Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4388/18.9T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
AUTENTICAÇÃO
TERMO DE AUTENTICAÇÃO
REGISTO INFORMÁTICO
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO EXECUÇÃO - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 703 Nº1 B) CPC, 36, 150, 151 CN, DL Nº 76-A/2006 DE 29/3, PORTARIA Nº657-B/2006 DE 20/7
Sumário: 1 - À luz do NCPCiv. [art.º 703.º, n.º 1, al.ª b)], os documentos particulares constitutivos ou recognitivos de obrigações só adquirem força executiva mediante a sua válida autenticação por entidade com competência para o efeito, destinando-se o termo de autenticação a assegurar a compreensão do conteúdo dos mesmos pelas partes.

2. - Devem outorgar no termo de autenticação aqueles que se obrigaram no respetivo documento particular, isto é, todos os devedores, sendo de excluir a força de título executivo quanto ao devedor que não outorgue nesse termo.

3. - A validade da autenticação depende da realização do registo informático do respetivo termo em conformidade com as exigências/requisitos de modo e tempo previstos nos art.ºs 3.º e 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06.

4. - Efetuado, por advogado, o registo informático sem correta identificação da natureza e espécie do ato, contrariando as disposições conjugadas dos art.ºs 1.º e 3.º, n.º 1, al.ª a), daquela Portaria n.º 657-B/2006, o documento particular não pode ter-se como validamente autenticado, não se revestindo, por isso, de força executiva.

Decisão Texto Integral:  













          

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                            ***    

I – Relatório

Por apenso a autos de execução que lhes move o “E (…), Ld.ª”, com os sinais dos autos,

vieram os Executados (e ora Embargantes)

1.ª - “A (…), Unipessoal, Ld.ª” e

2.ºs – J (…) e mulher, A (…), também com os sinais dos autos,

deduzir oposição – mediante embargos de executado – a tal execução, alegando, em síntese:

- a inexistência e inexequibilidade do título executivo, visto ter sido dado à execução, já no âmbito do regime processual do NCPCiv., um documento de reconhecimento de dívida, sem a adequada autenticação – esta foi efetuada por advogado, que não observou as exigências legais aplicáveis, inquinando-a do vício de invalidade, posto, por um lado, não ter intervindo no ato de autenticação a devedora principal (Executada “ A (...) …”), não havendo qualquer referência a ela no termo de autenticação, e, por outro lado e por consequência, não ser exigível aos fiadores (os demais Executados), por via desta execução, o pagamento, ante a relação de dependência das obrigações por estes assumidas face às obrigações da sociedade executada;

- o que obriga à extinção da execução, tanto contra aquela sociedade (devedora principal), como contra os Executados pessoas singulares (fiadores);

- acresce, quanto aos fiadores, que do termo de autenticação não constam elementos essenciais, como a naturalidade dos Executados, e do respetivo registo online (obrigatório) consta, erroneamente, “Reconhecimento simples”, o que não corresponde ao registo informático do termo de autenticação, pois teria de constar, diversamente, “Autenticação de documentos particulares”, sendo que a validade do ato (autenticação) depende do seu registo em sistema informático, com a consequência de um registo informático incorreto viciar de invalidade o ato de autenticação, impedindo que o documento particular adquira a natureza de documento autenticado e a força de título executivo;

- acresce ainda que o valor exequendo já se encontra pago.

Concluíram pela extinção da execução e pela condenação da Exequente, como litigante de má-fé, em multa e indemnização.      

Liminarmente admitidos os embargos, a Exequente contestou, pugnando:

- pela verificação de todos os requisitos do termo de autenticação;

- ainda que assim não se entendesse, a pretendida inexistência de título executivo não se repercutiria nos 2.ºs Executados/Embargantes, que se constituíram fiadores com renúncia ao benefício da excussão prévia e que sempre poderiam ser demandados sozinhos nos termos do disposto no art.º 641.º do CCiv.;

- pela existência de simples lapso de escrita no concernente ao registo do ato de autenticação, quanto à menção a “reconhecimento simples”, posto ser patente que do que se tratou foi de um termo de autenticação e não de um reconhecimento simples de assinaturas, obedecendo aquele ao único requisito de validade de que a lei faz depender o termo de autenticação, o do registo no sistema informático, só ocorrendo invalidade do ato se o registo for omitido.

Impugnando ainda o invocado cumprimento, concluiu pela improcedência dos embargos e pela condenação dos Embargantes como litigantes de má-fé.

A contraparte, no exercício do contraditório, veio pugnar ainda pela improcedência do incidente de litigância de má-fé e, bem assim, como na sua petição de embargos.

Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, conhecendo-se da matéria de invocada falta de título executivo, âmbito em que foi decidido assim:

«Pelo exposto, julgam-se os embargos procedentes determinando-se, em consequência, a extinção da execução por falta de título executivo.» ([1]).

Inconformada, a Embargada recorre de tal decisão, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([2]):

«(…) é firme convicção da Apelante que a decisão recorrida constitui uma errada aplicação das regras de direito.

4. Os Embargantes (…) vieram invocar a inexistência de Título Executivo quanto à sociedade executada A (…), Lda., por esta não constar do Termo de Autenticação e respetivo registo informático.

5. Os Embargantes (…) vieram invocar a inexistência de Título Executivo por falta de registo informático válido, por este ter sido efetuado como reconhecimento simples.

6. Em face disso, e de forma absolutamente inesperada, aquando da realização da Audiência Prévia no âmbito dos presentes autos, e sem que tivesse sido produzida a prova testemunhal arrolada pela Recorrente, a MM Juiz a quo proferiu o respetivo despacho saneador, ora colocado em crise, e através do qual, julgou procedente os Embargos deduzidos pelos Recorridos, por entender que o documentos particular que constitui o título executivo não se consubstanciar num documento autenticado, já que do seu ponto de vista a referida autenticação não obedeceu aos requisitos legalmente exigidos e, por via disso, não poder valer como título executivo.

7. Porém, a verdade é que a argumentação supra explanada carece de suporte legal e factual que a fundamente, conforme infra melhor se demonstrará.

8. Para o efeito, importa considerar que a Exequente deu à execução um documento particular denominado "ACORDO DE ASSUNÇÃO E CONFISSÃO DE DÍVIDA".

9. A Recorrente é titular de um direito de crédito perante a Recorrida "A (…) Lda.,", decorrente no [n]ão pagamento dos serviços prestados por aquela a esta.

10. Apesar, das diversas diligências extrajudiciais levadas a cabo pela Recorrente visando a obtenção da quantia em dívida, a Recorrida, supra identificada não procedeu à liquidação do montante em causa.

11. Na verdade, para a Recorrente não executar os diversos cheques, entregues pela Recorrida e devolvidos por falta de provisão, a Recorrida procurou efetuar um acordo, o que veio a suceder.

12. Com efeito, os aqui Recorridos, ou seja, a sociedade comercial "A (…), Lda.", o sócio único da mesma e a sua cônjuge, assumiram-se solidariamente devedores da Recorrente, o que formalizaram mediante a elaboração e subscrição de uma declaração de dívida (cfr. título executivo).

13. Uma vez elaborada e devidamente assinada a referida confissão de dívida por todos os aqui Recorridos, o Ex.mo Sr. Dr. (…) lavrou o respetivo termo de autenticação, nos termos do preceituado no artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, mediante o qual os Recorridos declararam, através de tal instrumento, terem lido, ficado cientes do seu teor e assinado a referida declaração e que o conteúdo da mesma expressava a vontade de todos.

14. Contudo, os Recorridos incumpriram o referido acordo, ao não ter sido dado cumprimento à primeira prestação acordada.

15. Nem posteriormente procederam ao pagamento das quantias a que se haviam vinculado.

16. Em face disso, e depois de terem sido sucessivamente interpelados a pagar, sem êxito, não restou à Recorrente outra alternativa senão a de instaurar a competente acção executiva contra os aqui Recorridos.

17. Não obstante, a verdade é que mal andou o Tribunal Recorrido ao considerar que o referido documento particular autenticado intitulado de "Acordo de Assunção e Confissão de Dívida", que fundamenta a referida execução, não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado título executivo.

18. Só são considerados como títulos executivos aqueles que a lei, expressamente, enumera como tal no artigo 703.º do C.P.C., estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade, estando vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo.

19. In casu, o título executivo que fundamenta a ação executiva consiste num documento particular autenticado por advogado, pelo que de acordo com o estabelecido no artigo 703.º, n.º 1, al. b) do C.P.C., dúvidas não há de que tal declaração elaborada e subscrita pelos aqui Recorridos, devidamente autenticada, reveste a natureza de título executivo.

20. Quanto à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados, dispõe o artigo 707.º do CPC que os "documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes".

21. Reunidos estes requisitos, no caso em apreço, cumpre então concluir que o documento que serve de título executivo nos presentes autos reveste indiscutível força executiva (exequibilidade extrínseca).

22. Acresce que, decorre do n.º 1 do artigo 363º do Código Civil que a autenticidade, é conferida a um documento por autoridade pública ou oficial público, dotados de fé pública.

23. Contudo, o n.º 2 do artigo 38.º do Decreto-Lei 76.º-A/2006, de 29 de Março, estabelece no âmbito do regime de reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documento, que advogados e solicitadores podem autenticar documentos particulares, com a mesma força probatória que teriam se tivessem sido realizados com intervenção notarial.

24. Com efeito, o Ilustre Advogado que autenticou o documento particular que constitui título executivo no âmbito dos presentes autos, tinha plena legitimidade para proceder à autenticação do referido documento, limitando-se a agir em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do DL 76-A/2006, de 29 de Março.

25. Quanto aos seus requisitos legais, cumpre referir que o termo de autenticação deve ser lavrado no próprio documento a que respeita ou em folha anexa (como é o caso) (cfr. artigo 36.º, n.º 4 do Código do Notariado).

26. O termo deve, desde modo, satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, às formalidades comuns dos atos notarias as quais se encontram estabelecidas no artigo 46.º do Código do Notariado.

27. Ademais, o termo deverá também conter os seguintes elementos: 1. Declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade; 2. a ressalva das emendas, entrelinhas, rasuras ou traços contidos no documento e que neste não estejam devidamente ressalvados (cfr. artigo 151.º do Código do Notariado).

28. Ora, analisados os referidos artigos, e confrontando-os com o conteúdo do termo de autenticação aqui em causa, cumpre concluir que, em boa verdade, todos os requisitos exigidos por lei se encontram integralmente cumpridos.

29. No entanto, o n.º 3 do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, menciona que o termo de autenticação deverá ser registado em sistema informático, cuja regulamentação e termos procedimentais estão previstos na Portaria n.º 657-B/2006, de 29 de Junho.

30. In casu, o termo de autenticação foi, efetivamente, registado informaticamente pelo Sr. Dr. M (...) , em 2017.10.12 às 09:57, tendo-lhe sido atribuído o Registo n.º 5906c/2885.

31. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu que o manifesto lapso de escrita - escolha do campo no sistema informático como "reconhecimento simples", inquina a validade da autenticação, argumentação com a qual a Recorrente jamais poderá concordar.

32. Veja-se que o Decreto-Lei n.º 76-A/2006 e a Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho fazem depender a validade do Termo de autenticação de registo informático, mas tão somente isto: registo no sistema informático, e este foi efetuado.

33. Nem o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, nem qualquer outro diploma legal determina como nulidade o lapso na indicação da natureza e espécie dos atos.

34. Pelo que a invalidade dos atos apenas existe quando inexiste qualquer registo, o que não acontece nos presentes autos.

35. Ademais, o Termo de autenticação em causa respeita todos os requisitos exigidos pelo Código do Notariado.

36. Ora, não esqueçamos que o Ilustre Advogado que procedeu à autenticação do documento, procedeu à elaboração e redação de um "Termo de Autenticação" e não a um reconhecimento de assinaturas,

37. Pelo que é manifesto, que o que ocorreu no registo informático foi um simples e manifesto lapso de escrita.

38. Aliás, não fora o Ilustre Advogado (por excesso de zelo) anexar o print do registo informático, e nem sequer se discutiria da (in) validade da autenticação efetuada e, consequentemente da falta de título executivo, pelo menos no que aos recorridos pessoa singular diz respeito.

39. Ora, perante o documento redigido pelo Ilustre Advogado é certo que jamais as partes pretenderam um reconhecimento de assinaturas e é certo que jamais o Sr. Dr. (…) jamais pretendeu registar um registo de assinaturas.

40. Tal registo deveu-se a manifesto lapso de escrita.

41. E, nos termos do artigo 249.º do Código Civil o simples de erro de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta.

42. É que tal erro é ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: basta ler o texto do termo e logo se verifica há erro e logo se entende o que o Ilustre Advogado queria fazer.

43. E por assim ser, como o é, o douto Tribunal a quo, deveria ter considerado tal erro retificado, e em consequência considerar a existência de título executivo perfeitamente válido.

Acresce,

44. A sociedade executada consta como devedora no documento particular apresentado, por esta ao Ilustre Advogado Sr. Dr. (…), para fins de autenticação.

45. A sociedade executada, na oposição apresentada, não pôs em causa a validade ou eficácia das declarações emitidas no documento particular dado à execução, nem questionou a assinatura nele aposta como sendo da sua autoria.

46. Pelo que, resultando clara e inequivocamente, do conteúdo e da leitura do identificado documento particular, que a vontade do identificado (…) era obrigar-se a si e à sociedade que representa, assim deve ser entendida a sua assinatura do Termo de Autenticação anexo ao mesmo.

47. E, não esqueçamos que a confissão de dívida e o respetivo termo de autenticação foram elaborados por negociações e acordo das partes.

48. Não esqueçamos também que os aqui Recorridos não se limitaram a subscrever a declaração de assunção e confissão de dívida, sendo que, além do mais, e conforme decorre do teor do título executivo e para onde se remete com as consequências legais daí decorrentes, cumpre salientar que os Recorridos subscreveram, igualmente, o próprio termo de autenticação elaborado pelo Sr. Dr. (…), pelo que, através de tal instrumento, os Recorridos conferiram validade inegável ao respetivo termo de autenticação, ao confirmarem, expressamente, que a declaração de assunção e confissão de dívida foi lida e assinada por todos e que o conteúdo da mesma expressava a vontade dos mesmos.

49. Com efeito, o facto de por lapso manifesto de escrita o registo informático do termo de autenticação indicar "reconhecimento simples de assinaturas", tal factualidade não acarreta inevitavelmente um vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, que determine a invalidade do termo de autenticação.

50. Pois, apenas estaríamos perante um termo de autenticação inválido ou ineficaz se o termo de autenticação não tivesse sido lavrado em conformidade com os requisitos legais prescritos no Código do Notariado.

51. ou se, posteriormente, não se procedesse ao registo no respetivo sistema informático.

52. Isto posto, cumpre concluir que o título executivo que serve de base à presente ação executiva é perfeitamente válido.

(…)

53. Os Recorridos ao invocarem que a Exequente, aqui Recorrente, não dispõe de título executivo e, atenta a factualidade supra elencada, o facto de a declaração de assunção e confissão de dívida e o respetivo termo de autenticação terem sido subscritos pelos Recorridos, e terem declarado que o conteúdo de tais documentos expressava a livre vontade dos Embargantes, agem ilegitimamente, ao tentarem aproveitar-se de um mero e manifesto lapso de escrita para tentarem furtar-se ao cumprimento de uma obrigação que assumiram, livre, espontânea e conscientemente perante a Recorrente.

54. Tal comportamento revela manifesta má fé na atuação dos Recorridos, consubstanciando-se em abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, o que, desde já se invoca pra todos os efeitos legais, na medida em que, os Recorridos ao invocarem a invalidade e ineficácia do termo de autenticação do Acordo de assunção e confissão de dívida elaborada e subscrita pelos mesmos, demonstram, inequivocamente, não só má-fé contratual, como agem em manifesto abuso de direito,

55. pois que, ao invocarem tal invalidade os recorridos exercem uma posição jurídica que se encontra não só em completa e manifesta contradição com o seu comportamento assumido anteriormente, como tal conduta é inconciliável com as expetativas adquiridas pela Recorrente.

56. Destarte, os Recorridos assumiram, através da dedução dos embargos de Executado, um comportamento e posição que a Recorrente não podia, razoavelmente, prever, face à conduta anteriormente assumida e às legítimas expetativas que os Recorridos geraram no espírito da Recorrente.

57. O artigo 334.º do Código Civil, determina que "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito".

58. Nestes termos, o abuso de direito apresenta-se, a final, como com conjunto de situações típicas em que o Direito, por exigência do próprio sistema, entende deter uma atuação que, em princípio, se apresentaria como legítima.

59. E o abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que in casu deveria ter sido objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal a quo, ainda que não tivesse sido invocado, o que se requer.

NESTES TERMOS,

e nos melhores em direito admitidos, sempre com o suprimento de V. Ex.ªs, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a douta sentença proferida e em consequência ordenar-se o prosseguimento dos autos., assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!».

A parte Recorrida contra-alegou, concluindo pela total improcedência do recurso.

Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito assim fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (doravante, NCPCiv.), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, estão em causa na presente apelação as seguintes questões:

a) Inexistência de título executivo quanto à sociedade 1.ª Executada/Embargante, por omissão de confirmação por esta, em sede de autenticação, do teor do documento particular dado à execução;

b) Inexistência de título executivo quanto aos demais (2.ºs) Executados/Embargantes, por vício do registo do ato de autenticação do aludido documento particular;

c) Abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

III – Fundamentação

          A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte materialidade como assente ([3]):

1. - «(…) a exequente apresentou como título executivo um documento particular denominado de Acordo de Assunção e Confissão de Dívida na qual os ora embargantes intervieram como outorgantes, nele declarando, além do mais, o seguinte: aceitam estipular que o montante global em dívida (da embargante sociedade à exequente) é de € 8.000,00, tendo ficado os embargantes pessoas singulares, fiadores e principais pagadores da devedora, sem benefício da excussão prévia, por todas as obrigações da mesma, emergentes do presente acordo – tudo em conformidade com o documento junto a fls. 3 e 4 da execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido.»;

2. - «A acompanhar este documento particular, devidamente assinado pelos embargantes nas qualidades em que outorgaram, a exequente apresentou ainda um termo de autenticação onde, na mesma data, o advogado (…), atesta que compareceram como outorgantes os embargantes, J (…) e A (…), ali melhor identificados, tendo sido verificada a identidade dos outorgantes pela exibição dos seus documentos de identificação, mais se atestando que os mesmos leram e ficaram cientes do teor do documento particular denominado Acordo de Assunção e Confissão de Dívida e que o mesmo corresponde às suas vontades – tudo em conformidade com o documento junto a fls. 5 da execução e que aqui se dá por integralmente reproduzido»;

3. - «(…) o acto [de autenticação do documento particular] foi registado como reconhecimento simples e não como documento particular autenticado.».

B) Aspeto jurídico da causa

1. - Da falta de título executivo quanto à 1.ª Executada, por omissão de confirmação, em sede de autenticação, do teor do documento particular

Invoca a Apelante inexistir, no respeitante ao título executivo, a omissão de confirmação do teor do documento particular, em sede de autenticação respetiva, pela sociedade 1.ª Executada, ao contrário do entendido na decisão em crise.

Nesta foi assim explanado:

«De acordo com o artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil o documento particular só vale como título executivo se for autenticado por notário ou outra entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

A propósito da questão suscitada importa referir que, segundo o artigo 377.º do Código Civil “os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a mesma força probatória dos documentos autênticos” sendo que de acordo com o artigo 371.º do mesmo diploma legal, “os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.

Por sua vez, preceitua o artigo 150.º, n.º 1 do Código do Notariado que “os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário, devendo o termo de autenticação observar ainda os requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, a saber:

(…)

- o nome completo, estado, naturalidade e residência habitual dos outorgantes, bem como das pessoas singulares por estes representadas, a identificação das sociedades, nos termos da lei comercial, e das demais pessoas colectivas que os outorgantes representem, com menção, quanto a estas últimas, das suas denominações, sedes e números de identificação de pessoa colectiva;

- a referência à forma como foi verificada a identidade dos outorgantes, das testemunhas instrumentárias e dos abonadores;

- a menção das procurações e dos documentos relativos ao instrumento que justifiquem a qualidade de procurador e de representante, mencionando-se, nos casos de representação legal e orgânica, terem sido verificados os poderes necessários para o acto;

(…)

- a menção de haver sido feita a leitura do instrumento lavrado, ou de ter sido dispensada a leitura pelos intervenientes, bem como a menção da explicação do seu conteúdo;

(…)

- as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento.

- a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;

O termo de autenticação deve ainda ser registado informaticamente tal como previsto na Portaria n.º 657-B/2006 de 20/07, sendo que, desde o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, não são apenas os notários que procedem à autenticação mas também as Câmaras de comércio e indústria, Conservadores, Oficiais de registo, Advogados e Solicitadores.

No vertente caso, a exequente apresentou como título executivo um documento particular denominado de Acordo de Assunção e Confissão de Dívida na qual os ora embargantes intervieram como outorgantes (…).

A acompanhar este documento particular, devidamente assinado pelos embargantes nas qualidades em que outorgaram, a exequente apresentou ainda um termo de autenticação onde, na mesma data, o advogado (…), atesta que compareceram como outorgantes os embargantes, (…), ali melhor identificados, tendo sido verificada a identidade dos outorgantes pela exibição dos seus documentos de identificação, mais se atestando que os mesmos leram e ficaram cientes do teor do documento particular denominado Acordo de Assunção e Confissão de Dívida e que o mesmo corresponde às suas vontades (…).

Ora, os embargantes (…) alegam que no termo de autenticação outorgam por si e nunca em representação da sociedade comercial A (…), ora executada, não tendo esta feito qualquer declaração ou confirmação do documento que consubstancia a confissão de dívida, que possa vincular a sociedade.

Não podemos, efectivamente, perder de vista que o termo de autenticação serve para que o documento particular adquira uma força qualificada, dado que só assim poderá ascender à categoria de título executivo.

O reconhecimento da dívida pela embargante pessoa colectiva não foi, efectivamente, objecto de confirmação perante o Ilustre Advogado.

O termo de autenticação é feito com base numa declaração confirmatória do conteúdo do documento cuja autenticação se requer, resultando de modo literal e expresso do termo de autenticação que acompanha o documento particular dado à execução que os embargantes a fazem em termos pessoais, dado que nele nunca é feita menção à pessoa que tem poderes para vincular a sociedade comercial, não tendo sido emitido a declaração de vontade exigida pelo citado artigo 151.º do Código do Notariado.

Se é certa a afirmação que a entidade que elabora o respectivo Termo de autenticação não recolhe quaisquer declarações constitutivas do negócio jurídico mas apenas a declaração confirmatória de que o negócio celebrado corresponde à vontade das partes, não podemos ultrapassar o facto de que, na vertente situação, apenas os fiadores declararam confirmar o negócio incorporado no documento particular autenticado.

Para que se pudesse considerar que a exequente estava munida de título executivo quanto à embargante pessoa colectiva, o termo de autenticação em análise teria de confirmar que o documento particular exprime inequivocamente a vontade da mesma, e não limitar a sua abrangência, como acontece no vertente caso.

Em face desta constatação, argumenta a exequente que resulta do conteúdo e da leitura do identificado documento particular que era vontade dos embargantes obrigar-se a si e à sociedade que representam e que tendo sido feito o registo informático do acto, deve o termo de autenticação ser considerado válido.

(…) tendo em conta que o termo de autenticação está sujeito, conforme supra se afirmou, aos requisitos formais previstos no artigo 150.º e 151.º do Código do Notariado, omitida a declaração de vontade da embargante sociedade, não pode operar-se a convalidação do respectivo acto através da indagação da vontade real das partes, em sede de embargos de executado, cuja finalidade é a extinção, total ou parcial, da execução.

Não tendo o documento particular sido confirmado pela embargante sociedade (mesmo que esse facto se tenha devido a lapso manifesto), julgamos que a omissão da declaração de que o documento particular exprime a sua vontade, lhe retira a natureza de documento autenticado e, por conseguinte, a qualidade de título executivo accionável contra a mesma, impondo à exequente o recurso à acção declarativa para fazer valer o seu direito de crédito.».

Invocando jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto ([4]), argumenta que «a declaração cuja autenticação se impõe é a da pessoa que se obrigou (a pagar, a entregar certa coisa ou a prestar determinado facto), ou seja a do devedor», sendo que «o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade».

Tudo para concluir que, «(…) por ter sido inobservada uma das formalidades da autenticação do documento particular dado à execução – omissão da confirmação do teor do documento particular, pela embargante A (…), Lda. (…) – terá de se julgar procedente a excepção invocada e, consequente, declarar-se extinta a execução quanto à mesma, por falta de título executivo.».

A Recorrente, reconhecendo, embora, que o termo de autenticação de documento particular deverá conter declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade (cfr. artigo 151.º do Código do Notariado) – conclusão 27.ª –, acaba por concluir que, no caso, “todos os requisitos exigidos por lei se encontram integralmente cumpridos” (conclusão 28.ª), inclusive, já num outro âmbito, o respetivo registo em sistema informático (conclusão 29.ª).

Que dizer?

Deve afirmar-se, em primeiro lugar, que, como resulta incontroverso nos autos, é seguro que o termo de autenticação de documento particular haverá de conter declaração de todas as partes de que leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade. Nisto, como dito, não há controvérsia.

Resta, então, saber se o termo de autenticação em discussão contém, ou não, essa declaração por parte da 1.ª Executada/Embargante e se, não a contendo, estamos perante omissão que, por insuprível, afeta a exequibilidade do documento apresentado como título executivo.

Ora, é patente, como apurado nos autos, que foi dado à execução (como título executivo) um documento particular denominado “Acordo de Assunção e Confissão de Dívida”, em que intervieram como outorgantes todos os ora Embargantes (1.ª Embargante, sociedade “A (…), Ld.ª”, e 2.ºs Embargantes, pessoas singulares), nele tendo declarado aceitarem estipular que o montante global em dívida (da Embargante sociedade à Exequente) é de € 8.000,00, tendo ficado os Embargantes pessoas singulares, fiadores e principais pagadores da devedora, sem benefício da excussão prévia, por todas as obrigações da mesma, emergentes do respetivo acordo.

Tratando-se de documento de cariz particular, foi formalizado termo de autenticação (por advogado), com vista a conferir-lhe força executiva, de acordo com o disposto no art.º 703.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv., segundo o qual podem servir de base à execução os documentos autenticados que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.

Tal termo de autenticação tinha, pois, de conter declaração de todos os ora Embargantes – outorgantes como obrigados no documento consubstanciador da dívida agora exequenda –, incluindo, desde logo, a sociedade devedora (“A (…), Ld.ª”), através de quem a representasse, de terem lido o documento ou estarem inteirados do seu conteúdo e, bem assim, de exprimir o mesmo a sua vontade.

Porém, o que resulta do factualismo apurado é que, no termo de autenticação (por advogado), apenas é atestado que compareceram como outorgantes os aqui 2.ºs Embargantes, J (…) e A (…)a, ali melhor identificados, com verificação da respetiva identidade através da exibição dos seus documentos de identificação, e que os mesmos – J (…) e A (…)  leram e ficaram cientes do teor do documento particular, que corresponde às suas vontades.

É certo que no documento intitulado “Acordo de Assunção e Confissão de Dívida” é mencionado que a outorgante pessoa coletiva “A (…)” é “representada pelo seu sócio gerente J (…)”, o qual intervém depois no termo de autenticação.

Quer dizer, naquele documento particular o referido J (…) intervém numa dupla qualidade, como representante (sócio-gerente) da dita pessoa coletiva e a título pessoal, assim, por um lado, obrigando essa pessoa coletiva e, por outro lado, obrigando-se a si próprio (pessoalmente).

Mas, se assim é, teria o mesmo de intervir no ato de autenticação também nessa dupla qualidade, uma vez que, como já salientado, «o procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respectivo conteúdo correspondia à sua vontade» ([5]).

Ora, em tal ato de autenticação apenas resulta que J (…) – devidamente identificado quanto à sua residência, ao seu “NIF” e “Cartão de Cidadão” – intervém como outorgante, ao lado da também outorgante A (…)ambos pessoas singulares.

Nada é mencionado quanto à dita “A (…)”, apesar de esta ser outorgante no documento particular que se visava autenticar.

Assim, não resulta que aquele J (…), para além de outorgar a título pessoal, outorgasse também como representante (sócio-gerente) da pessoa coletiva.

Esta não foi indicada entre os outorgantes no ato de autenticação, pelo que resta concluir que J (…) outorgou a título pessoal.

Falta, pois, a outorga no ato de autenticação pela pessoa coletiva, a “ A (...) ”, cujo sócio-gerente, embora outorgante a título pessoal em tal ato, nada declarou no sentido de a representar ou vincular, diversamente do que havia ocorrido no documento que se pretendia autenticar.

Em suma, no procedimento de autenticação do documento particular, falta a necessária confirmação do seu teor por parte da dita pessoa coletiva, a aqui 1.ª Executada/Embargante, pelo que a autenticação operada não a abrange nem vincula.

Pode alegar-se – como faz a Recorrente – que tal se deveu a lapso naquele procedimento de autenticação.

Porém, como bem refere o Tribunal a quo, o vício/omissão não pode ser agora suprido, em plena fase executiva, sabido que o título deve estar formado ao tempo da instauração da ação executiva ([6]) e que a via interpretativa é aqui imprestável para esclarecimento da real vontade dos outorgantes.

Resta, então, concluir que o título dado à execução – documento particular – não se mostra autenticado no respeitante à 1.ª Executada/Embargante, não tendo, por consequência, força executiva quanto a esta.

Donde que inexista título executivo quanto a tal Executada, à luz do disposto no art.º 703.º, n.º 1, al.ª b), do aplicável NCPCiv..

Nada, pois, a censurar nesta parte à decisão em crise, impondo-se a decretada extinção da execução quanto a esta Executada.

2. - Da inexistência de título executivo relativamente aos demais Executados, por vício registal quanto ao ato de autenticação

A Recorrente reconhece, ante o disposto no n.º 3 do art.º 38.º do DLei n.º 76-A/2006, de 29-03, que o termo de autenticação deve ser registado em sistema informático, cuja regulamentação e termos procedimentais estão previstos na Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06 (conclusão 29.ª).

E vem apurado que o ato de autenticação do documento particular em apreço foi registado – no sistema informático legalmente previsto – como reconhecimento simples e não como documento particular autenticado.

Ora, já se viu que a exequibilidade de um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação depende da respetiva “autenticação, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes, não sendo, pois, suficiente o simples reconhecimento de assinaturas” ([7]).

No caso, não ocorre – quanto aos 2.ºs Executados/Embargantes – vício na autenticação, mas sim no registo respetivo, pois que, em vez de se registar como “documento particular autenticado”, fez-se registo como “reconhecimento simples” de assinaturas, sabido que, para efeitos de aquisição de força executiva, nunca bastaria ao documento particular o mero reconhecimento de assinaturas, sendo necessária a autenticação.

A este respeito, foi assim enunciado na decisão recorrida:

«O artigo 38º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março estatui que Os actos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.

Foi a Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho que implementou esse sistema de registo, dela decorrendo, no seu artigo 1.º que a validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, das autenticações de documentos particulares e da certificação, ou realização e certificação, de traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, efectuados por (…) advogados (…), depende de registo em sistema informático.

Ora, segundo o respectivo artigo 3.º Relativamente a cada um dos actos referidos no artigo 1.º, devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos:

a) Identificação da natureza e espécie dos actos;

b) Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação;

c) Identificação da pessoa que pratica o acto;

d) Data e hora de execução do acto;

e) Número de identificação do acto.

Ora, a validade do acto de autenticação do documento particular depende do registo, em sistema informático, sendo que esse registo terá de identificar a natureza e espécie respectiva, o que no vertente caso, não acontece.

Efectivamente, o acto foi registado como reconhecimento simples e não como documento particular autenticado.

Para constituir título executivo os documentos apresentados pela exequente terão de cumprir os requisitos formais de validade legalmente exigidos.

Conforme se pode ler na fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto supra citado o descrito regime normativo aponta decisivamente no sentido de que a autenticação do documento particular somente será válida se for efectuada no prazo e com observância dos demais requisitos legalmente fixados. Na verdade, o nº 3 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março expressamente condiciona a validade do acto de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006, a qual, no seu artigo 1º, reitera que a validade desse acto depende da efectivação do registo nas condições definidas nos artigos 3º (que estabelece os concretos elementos ou dados recolhidos que devem ser registados no sistema informático) e 4º (que concretiza o momento em que deve ser executado o registo nesse sistema). […]

Como assim, dada a natureza cogente dos artigos 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pela apelante, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada.

Efectivamente, também no vertente caso, a observância das mencionadas formalidades legais, na realização do respectivo registo, justificam-se por razões de segurança, certeza jurídicas e salvaguarda da fé pública associada a este tipo de documento (que, como supra se mencionou, passa a ter a força probatória do documento autêntico).

Destarte, tal como se concluiu no mencionado aresto, também nós entendemos, com a devida vénia, que tendo o registo da autenticação preterido o que dispõe o artigo 3.º, a) da citada Portaria, fica, efectivamente, afectada a sua validade, pelo que o documento particular não chega a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva por não consubstanciar título passível de ser subsumido à fattispecie da al. b) do nº 1 do artigo 703º do Código de Processo Civil.

Por outro lado, não se vislumbra como poderia tal vício ser corrigido, dado que a realização de um novo termo de autenticação e a efectivação do respectivo registo, adequado à sua natureza e espécie, pressupõe sempre um acto de vontade das partes apto a confirmar o teor do documento particular, sendo certo que, em face do teor da petição de embargos e, concretamente, ao facto de a própria dívida estar a ser contestada, não seria previsível. Neste contexto, ajuizamos, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, que a exequente não está munida do título executivo bastante para executar qualquer dos executados/embargantes, estando obrigada a recorrer à acção declarativa para fazer valer os seus direitos.».

Considerou, pois, a 1.ª instância que o verificado vício de registo quanto à natureza/espécie do ato [al.ª a) do citado art.º 3.º da Portaria n.º 657-B/2006] inquina o registo efetuado e determina a invalidade da autenticação a que respeita, comprometendo o título dado à execução (o documento particular não chega a adquirir a natureza de documento particular autenticado).

Para este sentido interpretativo se inclinam, no essencial, os dois arestos já mencionados da Relação do Porto.

A Apelante dissente, argumentando que o registo foi realmente efetuado, apenas tendo ocorrido, também aqui, um “manifesto lapso de escrita” (conclusões 31.ª e 41.ª), que o art.º 249.º do CCiv. permite retificar, pelo que o Tribunal deveria tê-lo considerado retificado e a situação/irregularidade sanada (conclusão 43.ª), sendo que nunca poderia falar-se de um termo de autenticação inválido ou ineficaz, por a sua realização se ter conformado com os requisitos legais previstos no CNot..

Ora, cabe dizer que a Recorrente, em vez de onerar o Tribunal a quo com uma atividade que lhe não compete – a de dever considerar retificado o ocorrido vício registal, quanto a um registo que não está na sua disponibilidade ([8]) e que subsiste efetuado, exatamente nos termos em que realizado (com tal vício) –, deveria ter promovido, oportunamente, por si própria, a correção do vício indiscutivelmente ocorrido.

O que não fez, razão pela qual, subsistindo o registo efetuado, não pode o documento dado à execução ter-se por retificado, visto que o mesmo se mostra conforme ao registo correspondente, que lhe é exterior e subsiste inalterado, não cabendo ao Tribunal imiscuir-se, sem mais, na esfera registral.

Subsiste, pois, o registo realizado, mas com o vício ocorrido, importando saber qual a sua repercussão sobre o ato de autenticação levado a cabo por advogado.

Esse vício implicará uma mera irregularidade, sem consequências invalidantes sobre a autenticação do documento? Ou, ao invés, por relevante/essencial, é causa de invalidade dessa autenticação?

A questão da realização deste tipo de registo em inobservância de requisitos legais já antes ocupou os nossos Tribunais.

Assim é que no sumário do aludido Ac. TRP de 08/11/2018 foi exarado:

«I- Para ser conferida exequibilidade extrínseca a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se necessário a sua autenticação por entidade dotada de competência para esse efeito, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes.

(…)

III- A validade dessa autenticação implica que seja efectuado o registo informático do respectivo termo dentro do prazo estabelecido no art. 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de Junho.

IV- A inobservância do referido condicionalismo temporal implica que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado, não podendo, nessa medida, servir de base à acção executiva.» ([9]).

E no anterior Ac. TRP de 23/01/2017, também já citado, fundamentou-se do seguinte modo (quanto ao mesmo tipo de vícios):

«(…) o descrito regime normativo aponta decisivamente no sentido de que a autenticação do documento particular somente será válida se for efetuada no prazo e com observância dos demais requisitos legalmente fixados.

Na verdade, o nº 3 do art. 38º do DL nº 76-A/2006, de 29 de março expressamente condiciona a validade do ato de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006, a qual, no seu art. 1º, reitera que a validade desse ato depende da efetivação do registo nas condições definidas nos arts. 3º (que estabelece os concretos elementos ou dados recolhidos que devem ser registados no sistema informático) e 4º (que concretiza o momento em que deve ser executado o registo nesse sistema).

Ora, a propósito da oportunidade temporal em que deve ser executado o registo na plataforma informática, a lei é clara no sentido de estabelecer que esse registo tem obrigatoriamente de ser efetuado “no momento da prática do ato”, ressalvando apenas a situação (excecional) de nesse momento ocorrer dificuldade de caráter técnico de acesso ao sistema, caso em que o ato é válido mesmo sem o registo, contanto que esse facto seja expressamente referido no documento que o formaliza e o registo seja efetuado nas 48 horas seguintes.

Perscrutando as razões que subjazem à imposição do imediato registo informático do termo de autenticação, afigura-se-nos que a mencionada determinação legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exata definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documento (que, como se referiu, passa a ter a força probatória do documento autêntico).

Como assim, dada a natureza cogente dos arts. 38º, nº 3 do DL nº 76-A/2006 e 1º e 4º da Portaria nº 657-B/2006, esse registo informático, ao invés do entendimento preconizado pelos apelantes, assume, na economia de tais diplomas, natureza de formalidade essencial (que não de mera irregularidade), cuja inobservância contende, pois, com a validade da autenticação realizada.».

Não se conhece jurisprudência ou doutrina em sentido contrário (e nem a Recorrente a indicou).

As razões que valem para a inobservância do prazo de registo devem valer, mutatis mutandis, para a inobservância dos requisitos atinentes aos concretos elementos ou dados recolhidos que devem ser registados no sistema informático (art.ºs 1.º, 3.º e 4.º da aludida Portaria nº 657-B/2006), o primeiro dos quais referente, precisamente, à identificação da natureza e espécie do ato sob registo.

Não se descortina, salvo o devido respeito, que ocorram motivos ponderosos para seguir orientação diversa da adotada nos aludidos arestos da Relação do Porto, sendo preponderantes – como ali enfatizado, nesta perspetiva – razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exata definição da natureza e espécie dos atos tendentes a conferir a documentos particulares natureza de documentos particulares autenticados, procurando, assim, salvaguardar a fé pública associada a este tipo de documentos, tendo em conta a sua dimensão de títulos executivos.

Em suma, nada a alterar nesta parte à decisão recorrida.

3. - Do abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium

Argumenta, por fim, a Apelante que a contraparte incorre em abuso do direito, questão nova só agora trazida aos autos, na fase recursiva, sobre que, por isso, se não pronunciou a 1.ª instância, mas que a Recorrente se sente ainda justificada a suscitar por se tratar de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal, muito embora seja sabido que as questões a decidir nos recursos não podem ser questões novas – exceto as de conhecimento oficioso –, mas apenas as já colocadas ao Tribunal recorrido e por este decididas. Na verdade, os recursos não servem para apreciar questões novas, não colocadas ao Tribunal recorrido, mas para reapreciar a decisão sobre questões/matérias por aquele julgadas ([10]).

Donde que a questão, somente colocada na apelação, do abuso do direito, na modalidade de venire, consubstanciada na invocação pelos Embargantes/Recorridos da invalidade e ineficácia do termo de autenticação de um documento/acordo de assunção e confissão de dívida em que foram outorgantes e subscritores (comportamento alegadamente contraditório com o assumido anteriormente e violador de legítimas expetativas geradas na contraparte), devesse ter sido colocada perante a 1.ª instância, pois que não deve o Tribunal de recurso assumir papel de apreciação de questões novas.

Ainda assim, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso, aqui se tomará posição.

Ora, esse abuso do direito teria de estar consubstanciado – encontrar respaldo – no elenco dos factos apurados.

E, percorridos estes, não se vê em que terão os Executados/Embargantes, por ação ou omissão, violado a confiança que houvessem incutido na sociedade credora e aqui Exequente, posto terem-se limitado, perante a execução intentada, a defender-se por embargos de executado, onde invocaram vícios do ato de autenticação e seu registo, no sentido de demonstrarem a falta de título executivo.

Na verdade, não se vê em que houvessem eles, com alguma sua conduta relevante, suscitado/incutido naquela qualquer confiança em que não invocariam tais vícios, nem se defenderiam na execução, designadamente através da alegação de inexistência de título executivo.

O que seria expetável, por razoável, era que viesse a ocorrer reação, como houve, no plano judicial, perante a pressão da execução, no que nem sequer se tardou, posto terem sido deduzidos tempestivos embargos de executado.

Não se descortina, assim, qualquer violação do princípio da confiança que houvesse sido suscitada, deixando intocada, por isso, a pretensão de afastamento da execução e decorrente agressão patrimonial, pretensão essa em tempestivo contexto de litigância jurídico-processual ([11]).

Também não se vê que ocorra comportamento contraditório, mormente em termos clamorosos ou gritantes/intoleráveis para a consciência axiológico-jurídica dominante.

Não se perceciona que tenham os Recorridos entrado em contradição ao suscitarem o(s) vício(s) aludido(s), para o que não basta que tenham anteriormente outorgando no documento particular e no respetivo termo de autenticação.

Com tal outorga não quiseram, logicamente, renunciar à invocação futura de eventuais vícios – que não foram por si ocasionados ou praticados – do termo de autenticação (efetuado por advogado) ou do respetivo registo informático (âmbito em que também não foram os promotores registrais, para o que nem teriam competência), mormente em face da ameaça executiva de agressão patrimonial.

E mesmo que se entendesse que a pretensão da Apelante se traduz, desde logo, em obstar a que os Executados/Embargantes possam arguir o aludido vício formal, na medida em que essa invocação surgisse como contrária à boa-fé – num hipotético quadro de inalegabilidade formal –, nem por isso seria de acolher a sua argumentação.

Como também referido no citado Ac. TRP de 23/01/2017, não se vislumbra «em que medida a arguição do aludido vício formal (aliás de conhecimento oficioso) configure uma atuação abusiva suscetível de preencher os enunciados requisitos da inalegabilidade, desde logo porque o vício em questão não foi ocasionado por qualquer comportamento imputável aos ora apelados (resultando antes, como se deu nota, do inadimplemento de formalidades legalmente prescritas por banda do advogado que conduziu o procedimento tendente à autenticação do ajuizado documento particular), nem os autos evidenciam que estes tenham assumido conduta passível de gerar fundada confiança nos exequentes/apelantes de que esse vício não viria a ser invocado».

Não se demonstra, em suma, abuso do direito, devendo manter-se, salvo o devido respeito por diverso entendimento, a decisão recorrida.

***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - À luz do NCPCiv. [art.º 703.º, n.º 1, al.ª b)], os documentos particulares constitutivos ou recognitivos de obrigações só adquirem força executiva mediante a sua válida autenticação por entidade com competência para o efeito, destinando-se o termo de autenticação a assegurar a compreensão do conteúdo dos mesmos pelas partes.

2. - Devem outorgar no termo de autenticação aqueles que se obrigaram no respetivo documento particular, isto é, todos os devedores, sendo de excluir a força de título executivo quanto ao devedor que não outorgue nesse termo.

3. - A validade da autenticação depende da realização do registo informático do respetivo termo em conformidade com as exigências/requisitos de modo e tempo previstos nos art.ºs 3.º e 4.º da Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06.

4. - Efetuado, por advogado, o registo informático sem correta identificação da natureza e espécie do ato, contrariando as disposições conjugadas dos art.ºs 1.º e 3.º, n.º 1, al.ª a), daquela Portaria n.º 657-B/2006, o documento particular não pode ter-se como validamente autenticado, não se revestindo, por isso, de força executiva.  

***
V – Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas da apelação pela Apelante.


Coimbra, 21/01/2020

         

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Cfr. fls. 39 v.º do processo físico (com destaque retirado).
([2]) Que se deixam transcritas na parte relevante (com destaques retirados).
([3]) Embora sem expressa autonomização no tecido da decisão.
([4]) O Ac. TRP de 08/11/2018, Proc. 3261/17.2T8AGD.P1 (Rel. Paulo Dias da Silva), disponível em www.dgsi.pt.
([5]) Cfr. também, no mesmo sentido, o Ac. TRP de 23/01/2017, Proc. 4871/14.5T8LOU-A.P1 (Rel. Miguel Baldaia de Morais), disponível em www.dgsi.pt, onde é salientado que «(…) para se conferir exequibilidade a um documento particular constitutivo ou recognitivo de uma obrigação, torna-se mister a sua autenticação, visando, desse modo, assegurar a compreensão do conteúdo do mesmo pelas partes, não sendo, pois, suficiente o simples reconhecimento de assinaturas. // Em consonância com o que se dispõe nos arts. 35º, nº 3, 150º e 151º, todos do Cód. do Notariado, esse procedimento de autenticação do documento particular consiste, essencialmente, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública, declarando as partes estarem perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, após o que aquela entidade, mediante a aposição do termo de autenticação, atesta que os seus autores confirmaram, perante ela, que o respetivo conteúdo correspondia à sua vontade. Na sequência desse procedimento, em conformidade com o disposto no art. 377º do Cód. Civil, o documento passa, então, a ter “a força probatória dos documentos autênticos, ainda que não os substituam quando a lei exija documento desta natureza para a validade do ato”».
([6]) Não seria viável, salvo o devido respeito, submeter, na pendência da execução – e para a salvar –,o documento particular a um novo ato de autenticação que substituísse o termo de autenticação já apresentado, o que, aliás, nem sequer foi requerido, pelo que subsiste, para todos os efeitos legais, o termo oferecido nos autos, com todos os seus defeitos e virtudes.
([7]) V. o aludido o Ac. TRP de 23/01/2017.
([8]) Parece dever distinguir-se, com efeito, entre a retificação de lapsos ocorridos no âmbito do processo judicial, numa esfera de disponibilidade do Tribunal, e a correção de vícios de determinado registo, já num âmbito de intervenção que, obviamente, não cabe aos Tribunais, por se estar fora da sua disponibilidade de atuação e para retificação de lapsos (a retificação pretendida teria de ter por objeto o próprio registo efetuado, sob pena de desconformidade, e não, ex officio, algum documento constante do processo referente a tal registo, cuja superintendência não cabe aos Tribunais, que não são entidades registrais), cabendo antes, nos termos do art.º 2.º, n.º 1, al.ª a), da Portaria nº 657-B/2006, a competência para o desenvolvimento e gestão do sistema informático, no caso dos advogados, à Ordem dos Advogados.
([9]) Trata-se da imposição constante do art.º 4.º, n.º 1, daquela Portaria n.º 657-B/2006, havendo o registo informático de ser efetuado no momento da prática do ato – com o sistema informático a gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato – ou, se tal não for possível, em virtude de dificuldades de caráter técnico no acesso ao sistema, devendo esse facto ser expressamente referido no documento que o formaliza e o registo informático ser realizado nas quarenta e oito horas seguintes”.
([10]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 06/07/2006, Proc. 06S1067 (Cons. Sousa Peixoto), e o Ac. Rel. Coimbra, de 08/11/2011, Proc. 39/10.8TBMDA.C1 (Rel. Henrique Antunes), ambos em www.dgsi.pt., sendo por demais pacífico que, salvo quanto a questões de conhecimento oficioso, os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais, e não meios de julgamento de questões novas.
([11]) Como sintetizado, por exemplo, no Ac. STJ de 17/05/2016, Proc. 1118/09.0TBCHV,G1.S1 (Cons. Pinto de Almeida), em www.dgsi.pt, «O abuso do direito é um meio pelo qual se visa evitar que, no exercício de um qualquer direito (faculdade ou poder legal), sejam intoleravelmente ultrapassados os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito; traduz-se na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido».