Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3261/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. RUI BARREIROS
Descritores: ALIMENTOS
Data do Acordão: 01/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 1675.º N.º 2 DO CC
Sumário:


I – A obrigação de prestar alimentos entre cônjuges separados de facto mantém-se se a separação de facto «não for imputável a qualquer dos cônjuges» (nº 2, do art. 1675º do CC), pelo que o cônjuge a quem for imputável a separação, não pode pedir alimentos.

II – O cônjuge necessitado de alimentos tem direito a pedi-los do cônjuge que os possa prestar, mesmo que não tenha sido determinada a culpa, incumbindo ao demandado o ónus de alegar e provar que a culpa é do demandante, se quiser impedir o direito invocado.

III – Os alimentos não tem de ser em montante que necessariamente permitam a manutenção da posição que o credor tinha na anterior relação familiar.

IV – É adequado arbitrar uma quantia que represente cerca de um terço do rendimento líquido do devedor de alimentos quando, ao mesmo tempo, tal quantia supre o déficit da credora.
Decisão Texto Integral:

Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação nº 3261/03, vindo do Tribunal da Comarca de Ferreira do Zêzere (acção ordinária nº 75/01):
I – Relatório.
1. Autora: F.
2. Réu: A.
3. Pedido: condenação do réu a pagar à autora a quantia de 75.000$00 mensais a título de alimentos.
4. Causa de pedir: não prestação de auxílio e assistência à autora por parte do réu, sendo ambos casados e estando separados, por causa do réu ter abandonado a casa onde viviam; situação de carência por parte dela e capacidade económica para a prestação pedida por parte dele.
5. O réu impugnou os factos alegados pela autora, afirmando que foi expulso de casa por ela, a qual tem património suficiente para fazer face às despesas, diferentemente de si.
6. Proferido despacho saneador, organizados os factos assentes e a base instrutória e realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o réu a pagar à autora «até ao dia 8 de cada mês, através de vale de correio, a quantia de 174,58 (…) - Esc. 35.000$00 -, a título de prestação de alimentos».
7. É desta decisão que o réu recorre, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
7.1. A autora não provou, como devia, que a separação não lhe era imputável. Mas, e por outro lado,
7.2. A ré, com uma pensão mensal de 36.000$00 x 14 : 12 = 42.000$00, com um “aforro” de 2.650 contos, com o usufruto de imóveis cujo valor em 1994 era de 22.534 contos, não necessita de qualquer pensão de alimentos.
7.3. O Mº Juiz “a quo”, ao atribuir à autora uma pensão alimentar, a título definitivo, de 35.000$00, violou o disposto no artigo 1675º do C. Civil.
...
II – Fundamentação.
10. Factos provados.
A autora, F, e o réu, A, casaram em 21.05.1994 (al. A).
Autora e réu viveram juntos desde fins de Setembro de 2000 até 31 de Outubro de 2000, sendo que, anteriormente a esse período, e desde que casaram, a autora ia para a Alemanha ter com o marido, ficando a morar com ele durante cerca de três meses no Verão e o marido vinha a Portugal ter com a autora, ficando a morar com ela durante cerca de um mês ou um mês e meio, por altura do Natal e do Ano Novo (nº 64).
A autora e o réu encontram-se separados de facto desde 31.10.2000 (al. B), data em que o réu abandonou a autora e a casa onde ambos viviam (nº 1), tendo o réu deixado de prestar qualquer auxílio e assistência à autora (al. C).
Antes do casamento referido em A), a autora explorava uma taberna (al. I), que o réu a obrigou a fechar, aquando do matrimónio com a autora, para que se dedicasse por completo à vida doméstica (nº 13).
A autora aufere uma pensão mensal de Esc. 36.000$00 (al. D), única fonte do seu rendimento (nº 20).
A autora alimenta-se precariamente (nº 2). Sofre de problemas de saúde a nível de coluna cervical (al. E). Sofre de cataratas (nº 5); consulta, de vez em quando, um oftalmologista (nº 6). As consultas de oftalmologia custam cerca de 10.000$00 cada uma (nº 7). É pessoa nervosa e sofre de depressões, as quais se agravaram a partir da data referida em B) - (nº 8) e, em consequência, toma ansióliticos (nº 9). Em ansióliticos e medicamentos para dormir e para as dores na coluna, a autora despende cerca de Esc. 6.000$00 por mês (nº 10).
Para fazer face às suas despesas mensais, a autora tem recorrido à ajuda de vizinhos e familiares (nº 3), que lhe têm emprestado dinheiro, roupas e calçado usados (nº 4).
Os filhos da autora afastaram-se desta, por não concordarem com o casamento da mãe com o réu (nº 12).
Em data posterior a Maio de 1994, a autora partilhou os bens pertencentes ao património comum do seu primeiro marido, já falecido, com os seus filhos (al. M), facto a que o réu levou a autora, para compensar os filhos da autora pelo desagrado relativamente ao casamento (nº 14).
Do património referido em M) faziam parte as duas casas hoje habitadas pela autora, sendo que ambas se completam, já que a cozinha e a casa de banho são comuns (só existem uma cozinha e uma casa de banho para uso de ambas as casas) e existe apenas um contador de água e outro da luz, e que pertencem aos filhos, sendo a autora apenas usufrutuária (nº 28). E um prédio sito em Ferreira do Zêzere, com uma grande vinha e terra de semeadura (nº 29). E um prédio em Igreja Nova, com vinha, laranjeiras e um poço (nº 30). E um terreno com casa e barracão, vinha, árvores de fruto e terra fértil para criar hortaliças, sendo que a casa referida é uma casa-barracão, em muito mau estado de conservação (nº 31).
Tais imóveis valiam, no seu conjunto, mais de 20.000 contos, sendo que, em 1994, valiam cerca de 22.524 contos (nº 32). A vinha de Ferreira do Zêzere produz pelo menos, 40 almudes de vinho (nº 34). A vinha da Igreja Nova produz, pelo menos, cerca de 10 almudes de vinho (nº 35). O prédio referido no quesito 31º podia ser arrendado, desde que submetido a obras de adaptação dispendiosas (nº 36). Uma das casas referidas no quesito 28º podia igualmente se arrendada desde que submetidas a obras de adaptação dispendiosas (nº 37).
Os referidos imóveis estão entregues aos filhos da autora e alguns deles são por eles cultivados (explorados), arrecadando os respectivos produtos cultivados, para seu (deles) consumo (nº 33).
O réu sempre se recusou a amanhar ou mandar amanhar as propriedades referidas em M) - (nº 15).
Há cerca de 2 ou 3 anos, a autora recebeu 2.650 contos resultantes da venda de um lagar de azeite e de um veículo pesado (nº 27).
Actualmente, a autora vive sozinha (nº 11). O filho e o genro da autora trabalham ... em Lisboa, onde exercem a profissão de electricista (nº 39). A filha e a nora da autora trabalham ..., em Lisboa (nº 40).
A autora despendeu cerca de 15.000$00 mensais em electricidade, água, gás e telefone (nº 16); cerca de Esc. 7.000$00 em produtos de higiene e limpeza para si e para a casa (nº 17); quantia não concretamente apurada em alimentação, mas nunca inferior a Esc. 30.000$00 por mês (nº 18). Necessita de, pelo menos, Esc. 10.000$00 mensais para se vestir e calçar (nº 19).
A casa que o réu passou a habitar, após o facto referido na alínea B), apresenta rasgos nas paredes exteriores, tem uma pequena casa de banho e uma banheira e tem infiltrações de água no seu interior quando chove (nº 41).
O réu foi emigrante na Alemanha durante 32 anos e aufere uma pensão mensal de Esc. 164.432$00 (al. F). Possui um veículo automóvel de marca “Mercedes” (al. G), comprado pelo réu em “segunda mão” (nº 49).
Tem duas casas próprias, uma nos Pegados e outra na Amadora (al. H).
O réu é titular de uma conta bancária, onde é depositada a pensão que recebe da Alemanha, referida em F) dos Factos Assentes (nº 22).
O filho do réu trabalha em Lisboa (al. N).
O réu despendeu quantia não concretamente apurada em alimentação, mas nunca inferior a Esc. 30.000$00 por mês (nº 42). Desloca-se frequentemente à sua casa da Amadora, a qual tem melhores condições de habitabilidade (nº 43). Nas deslocações referidas nas respostas ao quesito anterior, despendeu quantia mensal não concretamente apurada (nº 44). Necessita de, pelo menos, Esc. 10.000$00 mensais para se vestir e calçar (nº 45); em água, luz e gastos na casa de Pegados, o réu despende cerca de Esc. 1.000$00 por mês (nº 46); em água, luz e gastos na casa da Amadora, o réu despende cerca de Esc. 3.750$00 por mês (nº 47). Paga anualmente Esc. 12.774$00 pelo seguro multi-riscos e de incêndio, da casa de Pegados (nº 48). No ano de 2001, pagou Esc. 60.510$00 pelo seguro automóvel (nº 50). Do condomínio do andar da Amadora o réu paga Esc. 2.000$00 mensais (nº 52).
O réu não é beneficiário da Segurança Social (nº 62).
11. O Direito.
São duas as questões que o recorrente coloca para decisão neste tribunal: a) falta de prova, por parte da autora, de que a separação não lhe era imputável (al. a da conclusão); b) inexistência de uma situação de carência por parte da autora (al. b) da conclusão).
11.1. Autora e réu, encontrando-se separados de facto, ainda não extinguiram a relação matrimonial que os liga. Assim, estão obrigados aos deveres previstos no artigo 1.672º do Código Civil diploma a que pertencem os artigos sem referência.: «os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência».
11.1.1. O dever de assistência «compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar» artigo 1675º.. Abrange a assistência material a que os cônjuges se encontram reciprocamente vinculados Acórdão do STJ, de 13 de Novembro de 1990, in BMJ 401º, 591..
Os alimentos referem-se aos cônjuges entre si, sendo um credor do outro; a contribuição para os encargos familiares tem um âmbito mais lato, pois pode abranger também as necessidades dos filhos, parentes e empregados a cargo dos cônjuges Professor Antunes Varela, Direito da Família, Petrony, 1993, pág. 349; Desembargador Jorge Augusto Pais do Amaral, Do Casamento ao Divórcio, edições Cosmos, 1997, pág. 85.. Portanto, cada um dos cônjuges está obrigado a contribuir para o «sustento, habitação e vestuário» artigo 2003º, nº 1. do outro: «Na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artigo 1675º» artigo 2015º, sob a epígrafe de Obrigação alimentar relativamente a cônjuges.. O conceito de sustento, que integra o de alimentos naturais Professor Cunha Gonçalves, Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, vol. II, pág. 430., ultrapassa a simples alimentação, englobando ainda a satisfação de outras necessidades vitais, como a saúde, a segurança, os transportes, etc. R.L.J. 102º, 262; R.O.A. 1968, pág. 93; Professor Cunha Gonçalves, obra e volume e página citados e vol. VI, pág. 776; S.J. XVI, 269 ss..
11.1.2. Mantendo-se a relação conjugal numa situação plena, a obrigação de alimentos é absorvida pela de contribuição para os encargos da vida familiar cf. o citado Acórdão do STJ, de 13 de Novembro de 1990.. Conforme refere a Srª Drª Maria de Nazareth Lobato Guimarães, «em princípio, os cônjuges têm direito a alimentos - mas esse direito fica diluído, normalmente, pela existência de um pacto, mais ou menos expresso, de manutenção, aspecto do modo de viver, do nível de vida comum que se escolhe e assume» Reforma do Código Civil - Alimentos, Ordem dos Advogados, 1981, pág. 190.. Faltando ou estando diminuída a comunhão, mas mantendo-se o vínculo, autonomiza-se a obrigação de alimentos: «A comunidade deixou de existir, e só ela justificava os gastos de manutenção» Autora e obra acabada de citar, pág. 191.. Nestes casos, em que, do ponto de vista funcional, deixa de haver ou está diminuída a família, por exemplo por se encontrarem separados de facto, a obrigação de alimentos persiste: «o dever de assistência mantém-se durante a separação de facto ...» artigo 1.675º, nº 2, 1ª parte; Acórdão do STJ, de 25 de Fevereiro de 1993: «do preceituado no artigo 1675 do Código Civil resulta que o dever de assistência se mantém durante a separação de facto» - sumário do Acórdão (Procº nº 83029; www.dgsi.pt.)..
11.1.3. Mas, por força da separação, que traduz uma realidade que põe em crise os pressupostos do casamento, com as respectivas consequências, essa obrigação de prestar alimentos só existe se a separação de facto «não for imputável a qualquer dos cônjuges» artigo 1.675º, nº 2, 2ª parte..
Se a separação for imputável a um deles ou a ambos, tem direito a alimentos o que não for culpado ou o for menos do que o outro artigo 1.675º, nº 3, 1ª parte.. Tal significa que, em princípio, o cônjuge a quem for imputável a separação, não pode pedir alimentos.
Em princípio, porque a mesma norma prevê uma situação de excepção, ou seja, a de um cônjuge culpado ou mais culpado, apesar disso, ter direito a alimentos: «o tribunal pode, todavia, excepcionalmente e por motivos de equidade, impor esse dever ao cônjuge inocente ou menos culpado, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração que o outro cônjuge tenha prestado à economia do casal» 2ª parte, do nº 3, do art. 1.675º.. Preceito igual vigora nos casos de divórcio e separação judicial de pessoas e bens: «excepcionalmente, pode o tribunal, por motivos de equidade, conceder alimentos ao cônjuge que a eles não teria direito, nos termos do número anterior, considerando, em particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à economia do casal» artigo 2.016º..
11.1.4. Relativamente à quebra do dever de coabitação, objectivamente encarada, a Srª Drª Maria de Nazareth Lobato Guimarães distingue dois tipos de situações:
a. aquelas em que a separação não significa quebra de desejo de vida em comum: «não rompe a comunidade» obra citada, pág. 191.; nestes casos, mantém-se o dever de contribuir para os encargos da vida familiar.
b. aquelas em que a separação significa, para um ou para ambos, a intenção de não retomar a vida em comum Também o Sr. Professor Antunes Varela faz esta grande distinção, mas qualifica-a de separação transitória e acidental ou duradoura - obra citada, pág. 350). Para o Acórdão do STJ, de 25/2/93 «Não é relevante qualquer separação de facto, mas aquela duradoura, que tenha posto fim à coabitação» (Procº nº 83029, ponto V do sumário; www.dgsi.pt)..
Nestes casos, há as seguintes sub-hipóteses:
b.1. o cônjuge inocente ou menos culpado, terá direito a alimentos;
b.2. o cônjuge mais ou único culpado, não terá, em princípio, direito a alimentos;
b.3. em princípio não terá, mas, excepcionalmente, pode tê-lo por razões de equidade;
b.4. havendo culpas equiparáveis de ambos os cônjuges, nenhum deles deve nem presta alimentos, salvo situação enquadrável em b.3. obra citada, pág. 193..
11.1.5. Ligeiramente diferente, é a posição do Sr. Professor Inocêncio Galvão Teles: «o direito a alimentos apenas pertence:
- ao inocente contra o culpado;
- ao menos culpado contra o principal culpado;
- a qualquer deles contra o outro, se as culpas forem iguais» CJ XIII, 2, 19 e 20..
Como se vê, enquanto que a referida Autora defende que não há direito a alimentos se as culpas, de um e de outro, forem equiparáveis, este último dá solução contrária, aceitando o dever de alimentos se as culpas forem equiparáveis, o que faz por analogia com o que se passa no divórcio, segundo o disposto no artigo 2.016º, al. c): «Têm direito a alimentos, em caso de divórcio: ...; c) qualquer dos cônjuges ... se, ..., ambos forem considerados culpados».
E, seguindo ainda o pensamento deste Autor, se nenhum deles for considerado culpado, não há direito a alimentos, no que a Autora também estará de acordo, por nenhum ser obrigado a prestá-los, visto que, sem culpa, não há essa obrigação. Aliás, é este o ponto fundamental da posição do Autor, que está vertida num Parecer, insurgindo-se ele contra o facto de se ter condenado um não culpado a pagar alimentos: «Por outro lado, a sentença cometeu um equívoco frontal ao impor obrigação de alimentos a um divorciado não culpado» pág. 19, 2ª col..; «um divorciado, em divórcio litigioso, não poderá pois ser condenado a alimentos se não tiver tido culpa. Só está sujeito a essa condenação o divorciado culpado - suposto que a sua culpa seja exclusiva ou principal ou igual à do outro» pág. 20, 1ª col...
11.1.6. Sobre esta questão, o Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Abril de 1989, aderiu ao ponto de vista do Sr. Professor Galvão Teles na parte em que o Ilustre Professor diz que há direito a alimentos se as culpas forem iguais: «Também se pode entender que, no caso de a culpa da separação de facto se dever atribuir a ambos por igual, qualquer deles terá direito a alimentos» CJ XIV, 2, 224, 1ª col., penúltimo §.. Mas diverge dele, e portanto também da referida Autora, no que respeita ao direito a alimentos quando não há culpa, nem de um nem de outro: «quer dizer que, em princípio, se não houver elementos para se formar um juízo sobre a culpa e, portanto, não possa imputar-se a separação a qualquer dos cônjuges, deve afirmar-se o direito a alimentos» CJ XIV, 2, 224, 2ª col., 7º §., «entendimento que se justifica porque o artigo 1675º proclama a manutenção do dever de assistência durante a separação de facto quando esta não seja imputável a qualquer dos cônjuges» CJ XIV, 2, 224, 2ª col., 6º §..
No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 30 de Maio de 1994: «portanto, não se provando que a separação é imputável a um ou a ambos os cônjuges, mantém-se o direito a alimentos de qualquer deles» CJ XIX, 3, 223, 2ª col., 1º §.. Parece-nos que também é esta a posição do Sr. Desembargador Jorge Augusto Pais do Amaral: «Para obter os alimentos o requerente tem de alegar e provar a necessidade dos alimentos peticionados e a situação de separação de facto. Quanto à imputabilidade da separação de facto importa-lhe provar: que não é imputável a qualquer deles, que é totalmente imputável ao requerido; ou que, sendo imputável a ambos, o requerido é o principal culpado» obra citada, págs. 85 e 86; sublinhei a parte que interessa a esta questão; cf., também, pág. 137, último §, no que respeita já à situação de pessoas divorciadas: « ... ou se não for declarada a culpa de nenhum ... qualquer dos cônjuges pode obter alimentos do outro».. O Senhor Desembargador distingue as situações de separação de facto das de divórcio ou separação judicial, regendo-se as primeiras pelo disposto no artigo 1.675º, nº 3, e as segundas pelo artigo 2.016º; naquelas o fundamento da prestação reside no dever de assistência, nestas, na extinção do vínculo matrimonial, assumindo, de algum modo, natureza indemnizatória obra citada, pág. 86 e 136; no mesmo sentido, o já referido Acórdão do STJ, de 13 de Novembro de 1990; BMJ 401º, 595.. Ao referir esta passagem, queremos só reter a diferença das duas situações, no que respeita aos seus fundamentos; numa, os alimentos justificam-se pela existência de um vínculo, na outra, o vínculo extinguiu-se. Vai no mesmo sentido, quer quanto à atribuição do direito a alimentos não havendo determinação da culpa, quer quanto ao fundamento acabado de referir, o Acórdão do STJ, de 7 de Novembro de 1991: «III - Numa situação de separação de facto, a autora de acção de alimentos tem direito a estes, verificados os requisitos estabelecidos nos artigos 2003 a 2006 do Código Civil, se não foi possível apurar a quem era imputável a título de culpa a separação de facto» sumário do Procº nº 80812; www.dgsi.pt.. No ponto nº I, tinha-se dito: «No caso de separação em que se não tenha verificado ou provado a culpa de nenhum dos cônjuges qualquer deles pode dever alimentos ao outro; ... ».
Em sentido contrário, o Acórdão da Relação de Coimbra, 4 de Maio de 1982 CJ VII, 3, 27.: «o cônjuge que pede alimentos não carece de provar que a separação lhe não é imputável; apenas tem de fazer a prova de que o réu é o único ou principal culpado de tal separação» sumário do Acórdão., afirmação esta repetida no texto -«apenas tem de fazer a prova de que a culpa da separação recai sobre o seu consorte» pág. 28, último período do 5º §. Não obstante também se dizer que «..., o dever de assistência - e, consequentemente o direito a alimentos,- existe quando a separação de facto não for imputável a qualquer dos cônjuges (art. 1675º, nº 2). Quer dizer: quando não haja culpa de nenhum dos cônjuges na separação, o que carecer de alimentos pode exigi-los»; só que, acrescenta logo a seguir: «Simplesmente, para que lhe possam ser atribuídos, tem de provar, além das suas necessidades e das possibilidades da outra parte, que a separação não lhe é imputável» (pág. 28, 1ª col., 7º §)..
11.1.6.1. Obviamente que não era este o regime anterior à reforma do Código Civil: só o cônjuge a quem não fosse imputável a separação podia exigir a prestação alimentar» Acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de Maio de 1982, já referido, nas notas nºs. 38, 39 e 40, pág. 28, 1ª col. 1º §..
11.1.7. Diferente do regime substantivo, é a questão do ónus da prova; diferente, mas com uma interferência funcional que aproxima as duas perspectivas.
Enquanto que nas situações relacionadas com a extinção da relação, a culpa é um facto constitutivo do direito do demandante, competindo-lhe o ónus de a alegar e de a provar, na situação em que um cônjuge demanda outro para que lhe sejam prestados alimentos, compete-lhe só alegar e provar a separação, a sua necessidade e a possibilidade de quem os deve prestar, ficando para este o ónus de provar que a culpa da separação pertence ao demandante, pois considera-se que ela é facto impeditivo do direito invocado. É a posição defendida pelo Sr. Prof. Antunes Varela: «Segundo a redacção actual, é ao cônjuge demandado que incumbe o ónus da prova de que a separação de facto é imputável ao demandante» obra citada, pág. 350, nota 1.. É também a posição do já referido Acórdão da Relação do Porto, de 13 de Abril de 1989: «a culpa, exclusiva ou principal, do que os solicita é um facto que agora se apresenta como impeditivo do referido direito (a alimentos), portanto a provar por aquele a quem é exigido o cumprimento da obrigação alimentar - art. 342º, nº 2 do Código Civil» pág. 224, 2ª col., 8º §.. E, ainda, a do Acórdão do STJ, de 25 de Fevereiro de 1993, já referido: «É ao cônjuge demandado que incumbe o ónus da prova de que a separação de facto é imputável ao demandante ponto IV do sumário; pode ver-se, ainda, o Acórdão da Relação do Porto, de 30 de Maio de 1994, CJ XIX, 3, 222..
11.1.7.1. Posição diferente era a anterior à Reforma do Código Civil de 1977: «A prova destes factos, ou seja, de que não foi ela a culpada da separação, cabe a autora, dado o disposto nos artigos 342 e 344 do Código Civil» ponto II do sumário do Acórdão do STJ, de 15 de Janeiro de 1974; Procº nº 64847; www.dgsi.pt.. Daí que os Acórdãos proferidos na vigência da redacção inicial do Código Civil, tenham afirmações contrárias às dos posteriores.
11.1.8. Pensamos que a posição correcta é aquela que atribui alimentos ao cônjuge deles necessitado a cargo do cônjuge que os possa prestar, mesmo que não tenha sido determinada a culpa, incumbindo ao demandado o ónus de alegar e provar que a culpa é do demandante, se quiser impedir o direito invocado.
11.1.8.1.Em primeiro lugar porque é esse o sentido do nº 2, do artigo 1.675º: o dever de assistência, que inclui o de alimentos, mantém-se durante a separação se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges. Se for, regula o nº 3.
11.1.8.2. Em segundo lugar, porque esse dever deve manter-se. Se numa relação jurídica, sobretudo com a natureza da familiar, com uma importância institucional relevante, está estabelecido o dever de ambos os cônjuges contribuírem para os encargos da vida familiar, seja por que forma for - através do trabalho fora de casa ou na casa -, mantendo-se essa obrigação, embora com um âmbito e carácter diferentes, se a relação sofrer alterações restringentes e mesmo que cesse a comunhão, nenhuma justificação se vê para que esse dever (para que um dever) deixe de existir se nenhum deles tiver culpa na separação; mesmo que ela se enquadre naquelas referidas situações em que a ruptura é definitiva; aliás, só nessas esta questão se pode colocar.
E não há, nesta maneira de ver as coisas, nenhuma injustiça: qualquer dos cônjuges poderia extinguir a obrigação, extinguindo a relação matrimonial no seu todo; mas se ambos se deixam ficar vinculados um ao outro, é compreensível que haja consequências disso; compreensível e conveniente: a) porque as formas institucionalizadas das pessoas se organizarem em sociedade não devem poder ficar “desertas” - permita-se a comparação com a relação processual civil -, sob pena de esvaziamento e consequente perda de significado e valor; b) porque a previsão de um regime de vinculação e comunhão de duas ou mais pessoas tem de abarcar a multiplicidade de hipóteses, mesmo que elas não se verifiquem todas num caso concreto; e, nessa multiplicidade, pode haver interesses realmente protegidos pela atribuição de alimentos, mesmo que o decrescimento da relação a leve a um nível mínimo.
11.1.8.3. Em terceiro lugar, porque a relação matrimonial deverá ser encarada com uma dignidade e uma atitude científica que não sobrevalorize a culpa; o facto de tal ainda acontecer, no nosso sistema, apesar das mudanças operadas, não significa que a interpretação não possa e não deva seguir um rumo mais virado para o que lei virá a ser, desde que a tal não se oponha a sua letra actual artigo 9º.. Basta atender ao factor “aliança” existente na instituição familiar, para termos de traçar direitos e obrigações, incluindo no campo jurídico. E não é necessário o recurso à ideia da culpa; ou, pelo menos, não é necessário colocá-la em muitos das questões que se têm de resolver neste domínio.
Autores como os Srs. Professores Pereira e Coelho e Domingos Andrade já o disseram: « ... o direito português continua a dar ampla relevância, porventura demasiada, ao “princípio da culpa” quanto aos efeitos patrimoniais do divórcio ...» sublinhei; RLJ 117º, 96, 2ª col..; «as causas do divórcio devem ser definidas segundo a teoria do divórcio-remédio» RLJ 88º, 323.. A segunda citação, escrita antes da reforma de 77 não significava ainda a irradicação da ideia da culpa, pois o Sr. Professor Domingos Andrade defendia o sistema suíço da altura, com fortes sanções para o cônjuge culpado; mas é precursora da modificação operada.
Na verdade, é importante acompanhar as outras ciências sociais, onde a perspectiva da culpa - a culpa do outro, como significativamente incluindo alguma caricatura/censura. Cf. As Crianças e o Divórcio, O Diário de Ana, Uma História para os Pais, da Srª Drª Maria Saldanha Pinto Ribeiro, Edições Icarus, 2ª ed., 1997, incluindo o Prefácio de Maria José Ritta; Profª Drª Anália Cardoso Torres, Fatalidade, Culpa, Desencontro, formas da ruptura conjugal, “Sociologia - Problemas e Práticas, Nº 11, 1992, págs. 43 a 62; Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos, Celta Editora, Oeiras, 1996; Luiz Meyer, Família, Dinâmica e Terapia, Edições Salamandra. dizem os sociólogos e psicólogos - ou é muito desvalorizada ou mesmo desconhecida e levanta sérias dificuldades pela sua conotação ideológica, ética e moral; ou seja, além de incorrecta e desactualizada, “contamina” o direito, enquanto ciência.. O fim da afeição conjugal é o resultado de dinâmicas que, muitas vezes, envolvem um círculo de pessoas mais amplo do que os próprios cônjuges, mas que, seguramente, tem a ver com ambos e não só com um deles.
No direito alemão, após a reforma de 76, desapareceu, por completo, o divórcio com base na culpa primeira lei de reforma do direito matrimonial e de família alemão, publicada em 15 de Junho de 1976, no Bundesgezetzblatt I.S. 1421-B.G.B.C., com entrada em vigor em 1 de Julho de 1977.. Passou-se de um sistema de divórcio com base na culpa para um divórcio com fundamento no fracasso matrimonial e alterou-se o conceito de culpa, para efeitos de prestações alimentares e compensatórias, adaptando o respectivo regime às necessidades sócio-políticas da mulher. Assim, a atribuição de uma pensão de alimentos ou de prestação compensatória depende da necessidade de um dos (ex-) cônjuges e, em certa parte, da possibilidade do outro.
Também o direito espanhol foi conhecendo uma evolução semelhante, evolução lenta mas constante, forçada pela força dos factos Alimentos entre conyuges y entre convivientes de hecho, Maria Paz Garcia Rubio, Editorial Civitas, S.A., 1995, pág. 71.. Negava-se o direito a alimentos ao cônjuge separado não legalmente, por os cônjuges estarem obrigados a viver juntos; depois, concedia-se se a separação fosse de comum acordo; numa terceira fase, o cônjuge não culpado da separação tinha direito a alimentos, regime semelhante ao francês. A partir da reforma de 81 Ley 11/1981, de 13 mayo., há já decisões judiciais, de 1983 e 1985, a atribuírem alimentos a um dos cônjuges separados de facto sem recurso à causa da separação, regendo-se a obrigação do devedor estritamente pelos pressupostos da necessidade do cônjuge credor e possibilidade do devedor a ideia de culpa só opera em situação de incumprimento grave ou reiterado dos deveres conjugais..
Também em França, a partir da Lei de 11 de Julho de 1975, relativamente aos efeitos patrimoniais do divórcio, se procurou seguir um caminho de reequilíbrio entre as situações patrimoniais dos cônjuges, no sentido de separar a ideia de culpa dos efeitos pecuniários do divórcio, o que não foi levado até às últimas consequências com receio de tal ser mal compreendido pela opinião pública Alain Bénabent, Droit Civil - La Famille, 3ª édition, 1988, Litec, pág. 265..
11.1.9. Então, se estiver correcto o pensamento exposto, teremos de concluir que o recorrente não tem razão quanto à primeira questão que colocou. A recorrida só não teria direito a alimentos da sua parte se tivesse sido considerada culpada ou mais culpada pela separação, o que não resulta dos factos dados como provados. Do que se trata não é de a prestação ser exigível «apenas ao único e principal culpado», como diz o recorrente nas suas alegações fls. 326, linha 19., mas de a ela ter direito o cônjuge a quem não for imputável a separação: «o dever de assistência mantém-se durante a separação de facto se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges» artigo 1675º, nº 2.. Ora, nenhum facto permite imputar a culpa da separação à autora-recorrida.
Como também nenhum permite imputá-la ao réu-recorrente, contrariamente ao afirmado por aquela nas alegações: « … foi o Réu que abandonou a A. e a casa onde ambos residiam, o que configura claramente a situação de cônjuge culpado pela separação, …» artigo 10º das Alegações, a fls. 334.. Quer consideremos o vocábulo abandonar no seu sentido corrente ou, mesmo, se abrangermos o significado jurídico - sair de casa com a intenção de não mais voltar - em nenhum dos casos resulta a culpa do que saiu, só desse facto: «o simples facto objectivo da saída do domicílio conjugal não é suficiente para essa declaração» (culpa do outro cônjuge) sumário do Acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 1993, in CJ STJ I,1,20.; «não conduz à procedência de um pedido de divórcio apenas ficar assente que o R. se ausentou, em Outubro de 1976, para o Brasil, e deixou de contribuir para as despesas do agregado familiar, sem que se saiba o porquê disso» sumário do Acórdão da Relação de Évora, de 9 de Outubro de 1980, in CJ V,4,264..
Face aos factos alegados e provados só podemos afirmar que a separação entre autora e réu não é imputável àquela, o que, conforme expusemos atrás, lhe permite pedir alimentos ao marido separado.
Do que ficou dito atrás, logo se vê que também não concordamos com a afirmação do recorrente constante da alínea a) da sua conclusão: «A A. não provou, como devia, que a separação (não cf. nota nº 2.) lhe era imputável» fls. 8 v... Era ao recorrente que, na posição de réu, competia alegar e provar que a separação era imputável à recorrida, enquanto demandante de alimentos. E o recorrente alegou factos suficientes para o impedimento do direito a alimentos: «a A. queria que o R. suportasse todas as despesas e dada a obstinação do R. em não aceitar as exigências da A. esta pô-lo na rua» artigos 22, 23 e 24 da Contestação, a fls. 20., o que foi vertido para a base instrutória - «no período referido no quesito 64º, a A. exigiu do R. que este suportasse sozinho as despesas do lar e porque este se recusou, a A. obrigou o R. a deixar o lar conjugal» nºs. 24 e 25 da base instrutória, a fls. 52; o período referido no quesito 64º é o que vai «desde fins de Setembro de 2000 até 31 de Outubro de 2000», ou seja, aquele em que ambos viveram juntos depois que o réu regressou definitivamente a Portugal. -. Só que tal matéria foi dada como não provada «Quesitos 23º a 26º: Não provado», a fls. 300.. Ora, constituindo tal alegação uma excepção peremptória, reus excipiendo fit actor e actore non probante reus absolvitur Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 201 e 202., o que significa que se mantém o direito invocado pela autora-recorrida.
11.1.9.1. O recorrente invoca a seu favor os Acórdãos do STJ de 30 de Novembro de 1973 e de 15 de Janeiro de 1974 BMJ 231º, 173 e 233º, 204, respectivamente., nos quais se diz que o direito a alimentos depende da prova de que a separação não é imputável ao demandante, cabendo a este alegar os factos respectivos, por serem constitutivos do seu direito.
Ora, sobre este aspecto, já atrás referimos que muitos Acórdãos publicados fazem tal afirmação por se referirem a factos julgados antes da Reforma do Código Civil de 1977, sendo, na verdade, esse o regime correcto nessa altura, mas entretanto alterado. Os Acórdãos referidos pelo recorrente exemplificam esta afirmação, pois foram proferidos em 1974 e 1975.
11.2.1. Então, mantendo-se a autora e o réu vinculados, embora sem comunhão, é-lhes aplicável o regime de alimentos acima referido.
Nos termos do disposto do nº 1 do artigo 2.003º, «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário», sendo que a sua medida deve ser proporcionada «aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los» nº 1, do artigo 2.004.. Os alimentos serão fixados, em princípio, em prestações pecuniárias mensais artigo 2.005º, nº 1., sendo devidos desde a propositura da acção artigo 2.006º..
Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 2.016º «na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta», critério este relativo aos casos de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, mas «aplicável ao caso de ter sido decretada a separação judicial de pessoas e bens» nº 4, do mesmo artigo (2.016º)..
Relativamente ao primeiro requisito, refira-se a sua relatividade, pois não interessa só calcular um custo médio normal e geral da subsistência, mas considerar as circunstâncias especiais da pessoa a alimentar, como sejam a idade, o sexo, o estado de saúde, a situação social, etc. R.L.J. 93º, 344; B.M.J. 108º, págs. 108 a 113.; e essas necessidades concretas relativamente ao momento actual artigo 2.004º, nº 1; R.O.A., 1968, pág. 96 a 99.. Quanto ao segundo requisito, relevam as receitas e despesas do devedor, ou seja, a parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em conta as obrigações para com outras pessoas Professor Cunha Gonçalves, obra citada, VIII vol., págs. 120 e 121; B.M.J. 108º, 106..
11.2.2. Conforme decidiu o Acórdão do STJ, de 7 de Novembro de 1991, «para efeitos do disposto no artigo 2003, por sustento tem de se entender e considerar, não apenas as despesas com alimentação, mas as despesas para que uma pessoa se mantenha viva e actuante, o que engloba necessariamente as despesas com a saúde» ponto 3 do sumário; procº nº 80812; www.dgsi.pt.. E o Acórdão do STJ, de 25 de Março de 1999: «No caso de separação de facto, o critério de fixação de alimentos há-de ser, não o do estritamente necessário à satisfação das necessidades de habitação, alimentos e vestuário, que constitui o critério normal, mas o da manutenção do nível sócio-económico do cônjuge fragilizado pela separação ponto II do sumário; Procº nº 99B199; www.dgsi.pt..
Posição que parece ser diferente é a da Srª Drª Nazareth Lobato Guimarães, a qual, reconhecendo que a posição maioritária será a dos que defendem que «durante a separação de facto o cônjuge não culpado ou a quem a separação não seja imputável, tem direito a não ver alterada a sua posição familiar», defende que o direito à manutenção, ao nível de vida estabelecido não é um direito subjectivo de um cônjuge contra o outro obra citada, pág. 192..
Parece que esta é a posição mais correcta, considerando que se trata de uma situação em que, por um lado, se mantêm deveres, mas, por outro lado, a comunhão é fraca ou inexistente.
11.2.3. Traçado este quadro sobre o direito aplicável, é altura de abordarmos a segunda questão colocada pelo recorrente, que tem a ver com os rendimentos da recorrida, suficientes para a sua subsistência, conforme alega: «A ré com uma pensão mensal de 36.000$00 x 14 : 12 = 42.000$00, com um “aforro” de 2.650 contos, com o usufruto de imóveis cujo valor em 1994 era de 22.534 contos não necessita de qualquer pensão de alimentos». Nas alegações, o recorrente afirma que «salvo o devido respeito, transparece sem rebuço na presente acção, é que a A. ao receber mensalmente 42.000$00 da Segurança Social, com 2.650 contos arrecadados, entregou os imóveis de que tinha os usufrutos, quer as casas, quer as vinhas, quer os terrenos de cultura aos seus dois filhos e respectivos cônjuges e veio a tribunal exigir do A. uma contribuição, que lhe permita quiçá, receber ainda melhor os filhos e os netos quando vêm a casa dela gozar os ócios e lazeres».
A autora-recorrida louva a sentença sob recurso pelo facto de nela se ter dito ser irrelevante que a autora tenha tido bens que doou aos filhos.
11.2.3.1. Sobre esta questão, importa recordar que «em data posterior a Maio de 1994, a autora partilhou os bens pertencentes ao património comum do seu primeiro marido, já falecido, com os seus filhos». A separação entre autora e réu ocorreu em 31 de Outubro de 2000, pelo que aquele facto não tem a menor relevância para o que aqui se decide. Então, nem sequer é necessário trazer o facto de ter sido o réu «quem levou a autora a proceder» dessa maneira, «para compensar os filhos da autora pelo desagrado relativamente ao casamento». Por outro lado, os referidos bens «estão entregues aos filhos da autora e alguns deles são por eles cultivados (explorados), arrecadando os respectivos produtos cultivados, para seu (deles) consumo».
11.2.3.2. Assim, estamos de acordo com o fundamento da sentença da primeira instância: «por outro lado, afigura-se-nos ser irrelevante o facto de a A. ter sido proprietária de vários imóveis e mesmo de quantias de dinheiro, que todos entregou aos seus filhos. É certo que, se a A. não tivesse entregue os seus bens e dinheiro aos filhos, provavelmente não viveria as carências que evidencia neste momento. A Jurisprudência tem entendido que a medida de alimentos deverá ter em conta os rendimentos e não o valor do imobilizado propriedade do alimentando, pelo que a propriedade dos imóveis sempre seria inócua - Ac. da Relação de Lisboa, de 04.06.1996, in www.http//dgsi.pt (Internet)».
Entretanto «há cerca de 2 ou 3 anos, a autora recebeu 2.650 contos resultantes da venda de um lagar de azeite e de um veículo pesado» nº 27 dos factos provados.. Na sentença afirma-se que a autora também entregou esse dinheiro aos filhos, tal como fez com os bens imóveis: «já a entrega do dinheiro resultante da venda do lagar - Esc. 2.500.000$00 - e do veículo pesado - 150.000$00 - resultou da mentalidade comummente vigente de que as partilhas são feitas ainda em vida de pelo menos um dos progenitores e os filhos, ainda que isso signifique o sacrifício dos pais, deverão receber valores absolutamente idênticos. De qualquer modo, parece evidente, que, se a A. tivesse apenas entregado alguns dos seus bens e ficado com parte do dinheiro resultante da venda, na medida da meação que eventualmente lhe coubesse, não estaria em tão má situação económica e financeira». A verdade é que tal facto não consta dos factos provados, não se entendendo de onde parte a afirmação.
11.2.3.3. Com isto não se quer dizer que a autora não tenha o direito a obter alimentos do réu. A existir esse dinheiro, quer como dinheiro, quer como rendimento de um capital, não a retira da situação de carência em que se encontra. Mas pode já nem existir no património da autora, pois só se sabe que ela, há dois ou três anos, o recebeu. Por outro lado, como se referiu na sentença, o réu tem capacidade económica para prestar alimentos à autora, o que é sua obrigação. Sobre este aspecto, parece-me importante a seguinte observação da sentença: «no entanto, a A. não actuou com o propósito concretizado de se colocar numa situação de carência, a fim de receber alimentos».
11.2.3.4. O que interessa considerar é que «a autora aufere uma pensão mensal de Esc. 36.000$00, única fonte do seu rendimento». Assim, é natural que se alimente precariamente. Tem problemas de saúde, conforme resulta da matéria da alínea E) e dos nºs. 5), 6), 7), 8), 9), no que despende 6.000$00 por mês, a que acrescem cerca de 10.000$00 quando tem consultas de oftalmologia. Nas despesas correntes, despende cerca de 52.000$00. Assim, como as receitas são inferiores às despesas, «para fazer face às suas despesas mensais, a autora tem recorrido à ajuda de vizinhos e familiares, que lhe têm emprestado dinheiro, roupas e calçado usados».
Por seu lado, o réu «aufere uma pensão mensal de Esc. 164.432$00». Tem despesas no montante mensal de cerca de 46.750$00, sem contar com o que gasta nas deslocações para a Amadora. Anualmente, tem despesas de 73.284$00, o que dá uma média mensal de 6.107$00, ou seja no total de 52.857$99.
Deduzindo as referidas despesas à receita, obtém-se um valor aproximado de 111.574$00 164.432 – 52.858.. A quantia arbitrada pela sentença equivale a cerca de um terço desta verba, o que parece ser uma quantia equilibrada, quer para o réu, pois representa um terço do que lhe resta depois das despesas correntes, quer para a autora que, com 71.000$00 - 36 + 35 -, já pode fazer face às suas - 52.000$00 + 6.000$00 + consultas de oftalmologia - O critério do terço já teve consagração legal, no regime da Lei do Divórcio de 1910. Dispunha o § único, do artigo 29º, do Decreto de 3 de Novembro de 1910 que os alimentos a cônjuges não podiam exceder a terça parte do rendimento líquido do outro cônjuge (S.J., XVI, 276: "Nos demais casos, não há limite legal, pelo que não nos repugna aplicar-lhes por analogia, o disposto no referido § único, tanto mais que já se entendeu que, em todos os casos de alimentos, deve ser respeitado o limite de 1/3 do rendimento líquido do respectivo prestador (sentença in Bol. Fac. Dir., 1, pág. 32). . Com o fazer destas contas, não se pretendeu chegar a resultados rigorosos, pois sempre há despesas para além daquelas que se apuram num julgamento, há meses em que não se gasta tanto, etc., mas, por um lado, é uma realidade que beneficia ou afecta uma e outra partes, por outro lado, servem como base indiciária.
Dever-se-á, ainda ponderar, para o resultado a que chegamos o facto de ter sido «o R. quem obrigou a A. a fechar o estabelecimento de taberna» que a autora explorava antes do casamento, «para que se dedicasse por completo à vida doméstica» al. I) e nº13 dos factos provados..
III – Decisão.
Pelo exposto, julgam improcedente a apelação, confirmando o decidido em primeira instância.
Custas pelo recorrente.
20 de Janeiro de 2004.