Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
357/14.6 TAMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ESCOLHA DA PENA
PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 12/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JC CRIMINAL – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º E 70.º DO CP
Sumário: I - Prevendo os crimes a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa importa atender ao disposto no art.70.º do CP que estatui como critério de orientação geral para a escolha da pena.

II - O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

III - Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

VI - A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

V - Há um critério ou cláusula geral para a substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efectiva aplicação.

VI - O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

VII - Não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada à arguida.

VIII - As fortes exigências de prevenção especial não permitem a substituição da pena de prisão aplicada à arguida por qualquer das penas de substituição, pelo que não merece censura a condenação da mesma em pena de prisão efetiva.

Decisão Texto Integral:








Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

                          

     Relatório

            Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Central Criminal de Leiria, Juiz 2, sob acusação do Ministério Público, foi submetida a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, a arguida

A... , solteira, operária fabril desempregada, filha de (...) e de (...) , nascida a 18.01.1983, natural da (...) , titular do CC n.º (...) , residente na Rua (...) ;

imputando-se-lhe a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, previsto e punido pelos artigos 26.º, 1.ª parte, 77.º e 334.º, al. a), por referência ao art.333.º, n.º 1; um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelos artigos 26.º, 1.ª parte, 77.º e 143.º, nº 1; e um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 26.º, 1.ª parte, 77.º, 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), todos artigos do Código Penal.

O Centro Hospitalar de (...) , EPE, deduziu pedido de indemnização civil requerendo a condenação da arguida no pagamento da quantia de € 92,75 acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo embolso, respeitantes ao tratamento hospitalar prestado a D... na sequência dos factos ocorridos no dia 20.05.2014..

D... deduziu pedido de indemnização civil requerendo a condenação da demandada A... no pagamento da quantia, nunca inferior, a € 750,00, a título de danos não patrimoniais pelos factos descritos na acusação.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Coletivo, por acórdão proferido a 9 de Maio de 2017, decidiu julgar procedente a acusação, bem como os pedidos de indemnização, e, consequentemente, condenar a arguida A... pela prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de:

- um crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, previsto e punido pelo art.334º, alínea a), por referência ao art.333.º, n.º 1, ambos do Código Penal, na pena de nove meses de prisão;

- um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;

- um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão; e

- operar o cúmulo jurídico e, nos termos do art.77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, condenar a arguida A... na pena única de um ano de prisão efectiva.

Mais decidiu:

- Condenar a demandada A... a pagar ao Centro Hospitalar de (...) , EPE, a quantia de € 92,75, acrescida de juros legais desde a notificação até efectivo e integral pagamento, respeitantes ao tratamento hospitalar prestado a D... ; e

- Condenar a demandada A... a pagar à demandante D... a quantia de € 750,00, a título de danos não patrimoniais.

           Inconformada com a douta sentença dela interpôs recurso a arguida A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A) A arguida, ora recorrente, não se conforma com a decisão do Tribunal «a quo» que, salvo o devido respeito, não ponderou convenientemente todos os factores importantes e com relevância para uma correcta e justa determinação da medida concreta da pena.

B) Relativamente aos crimes de ameaça e de ofensa à integridade fisica praticada pela arguida, julgamos ser adequada e suficiente a aplicação de uma pena não privativa da liberdade, ou seja, uma pena de multa que deve ser fixada tendo em atenção o ilícito praticado (que, de acordo com o Tribunal recorrido, as “lesões foram simples e de cura rápida” e o “grau de violação dos deveres impostos ao agente e a intensidade do dolo são médios”) e  a condição económica da arguida.

C) O Tribunal «a quo», para além de entender não aplicar pena de multa, também decidiu que não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a execução em regime de permanência na habitação, ou em pena de prisão cumprida por dias livres, ou em trabalho a favor da comunidade, e, em última instância também não suspendeu a execução da pena de prisão de um ano em que condenou a recorrente.

D) No relatório social constante nos autos lê-se que “a arguida é acompanhada por esta DGRSP no Âmbito do processo n.º 228/13.3GTLRA – Leiria – Inst. Local – Secção Criminal – J2, numa suspensão de execução da pena e no processo n.º 709/11.3PAMGR, numa prestação de trabalho a favor da comunidade, que se encontra suspenso por incapacidade temporária de A... para o trabalho. Genericamente tem aceitado a intervenção desta Direcção Geral e apresentou uma postura de adesão e acompanhamento”. Mais se lê que “ A... mantém-se a residir sozinha, em casa de renda, de tipologia T2, que oferece as necessárias condições de habitabilidade e conforto. Duas vezes por mês, ao fim de semana, e nas férias escolares, recebe a visita das filhas B... e C... ”, concluindo que “em caso de condenação, consideramos existirem condiçoes para eventual execução da medida na comunidade, com intervenção destes serviços de Reinserção Social”.

E) Sucede que o Tribunal recorrido deu relevência a mais aos antecedentes criminais da arguida para efeitos da necessidade de prevenção e de ressocialização da arguida, quando verificamos, que todas as condenações versam sobre a protecção de bens jurídicos diversos dos presentes, não tendo qualquer conexão com os crimes praticados nos autos (onze pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, duas por desobediência e uma por burla informática, furto simples e falsificação de documentos). Assim, os antecedentes criminais da arguida, não devem pesar de forma tão negativa na determinação da medida concreta da pena conforme o Tribunal «a quo» considerou, ao ponto de condenar a arguida em pena de prisão efectiva.

F) O Tribunal recorrido deveria ter substituído a pena de prisão aplicada por outra não privativa da liberdade.

G) Sem conceder, caso não seja esse o entendimento, ou seja, caso se afigure adequada a aplicação de uma pena privativa da liberdade, deve a mesma ser suspensa na sua execução (cfr. artigo 50.º do Cód. Penal).

H) O Acórdão ora recorrido terá, assim, violado os artigos 40.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 50.º, 53.º, 70.º, 71.º, 77.º, 143.º, 153.º, 155.º 333.º e 334.º do Cód. Penal.

Termos em que, é adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa relativamente ao crime de ofensa à intergidade fisica e ao crime de ameaças, tendo em atenção o ilícito praticado e a condição económica da arguida.

Sem conceder, deve a pena de prisão ser substituida por pena não privativa da liberdade.

Sempre sem conceder, caso V. Ex.ªs entendam ser aplicada pena de prisão, deve a mesma ser suspensa na sua execução.

O Ministério Público no Juízo Central Criminal de Leiria, respondeu ao recurso interposto pela arguida, pugnando pela manifesta improcedência do recurso e manutenção integral do douto acórdão recorrido.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, confirmando-se a douta decisão recorrida.

Notificado este parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, não houve resposta.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes do acórdão recorrido é a seguinte:

            Factos provados:

            I)

1- No dia 20 de Maio de 2014 teve lugar, entre as 14h25 e as 14h55, nas instalações do Tribunal Judicial da Marinha Grande, conferência no âmbito do Processo de Promoção e Protecção n.º 1426/13.5TBMGR, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande.

2- A referida conferência destinava-se a obter acordo de promoção e protecção relativamente às duas filhas menores ( B... e C... ) da arguida A... .

3- Assim que, no início da referida conferência, a Mm.ª Juiz explicou o objectivo da dita diligência, a arguida interrompeu a mesma proferindo, em voz alta, as seguintes expressões: “eu não concordo com esta merda”, “eu não aguento mais esta merda” e “vou partir esta merda toda”.

4- De imediato, a arguida ausentou-se da sala de audiências onde decorria a diligência, tendo permanecido, até ao final da diligência em causa, no átrio do tribunal.

5- Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, a diligência em curso apenas foi retomada e realizada após a saída da arguida da sala de audiências, para além de não ter sido obtido o acordo que se pretendia; tendo o processo prosseguido para alegações.

            II)

6- No final da referida conferência, D... , que também tinha participado na mesma, por ter à sua guarda a filha uma das filhas da arguida, saiu da sala de audiências sem que a arguida já se tivesse ausentado das instalações do Tribunal Judicial da Marinha Grande.

7- Nesse momento, a arguida dirigiu-se a D... e, sem que nada o fizesse prever, agarrou-a, com força, pelos braços e empurrou-a, arrastando-a até D... embater contra a porta de vidro que se situa junto à sala de audiências e separa o átrio do tribunal do corredor de acesso aos Serviços do Ministério Público.

8- Aí, a arguida agarrou D... pelos colarinhos e, enquanto a empurrava contra a porta de vidro e em tom de voz sério, disse-lhe: “eu mato-te”, “dou cabo de ti” e “faço-te a folha”, querendo, com isto, dizer que atentaria contra a vida daquela.

9- Como consequência directa e necessária da conduta da arguida, a referida D... sofreu dores e mal-estar, para além de uma equimose de bordos amarelados no terço médio da face posterior do antebraço com 4cm x 1cm.

10- Tal lesão determinou a D... e foi causa adequada de 6 dias para cura sem afectação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional; deixando-a com marcas no antebraço e dores no corpo

            III)

11- A arguida A... agiu com o propósito de perturbar o normal funcionamento do Tribunal e obstar à realização do objectivo que presidiu à marcação da conferência em apreço.

12- A arguida A... agiu com o propósito de molestar fisicamente D... , infligindo-lhe lesões, dores e mal-estar.

13- Ao proferir a expressão acima indicada nas circunstâncias descritas, a arguida A... agiu com o propósito concretizado de perturbar D... nos seus sentimentos de segurança e liberdade, provocando-lhe receio de que a arguida concretizasse a ameaça feita, nomeadamente que atentasse contra a sua vida.

14- A arguida A... sabia que as referidas palavras, proferidas da forma descrita, provocariam, como provocaram, na dita D... perturbação nos seus sentimentos de segurança e liberdade.

15- A arguida A... actuou sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas relatadas condutas eram proibidas e punidas por lei.

16- A arguida A... foi julgada nos seguintes processos:

16.1- processo abreviado nº 255/00.0GTLRA, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, onde foi condenada, por sentença de 12.06.2003, transitada em julgado em 27.06.2003, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 03.08.2000, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de dois euros; em 10.01.2005 tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento;

16.2- processo abreviado nº 22/03.0PTLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, onde foi condenada, por sentença de 05.12.2003, transitada em julgado em 05.01.2004, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 15.03.2003, na pena de quatro meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 14.04.2005, tal pena foi declarada extinta;

16.3- processo sumário nº 106/06.2GTLRA, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, onde foi condenada, por sentença de 28.03.2006, transitada em julgado em 21.04.2006, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 05.03.2006, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos; em 08.11.2007, tal pena foi declarada extinta;

16.4- processo comum singular nº 12/09.9PAMGR, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande, por sentença de 02.10.2009, transitada em julgado em 22.10.2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 30.12.2008, na pena de doze meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova; em 31.03.2011, tal pena foi declarada extinta;

16.5- processo sumário nº 260/11.1PAMGR, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande, onde foi condenada, por sentença de 08.04.2011, transitada em julgado em 09.05.2011, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 21.03.2011, na pena de 45 dias de prisão a cumprir por dias livres em nove períodos de 36 horas cada um aos fins-de-semana; por decisão de 08.05.2012, tal pena foi substituída por 40 dias de prisão efectiva; em 26.11.2012, esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento da prisão;

16.6- processo abreviado nº 709/11.3PAMGR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande, onde foi condenada, por sentença de 05.12.2011, transitada em julgado em 18.01.2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 16.08.2011, na pena de dez meses de prisão substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade;

16.7- processo abreviado nº 57/12.1PAMGR, do 3º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande, onde foi condenada, por sentença de 22.05.2012, transitada em julgado em 21.06.2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 20.01.2012, na pena de cinquenta dias de prisão efectiva; em 04.012013, tal pena foi declarada extinta pelo cumprimento;

16.8- processo sumário nº 241/12.8GBACB, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Alcobaça, por sentença de 12.10.2012, transitada em julgado em 12.11.2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 21.09.2012, na pena de cinco meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova; em 12.11.2013, tal pena foi declarada extinta;

16.9- processo comum singular nº 191/13.0PAMGR, do Juízo de Competência Genérica da Marinha Grande, por sentença de 24.02.2015, transitada em julgado em 26.03.2015, pela prática de um crime de burla informática (cinco meses) e de um crime de furto simples (quatro meses), por factos ocorridos em 08.03.2013, na pena única de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante regime de prova;

16.10- processo comum singular nº 1838/09.9TALRA, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, por sentença de 21.03.2013, transitada em julgado em 29.04.2013, pela prática de um crime de falsificação de documento, por factos ocorridos em 02.12.2004, na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 29.04.2014, tal pena foi declarada extinta;

16.11- processo sumário nº 81/13.7GBMGR, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marinha Grande, por sentença de 28.06.2013, transitada em julgado em 13.09.2013, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 23.06.2013, na pena de 36 períodos de prisão sucessivos, correspondendo a outros tantos fins-de-semana, entre as 09:00 horas de sábado e as 21:00 horas de domingo; em 14.07.2015, o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra declarou extinta a pena com efeito a partir de 13.07.2015;

16.12- processo comum singular nº 273/13.9PTOER, do Juízo Criminal Local de Oeiras, por sentença de 06.11.2014, transitada em julgado em 18.12.2014, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, por factos ocorridos em 23.11.2013, na pena de doze meses de prisão substituída por 360 dias de multa à taxa diária de cinco euros;

16.13- processo sumaríssimo nº 307/13.7TANZR, do Juízo de Competência Genérica da Nazaré, por sentença de 13.07.2015, transitada em julgado em 10.09.2015, pela prática de um crime de desobediência, por factos ocorridos em Junho  de 2013, na pena de oito meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano; em 10.09.2016, tal pena foi declarada extinta;

16.14- processo comum singular nº 228/13.3GTLRA, do Juízo Local Criminal de Leiria, por sentença de 20.07.2015, transitada em julgado em 30.09.2015, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (dezasseis meses) e de um crime de desobediência (oito meses), por factos ocorridos em 27.09.2013, na pena única de 22 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova.

17.1- A arguida A... nasceu a 18 de Janeiro de 1983, na (...) ; quando tinha seis anos de idade, os pais separaram-se devido a agressões físicas e verbais do pai para com a mãe.

17.2- Após a separação, a mãe encetou nova relação afectiva; a arguida desenvolveu uma relação de empatia com o companheiro da mãe que se tornou importante na sua educação.

17.3- A arguida A... frequentou a escola com aproveitamento até ao 7º ano de escolaridade; durante a frequência do 8º ano, apresentou dificuldades em cumprir os horários e em corresponder às actividades lectivas, acabando por desistir.

17.4- Aos 16 anos de idade, a arguida A... começou a trabalhar no sector da indústria vidreira, até ao encerramento da fábrica onde laborava; posteriormente trabalhou no sector da restauração, no serviço de mesas.

17.5- Aos 17 anos de idade, a arguida A... iniciou relacionamento amoroso com um homem, de 26 anos de idade, passando o casal morar com a família deste; dos nove anos de vivência conjunta, o casal teve um filho, L... , actualmente com 16 anos de idade, entregue aos cuidados dos avós paternos, por decisão judicial; conflitos frequentes e agressões para com a arguida determinaram a separação.

17.6- Mais tarde, a arguida A... concebeu duas filhas (de 12 e 10 anos de idade, B... e C... , respectivamente) de diferentes relacionamentos, que se encontram ao cuidado de familiares; B... reside com a avó materna na (...) e C... com a tia paterna em (...) .

17.7- A arguida A... é uma pessoa temperamental, com um comportamento revoltado, difícil e contestativo, que lhe tem proporcionado situações institucionais, judiciais, familiares e laborais, conflituosas e de difícil gestão; além disso, a sua escolaridade e baixa robustez física, acrescidas de falta de qualificação profissional, têm dificultado a sua progressão e até por vezes a manutenção de um posto de trabalho; de momento encontra-se inactiva devido a um acidente doméstico que lhe causou um ferimento na mão esquerda.

17.8- A sua situação económica é percepcionada como instável chegando a passar por privações; periodicamente recebe apoio da mãe/padrasto.

17.9- A arguida A... mantém-se a residir sozinha, em casa de renda, pela qual paga duzentos euros mensais, de tipologia T2; duas vezes por mês, ao fim de semana, e nas férias escolares, recebe a visita das filhas B... e C... .

17.10- No local de residência actual e nos anteriores, a sua situação jurídico-penal é conhecida genericamente pela comunidade envolvente, havendo uma atitude de tolerância sobre a sua pessoa; o seu círculo de vivência social centra-se na família; mantém convívio com pessoas das relações socio-profissionais.

17.11- A arguida A... é acompanhada pela DGRSP, na suspensão de execução da pena de prisão no âmbito do processo nº 228/13.3GTLRA da Instância Local Criminal de Leiria; e no processo nº 709/11-3PAMGR, numa Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, que se encontra suspensa por incapacidade temporária da arguida para o trabalho; genericamente tem aceitado a intervenção da DGRSP e apresentou uma postura de adesão ao acompanhamento.

18- Em resultado da actuação da arguida A... , a demandante D... foi assistida no Hospital de (...), do Centro Hospitalar de (...), sendo que os tratamentos efectuados importam em 92,75 euros, que ainda não estão pagos.

19- A arguida A... não manifesta arrependimento.

Factos não provados:

Nenhuns outros factos relevantes para a discussão da causa se provaram em audiência de discussão e julgamento.

Motivação:

A decisão do tribunal, tomada em consciência e após livre apreciação crítica da prova produzida em audiência, fundou-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas e dos documentos.

D... , estava na sala de audiências relatou as palavras e expressões proferidas pela arguida, depois saiu e foi para o átrio e a arguida agarrou-a pelos braços e empurrou-a contra a porta de vidro, onde embateu com a zona da omoplata, enquanto lhe dizia que a ia matar, que a partia toda, que lhe fazia a folha, ficou com marcas no antebraço e com dores, foi assistida no hospital de (...).

E... , a juíza de direito que presidia à diligência, relatou o ocorrido e como a conferência foi interrompida devido à confusão provocada pela actuação da arguida.

F... , funcionária judicial presente na conferência relatou o modo como a arguida ficou alterada, o que disse e como saiu da sala bem a sua actuação posterior, ao agarrar a D... “pelos colarinhos”.

G... relatou como arguida não concordou com a proposta relativa às filhas pois queria que lhes fossem entregues, o modo como saiu da sala e depois como se agarrou ao pescoço de D... e a atirou contra a parede, bem como o que disse.

H... relatou como estavam na sala de audiências e a arguida A... se exaltou, saiu da sala e depois se desentendeu com a D... , “disse palavrões” e agarrou-a pelos braços.

I... , casado com D... , referiu que a filha da arguida de nome C... “está connosco” desde há cinco anos; naquele dia a esposa telefonou-lhe a dizer o que se tinha passado; depois foi ele que a levou ao hospital.

J... , cunhada de D... , apenas o que se passou do que esta lhe disse, telefonou-lhe do hospital mostrando-se abatida, perturbada e abalada.

Os depoimentos das testemunhas mostraram-se sérios, serenos, calmos, consistentes, coerentes e isentos revelando conhecimento das situações com as quais tiveram contacto directo, pelo que mereceram credibilidade e foram relevantes para a formação da convicção do tribunal colectivo.

Na verdade, todos os depoimentos foram concordantes, confirmando o teor da acta da conferência (documento autêntico que vale só por si), sem ter sido suscitada qualquer dúvida ou possibilidade de diverso sentido dos factos.

Foi igualmente relevante a análise da documentação clínica de fls 7 (respeitante ao episódio de urgência respeitante a D... no Hospital de (...), onde deu entrada no dia 20.05.2014, pelas 21:40 horas) e da certidão do processo n.º 1426/13.5TBMGR (fls 15 a 19: a acta de conferência em que ocorreram os factos em apreço, que foram confirmados pelos respectivos intervenientes).

Também foi analisado o relatório de perícia de avaliação do dano corporal elaborado pelo Serviço de Clínica Forense do GML do INMLCF (fls 5 e 6).

A convicção do tribunal acerca da falta de arrependimento da arguida resultou de não se terem apurado quaisquer comportamentos ou atitudes da mesma que possam demonstrar interiorização da gravidade dos seus comportamentos e vontade de alterar o seu modo de vida.

Os antecedentes criminais resultaram do teor do CRC de fls 196 a 218.

A situação pessoal da arguida resulta da análise do teor do relatório dos serviços de reinserção social de fls 229 a 231.


 *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos, face às conclusões da motivação da recorrente A... as questões a decidir são as seguintes:

1.ª - se o Tribunal a quo deveria ter optado por aplicar-lhe a pena de multa relativamente aos crimes de ameaça e de ofensa à integridade fisica;

2.ª - assim não se entendendo, se deveria ter substituído a pena de prisão aplicada por outra não privativa da liberdade, designadamente pela suspensão de execução da pena de prisão, pelo que violou o disposto nos artigos 40.º, 42.º, 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, 48.º, 50.º, 53.º, 70.º, 71.º, 77.º, 143.º, 153.º, 155.º 333.º e 334.º do Cód. Penal.


 -

            Passemos ao seu conhecimento.          

-

1.ª Questão: da opção pela pena de multa

            Defende a ora recorrente A... que relativamente aos crimes de ameaça e de ofensa à integridade fisica, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 70.º do Cód. Penal, porquanto era adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa, tendo em atenção o ilícito praticado (e de acordo com o Tribunal recorrido as “lesões foram simples e de cura rápida” e o “grau de violação dos deveres impostos ao agente e a intensidade do dolo são médios”) e  a condição económica.

Vejamos.

É pacífico que a arguida A... , com a sua conduta descrita nos factos provados praticou, designadamente, um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143º, nº1, do Código Penal, e um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do mesmo Código.

O crime de ofensa à integridade física simples, pelo qual a arguida vinha acusada e pelo qual foi condenada, é punido com  pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias e o crime de ameaça agravada é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

Prevendo os crimes a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa importa atender ao disposto no art.70.º do Código Penal que estatui como critério de orientação geral para a escolha da pena, que «Se ao crime forem aplicáveis , em alternativa , pena privativa e pena não privativa da liberdade , o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

As finalidades da punição reportam-se à proteção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade (art.40.º, n.º1 do Código Penal).

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente , com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo optou pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa, previstas a título principal nos crimes de ofensa à integridade fisica e de ameaça agravada, “… tendo em conta o contexto da atuação da arguida A... , a amplitude dos crimes praticados, bem como as diversas condenações em pena de multa que a mesma já sofreu…”.

O Tribunal da Relação subscreve por inteiro a conclusão tirada pelo Tribunal a quo de que é manifesto que a pena de multa não se mostra adequada nem suficiente para atingir as finalidades da punição.

Efetivamente, as ofensas à integridade física e as ameaças agravadas à D... ocorrem no átrio do Tribunal, após ter perturbado e interrompido a conferência que aí decorria no âmbito de um processo de promoção e proteção, e depois de ter ficado à espera de D... , a quem uma das suas filhas estava confiada.

Como bem se refere no douto acórdão recorrido, “o grau de ilicitude dos factos é elevado”, a gravidade das consequências não foi especialmente relevante porquanto as lesões foram simples e de cura rápida, o grau de violação dos deveres impostos ao agente e a intensidade do dolo (directo) são médios e os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes correspondem a uma revolta e atuação de contestação relativamente ao tribunal e à situação das suas filhas, sendo certo que esta, e outras que contam do seu registo, mostram os problemas que a arguida é capaz de provocar.

O Tribunal a quo salienta ainda a falta de organização da vida da arguida, a precária ocupação profissional, a indefinição acerca das suas fontes de rendimento e as diversas condenações (onze pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal, duas por desobediência e uma por burla informática, furto simples e falsificação de documentos).

Acentuamos aqui a circunstâncias da arguida ter sido condenada já numa pena de multa, numa pena de prisão substituída por multa, em diversas de prisão suspensas na execução com e sem regime de prova, prisão por dias livres, prisão efetiva e pena de trabalho a favor da comunidade, o que demonstra claramente que a mesma não se deixa intimidar com a aplicação das sanções penais.

Aliás, o Relatório Social, a que a recorrente alude no recurso por diversas vezes, deixa claro que «A propensão para comportamentos de risco, bem como a fraca capacidade de resolução de problemas, levam-nos a considerar a existência de necessidades significativas de reinserção.».

Perante o exposto, o Tribunal da Relação considera que são prementes as necessidades de prevenção especial, e que as mesmas não se satisfazem com a opção pela pena de multa em detrimento da pena de prisão prevista nos dois tipos penais.   

Tendo em atenção, ainda, ao nível da prevenção geral, que é frequente a prática de crimes de ofensas à integridade física e ameaças, o que impõe uma acrescida necessidade de tutela dos bens jurídicos em causa, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que a multa não era a pena adequada e suficiente às finalidades da punição.


-

            2.ª Questão: das penas de substituição

            A recorrente A... não se conforma, ainda, com a decisão do Tribunal «a quo», de que a execução em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, face às “caracteristicas da personalidade da arguida”.

O Tribunal a quo não teve aparentemente em consideração que no relatório social lê-se que “ A... mantém-se a residir sozinha, em casa de renda, de tipologia T2, que oferece as necessárias condições de habitabilidade e conforto. Duas vezes por mês, ao fim de semana, e nas férias escolares, recebe a visita das filhas B... e C... ”, e que nas conclusões do relatório consta que “em caso de condenação, consideramos existirem condiçoes para eventual execução da medida na comunidade, com intervenção destes serviços de Reinserção Social” e, ainda, que “a arguida é acompanhada por esta DGRSP no Âmbito do processo n.º 228/13.3GTLRA – Leiria – Inst. Local – Secção Criminal – J2, numa suspensão de execução da pena e no processo n.º 709/11.3PAMGR, numa prestação de trabalho a favor da comunidade, que se encontra suspenso por incapacidade temporária de A... para o trabalho. Genericamente tem aceitado a intervenção desta Direcção Geral e apresentou uma postura de adesão e acompanhamento”.

O Tribunal recorrido deu relevência a mais aos antecedentes criminais da arguida , quando deles resulta que todas as condenações versam sobre a proteção de bens jurídicos diversos dos presentes, não tendo qualquer conexão com os crimes praticados nos autos.

O Tribunal «a quo» refere que “a arguida A... foi condenada em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade (processo 709/11) e tal não a impediu de voltar a delinquir”, tendo desconsiderado que do mesmo relatório social consta que aquele processo “encontra-se suspenso por incapacidade temporária de A... para o trabalho”.

Caso se afigure adequada a aplicação de uma pena privativa da liberdade, deve a mesma ser suspensa na sua execução, nos termos do art.50.º do Cód. Penal.

Vejamos.

Mantendo-se as penas de prisão aplicadas à arguida pela prática dos crimes de ofensas à integridade física e ameaças, em detrimento da pena de multa e não sendo questionada a pena única de 1 ano de prisão que resulta do cúmulo jurídico das penas parcelares pela prática destes dois crimes e do crime de perturbação do funcionamento de órgão constitucional, impõe-se agora verificar da possibilidade da sua substituição.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se a pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal e as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade ( art.58.º do C.P.).

Para além destas penas de substituição, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres ( art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção ( art.46.º do C.P.).

Por baixo de uma aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais na escolha da substituição da pena de prisão, é mais ou menos pacifico que consegue divisar-se um critério ou cláusula geral de substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efectiva aplicação.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, a pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal, não satisfaz no caso concreto as finalidades da punição, quer a nível de prevenção especial, quer a nível de prevenção geral, pelas razões que se deixaram já expostas a propósito da opção pela pena de prisão em detrimento da pena de multa.

Também a pena de trabalho a favor da comunidade a que alude o art.58.º do Código Penal , que consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de dizreito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (n.º 2), não se afigura adequada ao caso concreto.

Pese embora se verifique o seu pressuposto formal, no sentido de estar em causa uma pena de prisão em medida não superior a dois anos, não se verifica o seu pressuposto material, que é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, em princípio, não será de aplicar a quem vem reiteradamente praticando crimes e já teve contacto com o meio prisional pelo cumprimento de pena de prisão efectiva.
Cremos ser este também o entendimento do Prof. Augusto Silva Dias ao defender que “ ela é aplicada a crimes que, pela sua pouca gravidade e baixa frequência (não se trata, portanto, de crimes de massa), não provocam alarme social e a delinquentes que não são habituais ou sequer reincidentes.”.[4]

No caso, o Tribunal «a quo» refere que “a arguida A... foi condenada em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade (processo 709/11) e tal não a impediu de voltar a delinquir”.

A recorrente refere que ao assim escrever no douto acórdão recorrido o Tribunal a quo desconsiderou que do mesmo relatório social consta que aquele processo “encontra-se suspenso por incapacidade temporária de A... para o trabalho”.

Salvo o devido respeito, a afirmação do Tribunal a quo é correta porquanto após acondenação da arguida em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade no proc.n.º 709/11, não a impediu de praticar, posteriormente, os crimes que constram dos processos descritos nos pontos n.ºs 16.7, 16.8, 16.9, 16.10, 16.11, 16.12, 16.13 e 16.14, para além dos três crimes particados no presente processo.

A suspensão do cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade, já fixada por sentença transitada em 18-1-2012 no proc. n.º 709/11, por incapacidade temporária de A... para o trabalho, não é circunstância que abone, no presente processo, a favor da sua aplicação.

A única penas de substituição da prisão, em sentido próprio, que resta é a suspensão da execução.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.[5] No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».[6]

Desta matéria resulta que a arguida possui uma situação económica precária, com falta de qualificações profissionais e em termos sociais, é de modesta condição e conflituosa, com reflexos negativos nomeadamente na família e nas relações laborais.

Tem já um razoável passado criminal, iniciado há vários anos, tendo já sido condenada por diversos crimes e penas, designadamente em oito penas de prisão suspensa na execução, com e sem regime de prova, como já atrás mencionado.

Já foi condenada numa pena de prisão efetiva.

Como conduta posterior aos factos e relevando também para o conhecimento da personalidade da arguida, anotamos que não manifesta arrependimento (ponto n.º 19), não confessou os factos, nem procedeu reparação dos prejuízos causados à ofendida, circunstâncias através das quais poderia demonstrar que previsivelmente não voltaria a praticar no futuro novos crimes.

A personalidade da arguida tem-se pois revelado refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e nem o cumprimento anterior de pena de prisão efetiva tem obstado à reiteração na prática de crimes de vária natureza.

Em suma, a prognose sobre o comportamento da arguida à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa e as exigências de prevenção geral são elevadas.

O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pela arguida A... , numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por variados tipos de crime, e em que já beneficiou anteriormente da suspensão de execução da pena de prisão, ficaria afetado pela substituição, novamente, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão, mesmo que sujeita a condições.

Em suma, não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada à arguida.

Tal como se decidiu no acórdão recorrido, afigura-se-nos que as restantes penas de substituição, já detentivas, não serão de aplicação adequada ao caso concreto.

Nos termos do art.44.º, n.º1, do Código Penal, na redação vigente à data dos factos, o regime de permanência na habitação deve ser aplicado sempre que a pena de prisão aplicada for em medida não superior a um ano e o tribunal concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Esta pena de substituição está particularmente indicada para as situações em que o arguido esteve sujeito à medida coativa de obrigação de permanência na habitação e/ou se verifiquem os casos descritos no n.º2 deste art.44.º do Código Penal, ou seja, a) Gravidez; b) Idade inferior a 21 anos ou superior a 65 anos; c) Doença ou deficiência graves; d) Existência de menor a seu cargo; e) Existência de familiar exclusivamente ao seu cuidado.

A conclusão que aqui expressamos não resulta prejudicada pelo facto do art.43.º do Código Penal, na redação da Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, que regula hoje o regime de permanência na habitação, deixar de fazer referência a estas situações concretas.

Dos factos provados não resulta que a arguida se encontre em qualquer destas situações. Vivendo sozinha, tendo uma personalidade conflituosa e já cumprido prisão efetiva, entendemos que as finalidades da punição não ficariam salvaguardas com a substituição da pena de prisão por regime de permanência na habitação, face à norma então vigente, como face ao atual art.43.º, n.º1, al. a), do Código Penal.

A prisão por dias livres e o regime de semidetenção foram abolidos do Código Penal com as alterações introduzidas nele pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto.

Ainda assim diremos que de acordo com o art.45.º, do Código Penal, na redação vigente à data dos factos, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, é cumprida em dias livres sempre que o tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (n.º1).

Sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão e, deste modo, o seu carácter intimidativo, a prisão por dias livres é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas de curta duração e de, ao mesmo tempo, manter em grande parte as ligações do condenado à sua família e à sua vida profissional.

A arguida A... foi condenada em pena de prisão cumprida por dias livres nos processos n.ºs 260/11 (ponto n.º 16.5) e 81/13 (ponto n.º 16.11), mas sem resultados positivos, pois praticou os factos ora em apreciação em data posterior, pelo que considerando todo o passado criminal, a personalidade da arguida, com dificuldades de integração pessoal, nomeadamente no âmbito familiar e laboral, entendemos que esta pena de substituição não era adequada ao caso.

Por fim, dispõe o art.46º, n.º 1, do Código Penal, na redação vigente à data dos factos, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie, nem cumprida em dias livres, pode ser executada em regime de semidetenção, se o condenado nisso consentir

O regime de semidetenção consiste numa privação da liberdade que permita ao condenado prosseguir a sua atividade profissional normal, a sua formação profissional ou os seus estudos, por força de saídas estritamente limitadas ao cumprimento das suas obrigações (nº 2).

Como bem refere o douto acórdão recorrido, no caso, não se verificam os respetivos pressupostos pois a arguida a quo não trabalha, não está em formação profissional ou a estudar, pelo que não tem obrigações que possam e devam ser satisfeitas através deste modo de execução da pena de prisão.

Em síntese, as fortes exigências de prevenção especial não permitem a substituição da pena de prisão aplicada à arguida A... por penas de substituição, pelo que não merece censura a condenação da mesma em pena de prisão efetiva.

Não se reconhecendo a violação pelo Tribunal a quo de qualquer das normas indicadas pela recorrente nas conclusões da motivação do recurso, mais não resta que negar provimento à pretensão da recorrente e manter a douta decisão recorrida.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida A... e manter o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                         *

Coimbra, 13 de dezembro de 2017

Orlando Gonçalves (relator)

Inácio Monteiro (adjunto)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4]  – R.O.A., Novembro 2011, pág. 11. 

[5] Cf., Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 337 e ss, e Prof. Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, vol. I, Bosch, 1981, págs. 1154 e 1155. 

[6] Obra citada, pág. 344.