Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
236/08.6TBCLB
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: PROVEITO COMUM DO CASAL
CONCEITO JURÍDICO
MATÉRIA DE FACTO
CASAMENTO
PROVEITO COMUM
Data do Acordão: 09/15/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 42.º N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGOS E. 463º, N.º 1, 484º N.º 1 467.º, N.º 1; 512.º, N.º 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Mau grado a expressão "proveito comum do casal" seja portadora de um significado acessível ao entendimento do homem médio, deverá considerar-se como um conceito de subsunção, necessitando de ser preenchido por factos.
2. Todavia e considerando que tal expressão é já portadora de uma acentuada conotação factual, tal preenchimento bastar-se-á com a prova de um mínimo de elementos que confirme o proveito comum.
3. Não se questionando na acção a existência ou validade do casamento, nomeadamente quando a acção visando responsabilizar ambos os cônjuges pelas dívidas contraídas pelo outro, não é contestada, não tem o Autor que juntar aos autos a certidão respectiva
Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

     Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

     A....com sede actualmente na Avenida 24 de Julho n º 98, 1200-870 em Lisboa e antes na Rua Soeiro Pereira Gomes, n – 7, sala 2, 1649-02 em Lisboa, pessoa colectiva n.º 500 280 312, instaurou contra B....e mulher C...., ambos residentes no Bairro Santa Luzia, Lote 9, r/c Esq., em Celorico da Beira, acção declarativa de condenação que segue a forma de processo sumária, pedindo o pagamento da quantia de € 20.757,54 (vinte mil setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros no montante de € 727,90 vencidos até 10/11/2008, de € 29,12 relativos a imposto de selo e ainda os juros vincendos sobre a quantia de € 20.757,54 à taxa anual de 12,19%, desde 11 de Novembro de 2008 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e ainda o pagamento das custas e procuradoria.

     Alega para o efeito que, no exercício da sua actividade comercial e com destino, segundo informação então prestada pelo Réu marido, à aquisição de um veículo automóvel de marca Nissan, modelo Navarra Diesel, com a matrícula 65-04-ZS, por contrato constante de título particular datado de 23 de Novembro de 2007, concedeu ao dito Réu marido crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado àquela a importância de € 20.325,00, acrescida de juros à taxa nominal de 8,19% ao ano. Mais alega que, em virtude do contrato celebrado com o Réu marido, este ficou obrigado ao pagamento do empréstimo concedido, acrescido dos juros, bem como a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida, a serem pagos em 84 prestações, mensais, e sucessivas, com vencimento da primeira em 10 de Janeiro de 2008 e as restantes, nos dias 10 dos meses subsequentes.

     Refere também que entre a Autora e o referido Réu marido foi convencionada em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada – 8,19% - acrescida de quatro pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 12,19%.

     Sucede que o Réu marido das prestações acordadas não pagou a 3ª prestação (vencida a 10/03/2008) bem como as seguintes, vencendo-se então todas, pelo que peticiona as quantias acima reclamadas.

     Alega ainda que, o valor de cada prestação era de € 329,04 (trezentos e vinte e nove curas e quatro cêntimos), sendo que em 10/03/2008 ficou o Réu marido a dever a quantia de € 26.981,28 (82 × € 329,04), sendo que, em 28 de Julho de 2008, a Autora procedeu à venda do veículo pelo preço de € 7.536,00, tendo nessa data ficado em dívida a quantia de € 20.757,54, acrescida de juros que ascendem a € 727,90, e do imposto de selo, bem como os juros vincendos.

     Por último alega a Autora que o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR. – uma vez que o veículo se destinava a integrar o património comum pelo que a Ré é solidariamente responsável pelo pagamento das importâncias referidas.

     Os RR. não contestaram.

     Foi proferido despacho de aperfeiçoamento convidando o Autor a no prazo de 10 dias juntar aos autos documento comprovativo do estado civil de casado dos RR. bem como a suprir as insuficiências na exposição da matéria de facto concretizando factos que permitam concluir pelo alegado proveito comum.

     Notificado de tal despacho veio o Autor declinar expressamente o convite de aperfeiçoamento nos termos constantes do requerimento de fls. 21/22 dos autos.

     Foi proferida sentença que condenou o Réu D.... no pagamento à Autora da quantia de € 20.757,54 acrescida de juros no montante de € 727,90 vencidos até 10/11/2008 de € 29,12 relativos a imposto de selo e ainda os juros vincendos sobre a quantia de € 20.757,54 à taxa anual de € 12,19 desde 11 de Novembro de 2008 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à referida taxa de 4% sobre estes juros recair.

     A Ré C.... foi absolvida do pedido contra si formulado.

     Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Banco Mais SA., o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a sentença apelada proferindo-se acórdão que julgue a acção inteiramente procedente, condenando-se os ora recorridos solidariamente entre si no pedido formulado.

     Foram para tanto apresentadas as seguintes,

    

     Conclusões.

     1) Porque de factos articuladas pela A., ora recorrente e confessados pelos RR., ora recorridos, se trata, devia o Senhor Juiz a quo ter considerado provada nos autos a matéria de facto não impugnada constante do artigo 23º da petição inicial de fls. 4 – ou seja “O empréstimo referido reverteu em proveito comum do casal dos RR., – atento até o veículo referido se destinar ao património comum do casal dos RR.” -, nos termos e de harmonia com o disposto nos artigos 463º, n.º 1, 484º n.º 1 do Código de Processo Civil e condenando, por isso, os RR., ora recorridos solidariamente entre si no pedido dos autos.

     Tanto mais que,

     2) Contrariamente ao "entendido" pelo Senhor Juiz a quo, a alegação de que “O empréstimo referido reverteu em proveito comum do casal dos RR. - atento até o veículo referido se destinar ao património comum do casal dos RR.” não só não é meramente conclusiva nem matéria de direito, como contém em si mesma matéria de facto relevante para a decisão dos autos, que, uma vez provada - como é o caso - impõe a condenação de todos os RR., ora recorridos, solidariamente entre si, no pedido dos autos.

     3) Ao decidir como decidiu na sentença recorrida o Sr. Juiz a quo violou, interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 463º nº 1 e 484º nº 1 do Código de Processo Civil.

     Não houve contra alegações.

     Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

                           *

     2. FUNDAMENTOS.

     2.1. Os factos.

     Os factos que interessam à decisão da causa cons­tam a fls. 2 ss da Petição Inicial.

     Assim, não tendo sido impugnada a matéria de facto nem havendo tão pouco qualquer alteração a fazer-lhe, nos termos do preceituado no artº 713º nº 6 e 784º do Código de Processo Civil, dá-se aqui a mesma por reproduzida.

                            +

     2.2. O Direito.

     Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

     - Mostra-se alegada a matéria de facto de que depende a condenação da Ré mulher no pedido?

     - Consequência do entendimento perfilhado face ao direito processual e substantivo aplicável.

                           +

     2.2.1. Mostra-se alegada a matéria de facto de que depende a condenação da Ré mulher no pedido?

     Vem pedida na presente acção a condenação de B....e mulher C.... no pagamento da quantia de € 20.757,54 (vinte mil setecentos e cinquenta e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros no montante de € 727,90 vencidos até 10/11/2008, de € 29,12 relativos a imposto de selo e ainda os juros vincendos sobre a quantia de € 20.757,54 à taxa anual de 12,19%, desde 11 de Novembro de 2008 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e ainda o pagamento das custas e procuradoria.

     Vinha arvorado como causa de pedir um contrato de mútuo celebrado entre o Autor e o Réu marido, através do qual o primeiro teria concedido a este último o empréstimo da quantia cuja devolução se requer por via da presente acção. De harmonia com o alegado, tal importância teria revertido em proveito comum do casal o que justificaria a demanda do cônjuge do mutuário.

     Na sentença apelada entendeu-se que não são alegados factos que possam responsabilizar a Ré mulher em virtude de o conceito "proveito comum do casal" ser meramente de subsunção, carecendo assim de factos que o preencham e que de harmonia com a sentença não foram alegados.

     Mas será assim?

     Vejamos.

     Nos termos do preceituado no artigo 342º nº 1 do Código Civil "Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado". Sendo assim cabe ao Autor de harmonia com o disposto no artigo 467º nº 1 do Código de Processo Civil "expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção". Seleccionados na Base Instrutória os factos relevantes para a boa decisão da causa – artigo 512º nº 1 do Código imediatamente supracitado - é sobre os mesmos que irá recair a produção de prova com vista a determinar a sorte da acção[1]. Significa isto que em boa técnica jurídica deverá procurar evidenciar-se os factos significantes e tanto quanto possível expurgar os quesitos portadores de conclusões implícitas, de molde a que o Juiz a final possa em sede decisória extrair a conclusão das premissas de um silogismo judiciário em que em suma se traduz a sentença. Mas em tudo haverá que agir com prudência, considerando as situações casuisticamente no intuito de se evitar que os aspectos formais assumam preponderância sobre o fundo da causa de que em última análise são instrumento. Na verdade o Direito, nomeadamente nos últimos 30 anos, tem registado a influên­cia dos mais variados sectores do pensamento em ordem a procurar torná-lo mais abrangente, maleabilizando-o com vista a melhor alcançar a justiça material do caso concreto, ainda que com o sacrifício de formalida­des que não sirvam para lograr aquele escopo. O Direito tem que ser intencionado essencialmente à pro­tecção de interesses axiologicamente legitimados da vida em sociedade, cuja realização transvaza bastas vezes o apertado esquema silogístico tradicional. A realização de uma verdadeira justiça material passando sempre pela aplicação da lei mediada pelo Juiz, terá, para além do elemento literal da norma, que encontrar os valores que num dado momento lhe estão subjacentes e extrair os princípios reguladores pertinentes a uma ade­quada solução normativa. E o que se passa em matéria de interpretação da lei sucede de igual forma quanto às situações factuais tendo vindo a esbater-se a rígida dicotomia entre facto e direito enfeudada à lógica formal[2]. A esta orientação não tem sido estranho o enriquecimento que o pensamento jurí­dico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas "ciências da linguagem" e em particular pela investigação e progresso no domínio da "hermenêutica" que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito.

     Em matéria de destrinça entre questão de facto e questão de direito, é hoje um dado adquirido que muitos conceitos tidos como "puros" estão já imbuídos de um sen­tido que não se prende isoladamente a meros factos ou ao direito, antes se apresentado como uma simbiose entre ambos. São precisamente os casos em que o facto e o direito estão tão próximos na linguagem corrente que é muito difícil indagar dos factos sem qualquer cono­tação jurídica prévia; e por outro lado também não raro ao nível dos leigos a expressão jurídica extravasou de há muito o campo técnico-jurídico tornando-se do domínio comum. Não é pois de estranhar que por vezes no início do processo cognitivo de uma expressão se surpreenda pois já uma "pré-compreensão", reportando-se à coisa de que o texto fala e à linguagem em que se fala dela"[3]. Essa pré-compreensão, que é um fenómeno de natureza cultu­ral, não impede todavia o Juiz de apreender a especifi­cidade do caso; só que na sua análise e trata­mento a questão de facto é inseparável da questão de direito. Estamos assim em face daquilo a que é usual chamar o "círculo hermenêutico", patente nomeadamente na obra de Heidegger e Gadamer, no primeiro todavia versado como "estrutura circular da compreensão". Esta figura tem como subjacente a ideia de que uma parte de um texto, nomea­damente jurídico, só pode ser compreen­dido a partir do significado de outros elementos ou do texto completo; contudo a compreensão deste pressupõe, por seu turno, o conhecimento do elemento original[4]. Poderá hoje entender-se assim com Heiddegger que a com­preensão pertence à constituição ôntica essencial do ser-aí, o Dasein da existência. É para o que noutras palavras alerta Antunes Varela quando aludindo à viabi­lidade de quesitos contendo juízos de valor e matéria de facto refere que "nesse aspecto há incontestável semelhança entre as questões de direito (a que o julga­dor só pode as mais das vezes responder com segurança depois de conhecer toda a factualidade que inte­ressa à sua resolução e as apreciações) e juízos de valor relativos à matéria de facto que só é possível emitir com o necessário conhecimento de causa, após o conhecimento das ocorrências reais, concretas, que lhes respeitam".

     Orientada por estes princípios, tem vindo a Juris­prudência mais recente a aperceber-se destas interrela­ções e a pressupor como um dado adquirido a incindibi­lidade de certas situações complexas no seu plurisigni­ficado e simultaneamente também divulgação ao nível extra-jurídico. Desta realidade dá conta entre nós o estudo do Cons. Simões Freire "Matéria de Facto Matéria de Direito" in CJ Ano XI Tomo III /2003 pags. 6 ss. E abordando especificamente o tema que ora tratamos, exemplifica com os Acórdãos desta Relação de 27-3-1974 e da Relação de Lisboa de 25-5-2000, que sendo o "proveito comum" um conceito de direito, o mesmo transpôs o âmbito do estritamente jurídico para se tornar acessível a uma pessoa de mediano entendimento e cultura[5]. Entendendo ser relativamente ousado recorrer in casu a este entendimento e porque estamos perante uma expressão facilmente concretizável, perfilhamos a corrente tradicional mais comedida de que a expressão "proveito comum" do casal é essencialmente de subsunção[6]. Para esta conclusão milita ainda a circunstância de a própria lei ter tomado particular cautela no preenchimento da noção de "proveito comum" ao declarar no artigo 1 691º nº 3 do Código Civil que "o proveito comum do casal não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar". Todavia a integração do conceito bastar-se-á com um mínimo de factualidade que o esclareça e suporte o significado da sua aparência. Ora se repararmos vem alegada nos autos que a quantia mutuada se destinou ao "património comum do casal dos RR.", facto que a nosso ver é o bastante para que, se provado, integrar o conceito de proveito comum.

                           +

     2.2.2. Consequência do entendimento perfilhado face ao direito processual e substantivo aplicável.

     Verificado o cabimento em sede de alegação da factualidade integradora do "proveito do casal" há agora que considerar qual o efeito da falta de contestação da Ré. Tal efeito é aquele a que aludem os artigos 484º nº 1 ex vi artigo 463º nº 1 do Código de Processo Civil, i.e. consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor. Como se pode ver de fls.   a Ré foi regularmente citada para contestar a presente acção não o tendo feito, pelo que terão de dar-se como confessados os factos articulados pelo Autor. Ora estatuindo o artigo 784º do mesmo Diploma Legal que "quando os factos reconhecidos por falta de contestação determinem a procedência da acção pode o juiz limitar-se a condenar o Réu no pedido(…)". Ora não sofre qualquer dúvida que estamos perante um contrato de mútuo que o artigo 1 142º do Código Civil define como sendo "o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade".

     O Autora no exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição de uma viatura automóvel da marca Nissan, modelo Navarra Diesel, com a matrícula 65-04-ZS e por contrato constante de título particular datado de 23 de Novembro de 2007, que se encontra junto aos autos, concedeu ao Réu marido o empréstimo da importância de € 20.325,00. Nos termos do contrato assim celebrado os juros contabilizavam-se à taxa nominal de 8,19% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros referidos bem como a comissão de gestão, as despesas de transferência de propriedade, o imposto de selo de abertura de crédito e o prédio de seguro de vida ser pagos nos termos acordados em 84 prestações mensais e sucessivas com vencimento a primeira em 10 de Janeiro de 2008 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. 

     A falta de pagamento de quaisquer prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações.

     Mais foi acordado entre o A. e o referido Réu marido que em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada de 8,19% acrescida de 4 pontos percentuais.

     Sobre os juros referidos incide imposto de selo à taxa de 4% ao ano.

     O Réu marido não providenciou às transferências bancárias devidas para pagamento das prestações, sendo certo que estão em dívida € 727,90 bem como a quantia de juros vencidos à data da propositura da acção no montante de € 727,90 mais a importância de € 29,12 de imposto de selo sobre esses juros vencidos mais os juros que à taxa de 12,19% se vencerem sobre o dito montante de € 20.757,54 desde 11 de Novembro de 2008 até integral e efectivo pagamento, o imposto de selo sobre os juros vincendos.

     A importância mutuada reverteu em proveito do casal integrando-se no seu património, tendo em linha de conta os factos alegados que não sofreram contestação, sendo certo que o casamento dos RR. não se mostra validamente impugnado e não estamos em face de uma acção de estado, sendo por tal motivo dispensada a junção de certidão respectiva[7].

     Nos termos do preceituado no artigo 1 695º nº 1 do Código Civil "Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges".

     Assim sendo tendo em linha de conta todo o exposto a apelação terá que proceder com a condenação solidária dos RR. no pedido formulado pelo Autor.

                          

     Poderá nesta conformidade assentar-se no seguinte à guisa de sumário e conclusões:

     1) Mau grado a expressão "proveito comum do casal" seja portadora de um significado acessível ao entendimento do homem médio, deverá considerar-se como um conceito de subsunção, necessitando de ser preenchido por factos.

     2) Todavia e considerando que tal expressão é já portadora de uma acentuada conotação factual, tal preenchimento bastar-se-á com a prova de um mínimo de elementos que confirme o proveito comum.

     3) Não se questionando na acção a existência ou validade do casamento, nomeadamente quando a acção visando responsabilizar ambos os cônjuges pelas dívidas contraídas pelo outro, não é contestada, não tem o Autor que juntar aos autos a certidão respectiva.

                           *

     3. DECISÃO.

     Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação procedente e revogando parcialmente a sentença em crise condena-se agora a Ré C.... solidariamente com o Réu B....no pagamento à Autora A…., a quantia de € 20.757,54 acrescida de juros no montante de € 727,90, vencidos até 10/11/2008 de 29,12 relativos a imposto de selo e ainda os juros vincendos sobre a quantia de € 20.757,54 à taxa anual de 12,19% desde 11 de Novembro de 2008 até integral pagamento bem como o imposto de selo que à referida taxa de 4% sobre estes juros recair.

     Custas pelos RR.


     [1] Cfr. A. Reis "Código de Processo Civil Anotado" III, pags. 206 ss. Remédio Marques "Acção Declarativa à Luz do Código Revisto", Coimbra Editora 2007, pags. 356 ss.
     [2] Cfr. Karl Larenz "Metodologia da Ciência do Direito", 3ª Edição, Gulbenkian pags. 433 ss.
     [3] Cfr. Karl Larenz Ob Cit, pags. 288. No mesmo sentido Chaïm Perelman "Ética e Direito" Piaget Lisboa, 2003, pags. 512 ss. Hans Georg Gadamer "Warheit und Methode; Grundzüge einer philosophichen Hermeneutik", 4ª ed, 1975 pags. 250 ss.
     [4] Poderão encontrar-se mais esclarecimentos em José Lamego "Hermenêutica e Jurisprudência" pags. 134 ss; A. Kaufmann e W Hassemer "Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas" Gulbenkian Lisboa 2002 pags. 189 ss.
     [5] Cfr. Ob. cit pags 7.
     [6] Cfr. Acs. STJ de 11-11-2008 (P. 3303/2008) in http: /www.dgsi.pt; de 7-6-2005 (R. 1530/2005) in Col. de Jur., 2005, II, 118. Desta Relação de 27-3-1984 (R. 13 519) in Bol. do Min. da Just., 335, 350; da Rel. de Lisboa de 13-01-2000 (R. 7467/99) in Bol. do Min. da Just., 493, 413.



     [7] Constitui Jurisprudência pacífica Cfr. a título de exemplo os Acs. da Rel Porto de de 20-4-1998 (R. 9850260) in Bol. do Min. da Just., 476, 482; da Rel. de Évora de 24-5-1984 (R. 122/84) in Bol. do Min. da Just., 339, 474.