Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
602/04.6TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE TRABALHO DE QUE RESULTE UMA SITUAÇÃO DE CURA SEM INCAPACIDADE
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: BASE XXII, NºS 1 E 2, DA LEI Nº 2127, DE 3/08/1965.
Sumário: I – Nos termos da Base XXII, nº 1, da Lei nº 2127 ,de 3/08/1965, “quando se verifique a modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu lugar à reparação… as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.

II – O que importa, para o efeito, é que tenha havido um acidente de trabalho e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias, com o recebimento das correspectivas indemnizações, para além do nexo causal entre o sinistro e as actuais lesões.

III – Logo, é sempre possível a revisão da incapacidade, mesmo que não resulte do acidente nenhuma IP (portanto, mesmo em situação de cura sem incapacidade).

IV – A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre nos dois primeiros anos e uma vez por ano nos 8 anos imediatos – Base XXII, nº 2.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

A..., com o patrocínio do MºPº, apresentou petição inicial para iniciar a fase contenciosa de acção especial emergente de acidente de trabalho contra Companhia de Seguros B...” pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe o capital de remição de pensão tendo por base IPP de 5% desde 12.07.2004.
Alegou para o efeito, e em síntese, que em 10.01.97 sofreu acidente de trabalho, tendo tido alta com cura sem desvalorização em 15.06.97, mas em 9.07.2004 requereu a revisão da situação por entender ter havido agravamento.
Citada a ré apresentou contestação sustentando, em resumo, por um lado que o direito de acção caducou porquanto o pedido de revisão ocorreu mais de sete anos após a data da alta, e por outro lado, que não existe fundamento para a pretensão do autor.
Concluiu pela improcedência da acção.
Citada a Segurança Social, nos termos do artº 1º do DL nº 59/89, de 22
de Fevereiro, não foi apresentado pedido de reembolso.
Não houve lugar a articulado de resposta.
*
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da caducidade.
Inconformada apelou a Ré alegando e concluindo:
1- O acidente dos autos ocorreu em 1977 e por isso, rege-se pela L. 2127, pelo D.L: 360/71 e pelo CPT de 1981
2- Do artº 21º do CPT não consta que o incidente de revisão seja uma das espécies de procedimentos ou acções no mesmo previstas
3- Pelo contrário, trata-se de um incidente de um processo especial que é a acção emergente de acidente de trabalho
4- Tal processo especial encontra-se regulado nos artºs 102º a 156º do aludido diploma, do qual o pedido de revisão não passa, por isso, de mero incidente, o qual, corre mesmo pelo apenso para a fixação da incapacidade se o mesmo tiver existido - artº 147º nº 5 do CPT –
5- Os presentes autos constituem um processo especial emergente de acidente de trabalho
6- Todavia ao invés de se terem iniciado com a imperativa participação do acidente – artºs 27º nº 2 e 102º nº 1 do CPT entendeu o Mtº Juiz “ a quo” que pode dar-se início a este tipo de processo com um mero pedido de revisão de uma IPP que jamais foi apreciada judicialmente
7- Tal interpretação da lei viola frontalmente o estatuído nos artºs 21º, 27º nº 2, 102º, 147º nº 5 do CPT, não tendo o mínimo suporte na letra da lei, que afronta, e nem sequer sistemático, pois que o incidente de revisão não é um dos processos especiais previstos na lei processual, mas um mero incidente do processo especial emergente de acidente de trabalho
8- A decisão em crise ao declarar que não se encontravam caducados os direitos do Apelado e que foi legitimamente iniciada a instância, para além de violar todos os preceitos legais que se vem de enumerar viola igualmente o estatuído nas Bases XXXII e XXXVIII da L. 2127, assim como o disposto no artº 331º nº 1 do CCv, pois que tendo o apelado tido e aceite a sua alta, como se diz na própria sentença em 15&97, é flagrante que um incidente de revisão ainda que interpretado como uma participação do acidente, é extemporâneo, por terem caducado há muito todos os possíveis direitos do apelado
9- Atenta tal manifesta caducidade, o presente processo, para além de não corresponder a qualquer forma legítima de exercício de eventuais direitos do apelado, corresponde à prática de actos inúteis e como tal proibidos por lei, por estarem caducados quaisquer direitos que ao mesmo se pudesse reconhecer.
Contra alegou o A defendendo a justeza da decisão em crise.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir a final com efeito devolutivo.
O processo prosseguiu entretanto seus termos, vindo a final a ser proferida decisão que julgando a acção procedente condenou a ré Companhia de Seguros B... a pagar ao autor o capital de remição de pensão anual de 206,84 desde 12.07.2004.
Desta decisão não foi interposto qualquer recurso.
Cumpre pois agora ( corridos que foram os vistos legais e tendo o Ex. mo Sr. PGA emitido douto parecer no sentido de que não é possível conhecer do respectivo objecto) decidir sobre aquele que impugnou o despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção da caducidade do direito do sinistrado.
DOS FACTOS
É a seguinte a factualidade a ter em conta:
1- Em 10/1/97, o A trabalhava por conta e sob a direcção de “C...”, com a categoria de servente de armazém
2- Nesse dia sofreu um acidente de trabalho, quando procedia ao carregamento de tubos junto de uma palete, embatendo com a perna direita na palete, o que lhe causou uma ferida e inchaço, tendo sido assistido nos serviços clínicos da seguradora até 15/6/97, altura em que teve alta “ curada sem desvalorização”
3. O A recebeu da seguradora as respectivas indemnizações pelo período de ITA
4. Em 9/7/04 por considerar que a lesão resultante do acidente se havia agravado veio junto deste Tribunal requerer exame médico de revisão
5- A entidade patronal tinha a respectiva responsabilidade infortunística transferida para a seguradora B...
6- Uma vez que o A não ficou portador na altura de nenhuma I. Permanente, não foi feita qualquer participação do acidente.
7- Na sentença final proferida nestes autos, por se ter julgado procedente a acção e considerando que o A ficou portador de uma IPP de 5%, foi a seguradora condenada a pagar –lhe o capital de remição de uma pensão anual de € 206, 84 desde 12/7/04 ( fls. 214/219).
DO DIREITO
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação - artºs 684 nº 3 e 690 nº1 ambos do CPC.-.
Pelo que no caso concreto está apenas em causa resolver a impugnação relativa ao despacho que considerou a improcedência da caducidade do direito do A em requerer a revisão da sua incapacidade.

Vejamos então
Levanta desde logo o Ex. mo Sr. PGA no seu douto parecer, a questão de não ser possível o conhecimento do objecto do recurso ( ou pelo menos ele é inútil) uma vez que a Ré deixou transitar em julgado a sentença ( final) condenatória.
E sendo assim, mesmo que o recurso interposto sobre o despacho saneador que entendeu que não se verificava a caducidade do exercício do direito por parte do A procedesse ( com a consequente absolvição da Ré do pedido ) estaríamos perante uma situação de casos julgados contraditórios que se resolveria com o apelo ao disposto no artº 675º nº1 do CPC, ou seja prevaleceria a que passou em julga1do em primeiro lugar ou seja a sentença condenatória.
A questão é de algum melindre e prende-se com o regime de subida diferida que a lei nestes casos fixa para a apelação ( apelação de decisões parciais - artº 695º do CPC).
E a este propósito é de referir o Ac do STJ de 9/9/08, prolatado no processo 08ª205 ( SJ008090920251), entendeu que “ o recurso de apelação interposto da decisão parcial do mérito proferida no despacho saneador que deva subir a final não fica prejudicado, extinguindo-se por caducidade, se não for interposto recurso da decisão final ou este for julgado deserto”.
Concorde-se ou não com esta tese, a verdade é que no caso concreto, consideramos despiciendo a análise de tal temática, uma vez que, pelos motivos que iremos aduzira pretensão da Ré não pode obter( salvo o devido respeito) acolhimento.
Diremos porquê, ainda que de forma sintética, mas com a fundamentação que julgamos necessária e suficiente.
É inquestionável que o A sofreu um acidente de trabalho em 10/1/97.
Também fora de dúvida está, que não houve relativamente a esse sinistro qualquer participação e também que o A foi considerado pelos serviços clínicos da seguradora, curado sem desvalorização em 15/6/97 ( fls. 8), sendo que o A concordou com tal decisão.
Atendendo à data do acidente resulta que a legislação aplicável ao caso é a que constava da L. 2127 de 3/8/65 e diplomas complementares, nomeadamente o D.L. 360/71 de 21/8( sob o ponto de vista substantivo) e do CPT de 1981( relativamente ao aspecto subjectivo).
Ora nos termos do artº 18º do citado D.L. 360/71 uma vez que do evento não resultou incapacidade permanente para o sinistrado, a participação do sinistro não era obrigatória.
Por isso entendemos que a regra estabelecida na Base XXXVIII nº1 da L. 2127, que determina que o direito de acção respeitante às prestações fixadas naquela lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica, não tem aqui aplicação.
É que o processo inicia- se exactamente com o recebimento participação do sinistro ( artº 27º nº 2 do CPT aplicável).sendo ela que impede a caducidade, entendendo-se que o tal prazo de caducidade não se inicia antes de ao sinistrado ter sido entregue o boletim de alta clínica, a que alude o nº 2 do artº 35º do D.L. 360/71, cabendo à seguradora o ónus de alegação e prova de tal facto
Contudo no caso em apreço não está em causa, a participação do acidente (que não era obrigatória como se disse) nem o acordo sobre a “ cura clínica”, como já supra se referiu.
Antes o sinistrado veio requerer a revisão da incapacidade por ter sofrido recidiva.
Não é pois, em nosso modesto entender caso para chamar aqui à colação o regime estabelecido na mencionada Base XXXVIII nº 1.
É certo que o CPT de 1981, não previa expressamente esta hipótese, parecendo até considerar o pedido de revisão da incapacidade, como sendo sempre um incidente relativo ao processo onde se tinha fixado a incapacidade para o trabalho ( cfr. artº 147º nº 5 e 121 b) desde último diploma).
E assim era ( e é) de facto, mas para os casos em que houve participação e o inerente processo( cfr. artº 145º nº 6 do actual C.T.).
Mas que fazer quando como ocorreu no caso em análise, não houve participação, nem portanto processo.
A lei anterior era omissa, mas parece – nos evidente que este pedido de revisão tinha que ser já então considerado como um pedido autónomo, pois não pode haver incidente de algo que não existe.
E o legislador teve o cuidado no actual CPT de dissipar quaisquer dúvidas a este respeito.
Efectivamente o CPT vigente no seu artº 145º nº 7 dispõe expressamente que “ o disposto nos números anteriores é aplicável com as necessárias adaptações, aos casos em que sendo responsável uma seguradora, o acidente não tenha sido participado ao tribunal por o sinistrado ter sido considerado curado sem incapacidade”.
Evidentemente que nesta situação o pedido de revisão configura um verdadeiro processo autónomo.
E aliás, salvo o devido respeito por melhor entendimento, a tese propugnada pela seguradora, levaria a que nos casos em que não tivesse havido participação por se ter considerado a inexistência de uma incapacidade permanente, então o sinistrado estaria sempre impedido de vir requerer a revisão da incapacidade, configura-se ela um agravamento, uma recidiva, ou uma recaída, desde que tivesse decorrido mais de um ano sobre a data da cura clínica.
Cremos( com todo o respeito o dizemos) que esta solução provocaria situações de flagrante injustiça e de desigualdade injustificável relativamente àqueles sinistrados que ficaram desde logo portadores de uma I Permanente, já que a estes seria concedido um prazo muito mais longo para que a sua alteração da capacidade de ganho fosse analisada ( cfr. Base XXII da L. 2127).
Temos assim que o que há que apurar( porque não estamos perante um caso de caducidade previsto na citada Base XXXVIII) é se o pedido de revisão em análise é ou não tempestivo.
Ora conforme a Base XXII já mencionada, ( seu nº 2) a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre nos dois primeiros anos e uma vez por ano nos (8) anos imediatos.
Ao “ falar em pensão” poder-se-ia então concluir que não existindo esta, ou seja IP, nunca o pedido de revisão seria possível.
Mas este argumento literal, não pode colher.
Desde logo, porque a dita Base XXII, no seu nº 1 determina que “ quando se verifique a modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu lugar à reparação…. As prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.
Como se vê ao lado do agravamento o legislador colocou a recidiva ( que como se sabe pressupõe que o sinistrado teve anteriormente –mas naturalmente após lesões sofrida com o acidente -). um período de saúde completa.
Por outro lado e como se sabe o fundamento da Base em análise é que as prestações correspondam ao real grau de incapacidade de ganho do trabalhador acidentado.
Daí que se essa incapacidade se alterar por força de acidente anterior, devem também, as prestações serem modificadas em conformidade.
E como nos parece óbvio um caso de cura sem incapacidade é tão susceptível de se modificar como uma qualquer incapacidade
O que importa é que tenha havido um acidente de trabalho ( e houve- o) e que este tenha dado origem a incapacidades mesmo que temporárias com o recebimento das correspectivas indemnizações ( como sucedeu “ in casu”) para além evidentemente do nexo causal entre o sinistro e as actuais lesões( o que não está aqui em causa).
Note - se ainda que a lei passou a referir “ as prestações” em vez de como anteriormente “ revisão de pensões”- cfr. artº 24º da L. 1942 de 27/7/36.-
Ora assim sendo a expressão “ prestações” tem um sentido mais abrangente do que “ pensões” pois engloba também as indemnizações decorrentes de Its.
O que também significa que é possível a revisão, mesmo que não resulte do acidente nenhuma IP.
Todo o expendido nos faz concluir que mesmo em situação de cura sem incapacidade , como foi o caso do A, é sempre admissível ( desde que claro respeitados os prazos legais), requerer-se a revisão da incapacidade( neste sentido entre outros C.J. XXV, V, 171 - que seguimos de perto nesta parte da exposição – C.J. 1984, I, 87, Cruz Carvalho, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 99 e Alberto leite Ferreira, in CP Trabalho Anotado, 4ª ed. pág. 640).
Temos portanto que o pedido de revisão formulado pelo A é legalmente admissível e como foi requerido em 2004 e o acidente que lhe deu origem ocorreu em 1997( sendo certo que necessariamente a fixação da indemnização e seu pagamento por ITA, teve que ser posterior ao evento, o que significa que não decorreram entre estes dois momentos – fixação da indemnização - requerimento de revisão - o prazo de 10 anos supra referido ) é tempestivo.
Inexiste assim a invocada caducidade do direito de acção por parte do aqui recorrido, como correctamente a nosso ver, se decidiu na 1ª instância.
Termos em que e concluindo, se julga improcedente a apelação
Custas pela Ré.