Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1654/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
PRIMEIRO EMPREGO/DESEMPREGADOS
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 09/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 41º, NºS 1, AL. H), E 4, DO DL Nº 64-A/89 ; ARTº 3º, Nº 1, DA LEI Nº 38/96, DE 31/8 .
Sumário: I – Nos termos da al. h) do nº 1 do artº 41º do DL nº 64-A/89 é admitida a celebração de contrato de trabalho a termo de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração ... ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego .
II – É entendimento jurisprudencial maioritário o de que, em tais circunstâncias, o motivo da contratação é válido “a se”, independentemente da existência ou não de necessidades temporárias ou transitórias da empresa .

III – Sobre o entendimento da locução “primeiro emprego “ também não há hoje discrepância relevante: reporta-se a trabalhadores que nunca foram contratados sem termo ou por tempo indeterminado .

IV- No caso de contratação a termo fundada na previsão que tem por base razões de política de emprego, sem deixar de ter de ser motivada, não demanda do empregador uma exigente resposta, sendo razoável que se tenha por fidedigna a declaração adiantada pelo trabalhador .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandou, no Tribunal do Trabalho da Fig. Foz, a R. «B...», pedindo, a final, a sua condenação a reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 3.10.2000; a reconhecer que a comunicação datada de 25.9.2003 consubstancia um despedimento ilícito, com efeitos reportados a 3.11.2003; a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, no grupo profissional de carteiro, com a categoria/nível salarial e a antiguidade reportada a 3.10.2000, pagando-lhe ainda as retribuições que vierem a vencer-se desde a data do despedimento até à sentença, computando-se as já vencidas em €. 559,80, a que acrescerão juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias em dívida que vierem a vencer-se desde a citação e até integral pagamento.
Pretextou, em síntese útil, que foi admitida ao serviço da R. por contrato a termos de seis meses, com início em 3.10.00;
Em 3.4.2001 A. e R. celebraram novo contrato de trabalho a termo certo, desta vez pelo prazo de 12 meses, para o desempenho das mesmas funções de carteiro, contrato que veio a ser renovado por mais 12 meses através da ‘Adenda’ celebrada entre as partes em 4.4.2002 e prorrogado por um período de 7 meses através da ‘adenda’ celebrada em 1.4.2003;
Como pode ver-se pelos documentos juntos, a justificação apresentada, para além de contraditória, é manifestamente falsa, não visando senão iludir disposições legais aplicáveis ao contrato sem termo.
Com efeito, o A. foi contratado não para suprir necessidades transitórias de serviço mas sim necessidades normais e permanentes do serviço de distribuição de correspondência, com origem no facto de os trabalhadores efectivos da R. serem em número inferior ao volume de serviço.
Além disso, os contratos foram apresentados ao A. já preenchidos e prontos para assinar, pelo que não teve o A. consciência de alguns aspectos do seu conteúdo, nomeadamente da declaração que deles consta de nunca ter sido contratado por prazo indeterminado, até porque se se tivesse apercebido, não os teria assinado, já que o A. já tinha trabalhado como efectivo da empresa’Polimil, Ld.ª’, donde se despediu para ir trabalhar para a R., como era do perfeito conhecimento do responsável da R. que interveio na subscrição dos contratos.
Deve assim entender-se que a estipulação do termo em tal contrato é nula.
Mesmo que assim se não entenda, sempre teria de considerar-se que os contratos em questão não contêm qualquer motivo justificativo do respectivo prazo, pois não basta a referência genérica à alínea h) ou a necessidades transitórias do serviço para que se tenha como preenchida a condição exigida pela alínea e) do n.º1 do art. 42º do diploma em causa, como resulta do disposto no n.º1 do art. 3º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto.
Assim, foi despedido ilicitamente, porque sem justa causa e sem processo disciplinar.

2 – Tentada sem êxito a conciliação, a R. veio contestar, defendendo-se por excepção e impugnação.
Aduziu em resumo que não assiste qualquer razão ao A. no que respeita aos contratos celebrados com base em fundamentos constantes da Lei, sem que exista alguma nulidade.
Concluiu pela improcedência da acção.

3 – Com resposta do A., prosseguiram os Autos a sua normal tramitação e, discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente procedente, condenando a R. a reconhecer que entre as partes existia um contrato sem termo, com efeitos reportados a 3.10.2000; a reconhecer que a comunicação datada de 25.9.2003 consubstancia um despedimento ilícito do A. com efeitos a partir de 3.11.2003 e a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, com a categoria e antiguidade reclamadas, pagando-lhe as retribuições devidas, com juros à taxa legal, tudo conforme circunstanciadamente consta do dispositivo, a fls. 78.

4 – Inconformada, a R. apelou, alegando e concluindo:
1. Não ficou provado que a Apelante tivesse anteriormente conhecimento de que o apelado já trabalhara para outra entidade ao abrigo de um contrato sem termo;
2. Pois, foi o próprio Apelado que declarou no contrato que nunca fora contratado por tempo indeterminado;
3. Sendo certo que a ora Apelante não tinha qualquer razão para duvidar da declaração do próprio A.;
4. Se a Apelante tivesse conhecimento desse facto certamente que teria contratado outra pessoa, pois infelizmente o que não falta no País e em todas as comarcas é desempregados que reúnem requisitos para a contratação ao abrigo da alínea h);
5. Assim, a recorrente cumpriu inteiramente o preceituado na alínea h) do n.º1 do art. 41º do D.L. n.º 64-A/89, de 27/2, no art. 42º do mesmo diploma e o n.º1 do art. 2.º do D.L. n.º 34/96, de 18 de Abril, o D.L. n.º 132/99, de 21 de Abril;
6. Dos contratos constam todos os requisitos de forma exigidos no art. 42º do D.L. n.º 64-A/89, ou seja, os contratos foram reduzidos a escrito, assinados por ambas as partes e continham todas as indicações previstas na alínea h) do n.º1 desse mesmo diploma;
7. O legislador, se quisesse esclarecer o sentido da alínea h) do n.º1 do art. 41º do D.L. n.º 64-A/89 teria alterado o preceito com a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho e não o fez;
8. Ao decidir como decidiu, violou a douta sentença a Lei e em especial o art. 9.º/2 do Cód. Civil, e os arts. 41.º, 42.º e 46.º do Regime Anexo ao D.L. n.º 64-A/89, de 27/2;
9. A douta decisão viola o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos, corolário do princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no art. 2º da CRP;
10. A douta sentença em apreço confunde o requisito exigível para que alguém seja trabalhador à procura do 1.º emprego, maxime ‘nunca ter sido contratado por tempo indeterminado’ com os requisitos que caracterizam as condições de exercício de certo direito, 'in casu' o direito que a ora recorrente teria aos incentivos do Estado por participar de forma activa na política de emprego;
11. O abuso de direito, na modalidade de ‘venire contra factum proprio’ deveria ter sido causa de absolvição total do pedido, já que se verificaram os pressupostos de que depende a sua verificação;
12. Na realidade, foi o próprio apelado que declarou que nunca havia sido anteriormente contratado por tempo indeterminado;
13. A decisão em apreço, não o fazendo, violou os arts, 334º do Cód. Civil e o n.º3 do art. 493º do C.P.C.;
14. Seria sempre o recorrido a ter o ónus de provar que no momento da assinatura não entendeu o alcance do que significa nunca ter sido contratado por tempo indeterminado;
15. Ao não considerar este entendimento, a douta sentença violou as regras sobre o ónus da prova – art. 342.º/1 ‘ex vi’ dos arts. 224º/2 e 227.º, todos do Cód. Civil;

Deve pois ser revogada a sentença, com as legais consequências.

5 – O recorrido não ofereceu resposta.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir o douto Parecer de fls. 127-128 – cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 – DE FACTO
Vem assente a seguinte factualidade:
- Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, o A. e a R. celebraram por escrito contrato de trabalho a termo certo de seis meses, em 2.10.2000 e com início em 3.10.2000, conforme documento subscrito por ambas as partes, junto por cópia a fls. 8, com os seguintes dizeres:
‘CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
B..., com sede na R. S. José 20, Lisboa,...neste acto representada por Celso Jesus Silva, com poderes necessários e bastantes para o efeito, e A..., com o BI ….residente em Pereira do Campo, que neste acto intervêm como 1º e 2º contratantes, ajustam entre si o presente contrato de trabalho, a termo certo, nos termos da alínea h) do art. 41.º do Anexo ao D.L. n.º 64-A/89, de 27/2, que se regerá pelo regime do direito comum do trabalho, pelo AE/CCT e pelas seguintes cláusulas:
1.ª – O 2.º contratante compromete-se a prestar ao 1.º a sua actividade profissional, desempenhando as funções de CRT no CDP 3080 Fig. Foz;
2.ª – O 1.º contratante pagará ao 2.º a retribuição de Esc. 102.300$00 mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente;
3.ª – O 2.º contratante fica sujeito a um período normal de trabalho com a duração semanal de 39 horas, diária de 7,48 horas e a um horário diário conforme escala de serviço existente no CDP;
4.ª – O contrato é celebrado pelo prazo de seis meses, com início em 3.10.2000, a fim se suprir necessidades transitórias de serviço;
5.ª – O 2.º contratante declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado;
6.ª – O regime de férias é o constante da cl.ª 160.ª do AE/CCT;
7.ª _ O prazo de pré-aviso para a rescisão do contrato por parte do trabalhador é o do n.º 5 do art. 52.º do D.L. n.º 64-A/89;
8.ª – O presente contrato caducará nos termos do art. 46.º do D.L. n.º 64-A/89;
9.ª – Em caso de litígio, ambos os contratantes acordam em determinar competente o foro do local do trabalho’;

- Em 3.4.2001 a R. e o A. celebraram por escrito outro contrato de trabalho a termo certo de 12 meses e com início em 4.4.2001, conforme doc. subscrito por ambas as partes, junto em cópia a fls. 9, com os seguintes dizeres:
‘CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
B..., com sede em…Lisboa, neste acto representado por …com poderes necessários e bastantes, e A..., que neste acto intervêm como 1º e 2º contratantes, respectivamente, ajustam entre si o presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea h) do art. 41º do Anexo ao D.L. n.º 64-A/89, que se regerá pelo regime do direito comum do trabalho, pelo AE/CCT e pelas seguintes cláusulas:
1ª – O 2º contratante compromete-se a prestar ao 1º a sua actividade profissional, desempenhando as funções de CRT no CDP 3080 Fig. Foz;
2ª – O 1º contratante pagará ao 2º a retribuição de Esc. 102.300$00 mensais, sendo o pagamento efectuado mensalmente;
3ª – O 2º contratante fica sujeito a um período normal de trabalho, com a duração semanal de 39 horas, diária de 7,48 horas e a um horário diário conforme escala de serviço existente no CDP;
4ª – O contrato é celebrado pelo prazo de 12 meses, com início em 4.4.2001, a fim de suprir necessidades transitórias de serviço;
5ª – O 2º contratante declara nunca ter sido contratado por tempo indeterminado;
6ª – O regime de férias é o constante da cl.ª 160ª do CCT;
7ª – O prazo de pré-aviso para a rescisão do contrato por parte do trabalhador é o do n.º5 do art. 52.º do D.L. n.º 64-A/89;
8ª – O presente contrato caducará nos termos do art. 46º do D.L. n.º 64-A/89;
9ª – Em caso de litígio, ambos os contratantes acordam em determinar como foro competente o do local de trabalho’;
- No dia 4.4.2002 foi acordado pela R. e pelo A., conforme documento subscrito por ambos, junto em cópia a fls. 10, a seguinte estipulação designada por Adenda:
‘Adenda’
CTT …representada neste acto por Avelino José Dias dos Santos, com poderes necessários e bastantes para ao efeito, e A...…ajustam entre si a presente Adenda ao presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea h) do art. 41º do Anexo ao D.L. n.º 64-A/89, de 27/2 e do art. 3.º da Lei 38/96, de 31/8, com as alterações dadas pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho.
1.º
As partes acordam em renovar o contrato celebrado em 4.4.2001 por um período de 12 meses, em virtude de o segundo outorgante não ter, ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais.
Aveiro, 4.4.2002’;
- No dia 1.4.2003 foi acordado pela R. e pelo A., conforme documento subscrito por ambas as partes, junto em cópia a fls. 11, a seguinte estipulação designada por Adenda:
‘Adenda’
CTT …representada por Sandra Silva Ribeiro, com poderes necessários e bastantes para o efeito, e A..., ajustam entre si a presente Adenda ao presente contrato de trabalho a termo certo, nos termos da alínea h) do art. 41º do anexo ao D.L. n.º 64-A/89 e 3º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, com as alterações dadas pela Lei 18/01, de 3 de Julho.
1.º
As partes acordam em renovar o contrato celebrado em 4.4.01, por um período de 7 meses, em virtude de o 2º outorgante não ter ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais, encontrando-se disponível por um período que se estima em 7 meses.
Aveiro, 1.4.2003’;
- Por carta datada de 25 de Setembro de 2003, entregue ao A. por mão própria no dia 29.3.2003, a R. comunicou ao A. que o contrato terminava no dia 3.11.2003;
- Nessa altura, o A. estava classificado como carteiro (CTR), com a categoria/nível salarial ’E’, e auferia a remuneração base mensal de €. 559,80,a que acrescia um subsídio de refeição de €. 7,97 por cada dia em que prestasse pelo menos 3 horas de trabalho efectivo;
- O A. é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNTCT);
- O número de trabalhadores efectivos da R. no CDP 3080 Fig. Foz, na altura em que o A. lá trabalhou, era inferior ao que o volume de serviço normal exigia;
- Desde há muitos anos, a R. vem recorrendo, por sistema, à contratação a termo para suprir as sus necessidades com pessoal;
- Os contratos descritos supra nos items 1 a 4 foram já apresentados ao A. devidamente preenchidos e prontos a assinar;
- O A., antes de ter celebrado o acordo descrito em 1, supra, já tinha trabalhado como efectivo para a empresa ‘Polimil – Indústria de Poliéster e Inox, Ld.ª’, tendo-se despedido dessa empresa para ir trabalhar para a R.
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2 – O DIREITO
Como decorre das conclusões da motivação do recurso – por onde se afere e delimita o seu objecto e âmbito, como é sabido – a questão a dilucidar e decidir é afinal a que se analisa na problemática recorrente da conversão ou não do/s contrato/s a termo em contrato/s sem termo, no circunstancialismo em que foram outorgados.
Concretamente no que respeita ao primeiro convénio celebrado, consigna-se na decisão aprecianda – e bem – que nele foi desde logo feita referência expressa à alínea h) do n.º1 do art. 41º da NLD, pelo que nenhum relevo jurídico deve dar-se à referência justificativa, também nele constante, ‘a fim de suprir necessidades transitórias de serviço’.
Porém, aceitando que exista fundamentação suficiente no contrato, já assim não será no que toca à prova dos fundamentos da contratação a termo – é essa a premissa de que se parte para o desenvolvimento do raciocínio em que assenta a solução alcançada a final – uma vez que o A. arguiu a sua falsidade, sendo certo que se provou de facto que o mesmo, antes do contrato sujeito, já estivera contratado por tempo indeterminado, ao contrário do que declarou no texto daquele.
Ora bem.
Como se sabe – e tem sido dito e redito – o direito à segurança no emprego tem assento Constitucional (art. 53º da CRP).
A contratação a termo, admitida como excepcional nos seus contornos restritivos e exigências formais, assume o compromisso possível entre aquele princípio programático, de interesse e ordem pública, e o princípio da liberdade contratual.
Foram razões de natureza económica, social e de política de emprego que induziram o legislador a consagrar essa possibilidade de vinculação precária, como também é sabido.
(Vide, por todos, para maiores desenvolvimentos, a lição de Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, pg. 620, citado no Ac. R. Lisboa, 'in' C.J. 2004, Tomo II, pg. 153.
Veja-se ainda, sobre a ‘ratio’ do Diploma, seu fundamento material e conformação Constitucional, Jorge Leite, ‘Questões Laborais’, Ano II, n.º5, 1995, pg. 77, referido com a propósito no Ac. R. Lx. 'in' C.J. 2003,I, 152).

Nos termos da falada previsão da alínea h) do n.º1 do art. 41º (sempre da NLD/D.L. n.º 64-A/89) é admitida a celebração de contrato de trabalho a termo de trabalhadores à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração …ou noutras situações previstas em legislação especial de política de emprego.
Não é controvertida, 'in casu', a suficiência da fundamentação como tal invocada, sendo jurisprudencialmente maioritário e tendencialmente pacífico o entendimento de que, em tais circunstâncias, o motivo da contratação é válido ‘a se’, independentemente da existência ou não de necessidades temporárias ou transitórias da empresa.
(Nesse sentido – pronunciando-se sobre caso afim, em que foi parte também a R. ‘CTT-S.A.’ – vide Acórdão do Tribunal Constitucional de 29.3.2005, recentemente publicado no D.R. n.º 121, II Série, de 27 de Junho, p.p.).
Sobre o entendimento da locução ‘primeiro emprego’ também não há hoje discrepância relevante: reporta-se a trabalhadores que nunca foram contratados sem termo ou por tempo indeterminado – cfr., ‘inter alia’, Acs. do S.T.J. de 24.4.99, 'in' BMJ 486/217 e de 28.1.2004, 'in' C.J./S.T.J. 2004, I, 262.

Isto posto:
Como nos parece fora de dúvida relevante, o contrato em causa assentou, em termos de fundamento do termo, no facto declarado de o A. nunca ter tido antes emprego por tempo indeterminado.
Nesse sentido apontam conjugadamente a interpretação do acordado e formalmente consignado no suporte documental do contrato e a teoria/regra geral da impressão do destinatário, constante do art. 236º do nosso Cód. Civil.

Acontece todavia que, no caso, o invocado fundamento não é verdadeiro.
Como se fixou oportunamente, o contratante A. declarou nunca ter sido contratado por tempo indeterminado, quando, afinal, antes de ter celebrado o acordo/contrato de que falamos já tinha trabalhado como efectivo para a empresa ‘Polimil, Ld.ª’, tendo-se despedido dessa empresa para ir trabalhar para a R.
Sendo falso o fundamento invocado, ocorre a nulidade da estipulação do termo, como resulta da cominação do n.º2 do art. 41º, adquirindo o trabalhador o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa.
A igual solução se chegaria ante a previsão do n.º3 do art. 42º do Diploma: considerando existir indicação da razão do termo, mas não sendo aquela verdadeira, as duas situações equivalem-se, tudo se passando, para o efeito em causa, como se faltasse a indicação do motivo justificativo.
É certo que, nos termos do n.º4 do art. 41.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 18/2001, de 3/7, (previsão inexistente ao tempo da outorga no convénio em causa), cabe ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo…sem prejuízo do disposto no n.º1 do art. 3.º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto.

Tal inovadora norma só é aplicável aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, como cremos, o que não acontece ‘in casu’.
Mesmo admitindo – e é desse pressuposto que parte assumidamente o silogismo da decisão sob protesto – que no mesmo sentido apontasse já a regra geral da repartição do ónus da prova (art. 342.º do Cód. Civil), resta agora saber quem responsabilizar por tal pretextada invocação.
Na sentença em apreciação entendeu-se assacar à R. as correspondentes consequências, pois não só não provou esse fundamento, como se provou a sua falsidade concreta – sic, a fls. 73.
Com ressalva do respeito devido, não podemos concordar com esse entendimento.
Se é facilmente compreensível a exigência da adequada indicação do motivo justificativo da celebração do contrato a termo em todas as circunstâncias que tenham a ver com a transitoriedade do trabalho a efectuar, com o risco empresarial/lançamento de uma actividade nova, etc., (todas as situações elencadas nas várias alíneas do n.º1 do art. 41.º), enquanto emergente de necessidades organizativas do empregador, aliás …só atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado’ – art. 3.º/1 da Lei n.º 38/96, de 31/8, na redacção da Lei n.º 18/2001 – importa ter presente que, no caso concreto de contratação a termo fundada na previsão que tem por base razões de política de emprego, sem deixar de ter de ser motivada, não demanda todavia do empregador uma tão exigente resposta, como nos parece, desde logo porque não lhe pertence de todo o domínio da circunstância/fundamento, que é um facto da esfera pessoal do trabalhador a contratar, sendo perfeitamente razoável, em termos da esperada e normal boa fé, que se tenha por fidedigna a declaração adiantada pelo trabalhador.
Partindo deste – e não tendo o mesmo conseguido demonstrar, como lhe competiria, que a falta de verdade/falsidade dessa declaração era do conhecimento do empregador, de modo a factualizar, no mínimo, a sua conivência em tal situação – afigura-se-nos que há um claro abuso de direito.
Equacionando-a embora, a decisão 'sub judicio' concluiu pela sua inverificação, solução que não concita, como se disse, o nosso sufrágio.
Daí a divergência primordial.
Tendo presente a normatividade ínsita no art. 334º do Cód. Civil (‘é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito’), e sendo pressuposto do abuso do direito a existência deste, a natureza de tal instituto assume-se como uma ‘cláusula geral de segundo grau’, cuja função visa facilitar o controlo da aplicação das normas em geral a hipóteses concretas, a fim de impedir que os ditos limites se mostrem excedidos por forma intolerável, nomeadamente nos casos em que a confiança/boa fé da parte contrária se mostre clamorosamente atraiçoada.

Ora, no caso presente, não vemos que a R. tivesse razões objectivas para não aceitar como séria ou fidedigna a declaração do trabalhador e, menos, algum interesse em ‘facilitar’ na aceitação da inverdade da declaração do A. se soubesse da mesma previamente.
Também não se compreenderia, por outro lado, que a Lei comine a omissão ou falsa indicação do motivo para o recurso à contratação a termo, por banda da Entidade Patronal, com a conversão do contrato por tempo indeterminado, e deixasse ‘impune’ o trabalhador se acaso a incorrecção ou a falsidade de um pressuposto for da sua responsabilidade pessoal.
Seria premiar a má fé…
…O que sucederia sempre que o trabalhador, indicando falsamente a sua situação laboral, fosse, por isso, contratado a termo, passando depois a trabalhador permanente!...
…Com manifesta penalização do empregador, que se determinou com base na confiança e na suposta seriedade da afirmação daquele/por aquele subscrita.
Temos assim por certo que, neste conspecto, o n.º3 do art. 42º do Diploma em causa impõe a conclusão de que a prevista consequência apenas se associa ao incumprimento da identificada disciplina por banda da Entidade Patronal, por si só, ou, como aqui se alegou mas não se provou, com prévio conhecimento da situação real do trabalhador.

Admitindo que o direito existia na esfera jurídica de que o exercitou, a conduta do A. assume os claros contornos do abuso do direito: ante as exigências decorrentes do princípio da boa fé na celebração e cumprimento dos contratos – arts. 227.º/1 e 762.º/2 do Cód. Civil – o A. excedeu de forma intolerável os limites impostos pelo exercício correcto do direito.
A sua conduta não pode merecer a chancela do Direito.
Em suma:
O contrato sujeito não se converteu em contrato sem termo…não obstante a falsidade do motivo invocado para o efeito.
… … … …
As partes celebraram porém (em 3.4.2001) outro contrato de trabalho, ora pelo prazo de 12 meses, com a mesma motivação, nos termos da falada alínea h) do n.º1 do art. 41.º (o A. à procura do primeiro emprego, a declarar de igual forma nunca ter sido antes contratado por tempo indeterminado).

Sendo embora de celebração sucessiva, não lhe era ainda aplicável o disposto no art. 41º-A, n.º1, da NLD, que só foi introduzido pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho.
Pela mesma razão também não o abrangeria a regra constante do n.º3 da norma, para além de que, como concluímos, o A. não adquirira então a qualidade de trabalhador permanente.
As ‘Adendas’ subsequentes são afinal uma acordada renovação do contrato celebrado anteriormente, com a expressa menção de que são feitas …’em virtude de o segundo outorgante não ter ainda, por motivo alheio à sua vontade, encontrado emprego compatível com a sua formação profissional e expectativas profissionais’…
(Cfr. n.º2 do art. 3º da Lei n.º38/96, d e31 de Agosto).
Não podem, em rigor, ser consideradas, para um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, (art. 236º do Cód. Civil), como novos contratos.
Só a celebração sucessiva de novos convénios ficaria sob a alçada da disciplina do art. 41º-A.
Naquelas, mostram-se observados os mesmos requisitos formais do contrato a termo e respeitados os limites temporais e o número das renovações – art. 44º do Diploma.
(Tudo isto sem embargo de ter de reconhecer-se a hábil, mas legítima, utilização das possibilidades consentidas pela legislação vigente – diremos, ‘a latere’).

Em resumo, para concluir:
Por tudo quanto acima consta – de forma algo esquemática embora – não se tem por demonstrado que a R. haja afrontado a disciplina normativa da contratação a termo, não configurando a declaração unilateral a prescindir dos serviços do A. um despedimento ilícito, como se ajuizou.
Procedem as asserções conclusivas.
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III –
Pelo exposto, os Juízes desta Secção – concedendo inteiro provimento à apelação – deliberam revogar a douta sentença impugnada, com absolvição da R. do pedido.
Custas pelo A., sem prejuízo do concedido apoio judiciário.
***

Coimbra,