Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2281/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: COELHO DE MATOS
Descritores: EXECUÇÃO; RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CITAÇÃO DE CREDORES
SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 10/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE MONTEMOR-O-VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: AL. D) DO N.º 1 DO ARTIGO 864.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social constitui pessoa colectiva de direito público e deve ser tratado da mesma forma que os demais credores desconhecidos do executado; não deve ser um credor a citar directamente, sendo-lhe permitido reclamar o seu crédito dentro do prazo fixado para os credores desconhecidos
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A Delegação de Coimbra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, instituto público com o número de pessoa colectiva 500 715 505, com sede na Avenida Fernão de Magalhães, em Coimbra, reclamou, em execução pendente no tribunal da comarca de Montemor-o-Velho, um crédito de 13.905,24 euros proveniente de dívida do aí executado à Segurança Social.
Acontece que o tribunal havia citado o reclamante, nos termos do artigo 864.º n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil, para reclamar os seus créditos na dita execução e este veio a fazê-lo, mas para além do prazo de 15 dias referido no n.º 2 do artigo 865.º e a sra. juiz proferiu despacho de rejeição da reclamação do crédito, por extemporânea.
Inconformado o reclamante agravou da decisão, concluindo:
1) A agravante viu a reclamação do seu crédito ser considerada extemporânea.
2) A agravante não tem de ser citada individualmente pelo tribunal, como se extrai do douto despacho de fls. 8 “artigo 864.º n.º1,al. c) do Código de Processo Civil” estando-lhe destinada a citação geral feita aos credores desconhecidos, nos termos do art. 864.º n° 1 al. d) e n° 2 in fine;
3) Ainda que assim fosse, só a partir do momento em que a ora recorrente visse satisfeito o requerido nos autos, em 8 de Maio de 2003, sobre a exacta titularidade dos bens penhorados, imprescindível para a correcta reclamação de créditos a apresentar, é que deveria correr prazo para tal, ou seja, a partir da notificação do douto despacho de fls. 112, de 2 de Julho de 2003;
4) A reclamante e ora recorrente, apesar do terminus do prazo para apresentar a sua reclamação ocorrer em 22 de Setembro de 2003, remeteu-a aos presentes autos em 31 de Julho de 2003, pelo que foi tempestivamente apresentada, devendo consequentemente ser admitida.
5) O douto Despacho recorrido que entendeu como extemporânea a reclamação de créditos da Delegação de Coimbra, foi incorrectamente proferido;
6) Devendo, por isso, considerar-se nulo em relação à recorrente, o douto despacho de tis. 8, que determina a não admissão da reclamação apresentada.
7) Foram portanto violadas as disposições legais constantes do n° 1 ai. d) e da última parte do n.o 2 do art. 864.º do C.P.C.
8) Deverá ser revogada a decisão recorrida, na parte em que considera extemporânea a reclamação de créditos da Delegação de Coimbra do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, devendo aquela ser admitida para todos os efeitos legais, nomeadamente para reconhecimento e graduação do montante creditório do aqui recorrente.

2. Não foram apresentadas contra-alegações. Foi proferido despacho de sustentação. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre decidir, tendo em conta a seguinte factualidade:
- O reclamante foi citado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 864.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, por via postal registada, cujo aviso de recepção foi assinado em 5 de Maio de 2003.
- A reclamação deu entrada em juízo em 1 de Agosto de 2003.
- O reclamante diz que houve citação de credores desconhecidos, por éditos publicados no jornal “Primeiro de Janeiro” de 16 de Junho de 2003.

3. A questão que se coloca é apenas a de saber se a Segurança Social deveria ter sido citada como foi, ou seja, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 864.º do Código de Processo Civil. Recorde-se que foi citada nesses termos para reclamar o crédito em 15 dias, face ao disposto no artigo 865.º n.º 2 do mesmo Código.
Trata-se de uma questão que só se coloca no domínio normativo anterior à Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, que veio instituir o novo processo de execução. Esta lei entrou em vigor em 15 de Setembro de 2003 e só se aplica aos processos instaurados a partir de então. De fora fica o caso em apreço.
Com a aplicação deste regime já resulta expresso do artigo 864.º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Civil que o agente de execução deve citar o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com vista à defesa dos direitos da segurança social e tem 15 dias para apresentar a reclamação dos seus créditos, face ao disposto no artigo 865.º, n.º 2.
A questão só se coloca relativamente ao regime de citações para reclamação de créditos em execução pendente, que eram feitas nos termos das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do Código de Processo Civil.
A al. a) tratava da citação do cônjuge do executado; a alínea b) tratava da citação dos credores com garantia real sobre os bens penhorados; a alínea c) tratava da citação das entidades referidas nas leis fiscais com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional e a alínea d) tratava da citação dos credores desconhecidos.
Ora o que aconteceu foi que, tendo de reger-se o procedimento de citação de credores para reclamação dos seus créditos pelas disposições do Código de Processo Civil anteriores à lei n.º 38/2003, optou-se por antecipar o regime da lei nova. Deliberadamente ou não, o certo é que foi isso que se fez: citou-se o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social para defesa dos possíveis direitos da segurança social, ainda que houvesse de se dizer que era para “defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional”, para utilizar a expressão legal consagrada na al. c) do n.º 1 do artigo 864.º do Código de Processo Civil, ou mesmo entendendo que os direitos da segurança social são também direitos da Fazenda Nacional.
Como quer que seja, o certo é que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social foi citado nos termos prescritos para a citação das entidades referidas nas leis fiscais e bem poderia sê-lo na qualidade de credor com garantia real sobre o bem penhorado se tal constasse da certidão de registo de ónus ou encargos, já então junta aos autos. Fora destes casos, e como não há lugar à citação referida na al. a), só restaria ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social reclamar o seu crédito em resposta à citação dos credores desconhecidos, referida na alínea d), contando o seu prazo pela publicação dos éditos.
E aqui é que está o cerne da questão. O agravante estará ou não em tempo de reclamar o seu crédito se se considerar regular uma ou outra das citações. Ou melhor, não terá reclamado em tempo se for considerada regular a citação que o considerou uma entidade referida nas leis fiscais.
A este propósito já o artigo 104.º do Código de Processo Tributário (Dec. Lei n.º 154/91, de 23/04), sob a epígrafe “citação para reclamação de créditos fiscais”, dispunha no seu n.º 1 que: “em processo de execução que não tenha natureza fiscal serão sempre citados os dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal que procedam à liquidação de impostos e os chefes das repartições de finanças da área do domicílio ou sede do executado, de seus estabelecimentos comerciais e industriais e da localização dos bens penhorados para apresentarem, no prazo de dez dias, certidão de quaisquer dívidas de impostos imputadas ao executado que possam ser objecto de reclamação de créditos, sob pena de nulidade dos actos posteriores à data em que a citação devia ter sido efectuada”; e no n.º 3 mandava remeter certidões ao Ministério Público para proceder à competente reclamação, quando fosse caso disso.
Depois o Código de Procedimento Tributário (Dec. Lei n.º 433/99, de 26/10), no seu artigo 80.º, sob a epígrafe de “citação para reclamação de créditos tributários”, veio prescrever, no seu n.º 1, que: “salvo nos casos expressamente previstos na lei, em processo de execução que não tenha natureza tributária são obrigatoriamente citados os dirigentes dos serviços centrais da administração tributária que procedam à liquidação de tributos e os serviços periféricos locais da área do domicílio ou sede do executado, dos seus estabelecimentos comerciais e industriais e da localização dos bens penhorados para apresentarem, no prazo de 10 dias, certidão de quaisquer dívidas de tributos à Fazenda Pública imputadas ao executado que possam ser objecto de reclamação de créditos, sob pena de nulidade dos actos posteriores à data em que a citação devia ter sido efectuada”, contendo também no n.º 3 a norma que ordena a remessa de certidões ao Ministério Público.
Ou seja, antes da Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, nunca as entidades da segurança social foram referidas nas leis fiscais para citação obrigatória com vista à reclamação de créditos da Fazenda Nacional, o que parece dever-se ao facto de o legislador ter tido em vista apenas as entidades e serviços instituídos para a liquidação e cobrança de impostos do Estado em sentido amplo e com vista à realização do interesse público geral. Não era o caso da segurança social a quem era conferido o direito de cobrar os seus próprios créditos, com vista à realização dos seus objectivos específicos.
Já era assim que teorizava Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, 1964, pags. 492 e mais recentemente Lebre de Freitas, in A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, 1997, pag.251, nota 11.
A confusão terá tido origem no facto de também nestes casos se ter entendido que os créditos relativos às contribuições da Segurança Social, não tendo, em rigor, a natureza de impostos, gozam de vários atributos semelhantes e pertencem ao Estado, situando-se numa zona de para-fiscalidade ou fiscalidade impura, tendo o Ministério Publico, como órgão do Estado junto dos tribunais, legitimidade para reclamar em juízo o pagamento desses créditos. ( cfr. acórdão da RL de 06-06-90 processo 079115, em www.dgsi.pt )
Não se discute se o Ministério Público tem ou não legitimidade. Não é este o caso. O que se discute é se, tendo sido a Segurança Social citada como se fosse uma entidade referida nas leis fiscais, que não é, deixa de poder reclamar o seu crédito por o não fazer no prazo de 15 dias como se tivesse garantia real, que não tem, sem aproveitar o prazo que o n.º 2 do artigo 865.º do Código de Processo Civil dá ao Ministério Público para reclamar os créditos da Fazenda Nacional e sem aproveitar o prazo de que beneficiaria da citação como qualquer credor, nos termos da al. d) do n.º 1 do artigo 864.º do Código de Processo Civil.
Ora, do confronto das disposições citadas não se vê como se deva impor à Segurança Social um prazo de 15 dias que não cabe na referida al. c), e não possa beneficiar do prazo dos éditos, que cabe na al. d), uma vez que não reúne os pressupostos para ser citada nos termos das alíneas. a) ou b) e que ainda para mais não tem de ser citada nos termos da al.c).
Por conseguinte a conclusão a extrair é que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social constitui pessoa colectiva de direito público e deve ser tratado da mesma forma que os demais credores desconhecidos do executado; não deve ser um credor a citar directamente, sendo-lhe permitido reclamar o seu crédito dentro do prazo fixado para os credores desconhecidos. ( Neste sentido decidiu a RP, acórdão de 10/01/1995, em www.dgsi.pt, processo 9450586)

4. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao agravo, revogado-se o despacho recorrido, para que se atenda a reclamação do crédito do agravante, se pela citação dos credores desconhecidos estiver em empo.
Sem custas.
Coimbra,