Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1143/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE MATÉRIA ; SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES

EXECUÇÃO PROCESSADA NOS TRIBUNAIS DO TRABALHO COM PENHORA DE BENS COMUNS DO CASAL
Data do Acordão: 10/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 825º E 1406º DO CPC.
Sumário: I – No que concretamente respeita a cônjuges e ex-cônjuges, dispõe o artº 81º, al. c), da LOFTJ que compete aos tribunais de família preparar e julgar inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados
II - Porém, se o requerimento em que se pede a separação tiver de ser apensado ao processo executivo é porque a respectiva tramitação e subsequente conhecimento são da competência do mesmo foro, assim se viabilizando ao exequente o previsto direito de acompanhar e promover o andamento do inventário ( ver BMJ nºs 259/267 ; 261/212; 358/602 ) .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – Por apenso ao Proc. n.º 440-A/99, que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro, A..., divorciada, com os demais sinais dos Autos, requereu, nos termos dos invocados arts. 825º e 1406º do C.P.C., inventário contra B..., ali executado, para partilha de bens do dissolvido casal, com os fundamentos que se resumem:
Por sentença transitada em julgado, foi decretado o divórcio dos identificados requerente e requerido, existindo do dissolvido casal um único imóvel a partilhar, sem todavia se alcançar acordo quanto à forma de operar a respectiva partilha.
Este imóvel (um prédio urbano de rés-do-chão e 1º andar, sito em Aveiro) está penhorado na execução de sentença (condenação quantia certa) movida por C..., que corre termos no Proc. n.º 440-A/95, da 1ª Secção do Tribunal do Trabalho de Aveiro, tendo por isso a requerente sido citada para requerer a separação de bens.
Deve, assim, proceder-se a inventário para esse fim.

A A. requereu junto do Tribunal Judicial de Aveiro, em acção que deu entrada na Secretaria daquele Tribunal em 30.9.2002, que se procedesse ao presente inventário, tendo este indeferido liminarmente a respectiva P.I. por se considerar incompetente em razão da matéria.

No recurso interposto sobre tal decisão, foi a mesma mantida no Acórdão proferido pela Relação de Coimbra – doc. n.º5.

Daí que não tenha a requerente outra alternativa que não seja requerer a referida providência junto deste Tribunal.

2 – A fls. 43 foi proferido despacho a indeferir liminarmente a P.I., no entendimento de que é ao Tribunal de Família que proferiu o divórcio que é deferida a competência para o presente efeito à luz do disposto no art. 1404º/3 do C.P.C., não cabendo no elenco das competências do Tribunal do Trabalho a conhecimento da matéria constante dos presentes Autos, face ao disposto no art. 85º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

3 – Inconformada com o assim decidido, agravou a A./requerente, alegando e concluindo que:
- Salvo o devido respeito, cremos que compete aos Tribunais do Trabalho, em matéria cível, conhecer das execuções fundadas nas suas decisões – art. 85º, n), da Lei n.º 3/99, de 3 de Janeiro: sendo competente para a execução, será também competente para este inventário;
- Assim sendo, crê-se que o Tribunal do Trabalho tem competência para o presente inventário.

4 – O despacho foi sustentado.
Na sequência do cumprimento do disposto no n.º3 do art. 234º-A do C.P.C., veio apenas o ‘Banco Santander Portugal, S.A.’ dizer ser competente para o caso o Tribunal de Família de Aveiro, onde o divórcio foi decretado.

Admitido o recurso e colhidos os vistos legais devidos, vamos decidir.

II -
A - As ocorrências de facto relevantes para conhecimento do objecto do agravo são todas de natureza processual e resultam, no essencial, já referidas na exposição esquemática que antecede, encontrando-se nos Autos todo o respectivo suporte documental.
Não obstante, dá-se como assente, além do mais, que:
. A requerente foi casada com o requerido, Francisco José Sousa da Silva;
. Por sentença de 7.3.2002 foi decretado o divórcio entre ambos;
. No Tribunal do Trabalho de Aveiro foi movido processo executivo, a que coube o n.º 440/A/95, estando aí penhorado (penhora realizada em 12.6.2001) um bem imóvel, prédio urbano devidamente identificado, inscrito na C.R.P. de Aveiro;
. No referido processo executivo a ora requerente foi citada, na qualidade de cônjuge do executado, em 2.7.2002, para requerer a separação de bens.
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B – É questão posta a de saber se o foro laboral é ou não materialmente competente para o conhecimento e decisão da pretensão formulada na indeferida P.I.

Vejamos então.
Como se constata, a ora agravante, antes de requerer a presente pretensão no Tribunal do Trabalho de Aveiro, tinha já dirigido o mesmo pedido ao Tribunal da comarca, cujo Exm.º Juiz, declarando-o incompetente em razão da matéria, indeferiu liminarmente a P.I.
Esta decisão foi mantida pelo Acórdão da Secção Cível desta Relação, proferida no Agravo n.º 2004/03, 'ut' fls. 12 e seguintes.

A ora agravante, invocando o estado civil de divorciada (ex-mulher do executado) vem requerer o inventário contra o identificado Francisco José, para partilha de bens do dissolvido casal...nos termos e para os efeitos dos arts. 1406º e 825º do C.P.C.

Fá-lo, como alega, por ter sido citada pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro, no âmbito do referido processo executivo, para requerer a separação de bens.

(A circunstância de a requerente estar já divorciada quando é citada, para os fins do art. 864º do C.P.C., pelo Tribunal do Trabalho poderá, aparentemente ao menos, tornar a solução mais embaraçosa).

Tudo visto:
Como é sabido – sendo a regra geral relativa à competência material, atribuída, globalmente, por via negativa, aos Tribunais Judiciais (‘São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional’ – art. 66º do C.P.C.) – o legislador remeteu a definição dos critérios atinentes à competência material dos tribunais judiciais dotados de competência especializada para as normas concernentes à organização judiciária (art. 67º do mesmo C.P.C.).

No que concretamente respeita a cônjuges e ex-cônjuges, dispõe o art. 81º, c), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( a Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro), que compete aos Tribunais de Família preparar e julgar inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados.
Com esta regra se compagina aliás o disposto no art. 1404º do C.P.C., que, sob a epígrafe ‘Partilha de bens em alguns casos especiais’, refere o inventário em consequência de divórcio.

É pois fora de dúvida que, uma vez decretado o divórcio pelo Tribunal de Família de Aveiro, o inventário que fosse requerido na sequência da respectiva acção para partilha dos bens correria necessariamente por aquele Tribunal, por apenso ao respectivo processo.

Não é exactamente o caso...

Aqui, a A./agravante, entretanto já divorciada do ex-cônjuge executado, vem requerer inventário para partilha de bens do dissolvido casal ...por ter sido citada pelo Tribunal do Trabalho para requerer a separação de bens.

A penhora do bem comum em causa, a partilhar, foi efectuada num processo executivo que corre seus termos pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro.

Na actual redacção do art. 825º do C.P.C. (DL. 38/2003, de 8 de Março) – coincidente, no que a este específico ponto importa, com o anterior n.º3 da versão anterior – consta da previsão do seu n.º7 que o requerimento em que se pede a separação de bens, uma vez apensado, (ou a junção da certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida) implica a suspensão da execução até à partilha.


Sendo o processo de inventário o meio idóneo para a separação judicial de bens, a solução que se busca sobre o Tribunal onde deva correr seus termos não deflui com a necessária segurança daquela previsão.

E, de acordo com a regra acima enunciada, a competência dos Tribunais do Trabalho (a medida da sua jurisdição), em matéria cível, circunscreve-se, como manda o art. 85º, alínea n), da referida LOFTJ, ao conhecimento ...das execuções fundadas nas suas decisões.

Mas – é esta a grande dúvida – poderá inferir-se ter o legislador implicitado naquela a competência para também conhecer do requerimento de separação de bens no caso especial decorrente da citação feita nos termos do art. 825º?

Requerida a separação de bens, nos termos do art. 825º do C.P.C., prescreve o n.º1 daquele art. 1406º que se aplica o disposto no art. 1404º.
Significará isso tão-somente que a partilha em causa implicará inventário, como o que se demanda nos casos consequentes à separação judicial de pessoas e bens ou ao divórcio, com semelhante tramitação...
...Sem que se possa daí retirar a conclusão de que – como cremos, embora sem certezas absolutas - tal aplicação implique a remissão para a norma do art. 81º, c), da LOFTJ!

Caso contrário, também se não entenderia o alcance das especificidades constantes das alíneas a) a c) do n.º1 do art. 1406º (sempre do C.P.C.), expressamente prevista na consideração do requerimento de separação de bens nos termos do art. 825º, frustrando-se ao exequente, nomeadamente, o direito de poder promover o andamento do inventário...

Decisiva é todavia a consideração de que, excluída a circunstância (que poderia perfeitamente não se ter verificado) de o casamento celebrado entre a requerente e o requerido não ter sido, como foi, dissolvido pelo divórcio decretado pelo Tribunal e Família e Menores de Aveiro, a questão da eventual competência deste foro de competência especializada não se colocaria sequer!

E a solução teria de buscar-se necessariamente no âmbito dos arts. 825º e 1406º do C.P.C.: se o requerimento em que se pede a separação tem de ser apensado ao processo executivo é porque a respectiva tramitação e subsequente conhecimento são da competência do mesmo foro, assim se viabilizando ao exequente o previsto direito de acompanhar e promover o andamento do inventário.

No sentido de que este incidente, quando levantado em execução do foro laboral, deve correr por apenso ao respectivo processo, vide Acórdãos sumariados nos B.M.J.’s n.ºs 259/267, 262/212 e 358/602.

III –
Com os fundamentos expostos, delibera-se conceder provimento ao agravo, revogando a decisão impugnada, que deverá ser substituída por outra que considere a petição, em conformidade.
Sem custas.
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Honorários devidos à Exmª advogada nomeada.
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COIMBRA,