Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
112/06.7TBVZL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: SUBEMPREITADA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NULIDADE DE SENTENÇA
Data do Acordão: 01/20/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VOUZELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 1207.º; 1208.º; 1221.º; 1222.º DO CÓDIGO CIVIL. ARTIGO 668.º, N.º 1, C) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. Ao contrato de subempreitada aplicam-se as regras especiais que regem o contrato de empreitada, previstas nos artigos 1207.º e segs do Código Civil, mas também as regras gerais relativas ao cumprimento, cumprimento defeituoso e incumprimento das obrigações, desde que compatíveis com as primeiras.
2. Na subempreitada defeituosamente cumprida não pode o empreiteiro, por si próprio, proceder à eliminação dos defeitos e exigir depois que os respectivos custos sejam suportados pelo subempreiteiro, sem que previamente tenha obedecido aos procedimentos referidos nos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil (exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, a redução do preço ou resolução do contrato).
3. A oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A......intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra B......peticionando a condenação da mesma no pagamento de uma indemnização no valor de €6.500,00 pelo incumprimento culposo contratual da segunda. Para tanto alega que celebrou com a R. um contrato de subempreitada, tendo os trabalhos efectuados sido mal executados, o que foi dado a conhecer à gerência da R. a qual se escusou a proceder à sua correcção, facto que determinou a resolução imediata do contrato de subempreitada. Adiantou que para entregar a obra teve que refazer os trabalhos, no que teve custos, cujo ressarcimento peticiona.
Regularmente citada, a R. contestou, impugnando a factualidade alegada pela A., designadamente, afirmando desconhecer quaisquer reclamações ou interpelações, ou sequer má execução dos trabalhos por si efectuados ou defeitos existentes.

No prosseguimento dos autos, foi proferido o despacho de fl.s 28 e 29, no qual o M.mo Juiz convidou a A. a apresentar nova p.i. o que esta fez, a que se seguiu nova resposta por parte da Ré.

Com dispensa da realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante tida por assente e a provar, de que não houve reclamação.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 133 a 136, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.
No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 137 a 144, na qual se decidiu pela improcedência da acção, com a consequente absolvição da ré do pedido, com custas a cargo da autora.

Inconformada com a sentença proferida, interpôs recurso a autora, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 150), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. O contrato de empreitada celebrado entre a firma C......, dono da obra, e a autora, é diverso, estranho e autónomo do contrato de subempreitada celebrado entre esta (A.) e a Ré.
2. O regime legal de denúncia e eliminação dos defeitos da obra no contrato de empreitada (artigos 1220.º e 1221.º CC) não é aplicável ao contrato de subempreitada.
3. A Ré não cumpriu, por culpa sua, o contrato de subempreitada a que se obrigou: houveram erros e falhas de e na execução da obra, o que lesou a Autora.
4. O incumprimento culposo do contrato de subempreitada implica responsabilidade civil contratual do faltoso (arts 798 e ss CC), abrangendo-se nesta ou no conteúdo desta quer o lucro cessante quer o dano emergente.
5. A A. logrou provar a existência de prejuízos directamente decorrentes desse incumprimento culposo do contrato (de subempreitada).
6. Sendo o pedido fundado em indemnização decorrente da responsabilidade civil contratual, o Tribunal teria que julgar procedente – ainda que parcialmente perante a prova feita – a acção.
7. Ao não fazê-lo, isto é, julgando a acção totalmente improcedente, temos que a d. sentença é nula – alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º CPC.
8. E existe expresso na d. sentença, um claro erro de julgamento.
9. Vícios suficientes para a sua (da d. decisão recorrida) revogação e substituição por outra que julgue a acção procedente.
Termina, pedindo seja dado provimento ao seu recurso, com a consequente revogação da decisão proferida e a sua substituição por outra que julgue a acção procedente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:
A. Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. c), do CPC e;
B. Se o regime legal de denúncia e eliminação dos defeitos da obra no contrato de empreitada é ou não aplicável ao contrato de subempreitada.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:
1. A A. subempreitou, por contrato verbal, à R. o reboco, em gesso projectado, de uma dúzia de casas de habitação na Urbanização D. João I, em Viseu, que por sua vez lhe tinham sido empreitadas em Viseu.- Al. A) da matéria de facto assente.
2. A R. procederia, no âmbito da convenção referida em 1. com mão de obra própria, usando massa da A. – resposta aos quesitos 2 e 3.
3. Findos os trabalhos entregaria a obra à Autora e receberia o preço dos trabalhos – resposta ao quesito 4.
4. Os trabalhadores laboraram sempre sob ordem e direcção da gerência da empresa R. – resposta ao quesito 5.
5. A R. deu por concluídos os trabalhos em data não concretamente apurada. – resposta ao quesito 6.
6. A A. verificou que o reboco estava irregular e incompleto, apresentando riscas e ondulações nas paredes das casas. – respostas aos quesitos 7 e 8.
7. Em virtude do referido em 6., a A. teve que refazer o reboco. - resposta ao quesito 11.
8. A A. retirou (picou) o estuque e rebocou novamente as paredes. - resposta ao quesito 12.
9. A massa mencionada em 2. não foi aproveitável - - resposta ao quesito 14.
10. Os operários da A. que realizaram as tarefas referidas em 7. e 8. deixaram de realizar outros trabalhos já agendados e com prazos de execução e entrega, no que despenderam, pelo menos 15 dias - resposta aos quesitos 16 e 17.
11. A A. suportou pelo trabalho efectuado pelos seus trabalhadores cerca de €1265,00. - resposta aos quesito 18
12. O dono da obra, C….. teve conhecimento do atraso na entrega da obra. -resposta ao quesito 19.

A. Se a sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 668.º, n.º 1, al. c), do CPC.
Alega a recorrente que a sentença recorrida enferma da apontada nulidade, porquanto os seus fundamentos estão em oposição com a decisão, pois que, em face da matéria de facto dada como provada, se impunha a procedência parcial da acção, dado que provou a existência de prejuízos que lhe advieram do incumprimento contratual por banda da ré.

O artigo 668, n.º 1, al. c), CPC, sanciona com a nulidade a sentença, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Para que a sentença sofra de nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.
Ora, na sentença recorrida considerou-se que nas relações entre o empreiteiro e o subempreiteiro, no caso de cumprimento defeituoso por parte deste, terá o empreiteiro de observar a ordem sequencial estabelecida nos artigos 1221.º e 1222.º ambos do Código Civil, o que este, no caso a autora, não respeitou, pelo que não tem direito à pretendida indemnização, por esta ter a ver apenas com as despesas que teve com a reparação dos defeitos.
Assim sendo, não padece a sentença recorrida da arguida nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.
Isto porque na mesma se considerou que a autora estava adstrita a respeitar a ordem de reacção ao cumprimento defeituoso da ré e porque não o fez nem logrou demonstrar que a intimou a eliminar os defeitos (cf. respostas negativas aos quesitos 9 e 10, sendo que era sobre si que incumbia o respectivo ónus da prova – cf. artigo 342.º, n.º 1 do CC), não pode, por isso, obter ganho de causa, uma vez que, primeiro, tinha de exigir a eliminação dos defeitos e só depois poderia exigir a redução do preço ou proceder à resolução do contrato, nos termos dispostos naqueles artigos, bem como, igualmente e porque inexiste uma situação de urgência, não poderia a autora, por si própria, proceder à eliminação dos defeitos e exigir depois que os respectivos custos sejam suportados pela ora ré.
Daqui resulta, pois, que a decisão está em consonância com a fundamentação que a precede, pelo que e assim sendo, não padece a sentença recorrida da invocada nulidade pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

B. Se o regime legal de denúncia e eliminação dos defeitos da obra no contrato de empreitada é ou não aplicável ao contrato de subempreitada.
A recorrente defende que a responsabilidade de entregar a obra sem defeitos ao dono da obra impende sobre si e não sobre a ré, na qualidade de subempreiteira e não tendo esta corrigido os defeitos, tinha a obrigação e o direito de os corrigir por si própria e, posteriormente, exigir da ré o respectivo custo, dada a autonomia existente entre o contrato de empreitada que celebrou com o dono da obra e o de subempreitada que celebrou com a ora ré, do que decorre não estar obrigada a respeitar a sequência de meios de reacção que o Código Civil consagra nos seus artigos 1221.º a 1223.º.
Na sentença recorrida, ao invés, como acima já aflorado, considerou-se que não tendo a autora demonstrado que respeitou tal sequência e tendo, desde logo, eliminado os defeitos à sua custa não pode, agora e por isso, exigir da ré o custo de tais obras de eliminação dos defeitos.

Face à matéria de facto dada por provada e não impugnada, pode dar-se por assente que as ora partes celebraram um contrato de subempreitada, por via do qual a ora ré se obrigou a efectuar o reboco, em gesso projectado, de uma dúzia de casas de habitação, na Urbanização D. João I, em Viseu, utilizando mão de obra própria e massa da autora, mediante o pagamento de um determinado preço.
De igual forma se apurou que a ré efectuou tais trabalhos em desconformidade com o acordado, uma vez que o reboco estava irregular e incompleto, apresentando riscas e ondulações nas paredes das casas, em virtude do que a autora refez o reboco, picando e retirando o aplicado pela ré, o que lhe acarretou os custos mencionados nos itens 10 e 11 dos factos provados.

Daqui resulta, pois que a autora assumiu a posição de empreiteira, relativamente para com o dono da obra – cf. artigo 1207.º CC e entre as ora partes celebrou-se um contrato de subempreitada, o qual se acha definido no artigo 1213.º, n,º 1 do CC como sendo aquele pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.
Como refere P. Romano Martinez, in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Compra e Venda, Locação e Empreitada, Almedina, Maio de 2000, a pág. 373, é pressuposto deste negócio “… a existência de um contrato prévio, nos termos do qual alguém (o empreiteiro) se vincula a realizar uma obra; e a celebração de um segundo negócio jurídico, por cujos termos um terceiro se obriga, para com o empreiteiro, a realizar toda ou parte da mesma obra.
A subempreitada é um contrato subordinado a um negócio jurídico precedente. É uma empreitada de «segunda mão», que entra na categoria geral do subcontrato, e em que o subempreiteiro se apresenta como um «empreiteiro do empreiteiro», também adstrito a uma obrigação de resultado”.
Ali acrescentando que tais contratos não se fundem num único negócio jurídico, ao invés, mantêm-se distintos e individualizados.
Como corolário desta asserção, resulta que ao contrato de subempreitada se aplicam as regras especiais que regem o contrato de empreitada, previstas nos artigos 1207.º e seg.s do CC, mas também as regras gerais relativas ao cumprimento, cumprimento defeituoso e incumprimento das obrigações, desde que com as primeiras compatíveis.
Ora, uma das normas especiais da empreitada que se aplicam ao contrato de subempreitada é, fora de dúvidas, a do artigo 1208.º CC, de acordo com a qual, o subempreiteiro deve executar a obra em conformidade com o convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela.
O mesmo se diga quanto ao regime específico relativo aos defeitos da obra e meios de reacção do dono da obra, no caso a autora, na qualidade de empreiteira, previstos nos artigos 1218.º e seg.s do CC.
Efectivamente, dados os princípios e objectivos que lhes subjazem, trata-se de um regime especifico do contrato de empreitada, que se transpõe para o contrato de subempreitada e que, por isso, não pode ser afastado pelo regime geral do incumprimento obrigacional – neste sentido, por último, o Acórdão do STJ, de 07/02/2008, Processo 08B192, pág. 5, disponível in http://www.dgsi.pt/jst.
Relativamente ao contrato de empreitada, é pacífico, tanto a nível doutrinal como jurisprudencial, que no nosso ordenamento jurídico há uma sequência lógica no sentido de que, em primeiro lugar, o devedor está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação e só frustrando-se tais possibilidades pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato – cf. P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial Na Compra E Venda E Na Empreitada, Almedina, 1994, a pág. 440 e Direito das Obrigações, já acima citado, a pág. 458 e aí se citando numerosa jurisprudência no mesmo sentido.
Idêntica posição era a defendida por P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 2.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1981, pág. 734, in nota 2 ao artigo 1222.º CC.
De igual forma e salvos casos de urgência ou de força maior (aqui não alegados e por isso não provados), não é lícito ao empreiteiro ou ao dono da obra, sem previamente ter recorrido às vias judiciais, proceder de modo próprio à eliminação dos defeitos e depois pedir a condenação do faltoso ou inadimplente no valor das despesas efectuadas com a reparação – neste sentido, veja-se P. Romano Martinez, Cumprimento … pág.s 388 e 389.

De tudo o que ora se deixou dito e é reforçado pela existência do direito de regresso do empreiteiro contra o subempreiteiro, no que se refere à problemática da existência de defeitos e respectivos meios de reacção, tal como se encontra previsto no artigo 1226.º CC e é referido por P. de Lima e A. Varela, ob. cit., a pág. 741, nota 3, ao artigo ora citado, a posição do subempreiteiro em relação ao empreiteiro é, em princípio, igual à deste em relação ao dono da obra, do que resulta que o empreiteiro goza dos direitos de exigir a eliminação dos defeitos ou uma nova construção, e só no caso do não cumprimento destas obrigações poderá exigir a redução do preço ou resolver o contrato, bem como vedado lhe está, desde logo e sem respeitar tal sequência, salvas as excepções assinaladas, eliminar os defeitos por sua iniciativa.
A nível jurisprudencial, no mesmo sentido e para além do já referido, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 11/05/1993, Processo 081325 e de 14/01/1998, Processo 97A843, ambos disponíveis no mesmo sítio do anterior e o desta Relação de 06/06/2006, Processo n.º 534/06, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.

Volvendo ao caso em apreço, se é certo que a ré efectuou a obra com defeitos, certo é, igualmente, que a autora, face às respostas negativas que mereceram os quesitos 9 e 10, não logrou demonstrar que exigiu da ré a correcção de tais defeitos e que esta se recusou a faze-lo.
Ou seja, a autora não respeitou a sequência lógica a que se encontrava adstrita, pelo que a sua pretensão não pode proceder, uma vez que todos os danos que se tiveram por provados se prendem, única, directa e exclusivamente com as despesas que aquela suportou com a eliminação, à sua custa, dos defeitos existentes na obra levada a cabo pela ora ré, como de resto, já explicitado na sentença recorrida, para o que, quanto ao mais se remete.
Em consequência do que, igualmente, quanto a esta questão, tem o presente recurso de improceder.

Nestes termos se decide:
Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Coimbra, 20 de Janeiro de 2009.