Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1370/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: IVA
GERENTE
PESSOA COLECTIVA
SOCIEDADE
Data do Acordão: 05/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº.S 7º E 116º DO R.G.I.T., APROVADO PELA LEI Nº. 15/2001, DE 15/06
Sumário:
1- A responsabilidade contra-ordenacional respeitante às infracções previstas no R.G.I.T., aprovado pela Lei nº. 15/2001, de 15/06, apenas pode ser imputada às sociedades, não o podendo ser também aos respectivos representantes legais.

2 – Assim, apenas as sociedades podem ser condenadas pela prática da contra-ordenação resultante da não entrega atempada das declarações respeitantes ao IVA.

Decisão Texto Integral: Acordam , em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande , sob pronúncia que recebeu a acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular , os arguidos

A..., residente na Quinta das Nespereiras, n.º 6, Marinha Grande ,

e

"B...", matriculada na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande sob o n.º 2145, com sede na Rua das Laranjeiras, n.º 85-A, fracção C, em Cruzes, Marinha Grande.

imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido , em autoria material , um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada , p. e p. pelo art. 105º n.º 1, do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e uma contra-ordenação, p. e p. pelo art. 116º do mesmo diploma.

Realizada a audiência de julgamento , o Tribunal Singular , por sentença proferida a 2 de Fevereiro de 2006, decidiu :

- absolver os arguidos A.... e "B...", da prática, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada; e

- condenar os arguidos A... e "B...", pela prática, como autores materiais, de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art.116.º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na coima de € 300,00 (trezentos euros).

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A... , concluindo na sua motivação:

1) O arguido é primário, e não tem antecedentes criminais , tendo confessado a prática dos factos e mostrando-se arrependido;

2) A coima de 300 Euros é excessiva face aos factos provados , tendo em conta o explanado na conclusão anterior;

3) O montante da coima excede a culpa do agente;

4) A sentença recorrida violou os artigos 70.º, 71.º do Código Penal e artigo 116.º da Lei 15/2001 de 05 de Junho;

5) O Tribunal entendeu que a culpa do arguido justificava a aplicação da coima de 300 Euros , quando deveria ter atendido às atenuantes existentes, nomeadamente, confissão do arguido, lapso de tempo ocorrido entre os factos e o julgamento , bem como os seus antecedentes criminais e o facto de não exercer mais a actividade.

Face a todos os fundamentos expostos neste recurso , deve ser revogada a sentença , aplicando-se ao arguido uma coima não superior a 100 Euros.

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido A... , pugnando pelo seu não provimento e manutenção da sentença recorrida.

O Exmo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da integral confirmação da douta decisão sindicada e consequente declaração de improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados

1. A B... foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial da Marinha Grande, por apresentação de 3-11-2001 e tem como objecto o polimento de moldes metálicos.

2. Desde a sua constituição, a arguida tem como sócio e gerente o arguido A....

3. A arguida é sujeito passivo do IVA enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral, pelo que se encontra obrigada a enviar aos serviços de cobrança do IVA, até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações tributárias, uma declaração

relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade, acompanhada das prestações tributárias liquidadas - art. 40º e 28º do CIVA.

4. A arguida B... não procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA no prazo legal, nem entregou nos cofres da Administração Fiscal as prestações tributárias que liquidou aos seus clientes durante os 2º, 3º e 4º trimestres do ano 2002.

5. De acordo com a facturação emitida pela arguida B..., o montante de tais prestações ascende a € 5.762,76:

PERÍODO IVA EM FALTA

2º trimestre de 2002 € 1.775,99

3º trimestre de 2002 € 2.770,71

4º trimestre de 2002 € 1.216,06

6. Em 17 de Novembro de 2003, a arguida B... enviou à DSIVA as declarações periódicas em falta sem, no entanto, terem sido acompanhadas dos respectivos meios de pagamento.

7. A arguida sabia que estava obrigada a entregar as declarações periódicas do IVA e respectivas importâncias à Administração Fiscal no prazo de 45 dias a seguir ao trimestre do ano civil a que respeitam as operações tributáveis.

8. O arguido A... retira, mensalmente, da sua actividade, quantia não inferior a € 600,00.

9. Vive com a sua mulher e com dois filhos, com 7 e 13 anos de idade, em casa própria, pela qual paga uma prestação bancária de €400,00 por mês.

10. Tem o 6º ano de escolaridade.

11. Não tem antecedentes criminais.

Factos não provados

Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa, designadamente que os montantes sobre os quais incidiu o IVA em falta referido em 5) tenham sido efectivamente recebidos pela sociedade, que a sociedade arguida através do seu sócio gerente, se tenha apropriado das importâncias de IVA que liquidou aos seus clientes e que o arguido José Manuel tenha agido livre, voluntária e conscientemente, em representação da arguida B..., com a intenção de obter para esta vantagens patrimoniais à custa do Estado, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.

Convicção do Tribunal

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada de todos os elementos de prova.

Considerou-se a confissão do arguido, que expressamente admitiu que não procedeu ao envio das declarações periódicas de IVA no prazo legal, nem entregou nos cofres da Administração Fiscal as prestações tributárias que liquidou aos seus clientes durante os 2º, 3º e 4º trimestres do ano 2002.

Referiu ainda o arguido que a razão pela qual o não fez foi não ter recebido os montantes facturados, versão que não é contrariada pela prova produzida.

Atendeu-se, ainda, aos documentos juntos aos autos.

O arguido referiu a sua situação pessoal, familiar e profissional, em termos que se afiguraram credíveis.

Quanto aos antecedentes criminais do arguido, o Tribunal atendeu ao teor do certificado do registo criminal junto aos autos.


*

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o Ac. do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente A... as questões a decidir são as seguintes :

- se a coima de € 300 é excessiva face aos factos provados , devendo ser reduzida a um montante não superior a € 100.

Vejamos.

Pese embora seja a medida da coima a questão objecto do recurso , parece-nos existir uma outra , prévia, relativa à ilicitude , que prejudica aquela.

Nos termos do art.7.º, n.º1 do RGIT « As pessoas colectivas , sociedades , ainda que irregularmente constituídas , e outras entidades fiscalmente equiparadas são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo.». E acrescenta o n.º 4 : « A responsabilidade contra-ordenacional das entidades referidas no n.º 1 exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes.».

A falta de declarações que para efeitos fiscais devam ser apresentadas a fim de que a administração tributária especificamente determine, avalie ou comprove a matéria colectável é uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 116º, do R.G.I.T. (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho) , com coima de € 100,00 a € 2.500,00.

Os arguidos A... e "B...", foram absolvidos da prática, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, e foram condenados , pela prática como autores materiais, de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art.116.º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na coima de € 300,00.

Atento o disposto no art.7.º, n.º 4 do RGIT apenas a sociedade arguida poderia ser condenada pela prática da contra-ordenação resultante da não entrega atempada das declarações respeitantes ao IVA e não também o seu legal representante.

Deste modo impõe-se absolver o arguido A... da contra-ordenação pela foi condenado numa única coima com a sociedade arguida, ficando prejudicada a questão objecto do recurso.

Decisão

Nestes termos e pelo exposto acordam os juízes do Tribunal da Relação em revogar a sentença recorrida na parte que condenou o arguido/recorrente A... pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo art.116.º do R.G.I.T., aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho e absolver o mesmo da contra-ordenação.

Fica prejudicado o objecto do recurso.

Sem custas.

Atribuímos honorários legais ao Ex.mo Defensor Oficioso, a suportar pelo Cofre dos Tribunais.


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Coimbra,