Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1043/21.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA CONJUNTA
RESIDÊNCIA HABITUAL DA MENOR
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 607.º, 5, DO CPC
ARTIGO 1906, 1, 2 E 6, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - Provados podem ser apenas os concretos factos alegados; e sendo que, se o recorrente se alcandora apenas ou determinantemente em prova pessoal, ademais das suas relações – amiga, irmão,  marido – a convicção do julgador apenas pode ser censurada se tais pessoas invocarem razão de ciência objetiva inatacável e/ou os seus depoimentos forem corroborados por outros meios probatórios.

II – A lei  atual – artº 1906º nºs 1 e 2 do CC - no seguimento de estudos científicos, assume como regime regra e ponto de partida na regulação do exercício das responsabilidades parentais, o exercício comum da mesmas quanto às questões de particular importância do menor, devendo, por isso e inclusive,  a exceção a esta regra ser fundamentada.

III - Provando-se, nuclearmente, que pai e filha, de quase 13 anos, mantêm uma boa relação afetiva, e que a menor manifesta até o desejo de a fortalecer, o facto de os progenitores morarem a algumas dezenas de Km e existir algum conflito entre eles, não obsta a que se mantenha o regime já fixado, de guarda  conjunta, com residência habitual na casa da mãe, visitas ao pai, e exercício comum das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância.

Decisão Texto Integral:
Relator: Carlos Moreira
1.º Adjunto: Rui Moura
2ª Adjunto: Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA  requereu contra BB a alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à filha de ambos  CC.

Alegou:

O requerido não cumpre o decidido em sentença, não pagando a prestação de alimentos  nem o regime de contactos fixado e impondo a sua vontade, aparecendo, sem aviso prévio, pondo em causa o planeamento do agregado familiar onde CC se insere, mas também o desta, não cumprindo as datas fixadas e chegando até a deixar a filha à espera, sem aparecer, sem avisar ou avisando sem antecedência, tudo em claro prejuízo desta e levando a que seja a mãe que há mais de 10 anos, na prática, assuma sozinha a prestação de cuidados à filha, tomando as decisões da vida corrente, mas também as de particular importância.

Assim sendo pediu:

Seja alterada a cláusula 1.ª da atual regulação, no sentido de competir à mãe em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da filha;

Seja alterada a cláusula 2.ª, no sentido de o aviso prévio à mãe das visitas do pai passar a ser feito com 1 (uma) semana de antecedência;

Seja alterada a cláusula 3.ª no sentido de as visitas aos fins de semana deixarem de ter periodicidade quinzenal para passarem a ser quando o pai desejar, nunca com regularidade semanal e com aviso prévio de pelo menos 1 (uma) semana de antecedência, indo buscá-la à sexta feira ao fim da tarde ou sábado de manhã e entregando-a na casa da mãe pelas 19h00 de Domingo.

Na conferência a que alude o artº 35º do RGPTC, aplicável ex vi do citado artº 42º antes mencionado, nela não foi possível alcançar resolução amigável para o litígio.

Nos termos do disposto no art.º 23º e 38º do RGPTC, foram os pais remetidos para audição técnica especializada por um período até 2 meses.

Por não terem, também, nessa fase sido alcançado consenso, por inutilidade foi dispensada continuação da conferência nos termos do nº 1 do artº 39º do RGPTC, foi   determinada a notificação nos termos do nº 4 do citado diploma legal.

Ambos  proferiram alegações.

Foram solicitados inquéritos sociais.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento.

2.

Seguidamente foi proferida sentença na qual foi decidido:

«1. Alterar o decidido quanto ao exercício das responsabilidades parentais referentes a CC nas suas cláusulas 1 e 2 do regime antes fixado nos seguintes termos:

 “ 2. O pai poderá e deverá ver e estar com a menor sempre que isso lhe seja possível, sem prejuízo dos períodos normais de alimentação, descanso e estudos da filha, com aviso prévio de uma semana de antecedência à mãe.

3. Não obstante, terá a filha consigo no primeiro fim de semana de cada mês para o que a virá buscas e levar a casa da mãe entre as 19h e as 20h de sexta-feira e idêntico horário de Domingo.

a) Sempre que o dito em 3. não possa ser cumprido, por motivo ponderoso dos próprios progenitores ou da CC, isso será comunicado com a antecedência possível, em todo o caso em regras com uma semana de antecedência, sem o impedimento for previsível, transferindo-se o período de contactos para o fim de semana imediatamente seguinte ou para qualquer outro do mesmo mês, neste último caso apenas no caso de ambos nisso consentirem.”

2. No restante, julgar improcedente o pedido de alteração apresentado, mantendo o regime antes fixado.»

3.

Inconformada recorreu a requerente.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso visa obter a alteração do segmento decisório que recaiu sobre o pedido formulado pela Requerente/Recorrente de atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades quanto às questões de particular importância da vida da filha menor CC, o qual foi julgado improcedente pelo Tribunal a quo.

2. Salvo melhor opinião, a decisão recorrida padece de erro de julgamento efetuado sobre a matéria de facto e que é determinante para a correta apreciação da presente alteração, especificamente no que se refere à apreciação do pedido de atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades quanto às questões de particular importância da vida da filha menor CC.

3. Face à prova testemunhal produzida nos autos e cujas passagens gravadas foram acima devidamente transcritas, impõe-se uma diferente fixação da matéria de facto, em que se dê como provado, acrescentando-se à referida fixação, os seguintes factos: “Desde a data da decisão da regulação em 19/04/2012 até ao presente, o Requerido pai raramente cumpriu com o regime de visitas estipulado, contactando maioritariamente com a menor por telefone e nas férias.”

“Nos últimos 6 anos, o Requerido pai não compareceu nas festas de aniversário da menor, não compareceu nas duas entregas de prémios de mérito que a menor recebeu na escola em ..., nem compareceu nas festas da escola da menor.”

“Nos últimos 5 anos, o Requerido pai não acompanhou a menor a nenhuma consulta médica.”

4. Dando-se como provados os factos atrás elencados e fazendo-se a subsunção dos factos ao direito, é seguro concluir que a Recorrente fez prova que o Requerido é um pai ausente, desinteressado, não colaborativo e não cumpridor do seu dever de assistência à menor.

5. De resto e sem prejuízo do ante alegado, caso assim se não entenda, o que se considera sem conceder, sempre à mesma conclusão se chegaria mesmo que este Tribunal superior entenda não alterar a matéria de facto dada como provada.

6. Ora, é precisamente nestas situações de grande litigiosidade entre os progenitores, entre as quais se contam as acimas relatadas de falta de diálogo e incapacidade de os progenitores se relacionarem entre si, desinteresse por parte do progenitor com quem o filho não reside habitualmente e a recusa ou atraso injustificado e repetido do pagamento da pensão de alimentos para o menor, que os vários Autores nesta matéria defendem a exclusão do exercício conjunto das responsabilidades parentais.

7. Por conseguinte, e ao abrigo do disposto no artigo 1906.º, n.º 2 do Código Civil, deve o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha CC ser julgado contrário aos interesses desta, determinando este Douto Tribunal que essas responsabilidades sejam exercidas apenas pela Recorrente.

8. A sentença recorrida deve assim ser parcialmente revogada, proferido este Tribunal ad quem decisão que determine que, no superior interesse da menor, seja alterada a cláusula 1.ª da atual regulação da criança CC, no sentido de competir à mãe em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância da vida da filha.

Contra alegou o Digno Magistrado do Mº Pº pugnado pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais:

1. A recorrente invoca a sua discordância relativamente ao segmento decisório que recaiu sobre o pedido formulado quanto à atribuição em exclusivo do exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança;

2. Contudo, tal invocação padece de fundamento, visto que a transcrição de alguns dos excertos dos depoimentos das testemunhas que considera relevantes para a modificação pretendida, não levariam a outra decisão.

3. É que, confrontando a fundamentação apresentada com uma análise cuidada de todos os elementos constantes dos autos e com a audição do depoimento integral das testemunhas, não resulta que outra devesse ter sido a decisão sobre a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Tribunal "a quo".

4. Na verdade, tudo ponderado, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto no caso concreto, designadamente que a convicção do tribunal "a quo" tenha assentado em raciocínios contrários às regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, convicção essa que o tribunal "a qud' não deixou de fundamentar, e bem, de acordo com o disposto no art.º 607.º n.º 5 do Código de Processo Civil.

5. Por outro lado, não obstante o incumprimento pontual do regime de contactos e do pagamento da prestação de alimentos, tal incumprimento não justifica o afastamento do regime regra do exercício conjunto da parentalidade para as questões de particular importância para a vida de criança;

6. Dado que o progenitor tem estabelecido laços de relevo com a filha, pretendendo até aumentar os contactos existentes, o que é igualmente correspondido pela cnança.

7. Pelo que a ponderação do superior interesse da criança, porquanto é este que releva, conduz ao resultado da atribuição a ambos os pais do exercício das responsabilidades parentais paras as questões de particular importância, já que a prossecução deste interesse passa pela garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas que tornem possível o são desenvolvimento da sua personalidade à margem das tensões e dos conflitos que, eventualmente, ocorram entre os progenitores e que viabilizem o estabelecimento de um relacionamento afetivo contínuo com ambos

8. Pelo que a douta decisão proferida encontra-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, em conformidade com as respetivas normas legais aplicáveis, não padecendo de qualquer erro de julgamento, sendo de manter nos seus precisos termos, não merece qualquer reparo.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – Procedência, in totum, da ação.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– Cfr. Ac, do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

No caso vertente.

Provados e não provados apenas podem ser os factos concretos que sejam alegados atempadamente em sede de articulados.

Assim o impõem os princípios basilares do dispositivo, da substanciação e da autorresponsabilidade das partes.

Ora visto o requerimento inicial nele não se alcançam alegados os concretos factos  com as especificações que ora se pretendem provar.

Nele a requerente limita-se apenas a invocar que o pai passa meses sem ver a filha.

Mesmo nas alegações ante audiência final, a requerente  reporta-se à postura do pai quanto  ao aniversário e a aspetos de saúde da menor.

Mas fá-lo em termos  mais genéricos e não coincidentes com os que ora pretende ver provados.

Quanto às visitas ela não alegou o exato dies a quo da falta ou rarefação das mesmas; mas agora pretende que tal se verificou logo desde o início da regulação do exercício das responsabilidades parentais, ou seja, desde 19.04.2012.

Relativamente ao aniversário diz apenas que o pai, no último ano, não falou com a filha mandando apenas um sms; mas agora pretende ver provado que nos últimos 6 anos ele não compareceu nos aniversários e, inclusive, nas entregas dos prémios de mérito e nas festas da escola.

No concernente a aspetos de saúde alegou apenas que ele esteve três dias no hospital a acompanhar um internamento da filha, mas só depois de  muito lhe ter solicitado para tal, e que não acompanhou o seu plano de vacinação; mas agora quer que se dê como provado que nos últimos 5 anos não a acompanhou a nenhuma consulta médica.

Vemos pois que a requerente não alega os factos, ou não os alega com a concretude e especificação que ora pretende ver provadas.

Acresce que relativamente às visitas, o termo alegado, «raramente», é um conceito  indeterminado, genérico e conclusivo, e não um facto concreto, único quid que pode ser sujeito a prova.

Urge ainda ter presente que foram dados como provados factos que, de algum modo, se revelam antinómicos com os ora pretendidos provar.

São eles os dos pontos 20 e 23, a saber:

«20. Desde a data da decisão de regulação até ao presente, o progenitor que reside na zona de ..., tem vindo a ter CC na sua companhia, durante alguns períodos de tempo, os quais, em todo o caso correspondem a menos tempo do que os dias fixados na mesma decisão para contactos.

23. Não obstante o que se deixa dito, o pai revela preocupação e interesse pela filha e conhecimento sobre o seu percurso escolar e acompanhamento médico.»

Ora contra a prova destes factos a requerente não se insurge.

Pelo que a prova dos factos por ela ora pretendidos se concedida, poderia constituir contradição, ou, no mínimo incongruência, o que urge evitar.

Finalmente, em termos não tanto formais como os precedentes, mas  substanciais e probatórios, há que dizer o seguinte.

As testemunhas não foram tão assertivas e concretas, no sentido dos pormenores ora pretendidos provar,  como a recorrente entende.

Ademais, são pessoas suas familiares ou da sua amizade, as quais assim, têm, ou podem ter, interesse, material ou moral, que o desfecho da causa seja favorável, à amiga, irmã, ou esposa, o que,  consciente ou até sub conscientemente, pode afetar/condicionar o seu depoimento.

Destarte, e  sem querer por em causa a idoneidade e probidade das mesmas,  os seus depoimentos têm de ser valorados cum granno sallis, ie. cautelosa e comedidamente.

E apenas podendo decisivamente relevar se  fossem alcandorados em razão de ciência objetiva e inatacável e/ou fossem corroborados por outros meios probatórios.

Mas nada disto se verifica.

Antes pelo contrário.

Há elementos probatórios nos autos, vg. o relatório social, que apontam no sentido de o pai revelar interesse e preocupação pela filha e pelo seu bem estar e desenvolvimento, e tendo conhecimento do seu percurso escolar e do seu acompanhamento médico.

Ora a julgadora alicerçou a sua convicção na generalidade de todos os meios probatórios produzidos, documentais e pessoais.

Pelo que, nestas circunstâncias e considerando supra exposto em tese em 5.1.1., a prova pessoal ora esgrimida não tem a  dignidade e força  suficientes para se poder imputar/impor, como exige e a lei – artº 640º nº1 al b) do CPC -  à convicção probatória da Julgadora e aos factos por ela dados como provados e não provados, um juízo de censura.

5.1.3.

Por conseguinte, e no indeferimento da presente pretensão, os factos a considerar são os apurados na 1ªinstância, a saber:

1. CC nasceu a .../.../2010 e é filho de AA e BB.

2. Foi instaurada acção com vista à regulação das responsabilidades parentais referentes à mencionada menor, onde foram parte seus pais, em cujo âmbito foi proferida sentença a 19/04/2012, transitada em julgado, consistente na homologação do acordo celebrado pelos identificados progenitores.

3. Ali foi decidido, para além do mais, que a menor ficava confiada à guarda e cuidados da mãe, atribuído ao exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, a ambos os progenitores sendo que, quanto aos atos da vida corrente, tal exercício competiria ao progenitor que em cada momento tivesse a menor consigo.

4. Quanto ao regime de visitas, ficou estabelecido que o pai poderia ver e estar com a menor sempre que desejasse, sem prejuízo dos períodos normais de alimentação, descanso e estudos da filha, com aviso prévio de 24h à mãe, sendo que às quartas feiras o pai poderia contactar a menor por telefone, entre as 19h00 e as 20h00, sendo que até ao início da escolaridade obrigatória, o pai poderia ter consigo a filha em fins de semana alternados, de quinze em quinze dias, devendo para o efeito ir buscá-la ao infantário pelas 14h00 de quinta-feira e entregá-la na casa da mãe pelas 14h00 de segunda feira.

5. Na mesma decisão foi determinado que o pai poderia ter consigo a filha metade das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão, em moldes e termos a combinar entre os progenitores, sendo que, quanto às férias de Verão, estas seriam interpoladas por períodos não superiores de quinze dias e a combinar entre os progenitores até 31 de maio do respetivo ano e, para além da regulação das visitas no “Dia do Pai” e do “Dia da Mãe” e nos respetivos aniversários, nos moldes habituais, foi também regulado que a menor passaria o seu dia de aniversário alternadamente com os progenitores, um ano com o pai, o outro ano com a mãe, em moldes e termos a combinar entre eles.

6. Quanto às épocas festivas de Consoada/Natal, Fim de Ano/Ano Novo, foi fixado que a menor passaria com ambos os progenitores, sendo sempre a Consoada/Natal e até às 16h00 do dia 25 de dezembro com a mãe, e o Fim de Ano/Ano Novo e até às 16h00 do dia 02 de janeiro com o pai, sendo o domingo de Páscoa alternadamente com ambos os progenitores, respeitando-se a regra da rotatividade.

7. Finalmente, a título de prestação de alimentos para a menor, foi fixado que o pai contribuiria com a quantia mensal de €150,00, a ser paga até ao último dia de cada mês, com início no mês de abril de 2012, por qualquer meio de pagamento a fazer chegar à mãe, sendo esta quantia atualizada anual e automaticamente em €5,00, com início em janeiro de 2013 , sendo que as despesas médicas, medicamentosas e futuras escolares curriculares da menor na parte não comparticipada, incluindo o prémio de seguro de saúde da “Médis” do qual a criança é beneficiária, ficariam a cargo de ambos os pais na proporção de metade para cada um, mediante a apresentação dos respetivos recibos e comprovativos.

8. Por posterior alteração à regulação das responsabilidades parentais, alcançada em sede de conferência de pais realizada em 14/12/2017 no âmbito do processo de incumprimento das responsabilidades parentais que constitui o apenso A. foi a cláusula 2.ª da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais alterada no que concerne aos contactos telefónicos nos seguintes termos: “a) o pai poderá contactar a filha por telefone todos os dias das 19:00 horas às 20:00 horas.”.

9. Não obstante a decisão proferida o requerido no ano de 2012 não pagou 11€ referente ao valor da sua responsabilidade no seguro de saúde no mês de Julho.

10. Não obstante a decisão proferida, o requerido no ano de 2013 nada pagou nos meses de Agosto e Dezembro.

11. Em 2014 apenas pagou 161€ em Janeiro 120€ em Setembro.

12. Em 2015 falta pagar €1.772,00.

13. Em 2016 nada pagou em Janeiro, Abril, Maio, Outubro, Novembro e Dezembro.

14. No ano de 2018 permanece por pagar o valor de 212,30€.

15. No ano de 2019 permanece por pagar o valor de 533,40€.

16. Em 2020 falta pagar 77.50€.

17. No ano 2021, até à data de entrada deste incidente estava por pagar o valor de 371€.

18. No essencial, tais omissões de pagamento respeitam a períodos em que o progenitor declara ter tido a filha consigo e ter com ela feito dispêndios financeiros que segundo o seu entendimento deveriam ser abatidos nos valores a pagar.

19. Tal pretensão veio já a ser considerada como infundada por sentença proferida no apenso C.

20. Desde a data da decisão de regulação até ao presente, o progenitor que reside na zona de ..., tem vindo a ter CC na sua companhia, durante alguns períodos de tempo, os quais, em todo o caso correspondem a menos tempo do que os dias fixados na mesma decisão para contactos.

21. Segundo o pai isso acontece por impossibilidade económica de suportar a totalidade das despesas de deslocação e a pensão de alimentos na sua actual conjuntura financeira e segundo a mãe por desinteresse do mesmo em acompanhar activamente a filha e o seu processo de desenvolvimento.

22. Os progenitores de CC mantêm entre si uma relação marcada pelos desentendimentos geradora de conflitos percepcionados pela filha.

23. Não obstante o que se deixa dito, o pai revela preocupação e interesse pela filha e conhecimento sobre o seu percurso escolar e acompanhamento médico.

24. A relação marital entre os progenitores teve a durabilidade de cerca de um ano, verificando-se a rutura quando CC tinha apenas escassos meses de idade.

25. Desde o ano de 2019 que o progenitor não tem registo de actividade profissional.

26. Vive, com uma companheira em casa própria, um apartamento de tipologia T2 numa zona tranquila perto do centro da ..., próximo da casa de seus pais, com avançada idade e problemas de saúde, a quem presta apoio.

27. Possui uma outra casa que arrenda e lhe permite ter um rendimento mensal de 650€.

28. Recebe ajuda financeira dos pais, os quais suportam ainda o custo referente ás refeições que faz, muitas vezes em casa deles.

29. Declara ter encargos mensais fixos de cerca de 110€ mensais, de prestações de empréstimo à habitação, a pensão de alimentos referente à filha (parte fixa e variável) a que acrescem despesas anuais de cerca de 700€ com seguros e impostos referentes aos imóveis de que é proprietário.

30. Após a separação do casal, AA fixou residência com a filha, junto do pai que residia em ..., tendo depois, também, residido na ... e no ....

31. Ambas formam agregado com o actual marido da progenitora e três filhos do casal de, 6 anos, 3 anos, 2 anos e 8 meses de idade.

32. O agregado familiar reside desde há um ano, na atual casa, em ..., ....

33. O agregado apresenta como rendimentos certos o salário da progenitora em empresa pela mesma constituída, no valor de cerca de 700€, a pensão de alimentos de CC e bem assim os rendimentos resultantes da actividade do marido da progenitora enquanto empresário de jogadores de futebol, cujo recebimento, é, contudo, dependente dos negócios que faça.

34. No entanto, o casal tem poupanças e ela é titular de um imóvel que pretende transacionar para que o empréstimo da atual casa seja reduzido.

35. Apresentam as seguintes despesas fixas: Amortiz. da casa +/- 500 €; Prest. Do carro +/- 399 €; Emp. pessoal +/- 112 €; Luz, água, meo +/- 263 €; Desp combustível +/- 150 €; Alimentação agregado +/-1.000 €; Alimentação escolar CC +/- 28 €; Alim. escolar e prolong. DD +/- 68 €; Mensalidade infantário de EE +/- 40 €; Seg. mensal de saúde do agregado+/- 213 € (valor que inclui a parte do seguro de CC, que também é assumido em 50% pelo pai). 36. Acrescem as despesas com vestuário/calçado dos elementos do agregado e com hábitos de consumo.

37. CC e frequenta o 5º ano na EB 2,3 de ..., com bom aproveitamento.

38. Não apresenta situação de saúde relevante.

39. Quando necessário desloca-se ao médico pediatra particular situado em ....

40. A sua vacinação encontra-se atualizada.

41. O progenitor chegou a acompanhar a filha às vacinas, a última vez quando esta tinha 6 anos de idade, por ser uma situação dolorosa para a progenitora.

42. É notório clima de afecto existente entre o pai e a CC.

43. Não obstante, esta manifesta desejo que os convívios entre ambos, que descreveu como agradáveis, aconteçam com maior regularidade.

5.2.

Segunda questão.

A julgadora decidiu a causa, de jure, aduzindo o seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:

«Em relação ao filho, as responsabilidades parentais são constituídas pelo conjunto de poderes-deveres, poderes funcionais, irrenunciáveis e intransmissíveis que devem ser exercidos altruisticamente, no interesse do filho, tendo em vista o seu integral e harmonioso desenvolvimento físico, intelectual e moral (cfr. artºs 1874º, 1878º, 1882º, 1885º e segs. e 1997º, todos do Cód. Civil).

Tem, então, as seguintes características: é de ordem pública, pois constitui uma das bases da família e respeita ao estado das pessoas, é um poder de protecção, é irrenunciável e não é intangível, dado que o seu exercício pelo titular está, em certas condições, sujeito ao controlo judiciário.

O respectivo conteúdo está definido no art.º 1878º do Cód. Civil, sendo de salientar que este conjunto de poderes-deveres se referem uns à pessoa dos filhos, como sejam a guarda, vigilância, auxílio, assistência, educação e representação e outros aos seus bens, como o poder-dever de administração.

…no caso de esse exercício pertencer a ambos os pais, desfeita a comunidade familiar, na ausência de acordo dos progenitores com qual deles o menor residirá habitualmente (a vulgarmente designada guarda) e também de que forma serão exercidas as responsabilidades parentais tanto no que se refere às questões de particular importância da vida do filho, como na vertente relativa aos actos da vida corrente…

Dispõe o art.º 1906º do Cód. Civil que a regra mesmo em caso de separações dos progenitores é a que que as responsabilidades parentais no que se refere às questões de particular importância da vida do filho são exercidas em conjunto por ambos os progenitores, só sendo afastada essa possibilidade quando por decisão fundamentada, o Tribunal conclua que o superior interesse do menor impõe diferentemente, circunstância em que comete esse poder-dever apenas a um deles.

Já as decisões correntes, diárias, serão tomadas pelo progenitor com quem o menor conviva diariamente, à guarda de quem se encontra.

Pretendeu o legislador, nestes particulares casos, estabelecer um comprometimento efectivo entre os progenitores na prossecução dos interesses do seu filho, fomentando o necessário entendimento nas questões mais importantes e relevantes, mas aligeirando essa regra no que se refere aos actos da vida diária, equilibrando essa exigência de diálogo constante com uma necessária agilização das vidas quotidianas de todos...

…haverá que promover a possibilidade de um amplo e directo relacionamento com ambos os progenitores, de forma a possibilitar o estabelecimento de laços afectivos sólidos entre o menor e o progenitor a quem este não foi confiado, o que deverá prevenir também a eventual instrumentalização do menor entre os progenitores. Os termos da sua fixação, a maior flexibilidade ou rigidez do regime dependerão das circunstâncias de cada caso.

Este direito de visitas surge da constatação de que o menor necessita igualmente do pai e da mãe e que, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. Este regime deverá ter em conta a vontade do menor em função das suas motivações, da sua idade e maturidade. …tem-se entendido que o afastamento de um dos pais da vida da criança é uma situação em si mesma contrária ao interesse desta.

…de acordo com o regime originariamente fixado o a menor CC ficava confiada à guarda e cuidados da mãe, AA, ora Requerente, competindo o exercício das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, a ambos os progenitores sendo que, quanto aos atos da vida corrente, tal exercício competiria ao progenitor que em cada momento tivesse a menor consigo.

É verdade que o dito regime não tem vindo a ser integral e pontualmente cumprido, mormente no que tange a contactos e relativamente à prestação de alimentos e os progenitores têm vindo a manter entre si discordâncias com reflexos sobre a filha.

Tal incumprimento não tem sido, contudo, de molde a afastar o regime regra do exercício conjunto da parentalidade para as questões de particular importância para a vida de CC, já que o pai, embora não tão presente no dia-a-dia da filha, tem com ela estabelecido laços de relevo, que a filha pretende manter e até alargar no que aos contactos existentes respeita, conhece-a, identifica adequadamente o seu percurso escolar e de saúde, dessa forma demonstrando que a presunção de que tal exercício conjunto é benéfico para os representados, no caso concreto não resulta informada.

Improcede, pois, nessa parte o pedido de alteração apresentado.»

Esta argumentação apresenta-se, desde logo em tese, curial; e, para o caso concreto, na consideração dos seus contornos fáctico circunstanciais apurados, alcança-se adequada.

Pelo que importa corrobora-la e chancelá-la.

Em seu abono e quiçá ad abundantiam, diz-se mais o seguinte.

Como é sabido mas nunca é de mais reiterá-lo, a pedra de toque e a finalidade última e precípua neste campo, é a defesa, o mais ampla e profícua possível, dos interesses e direitos do menor.

Como já dizia o Poeta – Fernando Pessoa, Poema Liberdade,  in Cancioneiro« Grande é a poesia, a bondade e as danças... Mas o melhor do mundo são as crianças».

Urge, pois, protegê-las e educá-las de um modo adequado e são, para que venham a ser os futuros adultos possuidores de qualidades humanas e competências técnico-científicas que contribuam para uma cada vez mais positiva evolução pessoal, familiar, comunitária e  social.

Por decorrência, a análise da situação de cada caso concreto e a respetiva decisão terão sempre de ter subjacentes este pressuposto e finalidade.

Numa ótica mais jurídica, o poder paternal, lato sensu,-  presentemente designado, desde a  Lei n.º 61/2008 de 3.10., que acolheu o trabalho realizado pela Comissão de Direito da Família Europeu cujo objetivo foi o de harmonizar o Direito da Família na Europa, responsabilidades parentais -  é um poder/dever, um poder funcional.

O qual encerra um conjunto de faculdades a exercer não egoísticamente, mas antes com sentido altruísta, e, em certa medida, de forma vinculada, na parte necessária à promoção e proteção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral e harmonioso.

Efetivamente, o menor é um ser  humano em relação: com os pais, irmãos, escola, adultos e com a comunidade;  e é um ser em formação, com autonomia, aspirações e personalidade próprias, que importa preparar e orientar para a vida, tendo em vista um crescimento e desenvolvimento sãos e normais, por forma a que possa ser cidadão válido.

Destarte, verifica-se, como é consabido e aceite, que a pedra de toque, o objetivo primeiro e último da decisão neste processo, é definir um quadro vivencial  que para o menor se tenha como o mais adequado e, assim, consecuta a defesa, o mais abrangente possível, dos seus direitos e interesses.

E sendo o «interesse do menor» uma asserção ou conceito vago e indeterminado, urge concretizá-lo/densificá-lo.

Sendo pacífico que os interesses do menor estarão defendidos quando se lhe proporcionarem as condições necessárias ao seu  integral desenvolvimento físico, intelectual e moral, no respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas.

Nesta conformidade e senda:

«A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da personalidade» - Ac. da RC de 02.06.2009, p. 810/08.0TBCTB.C1, in dgsi.pt. como os infra referidos.

Decorrentemente, urge atentar que, presentemente, a diretriz instituída no Princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança na parte em que rege: «salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe», bem como as teses jurisprudenciais e doutrinais afins, estão, na nossa ordem jurídica e noutras ordens jurídicas europeias, derrogadas pela nova lei, a qual é emanação das hodiernas circunstâncias científicas e ético sociais.

Tal dimana do disposto no artº 1906º, rectius dos seus nºs 1 e 2, na redação que lhe foi dada pela  Lei n.º 61/2008 de 31.10,  do qual se extrai que  «A abstracta igualdade parental afastou definitivamente a regra da primazia da mãe quando se trata de definir a residência do filho» - Ac. da RL 24-10-2013, p. 5358/11.3TBSXL-8.

Ou, por outras palavras: « O critério da preferência maternal não pode ser hoje, por si só, o critério determinante para fixar a residência do menor, nos casos de tenra idade. Este elemento tem que ser conjugado com todos os outros elementos disponíveis a fim de se apurar da capacidade de cada um dos progenitores para ter o filho a viver consigo.» -  Ac. da RP 13.05.2014, p. 5253/12.9TBVFR-A.P1.

Na verdade, este critério da preferência maternal encontra-se hoje, tendencialmente, substituído por um critério neutro em relação ao sexo do progenitor, qual seja o da presunção a favor do progenitor que desempenhou o papel de referencia afetiva para o menor, do designado,  em inglês, «Primary Caretaker».

Efetivamente: «hoje, tanto nos EUA, como na Europa, faz-se apelo ao instinto parental, não em função do sexo, mas do mundo afetivo de cada um, tendo…em conta a evolução dos costumes no sentido de uma partilha de tarefas entre o homem e a mulher, causada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho e por uma maior participação dos homens na vida familiar…O fundamento desta presunção consiste na ideia de que a continuidade da primeira relação da criança é um elemento essencial para o seu bem estar.

Contudo, a aplicação deste critério não facilitará a actividade dos juízes nos casos em que ambos os pais participaram na educação da criança» - Maria Clara Sottomayor, in Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho Após o Divórcio ou a Separação…, Ed. da Universidade Católica, Porto, 1995, p.91.

Este entendimento tem vindo a ser sufragado na jurisprudência.

Assim: «modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia.» - Ac. do STJ de  04.02.2010, p. 1110/05.3TBSCD.C2.S1

Ou, noutra perspetiva: « O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género, mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência» - Ac. da RC de 01.11.2011, p. 90/08.8TBCNT-D.C1.

(sublinhado nosso)

Por outro lado e no que  tange à guarda e residência do menor  alcançam-se como possíveis quatro modelos, a saber:

i) guarda exclusiva – exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva; ii) guarda conjunta – exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva num dos progenitores e um regime de visitas com o outro; iii) guarda alternada – residência alternada com exercício das  responsabilidades parentais em exclusivo nos respetivos períodos de residência com cada um dos pais; iiii) guarda compartilhada - exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada - cfr. Joaquim Manuel da Silva in A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada, Petrony Editora, 2016, p. 45 e  Maria Clara Sottomayor, Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina, 2014, p.69-76.

Sendo que, hodiernamente, tendencialmente na jurisprudência e maioritariamente na doutrina,  a posição  sufragada  vai no sentido da defesa da guarda compartilhada como sendo o melhor regime para a salvaguarda dos interesses do menor.

Neste sentido tem vindo a evoluir a legislação, vg. o artº 1906º, no qual, com a reforma operada pela Lei n.º 65/2020, de 04/11 foi estatuído no seu nº6.

«6 - Quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido…»

O argumento base dos opositores da guarda compartilhada prende-se com a defesa da estabilidade da criança.

Porém, tal argumento, só por si, não parece ser decisivo para obviar a este regime.

Efetivamente:

«…tal ideia sobrevaloriza a estabilidade que possa advir de um só espaço físico a que possa chamar casa, face ao conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si: deste modo “tem dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em doses reduzidas de tempo, é certo, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor.

a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores.

Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro.» - cfr. Cidalina Freitas, Ana Teresa Leal e Helena Bolieiro, Notas Soltas Sobre a Residência Alternada,  in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, T. I, Julho 2014, E-book CEJ,disponívelhttp://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf]; Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – uma questão de direitos, 2ª ed., Coimbra Editora 2014, p.209 e Jorge Duarte Pinheiro in Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora 2015, p. 338-339, apud Ac. da RL de 07.08.2017, p. 835/17.5T8SXL-A-2, in dgsi.pt.

(sublinhado nosso).

Vemos assim que a regra, o princípio e o ponto de partida na abordagem da regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e  ao menos enquanto estiver, com o  menor.

Na verdade:

« O exercício comum das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho é agora a regra geral consagrada no art. 1906°, n° 1 do C. Civil - na redação que lhe foi dada pela Lei n° 61/2008, de 31 de outubro - para os casos em que os progenitores não tenham já vida em comum, regra que apenas é excecionada na hipótese desse exercício em comum se revelar contrário aos interesses do menor - n° 2 do mesmo preceito.

 Subjaz-lhe o reconhecimento da igualdade de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos e evidencia o propósito do legislador de envolver, comprometendo e responsabilizando, ambos os progenitores no cumprimento dos poderes/deveres…

…o objetivo final do legislador é o de cimentar o contacto, tão próximo quanto possível, do filho com ambos os progenitores, de modo a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.

 Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos. das responsabilidades parentais.»  – Ac. RL de 24.01.2017, p. n° 954-15.2T8AMD-A. L 1.

Não obstante esta tendência jurisprudencial e doutrinal, alicerçada em estudos científicos recentes, que tem a guarda compartilhada como a que melhor defende os interesses da tríade, máxime e primordialmente, os do menor, certo é que ela não deve ser decretada em todas as situações, antes o regime de guarda devendo ser escolhido em função dos basilares princípios e preceitos legais atinentes e dos contornos fáctico circunstanciais de cada caso concreto envolventes.

Assim, e desde logo, para que tal regime possa ser decretado, impõe-se que haja uma adequada relação entre os pais ou que, pelo menos, que os conflitos que  entre  estes surjam, possam ser de algum modo amenizados, contidos e controlados, de sorte a que não interfiram negativamente na guarda e na  gestão da vida do filho.

Pelo que, em princípio, em famílias  nas quais grasse  o conflito acentuado ou a violência doméstica,  tal regime não pode ser admitido.

E importando atentar ainda em outros factos/fatores condicionantes como seja, vg. a vida pessoal/profissional do progenitor, a maior ou menor distância das residências dos pais, etc.

O caso vertente.

Vistas as coisas conclui-se que o caso é de  guarda conjunta – exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, com residência exclusiva num dos progenitores e um regime de visitas com o outro.

Reitera-se o argumento fulcral da sentença para manter este regime:

…o pai, embora não tão presente no dia-a-dia da filha, tem com ela estabelecido laços de relevo, que a filha pretende manter e até alargar no que aos contactos existentes respeita, conhece-a, identifica adequadamente o seu percurso escolar e de saúde, dessa forma demonstrando que a presunção de que tal exercício conjunto é benéfico para os representados, no caso concreto não resulta informada.»

E assim é.

Certo é que o caso não se apresenta como dos mais nítidos no sentido da guarda conjunta, pois que o pai assumiu alguns incumprimentos, o acordo dos progenitores quanto ao exercício das suas responsabilidades parentais não é o mais abrangente, existindo alguns conflitos, e eles residem algo distantes um do outro, a algumas dezenas de kms.

Mas, mesmo assim, entende-se que os factos provados e a melhor exegese que deles pode ser efetivada, permitem ainda manter tal regime, porque o mais benéfico para a menor.

Efetivamente, provou-se, decisivamente que:

23 …o pai revela preocupação e interesse pela filha e conhecimento sobre o seu percurso escolar e acompanhamento médico.

41. O progenitor chegou a acompanhar a filha às vacinas, a última vez quando esta tinha 6 anos de idade, por ser uma situação dolorosa para a progenitora.

42. É notório clima de afecto existente entre o pai e a CC.

43….esta manifesta desejo que os convívios entre ambos, que descreveu como agradáveis, aconteçam com maior regularidade.

Assim sendo verifica-se que entre o pai e a filha existe uma boa relação afetiva, de empatia e, quiçá, cumplicidade.

Ora esta relação apenas ganha, jurídico processualmente, relevo e tutela,  se a  a posição/opinião do progenitor, de banda sua,  possa, quanto às questões de particular importância da vida da CC, ser exprimida; e,  por parte da mãe,  se tal posição for ouvida e considerada.

De outro modo, tal relação estreita ficaria desprotegida o que  seria desconforme e até prejudicial aos interesses do pai e da filha.

Sendo de notar, neste particular de defesa dos interesses da menor – o qual, como  se viu, é o que, em última análise urge prosseguir e consecutir – que é a própria menor que manifesta interesse no acentuar da convivência com o pai.

Este aspeto é muito importante.

Desde logo  em termos legais, pois que, na lei, está agora consagrado o dever de audição do menor – artº 1906º nº 6 do CC na redação dada pela aludida Lei 65/2020 – a qual assim, é considerada de particular importância.

E depois em termos práticos e vivenciais, pois que a menor, a caminho dos 13 anos, está a chegar a um estrato etário – adolescência – cuja vontade é já determinada por escolhas conscientes baseadas em conhecimentos adquiridos e relações estabelecidas, e na análise e interpretação dos mesmos.

Ademais, neste estrato etário, a personalidade está em formação de um modo algo atribulado, emotivo  e impulsivo, sendo assim de evitar conflitos e oposições não cabalmente fundamentadas e pela menor não aceites ou aceites sem as compreender e tolerar.

 Pois que tal pode acarretar que ela tome posições contraproducentes a vários níveis para o relacionamento da tríade, e, em ultima instância, para os seus próprios direitos e interesses; o que urge evitar.

Ora este desejado desenvolvimento e aprofundamento relacional que a filha pretende relativamente ao pai, impõe, ou, no mínimo, aconselha,  que se  a este não  forem concedidos poderes/deveres acrescidos em relação à filha, ao menos não se lhe retirem os que já tem.

Improcede o recurso.

(…)

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas recursivas pela recorrente.

Coimbra, 2023.05.16.