a tais obras, a que «Só fez quando comprou ao LL» (cfr. motivação de fls. 378 do processo físico), acabou por afirmar que «Não sabe quando comprou ao LL».

Donde que não possa ter-se por descredibilizada a posição do Tribunal recorrido quando, em análise ao depoimento desta testemunha, em conjugação com a fotografia exibida e retirada do Google earth, entendeu assim:

«Questionado sobre o ano que foi colocado o pilar, a testemunha respondeu que foi “há 10, 6, 7 anos”. Questionado se foi quando o Réu comprou a parcela à DD, a testemunha respondeu que não, até responder por fim que “não sabia” (quando confrontado com o facto de o Réu ter comprado parcela de terreno e depois ter feito escavações e colocado o pilar) até ser confrontado com a fotografia retirada do Google earth que comprova que pelo menos em 2007 o pilar já estava construído.

Com efeito, a fotografia do Google earth junta pelos Réus como Doc 3 de fls 39 (junta a cores a fls 109) demonstra que o desterro feito pelos RR não foi em 2017, uma vez que dela resulta que, pelo menos em 2007, já estava feito tal desaterro, bem como a construção do muro e do pilar feita pelos Réus, é quanto atesta a cópia da imagem em referência.

Questionado ainda relativamente ao modo como o proprietário LL acedia à sua propriedade (sita nas traseiras daquilo que o Autor diz que é seu) a testemunha deu respostas evasivas e procurando fugir à questão, respondeu “passava por onde lhe apetecia”.

No seguimento daquilo que a testemunha EE diz que era seu, situa-se o terreno que era de LL, certo sendo que a separação (natural) que existia entre ambos – uma barroca – já lá não está.».

Relativamente ao ponto 17 (cfr. conclusão 27.ª), invoca o Recorrente, a seu favor, os depoimentos das testemunhas EE e FF.

Quanto à primeira de tais testemunhas, apresentou o Recorrente a seguinte transcrição da gravação na sua motivação de recurso:

«(…) à pergunta da mandatária dos réus se quando o senhor BB colocou o pilar o Autor se teria insurgido, respondeu” Quando pôs o pilar eu fui logo lá, passei lá, vi-o. Eu ia para um terreno”(00:41:10). “Tenho um souto na parte de baixo, apeteceu-me lá ir ao souto passei lá vi. Meti lá um ferro na extrema na…”(00:41:17) .

Mais lhe foi perguntado, pela referida mandatária, “Pronto mas olhe, mas diga-me uma coisa, o senhor falou com ele?(00:41:41)

Test: “ Falei sim senhor” (00:41:43)

Mandatária RR: “ E o que é que o senhor lhe disse?(00:41:44)

Test: “Que aquilo que era meu (imperceptível) e ele sabia bem.(00:41:45)

Mandatária RR: “Que era seu.”(00:41:49)

Test: Quando quis comprar-me (impercetível). (00:41:50)

……

Mandatária RR: “Foi ter consigo ou foi o senhor que lho ofereceu?” (00:42:08)

Test: “ Foi ele que foi ter comigo”(00:42:10)

Mma Juiz: “A diferença também é pouca”

Mandatária RR: “ Sim é pouco Senhora Doutora mas é assim, ninguém vende um terreno há meia dúzia de ano que não é dele há 20. Não é? Ou era ou não era. “(00:42:14)

Test: “ O meu sobrinho não tinha passado para nome dele na altura, portanto ainda era meu. O meu sobrinho só passou mais tarde, já tem mais de 20 anos que eu tinha mandado passar para nome dele” (00:42:28)

De igual modo, referiu quando questionado, se o Autor se manifestou quanto á colocação do pilar, referiu” Não…não aceitou nada. Eu até lhe disse na altura (impercetível. Que fosse lá (impercetível) o pilar, que o partisse…ele sabe bem (impercetível).(00:43:46), referido ainda quando questionado se ele não quis arranjar conflitos, respondeu:” Arranjar conflitos. Porque ele ameaçava (impercetível)

(00:44:06)

(Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 ( 00:27:28) do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s)».

E, quanto à segunda dessas testemunhas, a transcrição que se segue (aludindo a que se trata de «sobrinho do Autor, tendo presenciado diretamente aos factos em causa […] quando os RR. fizeram o desaterro»):

«“Inclusive fomos lá espetar os ferros e ele parou, não fez nada” ( 00:06:16),

Mandatária: “Mas ele já tinha feito aquela parede que estava no fundo”

Test: “Não. Quando desaterrou ainda não.”

Mandatária: “Então quando é que a fez?” (00:06:24)

Test: “Fê-la depois do desaterro.”

Mandatária: “O pilar que lá está?(00:06:31)

Test. : “O pilar foi feito até a um domingo.

Mandatária: “Sim . O pilar foi colocado a um domingo, mas foi logo de seguida?

Test: “Não, não.”

Mandatária: “Então quando é que foi?”

Test: “Houve barulho que o meu tio foi lá, espetámos lá os ferros á frente e atrás e ele parou e depois posteriormente implantou lá o pilar”

(Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s)».

Todavia, o Apelante não deixa impugnada, que se veja, a parte da justificação da convicção do Tribunal recorrido quando este afirma, a respeito, que o próprio A., nas suas declarações de parte, admitiu o seguinte:

«Quanto aos ferros que o Autor insistiu (nomeadamente na inspeção ao local realizada) em querer mostrar para comprovar a delimitação das duas propriedades e que o mesmo tentou desenterrar para o provar, explicou o Autor que foi o seu tio quem lá os meteu quando fizeram o desaterro (isto é há 3 ou 4 anos). Acrescentou que à data, chamou o R. para lhe mostrar (os limites) mas que “ele não quis saber”.

(…)

Confrontado com o facto de os RR terem feito o desaterro há 10 ou 12 anos (embora na Petição inicial se refira “no ano passado”) o Autor diz que reagiu, por o R. ter “tirado os ferros dos marcos” e que “não tinha nada que tirar”.

Confrontado ainda com o facto de os RR terem feito um muro e colocado um pilar pelo menos há 12 anos e porque é que o Autor não o deitou abaixo e não o obrigou logo a repor, o autor respondeu que foi “para não entrar logo em conflitos” e que “sempre existiu lá um marco e desapareceu”.

Questionado sobre se a área que ora reivindica, saber esta está ou não entre o muro e o pilar, o Autor limitou-se a responder “está conforme o alinhamento e a barroca” e “o pilar está naquilo que é meu”.» (destaques aditados).

Assim sendo, perante tais retratadas declarações de parte do A./Apelante, matéria que este não deixou impugnada, bem se compreende, salvo o devido respeito, a opção probatória do Julgador nesta parte, apesar do invocado depoimento das duas aludidas testemunhas.

Donde que, também nesta parte, não se mostre que tenha ocorrido qualquer erro de julgamento, sendo razoável, no confronto probatório, a decisão adotada, consabido, ademais, que é a 1.ª instância – e não a Relação – a detentora da total imediação perante a prova de feição pessoal.

Passando ao ponto 18 (cfr. conclusão 28.ª), referente ao arrancamento de marcos pelo A., invoca o Recorrente, a seu favor, os depoimentos das testemunhas EE, GG e FF, insistindo o impugnante em que inexiste qualquer prova – nem tal consta, a seu ver, da motivação da sentença – no sentido de ter o A. arrancado os marcos (designadamente aquando do desaterro levado a cabo por este).

Todavia, resulta expresso na fundamentação da sentença – no âmbito da prova testemunhal – o seguinte:

«NN, genro do R. há 25 anos. Diz conhecer bem aquele local porque fez a escola na ... e ser só um pouco mais velho do que o A. Andou lá a trabalhar na casa dos RR, comprou ultimamente o terreno que era da D DD e que se situa ao lado. Conhece o local por ser sítio de passagem. Antes o seu sogro tinha lá uma “palheirazita” e depois comprou ao lado. O sogro falou com o outro senhor que estava encarregue do negócio, na altura foi o Sr TT de alcunha UU que sabia dos limites porque deixava lá a lenha e tomava conta daquilo, “era o que se via”. Lá para cima estava sujo de silvas.

Ele era mais à frente junto ao caminho. Por ser trolha, a testemunha foi quem fez a casa ao seu sogro (agora é empreiteiro). Segundo o UU a “estrema era de alto a fundo” no sentido de que “o alinhamento vinha de cima”. A propriedade da D. DD começa de Sul para Norte e batia contra o caminho (a Norte), para baixo vinha direito à estrada. O sogro quando comprou não limpou nada praticamente. Deixou o terreno, nunca mais voltou. Foi o Sr TT genro do UU, quem fez o desaterro. O sogro fez logo o desaterro a seguir à compra e fez muro em cima. A testemunha ajudou a fazer o muro e pôs o pilar. Andou lá com o sogro e com QQ também. O A. morava a 50 metros e assistiu aos trabalhos. Nunca o A. ou o EE apareceram a “berrar com ele”.

(…)

Em 2017 houve desentendimentos quando o AA fez desaterro (há 1 ano e pouco). O sogro há 11 anos, logo a seguir à compra já tinha aquilo. Aí a sua sogra chamou a GNR (depois do desaterro).

Diz que o sogro comprou à DD, à vista de toda a gente, nunca houve desentendimentos até ao desaterro.

O sogro quando pôs o pilar, não o pôs logo na estrema porque ele na altura queria fazer mais qualquer coisa, um alpendre e por isso, a testemunha pôs o pilar mais para dentro do limite da propriedade que era dele, mais precisamente, cerca de 70 cm mais ou menos para fazer um alpendre, com um beiral saído. Antes do desaterro estava lá o marco.» (destaques aditados).

Depreende-se que a 1.ª instância fundou, no essencial, a sua convicção, nesta parte fáctica, no depoimento desta testemunha, ligando o desaparecimento do marco ao dito desaterro levado a cabo pelo A./Apelante, sabido ainda que houve lugar a inspeção judicial ao local.

Contrapõe o impugnante com os seguintes elementos de prova, a que alude na sua motivação recursiva:

«A testemunha EE, afirmou que o BB (Réu) “…comprou ao senhor LL “…”depois arrancou o marco (impercetível) “(00:35:06)

Mais referiu que o Réu “Mexeu terra, estava lá uma barroca que descia para baixo e arrasou-a, tomou conta dela.”(00:35:54) e que “ Quando ele desaterrou já o tinha arrasado”( 00: 37:29)

(Depoimento conforme gravação digital de 00:02:05 a 00:46:49 ( 00:27:28) do dia 16/12/2019 das 10h:35m:49s a 11h:36m:25s)

A testemunha GG, afirma ao logo do seu depoimento,

Mandatária: “ Oh dona GG havia marcos a dividir o terreno de…?(00:07:41)

Test: “Havia marcos a dividir os terrenos que ele comprou agora, lá o meu compadre, e havia a barroca que fazia a divisão para baixo.”

Mma Juiz: “Já agora senhora Dra permita-me, e que marcos eram esses? E em que é que consistiam? E se eram visíveis? Se não eram?” (00:08:01)

Test: “ Era sim senhor, era visível era.”

Test: “ Eram umas…pedras tipo lousa. A gente chamava lascas.” (00:08:14)

Mma Juiz: “ E onde é que elas estavam? Está-me a dizer que foi mesmo naquela…no …sítio…?

Test: “Estava encostada ao muro que o meu compadre fez”

Test: “Sim senhora. Onde está aquele muro de blocos.”

Mandatária: “Quantos é que eram D. GG?

Test: “ Do lado dele era um e do outro lado da outra senhora que mora…que eles agora estão em ..., havia outro.”

(Depoimento conforme gravação digital de 00:00:03 a 00:32:55 do dia 16/12/2019 das 11h:37m:29s a 12h:10m:26s)

Também a testemunha FF, sobrinho do Autor, referiu que existia uma cerejeira, que era do Réu, e que “O marco existia ao lado da cerejeira, ele arrancou quando arrancou a cerejeira. Inclusivamente foi metido um ferro no local quando ele parou e não meteu o pilar.” (00:15:50)

(Depoimento conforme gravação digital de 00:00:01 a 00:19:29 do dia 16/12/2019 das 14h:35m:03s a 14h:54m:35s)».

Que dizer?

Dir-se-á que, como já visto, o Tribunal recorrido, no exercício da sua total imediação perante a prova pessoal, não conferiu superior credibilidade à prova testemunhal indicada pelo A., antes acreditando essencialmente na prova, de feição contrária, trazida aos autos pela contraparte.

Trata-se de versões e testemunhos antagónicos, razão pela qual tinha – e tem – de optar-se por dar credibilidade a um dos conjuntos de depoimentos em detrimento do outro.

Aquele Tribunal acreditou, assim, no depoimento da testemunha NN, pelo que cabia ao Apelante mostrar que o relatado por esta testemunha não corresponde à verdade, mormente quanto à ligação estabelecida entre o desaterro levado a cabo pelo A. e o desaparecimento/arrancamento de marco(s).

Ora, não foi isso que o Recorrente fez, antes insistindo na total falta de prova e na ausência de motivação (na sentença) no sentido dado como provado.

Por isso, se limitou a indicar as referidas três testemunhas em contrário.

Subsistem, pois, também aqui, duas versões contrárias, ambas com suporte probatório, não logrando o Recorrente mostrar que ocorreu erro de julgamento ao conferir-se maior credibilidade, no exercício da total imediação perante a prova pessoal, a uma dessas versões e prova testemunhal de suporte.

Num tal horizonte, não cabe a esta Relação – em deficit de imediação (também quanto à prova por inspeção judicial ao local) –, fundada apenas no facto de terem sido invocadas três testemunhas em abono da versão do A., concluir pela existência de erro de julgamento de facto, tanto mais que faltou, do lado do Apelante, um cabal exercício de análise crítica de toda a prova implicada (também do depoimento favorável ao R., para além de dever rebater, o que também não fez, as invocadas insuficiências dos depoimentos das testemunhas apresentadas pelo A., com afetação da sua credibilidade, tudo como salientado na sentença).

Em suma, não pode concluir-se pela existência de erro de julgamento do Tribunal a quo.

Quanto agora aos pontos 19 a 23 (cfr. conclusões 29.ª a 31.ª), referentes à existência e utilização de um caminho de acesso – único acesso – ao prédio dos RR., matéria que foi julgada provada, invoca o Recorrente, a seu favor, os depoimentos das testemunhas EE, GG, II, e JJ, insistindo o impugnante em que inexiste qualquer prova consistente no sentido de permitir determinar as dimensões do caminho ou qualquer outra sua caraterística, posto tal não resultar do depoimento da testemunha KK (a única indicada pelos RR. que depôs sobre tal caminho), nem da realizada inspeção judicial ao local (a Mm.ª Juiz não pode ter visualizado tal facto).

Consta da fundamentação da convicção sobre tal caminho/acesso, com base nas testemunhas arroladas pelos RR., aquelas a que o Tribunal conferiu superior credibilidade (destaques aditados):

«(…) KK (…)

Disse que havia lá um carreirinho, uma barroca junto à casinha (a casota de blocos) e junto à barroca estava um “inclino” e uma cerejeira logo a seguir e entre a cerejeira e esse bocadinho de terra havia um carreirinho de terra “por onde a gente passava” para ir apanhar castanhas ou simplesmente a pé passávamos por aí. Tem 44 anos e nunca passou por outro lado. Passou muito tempo fora daqui, voltou há 10 anos e durante esse tempo nunca lá foi. Quando era miúda, anteriormente, desde os 16 anos, era por ali que ia quando ia apanhar as castanhas, não existindo outra entrada. Por isso, não tem dúvidas, que o acesso que era do seu pai (LL) e que foi vendido a BB é com entrada na Rua ..., seguia rente à casa entre a cerejeira e a casa. Questionada sobre a existência de um carreiro no chão, a testemunha disse que a própria terra era muita batida, tinha as raízes da cerejeira, notavam-se os nós da raiz da cerejeira, tinha de se passar com algum cuidado, pois aquilo tinha alguma inclinação. O próprio bocadinho de terra para o caminho era muito inclinado.»;

«NN, genro do R. (…)

O sogro falou com o outro senhor que estava encarregue do negócio, na altura foi o Sr TT de alcunha UU que sabia dos limites porque deixava lá a lenha e tomava conta daquilo, “era o que se via”. Lá para cima estava sujo de silvas.

Ele era mais à frente junto ao caminho. (…)

Segundo o UU a “estrema era de alto a fundo” no sentido de que “o alinhamento vinha de cima”. A propriedade da D. DD começa de Sul para Norte e batia contra o caminho (a Norte), para baixo vinha direito à estrada.

(…)

O que lhe ensinaram foi “de cima para baixo no alinhamento do Sr LL até ao caminho”.»;

«A testemunha OO (…)

O terreno que comprou é do lado direito. Conhecia o terreno porque andou lá a trabalhar umas vezes e a estrema era direita. Diz que já conhecia aquilo do tempo do TT (pessoa mais velha do que ele, mas seu amigo). Ensinou-lhe as estremas. (…)

A estrema era à direita porque o TT lhe disse. (…) Esta estrema vinha ali até ao caminho, “batem os bocados todos ali no caminho”. O cunhado fez obras, construiu galinheiros no terreno que comprou á DD, fez um muro e vedou aquilo. Desaterram cá e baixo e pôs lá um pilar, a 70 cm para deixar estrema livre.»;

«PP (…)

O Sr TT tinha lá lenha e foi ele quem ensinou e disse que era para ali. (…) Rente ao caminho havia lenha. Atrás havia silvas, andamos lá 2 ou 3 dias. O Sr TT foi lá todos os dias e sabia que o R. tinha comprado à DD. Estava a falar da estrema (ouviu). (…)

Mais tarde o seu tio desaterrou e fez muro para sequeiro e pilar; está lá há mais de 10 anos (…).».

Todavia, o impugnante, na sua motivação de recurso, deixa esclarecido, desde logo, que «não foi feito qualquer pedido quanto à constituição por usucapião, de uma servidão de passagem a pé, a favor do prédio dos Réus», não bastando «unicamente a menção a tal facto, para a constituição daquela» (cfr. fls. 381 v.º do processo físico).

E, na verdade, se é certo que os RR. alegaram a respetiva factualidade na sua contestação, não deduziram reconvenção, nada pedindo a este respeito, posto se terem limitado a concluir o seu articulado com a pretensão de que a ação fosse julgada totalmente improcedente, com absolvição plena em conformidade.

Na sentença, de que recorre o A., apenas se julgou a ação improcedente, com absolvição dos RR. de todos os pedidos, sem considerar, na fundamentação de direito, este factualismo referente a uma eventual servidão de passagem com constituição por via de usucapião.

Assim sendo, a dita factualidade – que o A. impugna na via recursiva, mas começando, aliás, por a considerar, implicitamente, irrelevante para a decisão da causa e do recurso – não colhe qualquer relevância para a solução do pleito, vistos os pedidos da ação, os únicos que estão em causa, e os fundamentos jurídicos eleitos na sentença.

Termos em que, por irrelevante, inútil seria conhecer nesta parte da impugnação da decisão de facto – e julgar o factualismo mencionado como não provado –, estando vedada ao Tribunal ad quem a prática de atos inúteis.

Embora inexista norma expressa na lei adjetiva a afirmar que a Relação não conhecerá da impugnação da decisão relativa à matéria de facto quando esta for irrelevante para a decisão do recurso, tal solução resulta quer da natureza instrumental da decisão de facto, quer da norma do art.º 130.º do NCPCiv., que proíbe a prática no processo atos inúteis.

Pelo exposto, não se conhece da impugnação da decisão relativa a esta matéria de facto.

Restam os impugnados factos julgados não provados.

Cabe dizer, desde logo, que à parte fáctica da sentença apenas devem ser levados factos (cfr. art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.), com exclusão, pois, de valorações jurídicas ou conclusões de direito, posto estas últimas só deverem ter assento na fundamentação jurídica da sentença, à luz da factualidade que tenha sido julgada provada e do direito aplicável. Doutro modo, misturando-se os factos com o direito, cair-se-ia no risco de decisão do caso fora do âmbito próprio, isto é, encontrar-se a solução do pleito no quadro dos factos, desde logo, tornando inútil a fundamentação jurídica da sentença.

Assim, o lugar da matéria de direito não poderá ser nem entre os factos declarados provados nem entre os julgados não provados – embora a lei adjetiva atual não contenha uma norma como a do n.º 4 do art.º 646.º do CPCiv. revogado, segundo a qual se tinham por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, é de continuar a afirmar esta solução, à luz da lei atual, visto o disposto no n.º 4 daquele art.º 607.º, ao dispor que o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.

Assim, quanto à parte impugnatória ora em apreciação, são de considerar não escritos os seguintes segmentos julgados não provados na decisão em crise:

- “Que aos poucos os RR. tem-se apoderado do espaço pertencente ao prédio do Autor”;

- “Que os RR. se têm vindo a apropriar de cerca de 19 m2 do terreno (artigo rústico ...39)”;

- “Que com os factos provados em 9) e 10) os Réus, tentam incorporar no seu prédio parte do prédio do Autor, com cerca de 19m2”;

- “Que os Réus circulam dentro do prédio do Autor, bem como, colocam aí o seu trator agrícola”.

Quanto ao remanescente, que não contenha matéria de direito (conclusões/valorações jurídicas sobre o domínio), deve dizer-se que o juízo negativo (de não provado) da 1.ª instância é coerente com a valoração probatória que se viu ter prevalecido em sede de decisão da matéria de facto (quanto aos factos provados, como já analisado), com o Julgador a conferir maior credibilidade à prova pessoal oferecida pelos RR., em detrimento da carreada pelo A..

Valoração probatória essa da 1.ª instância que não resultou invertida no recurso – por o A./Apelante não ter mostrado existir erro de julgamento de facto –, o que logo implica que também não se proceda a alterações nesta parte, que seriam conflituantes ou dissonantes em face da decisão quanto aos factos provados, assim se mantendo a coerência do conjunto.

Donde que também não possa proceder esta parcela impugnatória.

D) Matéria de facto

1. - Efetuada a sindicância recursiva pela Relação, é considerada provada a seguinte factualidade:

«1- Encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial ... os seguintes prédios:

a) sob o número 5669/...13, o prédio rústico composto por terreno agrícola, situado em ..., freguesia e concelho ..., com a área de 93 m2, a confrontar do norte e nascente com WW, do Sul com Caminho e do poente com XX e inscrito na matriz sob o artigo ...39;

b) sob o número 5670/...13, o prédio rústico composto por terreno agrícola, situado em ..., freguesia e concelho ..., com a área de 63 m2, a confrontar do norte com caminho público, do sul com WW e YY, do nascente com WW, e do poente com XX e inscrito na matriz sob o artigo ...37;

c) sob o número 5671/...13, o prédio rústico composto por terreno agrícola, situado em ..., freguesia e concelho ..., com a área de 25 m2, a confrontar do norte com caminho público, do sul com WW e YY, do nascente com WW, e do poente com XX e inscrito na matriz sob o artigo ...38; (cfr Docs 1 a 6 de fls 10 v a 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2) No dia 13 de Setembro de 2017, na Conservatória do Registo Predial ..., no âmbito do processo especial de justificação para primeira inscrição, o Autor requereu o reconhecimento do direito de propriedade a seu favor sobre os 3 prédios supra indicados em 1), alegando: estarem omissos na conservatória do registo predial, “que possui os prédios, que adquiriu por doação verbal nunca formalizada, desde ano de 1976, e por isso há mais de vinte anos, em nome próprio e com o ânimo de quem exerce direito próprio, à vista de toda a gente, de forma ininterrupta e pacífica, sem oposição de quem quer que seja, do mesmo retirando todas as suas utilidades. Que pretende o registo de propriedade a seu favor, pelo que não dispondo de qualquer título que lhe permita obter primeira inscrição de aquisição, recorre ao processo especial de justificação e invoca a usucapião como causa de Aquisição.”

3) Transitada em julgado a decisão proferida no processo indicado em 2), pela apresentação 357 de 2017/09/13, foi registada a aquisição a favor do Autor dos 3 prédios aludidos em 1) por usucapião (conforme documento ... de fls. 13 v, 14 e 14 v dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4) Da caderneta predial urbana emitida em 24-04-2018 consta a inscrição do art. ...12, da freguesia e concelho ..., moradia unifamiliar constituída por rés de chão, andar e sótão, destinando-se o rés-do-chão a habitação com garagem contígua, e sendo titulares o ora Réu BB (cfr Doc 8 de fls 15);

5) Da caderneta predial urbana emitida em 09-03-2018 consta a inscrição do art. ...68 da freguesia e concelho ..., terreno de mato, a confrontar do norte com caminho, do sul com LL, do nascente com ZZ, Herd, do poente com LL, sendo titulares o ora Réu BB (doc. ...).

6) Da caderneta predial urbana emitida em 04-05-2018 consta a inscrição do art. ...69 da freguesia e concelho ..., terreno de mato com 1 castanheiro, a confrontar do norte com EE, do Sul com AAA e outro, do nascente com ZZ, Her., do poente com BBB, sendo titulares LL (doc. ...0).

7) o prédio indicado em 6) adveio à propriedade dos Réus;

8) os Réus reconstruíram junto da sua casa de habitação um barracão, com uma porta individual, e uma porta de garagem viradas a poente (cfr fotografia Doc 12 de fls 17 v).

9) o Réu chegou a estacionar um trator agrícola com uma caixa atrelada na parcela em litígio (cfr Doc 17 de fls 20).

10) os Réus chegaram a colocar um reboque de um trator agrícola na parcela em litígio (cfr Docs 18 e 19).

11) Em Maio de 2017, o Autor fez um desaterro da parcela a poente do prédio dos Réus.

12) A pequena parcela de terreno que se situa a poente do prédio dos Réus inscrito na matriz sob o artigo ...68º e a norte do seu prédio inscrito na matriz sob o artigo ...69º, confronta de norte com o caminho, sul com LL, agora ora Réus, artigo matricial ...69º, nascente com Réus, prédio que adquiriram a DD, artigo 5468º e de poente com uma construção de blocos, com um telhado em telhas de barro, com duas águas.

13) Pela apresentação 12 de 2008/09/03, foi registada a aquisição, a favor do Réu BB, casado com CC, do prédio aludido em 5) por compra, inscrito na matriz sob o artigo ...68º e descrito na ... de ... sob o número 3706/...05 (cfr Doc 2 de fls 37 verso).

14) Em 2007, os réus, procederam ao desaterro da parte mais a norte do prédio que haviam adquirido a DD, artigo 5.468º, junto ao caminho, a fim de fazerem uma entrada e releixo para o barracão (indicado em 8) que possuem a nascente deste.

15) Nessa altura, os Réus fizeram na parte mais a sul do desaterro, um muro de suporte de terra e a norte, a cerca de 75 cm do limite poente da parcela em litígio, colocaram um pilar em granito (retratado nas fotografias juntos pelo autor).

16) Tal pilar ficou a cerca de 75 cm centímetros do limite poente do seu prédio com a referida parcela de terreno, por os Réus pretenderem construir um telheiro a assentar nesse pilar, com um beiral para fora do mesmo e, para fora do muro de suporte de terras e do pilar, colocar um cano para escoamento da água, devido à inclinação do prédio, sul/norte.

17) Nunca antes da data de 2017 (indicada em 11), por altura do desaterro feito pelo Autor da parcela a poente do prédio dos Réus), o Autor afirmou que os Réus ocupavam o que quer que fosse desse prédio.

18) Antes de o autor fazer o desaterro, em 2017, os marcos que dividiam os prédios dos Réus – artigos 5468º e 5469º, da parcela em litígio – estavam no local e foram arrancados pelo A.

19) Desde sempre, o acesso ao prédio dos Réus antes pertencente a LL, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...69º, se fez pelo prédio que lhe fica a norte.

20) Por um caminho que se iniciava a norte junto ao caminho público, segue para sul, paralelamente à construção que a poente o margina, até atingir a sul o referido prédio, numa extensão de cerca de 6 metros de c[o]mprimento por 1,5 metros de largura.

21) Este caminho até ao desaterro feito em maio de 2017 pelo autor, revelava-se, de forma clara delineado em toda a sua largura e extensão, por sinais bem visíveis e permanentes de terra batida bem calcada, pela passagem das pessoas ao logo dos tempos.

21) de forma ininterrupta, à vista de toda a gente, e, pacificamente e sem oposição de ninguém [NUMERAÇÃO REPETIDA].

22) Os réus passam na sobredita parcela de terreno quando querem aceder ao seu atrás identificado prédio, sendo este o seu único acesso.».

2. - E resulta julgado não provado:

«- que os artigos descritos no artigo 1º da P.I., eram um prédio único, que foi dividido derivado à passagem de dois caminhos e que fosse isso que deu origem a três artigos diferenciados, (conforme doc. nº ...1).

- que as portas do barracão indicado em 8) estão viradas diretamente para uma parte de terreno que seja do A..

- que os RR. colocaram um pilar em pedra, dentro do prédio do Autor (cfr Docs 13 e 14).

- que nas fotografias juntas como Docs 13 e 14 se pode verificar o limite da propriedade do Autor (sinalizado com “a)”) bem como a parcela do terreno ocupado pelo Réu.

- que foi em maio de 2017, na altura em que o Autor fez um desaterro no seu prédio que os Réus colocaram para além do pilar, um amontoado de blocos, pedras, paralelos, bem como, uma pedra em granito junto ao pilar, com o fim de delimitar a propriedade, conforme se pode verificar pelas fotografias que se juntam sob o doc. nº ...5 e ...6.

- que os RR. vêm retirando os marcos divisórios que se encontravam a delimitar os prédios, sem mais.

- que tais obras são recentes (por reporte à data da P-I-).

- que os Réus aproveitam quando o Autor não está presente e sabem que aquele se encontra a trabalhar, para praticar tais atos abusivos, deparando-se o Autor com o facto já consumado.

- que esta situação inesperada, causou ao Autor sérios aborrecimentos e arrelias.

- que quando se dirigiu aos Réus para desocuparem a parcelo do prédio ocupada, só recebeu daqueles insultos e críticas insidiosas, bem como ameaças.

- que a vida do Autor desde então, começou a ser pautado por provocações constantes por parte dos RR..

- que as provocações se agravaram desde que o Autor fez o desaterro no seu terreno, em Maio de 2017.

- que o Autor se depara diariamente com a ocupação que o Réu se encontra a fazer.

- que com este comportamento os Réus causaram arrelias, inquietações e mal-estar ao Autor.».

E) O Direito

1. - Da titularidade do domínio pelo A./Apelante

No âmbito da sua reivindicação, o A./Recorrente começava por peticionar, na ação, a declaração do seu pretendido domínio (sobre os imóveis descritos no art.º 1.º da petição), com condenação dos RR. a reconhecê-lo, incluindo a parcela de terreno em disputa, com desocupação e restituição pelos RR., seguida ainda de colocação de marcos divisórios.

No recurso, uma vez julgada improcedente tal ação, veio o Apelante, sustentado na expetativa de sucesso da sua impugnação (aliás, extensa) da decisão de facto, com decorrente alteração substancial do quadro fáctico tecido na decisão recorrida – quanto a factos dados como provados e outros dados como não provados –, pugnar pela demonstração do seu invocado direito de propriedade (conclusão 46.ª).

Assim, defende o Recorrente que a titularidade do direito dominial fica demonstrada, através da prova produzida, mostrando que os prédios pertenceram à herança de SS e mulher, CC, que os transmitiram a EE, tendo vindo posteriormente à posse do A., por doação daquele (conclusão 47.ª).

Como se viu, a factualidade provada não sofreu qualquer alteração nesta via recursiva, sendo, pois, à sua luz, que importa decidir o caso.

O A./Recorrente invocou, para ilustrar o seu domínio quanto a três prédios, incluindo a faixa de terreno do dissídio, a aquisição por via de usucapião e a presunção derivada do registo definitivo de aquisição.

Quanto à pretendida aquisição por via de usucapião, nada na factualidade provada mostra a existência, a favor do A./Apelante, de uma posse, decomposta num corpus e num animus, exercida, em exclusivo, pelo lapso de tempo legalmente imposto e com as caraterísticas da publicidade, continuidade e pacificidade, seja quanto aos ditos prédios, seja, especificamente, quanto à faixa/parcela de terreno em disputa.

Por isso, não pode esta causa de aquisição originária do direito de propriedade ser aqui reconhecida, por falta de factos concludentes de suporte, tanto mais que os RR. deduziram cerrada impugnação em sede de contestação, sabido ainda que o ónus probatório respetivo cabia ao demandante (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Mas o A. invoca ainda, como visto, a presunção derivada do registo.

E dispõe o art.º 7.º do CRegPred. que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define”, pelo que seria de presumir, deixando de parte agora a parcela em disputa, que o direito de propriedade sobre os prédios em questão nos autos existe e pertence ao A..

Isto, por ser sabido que quem tem a seu favor a presunção legal não tem de provar o facto a que ela conduza (n.º 1 do art.º 350.º do CCiv.), o que levaria a que o A. estivesse dispensado de provar o facto aquisitivo do direito de propriedade sobre aqueles prédios.

Caso em que caberia aos RR. ilidir tal presunção mediante prova em contrário (n.º 2 do art.º 350.º do CCiv.), visto que o artigo 7.º do CRegPred. não proibia tal prova. A prova em contrário implicava a demonstração de que o A. não era o proprietário dos prédios em questão, ou por nunca o ter sido ou por, tendo-o sido, já haver perdido tal qualidade.

No entanto, estamos perante registo fundado em processo especial de justificação (factos 2 e 3 do quadro provado).

Nesse âmbito, invoca o Recorrente o disposto nos art.ºs 116.º, n.º 1, do CRegPred. e 89.º, n.º 1, do Cod. Not..

Ora, nos termos do art.º 89.º do Cód. Not. (aprovado pelo DLei n.º 207/95, de 14-08:

«1 - A justificação, para os efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição e referindo as razões que o impossibilitam de a comprovar pelos meios normais.

2 - Quando for alegada a usucapião baseada em posse não titulada, devem mencionar-se expressamente as circunstâncias de facto que determinam o início da posse, bem como as que consubstanciam e caracterizam a posse geradora da usucapião» (itálico aditado).

Por sua vez, o n.º 1 do art.º 116.º (quanto a justificação relativa ao trato sucessivo) do CReg.Pred. (aprovado pelo DL n.º 224/84, de 06-07) estabelece que o «adquirente que não disponha de documento para a prova do seu direito pode obter a primeira inscrição mediante escritura de justificação notarial ou decisão proferida no âmbito do processo de justificação previsto neste capítulo» (destaques aditados).

E do art.º 117.º-H («Instrução, decisão e publicação») do mesmo Cód. resulta:

«1 - Os interessados podem deduzir oposição nos 10 dias subsequentes ao termo do prazo da notificação.

2 - Se houver oposição, o processo é declarado findo, sendo os interessados remetidos para os meios judiciais.

3 - Não sendo deduzida oposição, procede-se à inquirição das testemunhas, apresentadas pela parte que as tenha indicado, sendo os respetivos depoimentos reduzidos a escrito por extrato.

4 - A decisão é proferida no prazo de 10 dias após a conclusão da instrução e, sendo caso disso, especifica as sucessivas transmissões operadas, com referência às suas causas e à identidade dos respetivos sujeitos.

5 - Os interessados são notificados da decisão no prazo de cinco dias.

6 - Tornando-se a decisão definitiva, são efetuados oficiosamente os consequentes registos.

7 - A decisão do processo de justificação é publicada, oficiosa e imediatamente, num sítio na Internet, em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça».

Quanto à impugnação da decisão proferida neste âmbito, deve considerar-se a seguinte normação legal (com destaques aditados):

«Artigo 117.º-I

Impugnação judicial

1 - O Ministério Público e qualquer interessado podem recorrer da decisão do conservador para o tribunal de 1.ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória onde pende o processo.

2 - O prazo para a impugnação, que tem efeito suspensivo, é o do artigo 685.º do Código de Processo Civil.

3 - A impugnação efetua-se por meio de requerimento onde são expostos os respetivos fundamentos.

4 - A interposição da impugnação considera-se feita com a apresentação da mesma no serviço de registo em que o processo se encontra pendente, a qual é anotada no diário, sendo o processo remetido à entidade competente no mesmo dia em que for recebido.»;

«Artigo 117.º-J

Decisão do recurso

1 - Recebido o processo, são notificados os interessados para, no prazo de 10 dias, impugnarem os fundamentos do recurso.

2 - Não havendo lugar a qualquer notificação ou findo o prazo a que se refere o número anterior, vai o processo com vista ao Ministério Público.»;

«Artigo 117.º-L

Recurso para o tribunal da Relação

1 - Da sentença proferida no tribunal de 1.ª instância podem interpor recurso para o tribunal da Relação os interessados e o Ministério Público.

2 - O recurso, que tem efeito suspensivo, deve ser interposto no prazo de 30 dias.

3 - Para além dos casos em que é sempre admissível recurso, do acórdão da Relação cabe, ainda, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos seguintes:

a) Quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

b) Quando estejam em causa interesses de particular relevância social;

c) Quando o acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.».

Resulta das normas expostas que, quando alguém pretende registar um prédio em seu nome e não disponha de título que lhe permita efetuar esse registo, pode obtê-lo através de uma escritura de justificação notarial ou, como no caso, através do processo especial de justificação para primeira inscrição.

Como dito no n.º 1 do art.º 89.º do Cód. Not., antes reproduzido, a justificação consiste numa declaração feita pelo próprio interessado através da qual este deve afirmar que é titular do direito que invoca e deve descrever os factos históricos que lhe conferiram tal direito.

Se se invocar a usucapião, o interessado há de mencionar os factos relativos ao início da posse e as circunstâncias em que essa posse foi exercida e lhe confere o direito invocado.

Verifica-se que não existe qualquer controlo do notário ou de outra entidade relativamente à correspondência entre estas afirmações do interessado e a realidade histórica.

Por conseguinte, dada esta fragilidade, a lei estabelece que este ato notarial possa ser impugnado com vista a inutilizá-lo e impedir que produza os efeitos a que se destina, que são os de levar ao registo predial a descrição do prédio e a inscrição dos direitos sobre ele e identificação dos seus titulares.

A impugnação da escritura de justificação consiste na impugnação dos factos aí declarados como fundadores do direito invocado.

Como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2008, publicado no Diário da República n.º 63/2008, Série I, de 31-03, «Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Código do Registo Predial e 89.º e 101.º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Código do Registo Predial.».

É certo que o «legislador estabeleceu uma providência de natureza excecional – a justificação notarial –, destinada a possibilitar o estabelecimento do princípio do trato sucessivo, sempre que os interessados não disponham de títulos que comprovem os seus direitos» ([16]).

Com efeito, «A justificação, a que alude o artigo 89.º/1 do Código do Notariado, para os efeitos do n.º 1 do artigo 116.º do Código do Registo Predial, consiste na declaração, feita pelo interessado, em que este se afirme, com exclusão de outrem, titular do direito que se arroga, especificando a causa da sua aquisição, e referindo as razões que o impossibilitam de comprovar pelos meios normais» ([17]).

Bem se compreende, pois, que, sendo a ação de impugnação de escritura de justificação notarial uma ação de simples apreciação negativa, seja ao réu que compete a prova do direito (de propriedade) que se arroga.

No caso dos autos, todavia, nem se trata de escritura de justificação notarial – mas do dito processo especial de justificação –, nem de ação de simples apreciação negativa para impugnação da justificação.

No caso, trata-se, pois, de um processo formal, legalmente previsto e tramitado, cabendo a entidade competente a sua tramitação e decisão, podendo esta ser impugnada mediante recurso para os tribunais judiciais, inclusive com possível recurso para a Relação e para o STJ (em certos casos, legalmente previstos).

E não estamos perante uma mera ação de simples apreciação negativa, destinada à impugnação da justificação, posto tratar-se, diversamente, de ação de reivindicação, a que lança mão quem usou daquele processo especial de justificação, cuja tramitação (desse processo especial) desembocou numa decisão favorável do Conservador, a qual se tornou definitiva (“transitou em julgado”), na sequência do que foi registada a aquisição a favor do A..

Assim, a economia dos presentes autos é, salvo o devido respeito, bem diversa, para efeitos probatórios, da que é caraterística da ação de simples apreciação negativa para impugnação da justificação, em que cabe ao demandado o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poder beneficiar da presunção registal.

No caso dos autos, decidido o processo legal, a decisão favorável ao aqui A. tornou-se definitiva, com as inerentes garantias, ou por não ter sido impugnada em recurso ou por ter sido confirmada no plano recursivo/judicial.

Tal caráter definitivo, que permitiu o respetivo registo, implica que também possa operar, nele suportada, a presunção registal, a qual in casu favorece o A., que fica, nessa parte, dispensado do ónus da prova, que passou a impender sobre os RR..

Ora, estes não lograram, ante os factos provados – os únicos a considerar – demonstrar a falsidade da materialidade em que se baseou a mencionada decisão definitiva e do consequente registo.

Por isso, sem quebra do respeito devido pela decisão recorrida e pela posição dos RR., deve proceder, com base na presunção registal – não ilidida – o pedido do A. quanto ao reconhecimento do direito de propriedade sobre os três imóveis a que se reporta, os mencionados em 1, a) a c), dos factos provados.

Sendo certo, todavia – e aqui concorda-se com o exarado a respeito na fundamentação da decisão recorrida –, que a presunção registal não abrange áreas, composição e confrontações ou limites dos imóveis, pelo que estes deveriam ser provados pelo A., e não o foram.

Situação diversa corresponde à faixa/parcela em discussão, posto caber ao A./reivindicante o ónus da prova (art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.) da factualidade tendente a demonstrar que essa porção de terreno, a dever ser adequadamente identificada/delimitada, faz parte integrante de algum daqueles imóveis ou que sobre ela exerceu, por si e antecessores, a necessária posse exclusiva, com verificação de todos os pressupostos de que depende a aquisição respetiva por via de usucapião, ónus esse que não logrou observar, âmbito em que não lhe pode aproveitar qualquer presunção derivada da posse ou do registo, por para tal não haver suporte nos factos nem na lei.

Com o que, tudo ponderado, terá de proceder-se à alteração da sentença em matéria de direito, operando a regra da substituição, a que alude o art.º 665.º, não se impondo ouvir as partes, nos termos do n.º 3 deste preceito legal, por o contraditório já estar cabalmente exercido ao longo do processo, incluindo a fase recursiva, visto o teor das peças processuais de ambas as partes no quadro da apelação.

2. - Da conformação final dos pedidos

Em suma, deve proceder a ação – com revogação nesta parte da sentença absolutória – quanto ao domínio dos três aludidos prédios registados, muito embora a presunção registal fundante não inclua, como dito, exatas áreas, composição e confrontações/limites imobiliários ([18]), mas apenas «os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios», isto é, apenas «os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição», aqueles sem os quais não se saberia «sobre que coisa incide o facto inscrito», estendendo-se, assim, «à (crucial) existência do próprio prédio objeto do direito», mas já «não à respetiva área, ou, pelo menos, à exatidão desta», sob pena de «se presumir o direito sobre coisa nenhuma» ([19]).

E deve improceder a ação quanto à dita parcela de terreno reivindicada – reconhecimento do domínio, desocupação e restituição, com retirada de materiais/edificações/bens –, âmbito em que subsiste o juízo absolutório da 1.ª instância.

Muito embora conclua pela procedência da ação e dos respetivos pedidos (cfr. conclusão 72.ª), tal como apresentados na petição (assim consta do petitório recursivo), o certo é que o Recorrente nada esgrimiu, nas suas conclusões, quanto aos fundamentos que levaram à improcedência dos demais pedidos da ação, não os deixando, por isso, postos em causa, em nada os rebatendo, razão pela qual nada mais cumpre apreciar nesta parte no âmbito da apelação, ficando, por isso mesmo, intocada a sentença quanto aos pedidos remanescentes (colocação de marcos, pagamento de quantia indemnizatória e sanção compulsória).

                                                 *

IV – Sumário ([20]):


(…)

***

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na procedência em parte da apelação, em:

a) Revogar a sentença absolutória recorrida no que respeita ao domínio sobre os imóveis aludidos em 1, a) a c), dos factos provados, condenando-se – em substituição ao Tribunal a quo – os RR. a reconhecer o direito de propriedade do A. sobre esses três imóveis, com fundamento na presunção registal, não ilidida, a qual, todavia, não abrange áreas, composição e confrontações ou limites dos imóveis;

b) No mais – incluindo o pedido referente à parcela de terreno em discussão –, na improcedência da apelação, manter a decisão recorrida.

Custas da ação e da apelação pelo A./Apelante e pelos RR./Apelados, na proporção de 1/6 por estes últimos e 5/6 por aquele, por se considerar ser essa a medida do respetivo decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior)

Assinaturas eletrónicas

Coimbra, 10/01/2023

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo                

Fernando Monteiro



([1]) Que se deixam transcritas, com destaques retirados.
([2]) Entendeu ainda a 1.ª instância não estar verificada qualquer invocada causa de nulidade da sentença.
([3]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão de outras.
([5]) Neste âmbito, o Recorrente parece, todavia, continuar a incorrer em lapso de qualificação jurídica, posto fazer radicar o vício em não terem sido indicadas as provas fundantes da convicção, nem efetuado exame crítico de tais provas, para concluir pela existência de «insuficiente fundamentação», o que logo nos reconduz para a norma da al.ª b) do mesmo art.º 615.º (não especificação dos fundamentos da decisão).

([6]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (actual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([7]) E como também já vincado, «Coisa diversa é a (…) causa de anulação da decisão final, no âmbito da modificabilidade da decisão de facto, ao abrigo do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., matéria, aliás, de conhecimento oficioso do Tribunal ad quem.».
([8]) Menor destaque mereceram, todavia, os depoimentos das testemunhas «CCC» e «KK».
([9]) Que o Recorrente pretende que sejam agora julgados como não provados.
([10]) Que deveriam agora ser julgados como provados.
([11]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 242-244.
([12]) Como então se sublinhou, são «consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, sendo que a decisão da matéria de facto é o momento fulcral quanto ao desfecho (final) do processo, pelo que é aí que mais se fazem sentir os imperativos de exatidão, clareza e transparência, que, por sua vez, vão permitir o entendimento/compreensão da decisão (pelas partes/destinatários) e o seu adequado controlo recursivo, a não se compadecer com uma fundamentação insuficiente, ambígua ou obscura».
([13]) Tem, pois, de concordar-se, salvo o devido respeito, com a 1.ª instância quando assevera que, «No tocante ao teor das certidões matriciais, também elas dadas por integralmente reproduzidas (as que estão desacompanhadas de registo predial) não contêm as virtualidades pretendidas pelo Autor, porquanto, por si só, carecem de qualquer relevância presuntiva da propriedade para efeitos civis, apenas gozando de presunções para efeitos fiscais (do CIMI)».
([14]) Cfr., sobre o tema, Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 770, aludindo à necessidade de rebater a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e de tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.
([15]) Não pode, assim, colher a pretensão de «audição de toda a prova testemunhal», aliás muito extensa, nem, do mesmo modo, a reapreciação em globo «de toda a prova produzida» (cfr. conclusão 16.ª), o que se traduziria naquilo a que se poderia chamar, nesta perspetiva, uma “impugnação em bloco”, de conteúdo meramente genérico, no tocante à extensa prova pessoal produzida. Com efeito, é sabido que, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento da específica matéria de facto objeto de impugnação recursiva, para formar a sua própria convicção, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.
Como consta, inter alia, do Ac. STJ de 19/02/2015, Proc. 405/09.1TMCBR.C1.S1 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), em www.dgsi, «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação».
E, como refere Abrantes Geraldes, nesta matéria as exigências legais «devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor», em decorrência do princípio da «auto-responsabilidade das partes», impedindo meras manifestações de «inconsequente inconformismo» (cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 115, 118, 126, 128 e 129).
([16]) Assim, cfr. o Ac. STJ de 19/05/2020, Proc. 47/07.6TVPRT.P1.S1 (Cons. Maria João Vaz Tomé), em www.dgsi.pt..
([17]) Cfr. Ac. STJ de 29/06/2017, Proc. 5043/16.0T8STB.S1 (Cons. Salazar Casanova), em www.dgsi.pt..
([18]) Como o próprio A./Recorrente reconhece (e se acompanha aqui), a justificação ocorrida, «com as declarações que nela foram exaradas, apenas vale para efeito de descrição de prédios na conservatória do registo predial», fundando um operado registo, cuja credibilidade e eficácia «é precisamente a presunção de que existe um direito» (cfr. conclusões 62.ª e seg.).
([19]) Cfr. Ac. STJ de 19/09/2017, Proc. 120/14.4T8EPS.G1.S1 (Cons. Alexandre Reis), em www.dgsi.pt., aliás, invocado pelo aqui Recorrente (conclusão 66.ª), constando textualmente do respetivo sumário: se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do art. 7.º do CRgP, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, os elementos que fazem parte do núcleo essencial da descrição, no sentido de, sem eles, não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito – que não limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal e âmbito –, tal presunção não pode deixar de se estender à (crucial) existência do próprio prédio objecto do direito, ainda que não à respectiva área, ou, pelo menos, à exactidão desta, sob pena de se presumir o direito sobre coisa nenhuma.
([20]) Da responsabilidade do Relator, nos termos do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv..