Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
342/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INCAPACIDADE PERMANENTE
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
Data do Acordão: 04/26/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 564º, NºS 1 E 2, E 566º, Nº 3, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A indemnização por danos futuros decorrentes de incapacidade permanente deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima irá auferir e que se extinguirá no final do tempo provável da sua vida activa, a calcular com recurso à equidade (artºs 564º, nºs 1 e 2, e 566º, nº 3, do Código Civil).
II – Considera-se adequada a indemnização de 36.000,00 euros, por danos patrimoniais futuros, se o sinistrado em acidente de viação tinha, à data do acidente, 21 anos, auferiu no ano anterior o salário mensal de 748,20 € e é portador de sequelas anatomo-funcionais que se traduzem numa incapacidade permanente parcial geral fixável em 10%.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., intentou, em 20/11/2001, pela Vara Mista de Coimbra, a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a B..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 42.800.000$00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, com o fundamento em ter sido interveniente num acidente de viação, conjuntamente com um veículo segurado na ora Ré, imputando a culpa na sua produção ao condutor deste veículo, do qual lhe resultaram vários danos, que computa nas quantias pedidas.
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Contestando, a ré aceita que o seu segurado perdeu o controle e a direcção do veículo que conduzia, em consequência do que invadiu a faixa de rodagem contrária, mas que tal se ficou a dever à existência de uma pedra na via, na qual embateu e lhe provocou o despiste, pedra com que não contava, para além de que o ora autor poderia ter evitado a colisão se se tivesse desviado para a sua direita, onde tinha livre espaço superior a um metro, para além de que impugna a existência e amplitude dos danos alegados pelo autor e, consequentemente, defende que a indemnização a que o mesmo tem direito deve ser inferior ao por ele peticionado.
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O autor apresentou resposta, concluindo como na p.i.
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Foi elaborado o despacho saneador e organizada a selecção dos factos assentes e dos que constituem a base instrutória, sem reclamações.


A requerimento do autor, foi este submetido a exame médico no Instituto Nacional de Medicina Legal (Delegação de Coimbra).

Teve, depois, lugar o julgamento, com gravação da prova e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a quantia global de 14.020.000$00/69.391,47 € (3.500.000$00/17.457,43 € a título de danos não patrimoniais, 450.000$00/2.244,59 € a título de perda de salários, 70.000$00/349,16 € a título de despesas de deslocações e 10.000.000$00/49.879,79 € a título de IPP de que é portador e correspondente perda da capacidade de ganho), acrescida de juros de mora legais.
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Desta decisão interpuseram recurso a ré (restrito à indemnização fixada a título de IPP) e o autor (restrito à mesma indemnização e à indemnização por danos não patrimoniais), sendo do seguinte teor as conclusões das respectivas alegações:
Da ré seguradora:
1. O valor da indemnização resultante de uma incapacidade parcial para o trabalho, constitui, essencialmente, uma questão de cálculo, embora equânime.
2. Esse valor destina-se a reparar um dano de natureza patrimonial e, assim, o seu montante deve produzir um rendimento mensal que compense a diferença entre a situação anterior do lesado e a sua situação actual.
3. Tal montante deve ser encontrado pelo recurso às respectivas tabelas de cálculo, as quais, aliás, já foram humanizadas pelo apelo à equidade.
4. A Relação de Coimbra tem utilizado a tabela definida no Acórdão de 4/4/1995. Ora,
5. Recorrendo a esse método – cuja utilização afasta o subjectivismo ou o arbítrio – encontra-se um montante de 30.766,91 € ou, no máximo, de 37.668,00 €, consoante o valor dos elementos R e K.
6. Assim, é um desses valores que deve ser atribuído, e não o de 49.879,79 €.
7. Julgando em contrário, o tribunal recorrido violou, por erro de interpretação, os artºs 564 e 566-3 do C.Civil.

Do autor (de forma resumida, dada a sua extensão):


- O presente recuso restringe-se à discussão sobre os concretos quantum indemnizatórios atribuídos ao autor a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
- Considerando o circunstancialismo do caso concreto e ainda apontadores legais dos referidos normativos (artºs 496º e 494º do Código Civil), haverá de ser considerado que, à face dos factos dados como provados nas als. L), R), S), T) a LLL) da decisão recorrida estes danos são gravíssimos.
- Na verdade, o recorrente foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, acusou e sofreu de amnésia parcial prolongada, sofreu e sofre ainda sequelas fisicamente dolorosas deste acidente, fez múltiplas sessões de fisioterapia, ficou com o barco esquerdo 1,5 cm mais curto, apresenta diminuição acentuada da mobilidade desse mesmo braço, tem duas enormes cicatrizes nesse barco esquerdo, é obrigado a descansar de 1,5 h em 1,5 h no seu trabalho, não pode voltar a praticar os desportos motorizados que gostava e praticava com sucesso, não pode mais conduzir motos de alta cilindrada, andou abalado, teve pesadelos, receou pela sua vida, teve dores intensas, transformou-se numa pessoa triste e metida consigo mesmo e perdeu a confiança na vida e no futuro que para si perseguia.
- Por fim, e como bem refere a sentença recorrida, neste plano haverá ainda de ser considerada o grau da própria IPP (10 %) que, enquanto diminuidora da capacidade de ganho, é também geradora de prejuízo e de dano não patrimonial indemnizável.
- O montante a este título atribuído ao autor peca por ficar aquém do justo, considerando a isenção de qualquer culpa do autor e à total responsabilidade do segurado da ré na ocorrência do acidente, a capacidade financeira da ré e os referidos factos provados (demais circunstâncias do caso concreto).
- Assim, e lançando mão quer dos elementos dos autos (factos), quer dos ditos apontadores normativos, entende o recorrente como justa a quantia de 61.102,74 € a título danos não patrimoniais ou, caso assim não se entenda, sempre quantia superior à fixada na sentença fixável entre o montante da condenação da 1ª instância e o do pedido pelo recorrente.
- O autor é portador de uma IPP fixada em 10 %, tinha 21 anos à data do acidente e auferia o salário de 150.000$00 mensais.
- Após reflectir sobre o método a adoptar na determinação do montante indemnizatório a atribuir ao autor, o tribunal a quo optou por um critério misto.


- O tribunal não relevou e considerou que através de um juízo de razoabilidade e prognose se poderia augurar um futuro brilhante ao autor; que ra um exímio e conceituado profissional, procurado por uma vasta clientela, de toda a região centro do país, foi procurado ainda por várias equipas de competição, de fábrica, que após os factos se desinteressaram dele.
- Não considerou ainda que o autor não pode conduzir motos de alta cilindrada (mais de 500 cm3) e que tal facto o impede de, nessa importantíssima parte da sua clientela, exercer por completo a sua profissão (a de mais prestígio) e que por isso se encontra 100 % incapacitado de a exercer.
- Não considerou que o autor é obrigado a descontinuar o seu trabalho de 1,5h em 1,5h para descansar o seu braço esquerdo, com as nefastas consequências que tal facto acarreta na procura de emprego.
- Não considerou que face aos factos provados, é possível poder augurar um futuro brilhante e de significativo sucesso ao autor, com os correspondentes aumentos de ganho – e não só relativos a salários, mas em toda a actividade comercial e publicitária inerente ao sector.
- Desta forma, de acordo com os referidos critérios de equidade, o recorrente entende como justa que se lhe deva fixar quantia indemnizatória a título de IPP em montante não inferior a 20.000.000$00/99.759,57 €.
- Assim, pelas razões explicadas e por violação dos artºs 496º nº 3, 494º, 562º (princípio geral) e 566º do C. Civil deverá sentença (na parte recorrida) ser revogada e substituída por acórdão que condene a ré a pagar ao autor as quantias referidas.
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Na 1ª instância foi dado como provado, com interesse para a decisão dos recursos:
Factos Assentes:
A) - No dia 23/11/98, cerca das 19 h e 40 m, teve lugar um acidente de viação na R. Dr. Manuel Almeida e Sousa, em Coimbra, no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula GX-39-11, propriedade de Maria da Conceição Nascimento, que, no momento do acidente, circulava, na referida rua, no sentido norte - sul ou, Pedrulha - Estação Velha, e era conduzido por António Alberto do Nascimento e o motociclo de matrícula 32-72-IX, propriedade de “Credifim - Com. e Aluguer, SA”, conduzido pelo ora A. A..., no sentido Estação Velha - Pedrulha (sul - norte), à direita da sua hemi-faixa de rodagem, com as luzes de médios ligadas e a não mais de 50 km/h.
J) - Em consequência de tal embate, o A. foi projectado, conjuntamente com o motociclo, para a berma direita da sua mão de trânsito, para local a cerca de 3,50/4 metros do sítio onde o ligeiro se imobilizou, aí tendo caído sem sentidos e com perca total de consciência.
L) - Em consequência disso, o A., sofreu ferimentos, foi transportado aos HUC, onde foi observado e, pelo menos, apresentava fractura dos ossos do antebraço esquerdo.
N) - A proprietária do ligeiro havia transferido a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrente de acidentes de viação ocasionados pelo mesmo, para a ora Ré seguradora, mediante contrato de seguro, válido e eficaz, à data do acidente, titulado pela apólice n.o 2-1-430-114639/09, de que se acha junta cópia a fl.s 27 e 28, aqui dada por reproduzida.
Base Instrutória:
11º - O A. só recuperou os sentidos na ambulância a caminho dos HUC.
12º - Observado nos HUC, o A. apresentava várias pisaduras e equimoses em ambos os braços, pernas, peito e costas e a sofrer de amnésia parcial.
13º - Três dias depois do acidente foi submetido a intervenção cirúrgica, com anestesia geral, ao braço fracturado.
14º - Momento em que lhe foram aplicados parafusos de fixação nos ossos do antebraço esquerdo, que suportou até Fevereiro de 2000.
15º - Altura em que foi submetido a nova intervenção cirúrgica, com anestesia geral, para lhe serem retirados esses parafusos.
16º- Em 26/11/98 fez tratamentos de osteossíntese com placa e parafusos.
17º - Em 09/12/98 retirou os agrafos aplicados em consequência da intervenção cirúrgica a que foi submetido na altura do acidente.
18º - Fez múltiplas sessões de fisioterapia.
19º - Os HUC deram-lhe alta em 10/02/99.
20º - Não obstante, o A. continuou, depois dessa data, a queixar-se e a sofrer dores resultantes da movimentação do seu braço esquerdo, particularmente, dores que se acentuam quando pega em pesos ou necessita de efectuar trabalhos que exijam perícia com ferramentas de mecânica.
21º - Como também continua a sentir e a sofrer de diminuição da prono-supinação do punho esquerdo, de predomínio na supinação, apresentando acentuada diminuição desta e menos acentuada da pronação.
22º - E a sentir e a sofrer dormência do antebraço esquerdo.
23º - Apresenta encurtamento do antebraço esquerdo em cerca de 1,5 cm.
24º - E exibe duas cicatrizes tipo operatório, uma com 17,5 cm e outra com 17 cm de comprimento cada, no antebraço esquerdo.
25º - Ainda hoje (20/11/01), o A. não consegue trabalhar mais de 1/1,5 horas seguidas com esse braço, sem sentir dormência e dor, sendo obrigado a descansar, entre cada um desses períodos, cerca de 15 a 20 minutos.
26º - Todos esses sintomas perduravam a tal data.
27º - À data do acidente o A. exercia a profissão de mecânico e piloto de competição de motos.
28º - Era um homem saudável, trabalhador aplicado e exemplar, conseguindo sempre efectuar horas extraordinárias no seu trabalho.
29º - Era e é um exímio e conceituado mecânico de motos, procurado por uma vastíssima clientela, de toda a região Centro do País, que o procuravam para consertos e afinações nessas motos, especializado na marca “Suzuki”, através da qual frequentou vários cursos de especialização.
30º - O A. era um bom piloto de motocrosse.
31º - Dadas as lesões que sofreu e as suas consequências físicas, decorrentes do acidente, o A. não mais poderá voltar a praticar motocrosse de competição, em virtude da constante e violenta trepidação que a condução destas motos implica, tendo os seus serviços sido cobiçados e solicitados por várias equipas de fábrica, que após o acidente deles se desinteressaram e nunca mais o contactaram.
32º - A sua actividade profissional exige perfeita integridade física, principalmente ao nível dos membros superiores, com movimentos perfeitos em todo os sentidos, já que tem de trabalhar em posições de esforço físico difíceis e executar trabalhos de muita precisão e minuciosidade, com movimentos do antebraço e punhos levados ao estremo.
33º - A diminuição da prono-supinação que o A. apresenta reduz-lhe bastante essa possibilidade, reduzindo-lhe de forma acentuada a sua capacidade de trabalho.
34º - O A. necessitará sempre de um ajudante, mesmo para as tarefas que antes poderia e normalmente se podem efectuar sem qualquer ajuda, como a desmontagem de um motor de motociclo ou retirar uma roda traseira de qualquer moto, por exigirem perícia, coordenação perfeita de movimentos e força em ambas as mãos.
37º - À data do acidente auferia 150.000$00, mensais.
38º - De 23/11/98 a 10/02/99, o A. ficou totalmente impossibilitado de trabalhar.
39º - O A. é um motociclista apaixonado e tem uma especial predilecção pelo mundo das motos, gosta de conduzir motos de mais de 500 cc nas suas horas de lazer, bem como fazer passeios e efectuar longas viagens de moto, nas férias com os amigos, como fazia.
40º - No entanto, as lesões sofridas impossibilitam-no de conduzir essas motos.
41º - Quer o motocrosse quer a condução de motos de alta cilindrada exigem um esforço físico suplementar e produzem grande potência, que o braço esquerdo do A. não pode suportar mais de 1/2 hora seguida, forçando-o a paragens frequentes de 1/2 em 1/2 hora e, no máximo de 45 em 45 minutos.
42º - Tornando assim incomportável e impossível a utilização e condução dessas motos pelo A nessas alturas, forçando-o à condução de motos até 500cc.
43º - O A. vê-se constantemente obrigado a testar as motos de grande cilindrada dos clientes que recorrem aos seus serviços.
44º - Estes factos constituem grande tristeza e provocam grande angústia no autor.
45º - O A. apercebeu-se de todo o acidente, perdeu os sentidos e viu a morte à sua frente, receando pela sua vida.
46º - O que tudo o deixou fortemente abalado.
47º - Nos 2/3 meses imediatamente seguintes ao acidente, não conseguia dormir e sofreu de pesadelos relacionados com este acidente.
48º - Desde o dia do acidente tem andado deprimido e abatido, tendo-se tornado uma pessoa triste e “metida consigo mesmo”, deixando de ser a pessoa alegre e extrovertida que era e perdeu a confiança no futuro que almejava para si.
49º - O A., em consequência das lesões sofridas e respectivos tratamentos, teve dores.
51º e 52º - O A. foi portador de incapacidade geral total fixável em 45 dias, que deverá ser acrescido de um período de 15 dias que foi necessário para extracção do material de osteossíntese (internamento e convalescença), um período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 75 dias, um período de incapacidade temporária profissional total fixável em 90 dias, que deverá ser acrescido de um período de 15 dias que foi necessário para a extracção do material de osteossíntese (internamento e convalescença) e um período de incapacidade temporária profissional parcial fixável em 30 dias.
53º - A data da consolidação fixou-se em 10/02/99.
54º - E a partir desta data o A. ficou portador de uma incapacidade permanente geral fixável em 10%.

Deu-se ainda como provado com base em documento:
- O A. nasceu em 14 de Fevereiro de 1977 (cf. Assento de Nascimento de fls. 57, aqui dado por reproduzido).
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal da relação conhecer de matéria nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).

Vamos analisar os dois recursos em simultâneo, visto a única questão suscitada pela ré (indemnização fixada a título de IPP) ser idêntica a uma das questões apresentadas pelo autor.
Comecemos por abordar essa questão comum.
Como vimos, na sentença foi fixada ao autor a indemnização de 49.879,79 €, a título de IPP de que é portador e correspondente perda da capacidade de ganho.
A ré seguradora pretende que a mesma seja fixada no montante de 30.766,91 € ou, no máximo, em 37.668,00 €., enquanto o autor entende que tal indemnização não deve ser inferior a 99.759,57 €.
Vejamos.
Dúvidas não restam que a incapacidade de ganho, pela incapacidade permanente de que o autor ficou afectado, é indemnizável, fazendo-se o cálculo da indemnização dos respectivos danos com sequelas incapacitantes, enquanto danos futuros previsíveis, com recurso à equidade (artºs 564º, nºs 1 e 2 e 566º, nº 3, do Código Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).
Sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (cfr. citado artº 566º, nºs 1 e 2).
A propósito do cálculo da indemnização dos danos futuros tem a nossa jurisprudência acolhido a solução de que a indemnização a pagar ao lesado deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável da sua vida activa (65 anos – a partir dessa idade o lesado, em princípio, recebe uma reforma), a diferença que, em cada



época futura, existirá entre o rendimento auferido e o que auferiria se não fosse a lesão, e a evolução da unidade monetária em que a indemnização se irá exprimir, devendo representar um capital – com os rendimentos gerados e com a participação dele próprio – que se extinga no fim dela e seja susceptível de produzir um rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual, assegurando-lhe um rendimento capaz de o ressarcir da não retribuição ou da maior penosidade, face à incapacidade permanente de que ficou afectado (cfr. Acs. do S.T.J. de 02/10/2003 (dois), de 07/10/2003, de 09/10/2003, de 23/10/2003 e de 30/10/2003, in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça, Outubro de 2003, págs. 6, 9, 18, 33, 77 e 89, respectivamente).
No entanto, qualquer critério que venha a ser utilizado – a fim de prevenir o mero arbítrio ou que este atinja proporções irrazoáveis – será tratado como mera referência ou índice.
Utilizaremos o critério que temos, em regra, adoptado, nele entrando como dados fixos o montante periódico dos rendimentos e o tempo provável da vida laboral (65 anos – a idade média de reforma), e, como dados variáveis, a taxa de rendimento do capital (3% a mais adequada, presentemente, e que tem vindo a descer na medida da descida das taxas de juro), e o desconto a fazer sobre a indemnização calculada, para evitar o enriquecimento injustificado do lesado, que irá receber de uma só vez aquilo que, em princípio, deveria perceber em fracções (a jurisprudência francesa costuma deduzir ¼ ou, até, mesmo 1/3, na capitalização do rendimento, deduzindo nós, habitualmente 25%) – Cfr. Cons. Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ, S.T.J., Ano V, T2-11 e ss.).
E, assim, tendo em conta que o autor tinha, à data do acidente, 21 anos, auferiu no ano imediatamente anterior ao acidente o salário mensal de 150.000$00 (correspondentes a 748,20 €) e é portador de sequelas anatomo-funcionais que se traduzem numa incapacidade permanente parcial geral fixável em 10%, e ponderando todos os factores atrás expostos, recorrendo à equidade, cremos até como excessiva a indemnização fixada pelo Sr. Juiz a quo, a título de danos patrimoniais futuros, entendendo-se como mais equilibrada a de 36.000,00 €.





Mas, os danos patrimoniais em apreço compreenderão ainda os danos emergentes (artº 564º, nº 1, 1ª parte).
E, assim, poder-se-á, ainda, considerar o encurtamento do antebraço esquerdo (em cerca de 1,5 cm) como indemnizável neste aludido contexto e em quantitativo que se poderá estimar em 4.000,00 € - neste sentido, Cons. Sousa Dinis, ob. cit., pág. 14.
Perfaz, assim, a indemnização, a título de danos corporais, a quantia global de 40.000,00 euros.

Vai, por isso, provido em parte o recurso da ré seguradora.
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Vamos agora analisar a outra questão apresentada pelo autor, e que se prende com a indemnização por danos não patrimoniais, que aquele pretende que lhe seja fixada na quantia de 61.102,74 €.
Na sentença foi a indemnização por estes danos fixada em 17.457,43 €.
O artº 496º dispõe, nos seus nºs 1 e 2, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal.
Tal dispositivo legal não determina, pois, quais os danos não patrimoniais que são compensáveis, limitando-se a fixar um critério geral, que é o da gravidade dos danos.
Os danos não patrimoniais, “como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames e os complexos de ordem estética”, são prejuízos que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens como a saúde, o bem-estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, que não integram o património do lesado apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 561).
No que respeita ao quantitativo da indemnização, que será fixado segundo critérios de equidade, há que atender à extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, aos padrões da


indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. (cfr. Prof. Antunes Varela, ob. cit., pág. 629, e Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 525).
Como se refere nos Acs. desta Relação de 19/02/2004 (Apelação nº 3546/03, 2ª Secção) e de 01/03/2005 (Apelação nº 2749/04, 2ª Secção), merecem, ainda, ser destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global, a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito a integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o continuo aumento dos prémios de seguro se deve, também, repercutir no aumento das indemnizações.
A jurisprudência actual encaminha-se no sentido de que, não obstante a dificuldade em quantificar os danos não patrimoniais, a indemnização a fixar procurará ser justa e equitativa, e não com um alcance meramente simbólico, uma vez que se destina a viabilizar um lenitivo ao lesado pelos padecimentos que tenha sofrido e que já não podem ser retirados por quem quer que seja, devendo a indemnização ter uma expresso monetária elevada se o dano não patrimonial for muito grave (cfr., entre outros, os Acs. do S.T.J. de 16/12/1993, CJ, T3-181, de 11/10/1994, CJ, T3-89, de 18/03/1997, CJ, T1-163, de 13/01/2000, BMJ 493º-354, e de 09/05/2002, DR, 1ª S., de 27/06/2002, págs. 5057 e ss.).

No presente caso, não há dúvida – nem isso vem questionado – que o autor sofreu danos de natureza não patrimonial e que estes assumem gravidade que merece a tutela do direito.
Para se poder aferir do quantum indemnizatório a atribuir ao autor tomou-se em consideração na sentença, designadamente, que o mesmo sofreu vários ferimentos, nomeadamente a nível dos membros superiores e inferiores, peito, costas e face, foi sujeito a várias intervenções cirúrgicas, fez múltiplas sessões de fisioterapia, apresenta encurtamento do braço esquerdo em cerca de 1,5 cm, é portador de duas cicatrizes no braço esquerdo, não dispondo da liberdade de movimentar o punho esquerdo como antes o fazia, impedindo-o de trabalhar e conduzir motos, como antes o fazia, esteve internado nos HUC e clínicas privadas, tendo sofrido dores, angústias e


privações, dores essas que foram, a nível médico-legal, reputadas de grau 4 numa escala até 7, dano estético em 3 na mesma escala, e prejuízo de afirmação pessoal fixável no grau 4 numa escala até 5, conforme relatório do IML junto aos autos. Mais se tomou em conta que a própria IPP, enquanto geradora de diminuição da capacidade de ganho e sequelas que lhe subjazem, gera um prejuízo, mesmo a este nível, indemnizável, por reveladora de perda de qualidade de vida que lhe está inerente.
Tomando em consideração todos estes factos, fixou-se a indemnização, como vimos em 17.457,93 euros.
Tendo em conta os princípios atrás enunciados, considera-se adequada a indemnização fixada na 1ª instância, para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor.
No entanto, entendemos que a estes há que adicionar os danos não patrimoniais futuros, resultantes do facto de o autor, que é um motociclista apaixonado e tem especial predilecção pelo mundo das motos, gostando de conduzir motos de mais de 500 cc nas suas horas de lazer, bem como fazer passeios e efectuar longas viagens de moto, nas férias com os amigos, estar agora impossibilitado, devido às lesões sofridas, de conduzir essas motos, como o fazia.
Por isso, fixa-se a indemnização global, por danos não patrimoniais em 20.000,00 euros.
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Conclui-se, assim, que apenas parcialmente merecem provimento os recursos.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em dar parcial provimento aos recursos, condenando a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de 40.000,00 euros a título de danos patrimoniais futuros e a importância de 20.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, no mais se mantendo a sentença recorrida.
Custas na proporção do respectivo decaimento.