Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
223/06.9TMCBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
ACORDO
INCUMPRIMENTO
INCIDENTE
RECURSO
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 12/06/2010
Votação: DECISÃO SINGULAR
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 688º CPC, 11º, Nº 1, E 12º, Nº 1, DO DEC. LEI Nº 303/2007, DE 24/08.
Sumário: I – Os artºs 11º, nº 1, e 12º, nº 1, do Dec. Lei nº 303/2007, de 24/08, dizem que as disposições do presente diploma entram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, e acrescentam que “não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor”.

II – A referida expressão “processos pendentes” abrange também os apensos, procedimentos ou incidentes desses processos, ainda que instaurados (iniciados) depois de Janeiro de 2008.

III – É que os referidos “processos novos”, ainda que corram por apenso, formam uma unidade instrumental com a acção (principal) proposta antes de 2008, justificando uma unidade coerente de tramitação, que terá de ser o bloco legal existente à data da instauração da acção relevante.

IV – Aos recursos interpostos nos incidentes de incumprimento de um acordo de regulação do poder paternal, cuja acção principal foi instaurada antes de 01/01/2008, aplicam-se as disposições processuais do CPC anteriores à entrada em vigor do DL nº 303/2007, de 24/08.

Decisão Texto Integral: Despacho do relator

1 - Relatório

A presente reclamação tem por objecto o despacho certificado a fls. 18, cujo completo teor é o seguinte:

Aos presentes autos – incumprimento do acordo de regulação do exercício do poder paternal homologado no apenso A – aplica-se o regime jurídico aprovado pelo DL. 303/2007 de 24/8.

Ora, de acordo com o disposto pelo artigo 684.º-B, n.º2 do C.P.C. o requerimento de interposição do recurso deve conter as alegações, o que não ocorre com o recurso interposto a fls. 40.

Assim, nos termos do artigo 291.º, n.º2 do mesmo diploma legal, julgo tal recurso deserto.

Notifique.

O recurso que foi objecto do despacho ora em reclamação encontra-se certificado a fls. 16 e é do seguinte teor:

(…) tendo sido notificado do aliás Douto Despacho de 30/07/2010, onde se decidiu a cessação dos descontos relativos à prestação de alimentos que lhe são devidos, e não se podendo conformar com tal decisão, vem da mesma impetrar recurso para o superior Tribunal da relação de Coimbra, o qual é de agravo, com efeito suspensivo da decisão notificada.

O reclamante terminou as alegações da reclamação com as seguintes conclusões:

- A questão a dirimir na presente reclamação é apenas a da determinação da aplicabilidade ao caso concreto das alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24/8.

- Na esteira da doutrina e jurisprudência produzida, sem prejuízo da questão de fundo, o regime aplicável à presente reclamação é o decorrente do predito DL.

- O presente incidente de incumprimento do poder paternal, instaurado pela mãe do reclamado em 18/09/2008, corre por apenso ao Processo n.º 223/06.9TMCBR-B (2.º Juízo Tribunal de Família e Menores de Coimbra).

- Os recursos interpostos no presente Apenso seguem o regime anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/8 e por isso não incidia sobre o recorrente o ónus de apresentar o requerimento de interposição de recurso acompanhado pela respectiva alegação.

- O despacho sob reclamação violou designadamente o disposto no n.º1 do artigo 11.º do DL n.º 303/2007, de 24/8, e os artigos 685.º, 687.º, 690.º e 733.º e ss., todos do CPC, na redacção anterior ao predito DL.

Oportunamente notificado, o reclamado não apresentou qualquer resposta.

1.1 – Objecto da reclamação

Como resulta claramente dos dados de facto a que já se fez referência e se encontra definido nas conclusões da reclamação, a única questão a resolver – sem embargo do ponto prévio que, infra, se esclarecerá – é a de saber se a um procedimento ou processo não autónomo iniciado depois de 1.01.2008 num processo (principal) que teve início antes desta data é aplicável o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007.

2. Fundamentação

2.1 Fundamentação de facto

Os dados de facto que se mostram relevantes à apreciação da reclamação resultam claros do relatório, supra, e para eles se remete. Para melhor entendimento, importará, apenas, vincar o seguinte:

a) Os autos onde foi proferida a decisão sob censura constituem o procedimento ou incidente de incumprimento do poder paternal, consubstanciando-se em pedido de cessação de alimentos, correndo por apenso aos autos de regulação do poder paternal, estes instaurados em 2006.

b) A decisão em causa foi proferida em 30.07.2010 e dela foi interposto recurso de agravo em 10.09.2010, através de simples requerimento, desacompanhado das respectivas alegações;

c)  A interposição do recurso foi indeferida, ou melhor, o recurso julgado deserto, já que desacompanhado das alegações, por se entender aplicável o regime processual decorrente do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24.08.

2.2 Apreciação jurídica

2.2.1 Questão prévia

Seguindo de perto a argumentação constante do Despacho proferido pelo Exmo. Desembargador Teles Pereira (despacho de 16.06.2008) proferido no Processo n.º 280/07.TBLSA-E.C1 (dgsi.pt/…/db953307306506a28025747…)[1], que versa questão idêntica à que ora se conhece e do qual resulta entendimento semelhante do Exmo. Desembargador Presidente desta Relação, também dizemos que o despacho reclamado cria a suficiente aparência de direito para que, na sua subsequente apreciação, se sigam os trâmites por eles pressupostos. Dito de outro modo, perante a necessária opção de regimes de conhecimento da reclamação e quando o regime processual aplicável é também objecto da própria reclamação, deve seguir-se o entendimento que a decisão sob censura vale até ser alterada ou modificada e, por isso, para que o possa ser, aceita-se a lei processual nos termos em que a aplicou.

2.2.2 Apreciação

Decidida a questão anterior e fixados os factos relevantes, importa interpretar o artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 303/2007 e, com tal interpretação, responder ao objecto da reclamação.

O preceito acabado de citar diz que as disposições do aludido diploma[2] entram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008 (artigo 12.º, n.º1), e acrescenta, no que ora importa, que “não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor.” Efectivamente, como decorre, o chamado “novo regime dos recursos” não é aplicável – nem o será, de todo ou brevemente – a uma grande quantidade de processos que estão pendentes no tribunal.

As razões do legislador podem ser discutíveis[3] mas terão o efeito, pelo menos, de conferir confiança – segurança – jurídica, de “salvaguardar as expectativas recursórias das partes, formadas no momento em que optaram por propor a sua acção judicial,”[4] evidenciando, igualmente, “o carácter sequencial dos actos processuais e a natureza unitária e estruturada do processo”.[5]

Sabendo-se que assim é, o que importa, com reflexo directo na reclamação, é apurar se a expressão “processos pendentes” abrange também os seus apensos, procedimentos ou incidentes, ainda que instaurados (iniciados) depois de Janeiro de 2008.

Entendemos que sim. Ainda que restringindo a conclusão aos recursos ordinários[6] (apelação e revista) deve considerar-se que estes “processos novos”, mesmo que corram por apenso, formam uma unidade instrumental com a acção (principal) proposta antes de 2008, justificando uma unidade coerente de tramitação que terá de ser o bloco legal existente à data da instauração da acção relevante.

Seguindo os dizeres do Despacho já citado[7], pretende-se alcançar com a preceito em análise e com a interpretação que do mesmo deve ser feita, “uma tramitação unitária e indubitável dos processos, desde o seu começo até ao seu fim”[8].

Pelas considerações feitas, ponderando a razão de ser e propósito da lei e a conformidade de outras decisões jurisprudências a este entendimento, concluímos que a reclamação procede, porquanto se deve aplicar ao caso em apreço o regime de recursos vigente antes do Decreto-Lei n.º 303/2007.

3. Decisão

Decidindo a reclamação apresentada por J…, considera-se aplicável à situação questionada o regime de recursos anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007 e, em conformidade, determina-se que, em substituição do entendimento expresso no despacho certificado a fls. 18, outro seja proferido, tratando o requerimento certificado a fls. 16 como recurso interposto num processo pendente a 1.01.2008.

Sem custas.

Notifique.  


[1] Cujo sumário se encontra também citado por Carla Inês Brás Câmara (“Recursos em processo civil: regime dos pressupostos após a reforma de 2007”, in As Recentes Reformas na Acção executiva e nos Recursos, Coimbra Editora, 2010, pag. 86, nota 7) sem lhe ser assinalada qualquer discordância.
[2] Com a ressalva, que ao caso em apreço não importa, das disposições previstas no n.º 2 do mesmo artigo.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil – Novo Regime, 3.ª edição, Almedina, 2010, págs. 16/17.
[4] Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2.ª edição, Almedina, 2009, pág. 19.
[5] Luís Correia de Mendonça/Henrique Antunes, Dos recursos (Regime do Decreto-Lei n.º 303/2007), Quid Juris, 2009, pág. 14.
[6] Miguel Teixeira de Sousa, Reflexões sobre a Reforma dos Recursos em Processo Civilwww.trc.pt.
[7] Supra, 2.2.1.
[8] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., pág. 16, bem como a jurisprudência aí citada. Diz o autor: “Considerando que se trata de fases incidentais ou de procedimentos de uma instância já iniciada, tais recursos continuarão a obedecer ao regime anterior”.