Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
241/09.5GEACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
CONCURSO DE CRIMES
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 10/19/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Legislação Nacional: ART.ºS 30º, 69º E 291º, DO C. PENAL E 3º, N.º 2, DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 3/01
Sumário: No caso de a conduta do agente preencher as previsões dos referidos tipos legais de crime - condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.º 291º, do C. Penal e condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01 - verifica-se concurso real de crimes.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário (cfr. art.º 69º, n.º 1, al. a), do C. Penal), mesmo que ele não seja titular de licença de condução.

Neste caso, esta pena acessória deve ser cumprida logo após o trânsito em julgado da respectiva decisão, não podendo ser diferida para o momento em que o agente venha a adquirir título válido para conduzir.

E, estando preso, a pena acessória conta-se a partir do momento em que o arguido obtiver a sua liberdade.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum singular n.º 241/09.5GEACB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, e actualmente em prisão preventiva, por sentença datada de 21 de Julho de 2011, conheceu o seguinte veredicto:
· Foi absolvido da prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º/2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, conjugado com o artigo 121º/2 do CE;
· Foi condenado pela prática de um crime de uso de documento falso p. e p. pelo artigo 256º/1 e 3 do CP, na pena de 1 ano e seis meses;
· Foi condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;
· Foi condenado pela prática de dois crimes de dano qualificado p. e p. pelo artigo 213º/1 c) do CP, na pena de 1 ano de prisão por cada um dos crimes;
· Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
· Foi condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 meses, a contar da data em que obtiver título válido para conduzir tais veículos, sem prejuízo do disposto nos artigos 122º e 123º do CP, quanto à prescrição da pena.
 
            2. Inconformado, o Ministério Público recorreu da sentença.
Finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1ª- Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que:
a) Absolveu o arguido A... pela prática, em autoria material, de 1 (um) crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, n° 2, do Código da Estrada;
b) Condenou o arguido A... pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, real, nos termos dos artigos 14°, n° 1, 26°, 30°, n° 1 e 77°, todos do Código Penal, de:
b.1) 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n° 1, al. e), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
b.2) 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291°, n° 1, al. b) e n° 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
b.3) 2 (dois) crimes de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213°, n° 1, ai. c), do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano de prisão, por cada um deles
b.4) E, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;
c) E na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 6 (seis) meses “a contar da data em que o arguido obtiver título válido para conduzir tais veículos, sem prejuízo do disposto nos artigos 122° e 123° do Código Penal, quanto à prescrição da pena.”
2ª Com a tipificação do crime de condução perigosa de veículo rodoviário prevista no artigo 291°, do Código Penal pretendeu o Legislador sancionar penalmente tal actividade, sempre que se verifique um desrespeito grosseiro daquelas normas de conduta, com a criação, em concreto, de um perigo para a vida, para a integridade física ou para bens patrimoniais de valor elevado, pertencentes aos demais utentes da via, já que a condução de veículos automóveis é, já por si, uma actividade intrinsecamente perigosa, cujo perigo fica contido em limites razoáveis se forem respeitadas certas normas de conduta, o que permite considerá-la uma actividade lícita, apesar de perigosa.
3ª Com a tipificação legal crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal pretendeu o Legislador salvaguardar, apenas, a segurança subjacente ao exercício da condução que, como actividade perigosa que é, deve ser rodeada de todas as cautelas necessárias a evitar os resultados lesivos que daí possam advir.
4ª Resultou provado que:
“(...) 19. Ao conduzir o automóvel como resta descrito, sabia o arguido que o fazia contra as normas estradais e que tinha elevada probabilidade de desencadear desastre e, assim, produzir lesões corporais em terceiros, ou danos patrimoniais alheios de valor elevado, criando perigo para a integridade física dos demais utentes da via e perigo de danos elevados para os veículos que lá circulavam.
22. Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal”
5ª Tais elementos, objectivo e subjectivo, fazem subsumir a conduta do arguido à prática de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 14°, n° 1, 69°, n° 1, al. a) e 291°, n.° 1, alínea b), todos do Código Penal, posto que a conduta/acção daquele claramente dolosa e a criação do perigo pelo mesmo causado foi, de igual forma, claramente dolosa.
6ª- Ao subsumir a matéria de facto provada ao disposto nos disposto nos artigos 15° e 291°, n.° 3, do Código Penal, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 14°, n° 1 e 291°, n.º 1, ambos do mesmo Código.
7ª Resultou provado que:
“1. No dia …, cerca da 01.30 horas, na EN8, em Vale Maceira, Alcobaça, uma patrulha da GNR, em missão de fiscalização, veio a dar ordem de paragem ao arguido, o qual conduzia um veículo ligeiro, de matrícula ....
2. Depois de ter parado, o arguido pôs-se em fuga no referido veículo.
17. O arguido não era possuidor de qualquer carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse a conduzir.
20. O arguido que tinha perfeito conhecimento de que só poderia conduzir veículos motorizados na via pública desde que fosse titular da respectiva licença de condução, não se absteve, no entanto, de tal comportamento exercido livre e conscientemente e que sabia proibido.
22. Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.”
8ª Tais elementos, objectivo e subjectivo, fazem subsumir a conduta do arguido à prática, em autoria material, em concurso efectivo, real, com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário enunciado nas 2ª, 4ª e 5ª Conclusões que antecedem, nos termos do disposto no artigo 30°, n° 1, do Código Penal, de 1 (um) crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 30°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, do Código da Estrada.
9ª Os crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, cujos elementos objectivos e subjectivos resultaram provados devem serem punidos, em concurso efectivo, real de infracções, dado que:
a) As condutas levadas a cabo pelo arguido tiveram por base duas resoluções criminosas;
b) As condutas levadas a cabo pelo arguido preencheram duas previsões normativas distintas;
c) Essas previsões normativas têm dois e diferentes fundamentos da sua punição e tutelam dois e diferentes bens jurídicos.
10ª Ao subsumir a matéria de facto provada apenas ao disposto nos disposto no artigo 291°, do Código Penal, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 30°, n° 1 e 77°, ambos do Código Penal, 3°, n° 2, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro e 121°, do Código da Estrada.
11ª No caso de o condenado se encontrar “encartado”, o início do cumprimento da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69°, do Código Penal, apenas tem lugar com a entrega, efectiva carta ou licença de condução, caso a mesma não se encontre já apreendida nos Autos.
12ª Nos demais casos em que o condenado não se encontre habilitado com carta ou com licença de condução, o início do cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor iniciar-se-á, em regra, com o trânsito em julgado da Sentença/Acórdão.
13ª- Tudo sem prejuízo de, como sucede no caso sub judice, o arguido apenas iniciar o seu cumprimento quando deixar de estar privado da liberdade por força da medida de coacção a que se encontra sujeito e, bem assim, quando deixar de estar privado da sua liberdade por força da pena de prisão que lhe venha a ser eventualmente imposta.
14ª Ao condicionar/sujeitar a execução de sanção de natureza criminal prevista no artigo 69°, do Código Penal à verificação de uma condição de natureza suspensiva que depende da vontade do arguido, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 69°, n.ºs. 2 e 6 e 125°, n° 1, al. c), ambos do Código Penal.
15ª Ponderando a matéria de facto provada, os bens jurídicos violados, a gravidade dos ilícitos e as molduras penais que lhe são abstractamente aplicáveis, a personalidade do arguido, a medida da sua culpa e as necessidades de reprovação e de prevenção de futuros crimes, entende o Ministério Público que teria sido justo aplicar ao arguido, por equitativas, as seguintes penas parcelares:
a) 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria material singular, na sua forma consumada, de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n° 1, al. e);
b) 2 (dois) anos de prisão, pela prática, em autoria material singular, na sua forma consumada, de 1 (um) crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 69°, n° 1, ai. a) e 291°, n° 1, al. b) do Código Penal e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período 1 (um) ano;
c) 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em autoria material singular, na sua forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 30, n° 2, do DL. n° 2/98, de 3 de Janeiro, com referência ao artigo 121°, do Código da Estrada;
d) 1 (um) ano de prisão, pela prática, em autoria material singular, na sua forma consumada, de 1 (um) crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213°, n° 1, ai. c), do Código Penal;
e) 1 (um) ano de prisão, pela prática, em autoria material singular, na sua forma consumada, de 1 (um) crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213°, n° 1, al. c), do Código Penal.
16ª E, por força dos critérios plasmados no artigo 77°, do Código Penal, sendo que o cúmulo material, in casu, correspondente à soma das penas parcelares, se situa entre o limite mínimo de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão e o máximo de 7 (sete) anos de prisão e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período 1 (um) ano, ponderando-se os factos supra enunciados, entende o Ministério Público que teria sido justo aplicar ao arguido, por equitativa, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, a pena única de 4 (Quatro) anos de prisão e a sanção acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 1 (um) ano.
17ª Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou a douta Sentença a quo o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal.
18ª Em consequência, deverá o presente recurso ser julgado procedente e a douta Sentença a quo substituída por douto Acórdão que condene o arguido nos termos supra expendidos».

            3. Não houve resposta.

            4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer, defendendo a justeza do recurso e a sua procedência.

            5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.ºs 1e 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que se seguiu a legal conferência.


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            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, as questões a decidir – TODAS DE DIREITO - consistem em saber
1º- Os factos provados integram a prática, pelo arguido, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) e não n.º 3?
2ª- Os factos provados integram a prática, pelo arguido, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em concurso efectivo e real com o de condução perigosa?
3ª- É ilegal condenar em pena acessória sujeita, na sua execução, a uma condição de natureza suspensiva dependente da vontade do arguido?
4ª- Há que ajustar as penas parcelares quanto aos crimes de condução ilegal e de condução perigosa e à pena do cúmulo jurídico?
5ª- Qual a justa medida da pena acessória?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA
2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
1. No dia …, cerca da 01,30 horas, na EN8, em …. Alcobaça, urna patrulha da (GNR. em missão de fiscalização, veio a dar ordem de paragem ao arguido. o qual conduzia um veículo ligeiro, de matrícula ....
2. Depois de ter parado, o arguido pôs-se em fuga no referido veículo.
3. Veio depois a ser perseguido pelo carro de patrulha da GNR.
4. Quando o carro da GNR se encontrava lado a lado com o veículo conduzido pelo arguido, este travou bruscamente e efectuou um ‘peão”.
5. Mais uma vez o arguido se pôs em fuga em direcção a Caldas da Rainha.
6. Durante o percurso. o qual atravessa as localidades de Vale Maceira, Fornada. Lavradio e Caldas da Rainha, o arguido circulou sempre a velocidades superiores a 60 km/h e no cruzamento da Tornada, Caldas da Rainha, não respeitou a sinalização luminosa vermelha que lhe impunha a paragem.
7. Ainda nas mesmas circunstâncias, o arguido pisou algumas vezes o traço longitudinal contínuo da via e circulou em sentido contrário.
8. Com tal condução, o arguido criou o perigo de colisão contra os veículos e condutores que circulavam na mesma via, incluindo os militares da GNR que seguiam no seu encalço, colocando cm risco a integridade física destes e a sua vida.
9. A patrulha da GNR circulava com os sinais luminosos rotativos ligados quando em perseguição ao arguido e várias vezes, através do megafone, o mandou parar.
10. Porém, o arguido continuou e a dada altura, no Bairro das Morenas, em Caldas da Rainha, o arguido efectuou mais um peão” e foi embater com o seu veículo no veículo da GNR de matrícula  … e seguidamente embateu ainda num carro da P.S.P. , com a matrícula … .
11. Veio depois a despistar-se na rotunda das Oliveiras.
12. O arguido tentou a fuga a pé, sendo logo alcançado pelas forças policiais.
13. No interior do veículo tinha o arguido duas gazuas para abrir as portas de automóveis, cerca de 117 euros e urna faca multi-funções.
14. O veículo conduzido pelo arguido havia sido furtado pelo mesmo há 5 dias atrás, em Leiria.
15. O veículo conduzido pelo arguido tinha a chapa de matrícula traseira com a com a matrícula …, a qual correspondia a um veículo ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Passat, de cor azul.
16. O veículo conduzido pelo arguido tem a matrícula (...).
17. O arguido não era possuidor de qualquer carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse a conduzir.
18. Ao circular com o veículo com a chapa de matrícula …, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que lesava o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e que punha em causa o seu valor probatório e nomeadamente a credibilidade e a fé que as mesmas gozam perante o público em geral e as autoridades em particular.
19. Ao conduzir o automóvel como resta descrito, sabia o arguido que o fazia contra as normas estradais e que tinha elevada probabilidade de desencadear desastre e, assim, produzir lesões corporais cm terceiros, ou danos patrimoniais alheios de valor elevado, criando perigo para a integridade física dos demais utentes da via e perigo de danos elevados para os veículos que lá circulavam
20. O arguido que tinha perfeito conhecimento de que só poderia conduzir veículos motorizados na via pública desde que fosse titular da respectiva licença de condução, não se absteve, no entanto, de tal comportamento exercido livre e conscientemente e que sabia proibido.
21. Ao embater contra os veículos policiais, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente, com o propósito de os riscar e deteriorar, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem a autorização do respectivo dono.
22. Sabia o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
23. O arguido confessou parcialmente os factos pelos quais foi acusado.
24. O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 318 a 325, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
25. O arguido veio para Portugal à procura de melhores condições de ida, o que não teve um reflexo positivo na sua conduta. Apesar de evidenciar capacidade de comunicação e sociabilidade no convívio interpessoal. uma aparente imaturidade e irreflexão tem conduzido a um impulso na satisfação imediata da sua necessitardes desejos, originando condutas socialmente desajustadas e contrárias às normas legais.
26. O arguido apresenta dificuldades em realizar auto-crítica e perspectivar alternativas consistentes de comportamento. com tendência a desvalorizar o comportamento delituoso.
27. O arguido, actualmente recluso do EPR de Leiria, não aufere qualquer rendimento e não tem bens.
28. O arguido é filho adoptivo de um casal, em que o elemento masculino era polícia civil e explorava, com a mulher, um estabelecimento comercial.
29. O arguido tem o 11º ano de escolaridade.
30. O arguido chegou a Portugal aos 18 anos de idade, tendo trabalhado em diversas áreas profissionais. Teve o primeiro contacto com o sistema prisional em 2003, quando foi condenando numa pena de 7 anos de prisão.
31. O arguido tem uma filha de 8 anos de idade. que nunca viu, já que nasceu enquanto o arguido eslava preso e depois se deslocou com a progenitora para França, desconhecendo o arguido o seu paradeiro.
32. O pai adoptivo do arguido já o visitou no EPR. O arguido mantém um relacionamento com …, de 20 anos, de nacionalidade …. que se encontra em Portugal há 7 meses em situação irregular. A mesma esta grávida de 3 meses e vive em Torres Novas.
33. O arguido tem projectos profissionais que passam por vender automóveis em Stand propriedade de …, o qual demonstrou disponibilidade para receber o arguido quando este for colocado em liberdade.
34. O arguido foi sujeito a processo de expulsão, administrativamente determinada pelo SEF».

            2.2. Foi a seguinte a factualidade dada como NÂO PROVADA (transcrição):
«Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa, designadamente, não se provou que:
1. Os veículos que estiveram em perigo de colisão com o veículo tripulado pelo arguido tivessem valor superior a 510.00 euros:
2. O arguido tenha trocado a chapa de matrícula traseira  … pela chapa com a matrícula … :
3. Ao colocar no veículo as chapas de matrícula da forma descrita, agiu o arguido deliberada, livre e conscientemente».

            2.3. Motivou, assim, a sua decisão de facto o tribunal «a quo»: (transcrição):
            «Para formar a sua convicção, o tribunal, tendo sempre em atenção o disposto no artigo 127.° do Código de Processo Penal, isto é, o princípio de que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção, baseou-se na análise da prova pericial: de fls.l17, na prova documental de fls. 2 a 25, 69, 70, 83 a 88, 90, 107, 117, 135 a 138, 140 a 144, 145, no requerimento de protecção jurídica de fls 341 e 342, no CRC de fls 318 a 325 e no relatório para determinação da sanção de fls 244 a 246.
O tribunal apreciou ainda criticamente, segundo a sua livre valoração, as declarações do arguido bem como os depoimentos das testemunhas que depuseram em audiência de julgamento.
No que respeita às declarações do arguido, afirmou que circulava a velocidade entre os 60 e os 80 km/h.
Confirmou, no essencial, os factos constantes da acusação. mas negou ter circulado em sentido contrário, que se tenha cruzado com outros condutores no percurso que fez até Caldas da Rainha e que tenha embatido nos veículos policiais.
Mais afirmou desconhecer que o veículo no qual circulava havia sido furtado, e bem assim que a matricula estava viciada.
As declarações do arguido, quanto aos factos que negou, não mereceram credibilidade pela seguinte razão: as mesmas foram contrariadas pela prova produzida em julgamento, conjugada com as regras da experiência comum.
Quanto à velocidade a que o arguido circulou o tribunal estabeleceu o valor indicado na factualidade provada com base no seguinte raciocínio: o arguido afirmou circular a velocidade compreendida entre os 60 e os 80 km/h.
Os militares na GNR que seguiram no encalço do arguido não souberam indicar a velocidade concreta a que o mesmo seguia. sendo que a testemunha  … afirmou ter seguido a uma velocidade média de 120 km/h e a testemunha  … que o arguido circulou a velocidade superior a 50 km.
As testemunhas foram unânimes em afirmar que o arguido circulava muito depressa.
Assim, temos como limite mínimo de velocidade a confessada pelo arguido de 60 km/h.
No entanto, mesmo dentro de localidades. em que o limite mínimo corresponde a 50km/h, uma velocidade de apenas mais 10 km/h não representa a velocidade muito elevada retratada pelas testemunhas, a qual só começa a verificar-se 15 a 20 km acima do limite máximo permitido em cada troço de estrada.
Assim, apesar de não ter sido possível apurar a velocidade concreta a que circulava o arguido, da conjugação das suas declarações com os depoimentos das testemunhas decorre que o arguido circularia, seguramente, a velocidade superior a 60 km/h.
A tese apresentada pelo arguido de que o veículo lhe havia sido emprestado também não mereceu credibilidade, já que em sede de primeiro interrogatório judicial o arguido confessou ter sido o autor do furto e quando confrontado com as suas declarações nessa diligência não explicou de forma cabal as contradições entre as mesmas e as que proferiu em audiência de julgamento.
Idêntico raciocínio deve ser feito para as gazuas que se encontravam no interior do veículo, já que pelas regras da experiencia comum, tais objectos são normalmente utilizados no assalto de veículos automóveis.
Inquirida a testemunha …, militar da GNR. a desempenhar funções em S. Martinho do Porto desde Abril de 2007, afirmou só6 conhecer o arguido dos factos.
Explicitou a data e hora dos factos, a distância percorrida pelo arguido e em que circunstâncias interceptou o condutor.
Teve no entanto dificuldade em precisar a que velocidade seguia o veículo do arguido.
O seu depoimento já se mostrou mais seguro quanto às localidades por onde passaram, no trajecto para as Caldas da Rainha, quais as manobras realizadas pelo arguidos e como reagiram os condutores do veículos que se cruzaram com o arguido em tal trajecto.
Confirmou os objectos que foram encontrados no interior do veículo, a troca dos números na chapa de matrícula traseira do veículo e negou de forma peremptória que tivessem sido os veículos policiais da PSP e da GNR a colidirem entre si.
Na parte em que revelou segurança no depoimento depôs de forma espontânea, coerente e verosímil, logrando formar a convicção do Tribunal quanto a tais factos.
Por seu turno, a testemunha …, militar da GNR, no Posto de  … desde 21 de Dezembro de 2009, sendo que em data anterior desempenhou funções em S. Martinho do Porto, desde Maio de 2009, afirmou só conhecer o arguido dos factos.
Com excepção da velocidade a que o arguido circulava, o depoimento desta testemunha foi consonante com o da testemunha anterior, mostrando-se coerente e verosímil. razão pela qual o Tribunal o valorou.
No que respeita em concreto aos danos nos veículos policiais, basta analisar as fotos de fls. 10 a 12 para concluirmos, atento o sentido de marcha das viaturas, descrito pelo próprio arguido, ser contrária às regras da física a dinâmica da colisão descrita pelo arguido.
Assim, da conjugação dos depoimentos dos militares da GNR com as fotos indicadas concluímos ter sido o arguido quem embateu em tais viaturas. numa tentativa de se furtar à acção fiscalizadora da polícia.
Quanto ao desconhecimento do arguido da viciação da chapa de matrícula, o mesmo merece a credibilidade conferida às suas declarações acerca do furto do mesmo.
Sabendo o arguido que o veículo em que circulava era furtado, por ter sido o autor o furto, sabia também da desconformidade da chapa de matrícula, já que tal conhecimento é o único que se mostra conforme às regras da experiência comum.
Por último, e quanto aos factos atinentes à condução sem carta, o arguido confessou os mesmos, pelo que se têm como provados.
*
Quanto à factualidade não provada, a resposta a tal matéria decorre da total ausência de prova sobre a mesma incidente».
 

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Vejamos os argumentos do recurso.
O recorrente apenas RECORRE da matéria de DIREITO, ou seja, da incorrecta subsunção das normas penais aos factos dados como provados e não provados.
Como tal, intacta fica a matéria dada como provada e não provada, não se vislumbrando quaisquer vícios oficiosos do artigo 410º/2 do CP.
Intacta também fica a apreciação dos crimes de dano qualificado e de uso de documento falso, e respectivas condenações, não tocadas pelo recurso do MP.

3.2. DO CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
Vem o arguido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291º, nº 1, al. b) e n.º 3 e 69º, nº 1, al. a) do Código Penal.
Estatui este artigo que,
«1.Quem, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:
a) – (…)
b) violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita,
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”
(…)
3. Se o perigo referido no n.º 1 for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».
Já o sabemos - o bem jurídico protegido com esta incriminação radica na protecção de bens jurídicos individuais, pois com esta disposição pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar vertiginosamente no nosso país, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
No que diz respeito ao tipo objectivo de ilícito pretendem-se descrever aqui aqueles comportamentos que no âmbito da circulação rodoviária se mostram mais susceptíveis de colocar em perigo os bens jurídicos protegidos, incluindo em duas categorias o tipo de condutas capazes de determinar insegurança na condução em que se traduzem na falta de condições para a condução e na violação grosseira das regras de circulação rodoviária.
No nosso caso, estamos na 2ª situação, o que não é posto em causa pelo recorrente.
De facto, com a sua condução, devidamente narrada nos factos 1º a 10º, criou perigo, em concreto, para os demais utentes da estrada e para os agentes da GNR em causa (factos 8 e 19).
Como tal, chega-se à conclusão inequívoca que nesta condução descontrolada e em fuga, o arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, visando e logrando conduzir o veículo da forma supra descrita, violando deste modo as regras de circulação rodoviária, e admitindo como possível que viesse a embater nos demais utentes da via e na GNR que o perseguia no exercício das suas funções e assim pudesse lesar a integridade física e até a vida daqueles agentes, conformando-se com tal possibilidade.
Tem-se considerado que constituiu violação grosseira das regras de circulação rodoviária a violação objectiva de elementares deveres de condução no âmbito dessa circulação.
De acordo com Paula Ribeiro Faria, para que se encontre violação grosseira de regras de condução é necessário que se esteja perante «uma violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego, e para os bens jurídicos pessoais envolvidos. Em suma, exige-se um grau especial de violação de deveres».
Igualmente, Germano Marques da Silva, perante a formulação da norma anterior à Lei 77/01, de 01, refere que «não se trata de violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto, porque este é o evento da acção e a violação grosseira é a causa desse evento, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto ou previsível atentas as circunstâncias. O condutor devia prever que naquelas circunstâncias a violação daquelas regras de trânsito era especialmente adequada a causar um perigo concreto para determinados bens jurídicos e, por isso, era mais forte o dever de evitar aquele comportamento»
Assim, este elenco[2] de manobras consubstancia as mais graves violações das condições de segurança rodoviária, que são susceptíveis – elas mesmas só por si - de constituir violações grosseiras das regras de condução.
Como escreve Maia Gonçalves (Código Penal Português, 16ª ed., pág. 894), “não se refere somente este artigo às condições de segurança, mas adianta em que consiste essa violação; e elencou as mais graves violações das condições de segurança da condução rodoviária; e sendo certo que todas elas são para prevenir perigos, há no entanto algumas que têm conexão directa com alguns perigos”.
Trata-se de um crime doloso de perigo concreto[3], bastando-se com esse perigo.
Por isso, qualquer acto que se inclua nos exemplos descritos no tipo legal constitui uma violação grosseira dessa circulação (a violação grosseira das regras de condução implica um comportamento de desrespeito por um conjunto de regras de trânsito especificadas no tipo).
E o nosso arguido preencheu vários actos violadores das normas estradais.
Como tal, incorreu na prática do crime p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b).
Mas terá apenas criado o dito perigo por mera negligência que possa justificar a subsunção da sua conduta à norma do n.º 3 de tal normativo?
A resposta é negativa.
No n.º 3 temos dolo de acção e negligência – consciente ou inconsciente - quanto ao evento do perigo (ou seja, o dolo do agente não compreende o perigo concreto criado, afirmando-se, quanto a este, negligência do condutor) – neste n.º 3, o agente sabe e tem plena consciência da sua desenfreada condução, mas não representa (negligência inconsciente) ou representa e afasta a possibilidade (negligência consciente) da criação de um perigo para os bens jurídicos em apreço.
O n.º 1 prevê dolo de acção e dolo de perigo, admitindo-se aqui – E NOS DOIS SEGMENTOS - qualquer uma das modalidades de dolo (directo, necessário e eventual) – ou seja, o acção do agente e a criação de perigo são intencionais.
Note-se que ainda existe um n.º 4 do artigo – aqui o agente age com negligência de acção e de criação de perigo.
A sentença recorrida não mexeu nos factos narrados na acusação, com a excepção – irrelevante para o que nos interessa – do valor dos veículos que estiveram em rota de colisão com o do arguido.
O Ministério Público acusou apenas pelo artigo 291º, n.º 1 e não pelo n.º 3.
Já a sentença recorrida, com um fundamento escrito em duas singelas linhas, logo, absolutamente exíguo, apontou para o n.º 3.
Ora, os factos 19º e 22º não deixam margem para dúvidas – o arguido agiu como dolo de acção e com dolo – eventual - de perigo.
Equivale a dizer que quis conduzir de forma desenfreada e violadora das regras estradais, admitindo também a forte possibilidade de criar perigo para terceiros.
Errou pois o tribunal recorrido.
Diga-se ainda que teria sempre tal tribunal que verter para os factos provados e não provados a nova fisionomia que deu ao crime em causa – não podia condenar com base no n.º 3 com factos provados do n.º 1.
Nesta parte, procede o recurso do MP, devendo o arguido ser sancionado pelo tipo de crime do artigo 291º, nº 1, alínea b) do CP.

3.3. DO CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO SEM HABILITAÇÃO LEGAL

a)- Foi bem ou mal absolvido o arguido do crime de condução ilegal?
Claramente mal.
E não precisamos de muita fundamentação para algo que nos parece tão óbvio.
O tribunal recorrido entendeu que havia concurso aparente entre tal delito e o da condução perigosa.
Entende o MP que há concurso real e efectivo entre as duas normas.
E raciocina bem.

b)- Sabemos que a multiplicidade de factos criminalmente relevantes permite equacionar três hipóteses, muito bem delineadas em Acórdão desta Relação de 20/5/2009 (relator: Jorge Jacob):
· Crime único, decorrente de uma só resolução criminosa;
· Realização plúrima (concurso real de crimes);
· Crime continuado.
Esta problemática reconduz-se, num primeiro momento, à determinação da unidade ou pluralidade de crimes por recurso à valoração das condutas naturalísticas desenvolvidas pelo agente (trata-se de uma questão do foro subjectivo, que se traduz em averiguar, à luz do critério legal e por via da análise dos factos provados passíveis de juízos de censura, se estes podem e devem ser considerados como fruto de uma só intenção estruturada ou se, pelo contrário, traduzem uma renovação da intenção e vontade de agir).
Num segundo momento, reconduz-se à verificação da identidade (na acepção de coincidência material) dos elementos típicos do crime, com vista à determinação de eventual violação do princípio ne bis in idem.
A primeira das vertentes assinaladas – um só crime decorrente de um só desígnio criminoso – nem sempre se afirma com a simplicidade que parece sugerir, como se evidencia particularmente se se considerarem os delitos de execução continuada.
Retenhamos a doutrina de Figueiredo Dias, “… a unidade de resolução é em absoluto compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global, mesmo que não exista descontinuidade temporal entre os diversos actos praticados. E isto é assim, trate-se de bens jurídicos lesados eminentemente pessoais (…) ou não (v. g., a propriedade, o património, o meio ambiente, a ordem e a tranquilidade públicas)” [4], constatação que resulta do critério perfilhado pelo mesmo autor relativamente à determinação da unidade ou pluralidade de crimes, assente na “unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes”.
No concurso de crimes, tal como no crime único, o critério da sua determinação é o do art. 30º, nº 1, do Código Penal: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente.
Por último, o crime continuado determina-se pelo critério consagrado no nº 2 do art. 30º, estatuindo que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Também não nos pronunciaremos sobre nada de novo quando falamos de concurso de crimes.
Tudo já foi pensado. E escrito.
E daí também aqui nos socorrermos do Acórdão do STJ de 27 de Maio de 2010 (474/09.4PSLSB.L1.S1):
«I - A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no art. 30.º do CP, a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
II- O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico.
III- A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal.
IV - Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção).
V- O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado).
VI- Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras.
VII- A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração – concurso impróprio, aparente ou unidade de lei.
VIII- A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segundo regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção.
IX - Há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cf. H. H. Jescheck e Thomas Weigend, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, pág. 788 e ss.).
X- A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial.
XI- O bem jurídico, ainda numa projecção difusa de uma pluralidade de bens jurídicos e numa dimensão mais ampla, autonomiza-se de cada um dos concretos bens jurídicos que possam vir a ser individualmente afectados na respectiva titularidade concreta, sendo, por si, autonomamente e ex ante, considerado com relevante para justificar a definição de um crime de perigo».
Ou seja:
Estamos perante um Concurso real quando o comportamento do agente preencher vários tipos incriminadores e a sua responsabilidade contemplar todas essas infracções praticadas.
Já navegaremos por águas do Concurso aparente quando, aparentemente, na prática de um facto, convergem diversas disposições legais, mas na verdade só uma se lhe aplica, afastando todas as outras (sabemos que quando se pune um agente por uma situação de concurso aparente segundo as regras do concurso real, estamos a violar o princípio constitucional “ne bis in idem”, pois está se a valorar e punir mais do que uma vez o mesmo facto).
Nesse concurso aparente de normas, encontramos três modalidades:
· A relação de especialidade – Existe uma relação lógica de subordinação entre as normas, assim, quando um tipo legal é constituído a partir de outro, ou seja, se apresenta em relação àquele como qualificado ou privilegiado (ex. 132º, 133º e 134º em relação ao art. 131º todos do CP);
· A relação de subsidiariedade – Nestes casos existe uma intersecção de normas, cada norma pode ter um âmbito de aplicação autónomo, mas há também uma sobreposição, tornando-se uma subsidiária de outra, com aquela que tem a pena mais leve absorvida pela que tem a mais grave;
· A relação de consunção – Existe nestes casos uma relação de instrumentalidade: a violação duma disposição legal é instrumental para a violação de outra.

c)- Ora, as condutas levadas a cabo pelo arguido tiveram por base duas resoluções criminosas (uma de conduzir não encartado, outra de conduzir desenfreadamente – veja-se que o facto 1, aliado aos factos 17 e 20, basta para a condução sem habilitação legal, criando-se no facto 2 uma nova resolução – após parar, o arguido pôs-se em fuga), preenchendo tais condutas duas previsões normativas distintas, que não se atropelam, assente que cada uma dessas previsões normativas tem diferentes fundamentos de punição, tutelando diferentes bens jurídicos[5].
Note-se que a falta de habilitação legal para conduzir não constitui um caso em que o agente não está em condições de conduzir em segurança, para os efeitos do artigo 291º, n.º 1, alínea a).
Ora, se assim é, para a alínea b) é indiferente ter-se ou não carta de condução.
Se não se tem, noutro crime se incorre, pelo qual deverá ser o agente devida e autonomamente sancionado.
Só pode, portanto, proceder o recurso do MP nesta parte.

3.4. DA PENA ACESSÓRIA

Decidiu o Tribunal recorrido, quanto à pena acessória, o seguinte:
· Foi condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 meses, a contar da data em que obtiver título válido para conduzir tais veículos, sem prejuízo do disposto nos artigos 122º e 123º do CP, quanto à prescrição da pena.
É tal legal?
Entende o MP que não, pois a execução da pena acessória – que também é pena criminal - não pode estar sujeita à verificação de uma condição de natureza suspensiva dependente da vontade do arguido.
Também aqui tem o MP toda a razão.
Note-se que a Exmª Juíza recorrida aplica esta estranha condição sem sequer a justificar minimamente, o que também não se aceita.
Para além do facto de falar numa inexistente taxa de alcoolemia (fls 501)!
Fundamente-se a nossa posição.
Aplicada uma pena acessória, nos termos do artigo 69º/1 a) do CP, prescreve a lei que ela produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão (n.º 2 de tal normativo).
Ora, se há lei expressa, não há margem para divagações ou «terceiros géneros».
Diga-se que se tem entendido[6] que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução.
Esta pena deve ser cumprida logo após o trânsito em julgado nos mesmos termos em que é executada de imediato no caso dos condutores habilitados.
Aí reside o erro da construção do tribunal recorrido.
Esta medida acessória traduz-se numa censura adicional pelo crime praticado, por se revelar especialmente censurável, e visa o efeito de prevenção geral de intimidação e de prevenção especial.
Logo, esta pena de proibição de conduzir deve ser cumprida logo após o trânsito em julgado, não podendo ser diferida para o momento em que o agente venha a adquirir a carta de condução.
Nenhuma razão se vislumbra para diferir o cumprimento da sanção para esse momento. Bem pelo contrário. Basta atentar que não é o facto de o agente não estar legalmente habilitado a conduzir que garante que o não venha a fazer, ou seja, que não venha a colocar em risco os bens que com aquela medida se quis acautelar, e se o fizer naquele período em que está judicialmente inibido incorrerá na prática do crime de “violação de proibições”, previsto e punido pelo artigo 353º, do Código Penal.
Diga-se, por último, que a admitir-se a tese defendida na sentença recorrida, estaríamos numa situação de imprescritibilidade da pena acessória e impossibilidade do seu cumprimento se o condenado nunca viesse a adquirir licença de condução.
Em conclusão, como no caso o arguido não possui carta de condução, a execução da pena acessória iniciar-se-ia com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que tem como consequência prática de que durante tal período ele não poderá obter tal título [artigo 126º/1 d) do CE], inibindo-o de conduzir qualquer tipo de veículo motorizado.
Mas aqui temos uma situação particular e excepcional.
Como aqui o arguido está preso, a execução desta pena acessória deve ser relegada para momento em que ele recupere a liberdade (vide acórdão desta Relação de 1/3/2007 e artigo 69º/6 do CP).
Ora, se assim é, não faz sentido esperar que alguém passe a possuir carta para lhe poder aplicar a pena acessória.
Procede, assim, o recurso nesta parte também, só havendo que revogar a sentença neste particular, determinando que a pena acessória se conta a partir do momento em que o arguido obtiver a sua liberdade, após esta prisão (e não a partir da data em que o arguido obtiver título válido para conduzir).

3.5. DA MEDIDA DAS PENAS

a)- Resta encontrar a nova medida da pena quanto
· ao crime do artigo 291º, n.º 1, alínea a) (já não o n.º 3);
· ao crime de condução de veículo sem habilitação legal (já que tem punição autónoma por força deste recurso);
· ao cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77º do CP;
· à pena acessória.

b)- Há que fazer as operações dos artigos 70º e 71º do CP.
            Na escolha da pena a aplicar ao arguido, optou, e bem, o tribunal, pela pena de prisão (o que nem sequer é questionado pelo recorrente), nos termos do artigo 70º do CP, afastando a pena de multa em nome da harmonia da decisão punitiva.
Essa também a nossa posição, assente o teor dos factos 24º (CRC recheado de condenações criminais e em penas de prisão, cujo cumprimento não o afastou de novas ilicitudes, assente ainda que cometeu estes factos durante o período de suspensão da execução de várias penas de prisão[7]), 25º, 26º e 34º.
O artigo 40° do Código Penal dispõe que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos, no sentido de tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
Na ponderação da pena a aplicar, tomar-se-ão em conta os critérios consignados no artigo 71.º do C.Penal e designadamente, a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
De facto, na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.

c)- Vejamos as circunstâncias que depõem contra si, havendo muito pouco a favor (para além da confissão integral):
· Os graus de ilicitude presentes nas condutas do arguido não podem deixar de ser considerados elevados, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las;
· Os dolos presentes nas condutas do arguido, intensos-- pois que, na sua maioria na modalidade mais grave, o dolo directo, dado que os factos foram representados e queridos pelo agente, o que faz aumentar as exigências de culpa;
· As suas condutas anteriores, plasmadas no seu certificado de registo criminal, o que denota e evidencia não estarmos perante a prática de um acto isolado ou singelo, mas antes perante uma tendência para a reiteração criminosa, conducente, inclusive, à presente situação de cumprimento de pena de prisão efectiva, o que eleva as mesmas exigências preventivas;
· A ausência total de um projecto de vida por parte do arguido, minimamente consistente ou fundado, capaz de o impulsionar para a adopção de uma nova conduta, o que faz elevar as exigências preventivas;
· A total ausência de suporte familiar por parte do mesmo, o que necessariamente dificulta a sua desejável reinserção social e comunitária, tornando mais prementes as mesmas exigências preventivas;
· A ausência de quaisquer hábitos laborais, regulares e contínuos, aliados à ausência de quaisquer outros rendimentos, o que dificulta a almejada reinserção e onera as mesmas exigências preventivas;
· O comportamento processual do arguido que, nem sequer, confessou a integralidade dos factos que lhe haviam sido imputados, chegando mesmo a negar em Audiência as suas próprias declarações prestadas perante a Mma. Juiz de Instrução Criminal, o que revela falta de consciencialização dos seus actos, tendência em desvalorizar os seus comportamentos delituosos, circunstâncias a ponderar em sede de exigências preventivas, que surgem reforçadas;
· A sua tendência para manter condutas socialmente desajustadas e contrárias às normas legais;
· A presente situação pessoal do arguido, sujeito a expulsão do Território Nacional, por via de decisão proferida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

d)- Que penas de prisão então aplicar, assente que está afastada a possibilidade de nos ficarmos pelas penas não privativas de liberdade?
No caso da condução perigosa, a moldura penal abstracta agora é de prisão de 1 mês a 3 anos [cfr. artigos 41º/1 e 291º/1 b) do CP].
No caso da condução sem habilitação legal, a moldura penal abstracta é a de prisão até 1 mês a 2 anos (artigo 3º/2 do DL 2/98 de 3/1).
Não mexeremos nas outras penas por nos parecerem correctas e justas (1 ano de prisão por cada crime de dano e 1 ano e seis meses pelo crime de uso de documento falso).
Avaliados todos os factores descritos em c), parece-nos justo aplicar ao arguido a pena de:
· 1 ano e dez meses de prisão, quanto ao crime de condução perigosa e
· 1 ano e seis meses de prisão, quanto ao crime de condução sem habilitação legal.
 
e)- A moldura penal do cúmulo jurídico é a seguinte, seguindo o critério do artigo 77º, n.º 2 do CP:
LIMITE MÍNIMO: 1 ano e dez meses (a parcelar mais grave[8])
LIMITE MÁXIMO: 6 anos e dez meses (a soma das parcelares)
São, na realidade, prementes as exigências de prevenção especial, face ao já aqui aludido passado criminal do arguido (se é certo que acreditamos que um erro na vida não significa uma vida de erros, também cremos que são demasiados erros na vida deste homem, ilegal no nosso país, e que teima em não passar despercebido, erros estes que têm de ser devida e exemplarmente sancionados, atento o alarme social das suas condutas anti-sociais, a sua reiterada desocupação, propícia à ilicitude e as características das suas personalidades assaz indiferentes ao desvalor das suas condutas).
Como tal, parece-nos justo e equitativo situar a pena do cúmulo nos 3 anos e dez meses de prisão, obviamente não suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50º do CP, pelas razões aferidas na sentença recorrida e que aqui se dão por reproduzidas.
Por este motivo, o recurso do MP, nesta parte, procede em termos parciais.

f)- E quanto à pena acessória?
Entende o recorrente que deveria ter sido o arguido condenado em 1 ano de pena acessória de proibição de conduzir.
Foi-o em 6 meses.
QUID IURIS?
Sabemos que «só em casos pontuais e devidamente comprovados pode haver “benevolência” na aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados» (in Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, Processo n.° 2315/2001, disponível para consulta em http:www.dgsi.jtl).
No caso em análise, não se vislumbram razões suficientemente fortes para usar dessa benevolência pois inexistem as excepcionais circunstâncias que poderiam legitimar essa especial “bondade”, não se tendo sequer provado qualquer facto – de força maior - que justificasse ter o arguido agido como foi provado.
Diga-se que a actual letra do artigo 69º do CP foi introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7 – esta alteração legislativa não se limitou a introduzir uma automática sanção acessória de proibição de condução para o agente do crime de condução em estado de embriaguez, tendo agravado, de modo significativo, a pena abstracta da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo, de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos.
Deste modo, tal agravação derivou de uma inequívoca opção político-criminal que reconhece – sabia e pragmaticamente - que as finalidades da punição, atenta a reconhecida pouca eficácia da pena de multa, se conseguem, neste tipo de delito rodoviário, essencialmente, através da aplicação da pena acessória de proibição de condução, sendo essa a parte que invariavelmente mais toca no âmago do prevaricador.
Assim, a pena acessória fixada pela 1.ª instância (seis meses) foi demasiado benévola, devendo ser agravada para nove meses.
Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção, considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 9 (nove) meses.
Nesta parte, o recurso do MP procede em termos parciais.

3.6. Termos em que se conclui que o recurso do MP procederá parcialmente.




            III – DISPOSITIVO
           
 1. Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso intentado pelo Ministério Público e, nessa medida:
· em CONDENAR o arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º/2 do DL 2/98 de 3 de Janeiro, conjugado com o artigo 121º/2 do CE, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
· em CONDENAR o arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo artigo 291º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
· Em cúmulo jurídico das penas atrás referidas e das penas de 1 ano e seis meses de prisão, de um ano de prisão e de um ano de prisão – aplicadas quanto aos crimes não objecto de recurso (um crime de uso de documento falso e dois crimes de dano qualificado) -, em condenar o arguido A... na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
· em CONDENAR ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 9 meses, a contar da data em que recuperar a liberdade, findo este período de reclusão.
Em tudo o mais, mantém-se a sentença recorrida.

2. Sem custas.

            3. Comunique de imediato o teor deste acórdão do tribunal recorrido (cfr. artigo 215º, n.º 6 do CPP).

4. Regressados os autos à 1ª instância, deverá o tribunal recorrido conhecer do requerimento de fls 391 e 392.


                     Paulo Guerra (Relator)

                              Cacilda Sena








[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).

[2] Importa notar que essa conformação do normativo, designadamente com a indicação de um elenco de manobras perigosas, resulta da Lei 77/01, de 13/07, obedecendo, como acontece com disposição similar do Código Penal alemão,, à necessidade de tornar mais segura a interpretação do tipo de crime.
[3] Estabelecido como um crime de perigo concreto, decorrente da «forte probabilidade de ocorrência de dano ou do resultado desvalioso que a norma pretende evitar se desencadeie», nas palavras de Faria Costa, (O Perigo em Direito Penal, Coimbra, 1992, p. 580 e ss), deve entender-se que nas situações tipificadas no crime em causa haverá, assim, uma situação de perigo sempre que a produção do resultado desvalioso, mediante a formulação de um juízo de experiência comum, é mais provável que a sua não produção; ou pelo menos ocorre uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer - cfr. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação Coimbra, de 24.11.2004, in www.dgsi.pt.

[4] Cfr. “Direito Penal - Parte Geral”, tomo I, 2ª Ed. pag. 1008.
[5] Na condução sem habilitação legal, o bem jurídico imediato é acautelar a idoneidade de quem conduz veículos na via pública, sujeitando-os, previamente, a um exame teórico e prático de aferição dessa aptidão, como é imposto pelo Código da Estrada, visando-se assim e mediatamente a tutela da segurança da circulação rodoviária.
Já a condução perigosa radica na protecção de bens jurídicos individuais, pois com esta disposição pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar vertiginosamente no nosso país, punindo todas aquelas grosseiras condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Como tal, podem ser normas primas mas não irmãs…
[6] Neste jaez, passamos a citar, com a devida vénia, o Acórdão do TRP, de 7/7/2010, Processo n.º 1/09.3PCMTS.P1, relatado pela Exma. Desembargadora Adelina Oliveira, em www.dgsi.pt:
“O art. 69.º, n.º 1 do Código Penal estabelece que: «É condenado em proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado em entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º. (…)». Ora, considerando que o arguido foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo art. 292.º do Código Penal, o mesmo deveria ter sido condenado também na pena acessória de proibição de veículos com motor, ainda que não seja titular de carta de condução. A presente questão tem vindo a ser tratada na jurisprudência com algum cuidado e atenção e até com alguma profundidade.
Assim transcrevemos pois o já explanado e defendido por nós no Ac da Relação do Porto – processo nº 1189/09.9 PAPVZ.P1: A Relação de Évora, em acórdão de 10 de Dezembro de 2009 (processo 83/09.8GBLGS.E1, in www.dgsi.pt), tratou da matéria de forma aprofundada. Escreveu-se nesse acórdão: «Se é pacífico que, com a entrada em vigor do Código Penal de 1995, a condução de um veículo em estado de embriaguez é punível não apenas com a pena cominada no artigo 292.º daquele diploma como também da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no artigo 69.º, tem-se discutido, nomeadamente em sede jurisprudencial, a aplicação desta pena acessória no caso de condutor que, conduzindo veículo em estado de embriaguez, não é titular de carta de condução.
O Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12 de Março de 2003 (processo 03P505, disponível em www.dgsi.pt/) e expressando o entendimento preponderante, concluiu em sentido afirmativo, salientando que do próprio preceito em si (artigo 69.º do Código Penal, na redacção então vigente) não resulta de modo nenhum, nem expressa nem sequer implicitamente, que a sanção aí prevenida só possa ser aplicada a quem já possua carta de condução ou documento que o habilite a conduzir veículos motorizados. Bem pelo contrário, como aliás se alcança do próprio teor do seu n.º 3 ("... condenado que for titular de licença de condução...", o que faz pressupor contemplar também quem o não seja), e do que de todo em todo resulta do seu n.º 5 (não se aplica a inibição quando houver lugar a «interdição da concessão de licença», o que pressupõe a possibilidade de existência de falta de habilitação para conduzir), perfila-se como de todo em todo incontornável e inquestionável que a proibição de conduzir veículos motorizados, prevista e consagrada no artigo 69.º do Código Penal, de modo nenhum reclama ou exige que o condenado seja já possuidor de carta de condução ou esteja já habilitado a conduzir tais veículos.
Aliás a própria lei é clara e inequívoca ao indexar apenas a condenação à prática dos crimes referenciados nas alíneas a) e b) do n.º 1, e no condicionalismo aí consignado, o que surge como natural e adequada resposta a todo um pensar e querer legislativos em termos de acautelamento e de prevenção da perigosidade revelada pelo agente naqueles casos concretos, o que não deixa de se configurar de significativa relevância mesmo no plano da prevenção geral. Esta decisão reporta-se à redacção inicial do artigo 69º, nº 3, do Código Penal, nos termos da qual "a proibição de conduzir é comunicada aos serviços competentes e implica, para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial que a remeterá àquela".
Esta norma foi alterada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho - que estabeleceu a sua actual redacção ("No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquele, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo"). Esta alteração sustentou o entendimento de que, em face da actual redacção do artigo 69.º, n.º 3 do Código Penal, a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados apenas é aplicável a quem está habilitado a conduzir. Este entendimento é defendido, entre outros, no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, proferido em 3 de Fevereiro de 2004, no âmbito do processo n.º 2294/03-1, disponível na base de dados antes mencionada. Aí se dá conta que "a aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria" ao agente que seja condenado pela prática de qualquer dos crimes previstos no art.º 69.º, n.º 1, als a) a c) do CP, quando o agente não seja titular de carta de condução, oferece algumas dúvidas, principalmente depois da alteração introduzida ao artº 69.º, n.º 3 do CP pela Lei 77/2001, de 13.07. De facto, enquanto na anterior redacção se estabelecia que a proibição implicava, "para o condenado que for titular de licença de condução, a obrigação de a entregar..." - o que pressupõe que podia o condenado não ser titular de licença de condução - na actual redacção estabelece que "o condenado entrega na secretaria do tribunal... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo", o que parece levar a concluir que só será condenado em tal sanção acessória quem for titular de título de condução. (...)
Reconhecemos que a questão não é pacífica, como nos dá conta o acórdão da RC de 28.05.2002, in CJ, Ano XXVII, t. 3, 45, onde se decidiu que "o crime de condução em estado de embriaguez do art.º 292º do CP é punido com a sanção acessória de inibição de conduzir veículos motorizados, mesmo que o condenado não seja titular da necessária habilitação legal para conduzir", defendendo que se mantêm válidos os argumentos a favor da utilidade prática da aplicação de tal sanção que eram utilizados na vigência do art.º 69.º do CP, redacção anterior à Lei 77/2001.
No mesmo sentido: - O comentário, a propósito, de Simas Santos e Leal-Henriques, in Código Penal Anotado, 1995, 541: "Na Comissão Revisora a consagração da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados... foi referida como correspondendo a uma necessidade de política criminal. A sua necessidade, mesmo para os não titulares de licença de condução, foi justificada para obviar a um tratamento desigual que adviria da sua não punição, tendo-se procurado abranger essa hipótese com a redacção dada ao n.º 3. (...) mesmo no caso da falta de licença, a sanção não será inútil, já que ficará fazendo parte do cadastro do condenado, poderá, se vier a habilitar-se no prazo, ser aplicável efectivamente e é-o sempre também em relação aos veículos cuja condução exija aquela licença"; - O facto de a inibição abranger qualquer veículo motorizado (e não apenas os veículos automóveis), sendo que o agente pode não estar habilitado para conduzir determinada categoria de veículos e estar habilitado para conduzir outra ou outras categorias; - A redacção do art.º 126.º do Código da Estrada, onde se estabelece - como requisito para a obtenção de título de condução - que o candidato não esteja a cumprir proibição ou inibição de conduzir, o que permite concluir que a inibição a quem não possui licença é uma inibição à posterior obtenção de licença".
No acórdão a que se vem fazendo referência afirma-se a perda de actualidade destes argumentos, face às alterações introduzidas pela Lei 77/2001: "Por um lado, temos que presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3 do Código Civil) e que a interpretação da lei deve ter em conta as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (mesmo artigo, n.º 1). Por outro lado, e face a isso, o legislador - quando alterou o artº 69.º, n.º 3 do CP - não podia deixar de saber da polémica jurisprudencial que então existia quanto à aplicação (ou não) da sanção acessória da proibição de conduzir ao condenado, por qualquer dos crimes previstos no artº 69.º do CP, que não fosse titular de licença de condução; não obstante, e sabendo que um dos argumentos relevantes para concluir pela aplicação de tal sanção era a redacção que tinha o artº 69.º, n.º 3 do CP (onde se admitia a possibilidade de o condenado não ser titular de licença de condução), não deixou de alterar tal disposição, retirando tal argumento e deixando claro que o condenado "entrega... o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo", o que afasta a ideia da aplicação da sanção acessória ao agente que não esteja habilitado com "título de condução".
Por outro lado, não pode esquecer-se que licença de condução (expressão utilizada no n.º 3 do artº 69.º do CP, redacção anterior) não se identifica com "título de condução" - expressão utilizada na actual redacção do artº 69.º, n.º 3 do CP - pois o título de condução pode ser carta de condução, licença de condução ou outros títulos de habilitação a conduzir veículos a motor, como se vê dos art.ºs 122.º a 125.º do Código da Estrada; o uso de tal expressão não pode deixar de ser entendido, assim, como referindo-se ao título de condução que habilita o agente a conduzir o veículo com o qual cometeu o crime pelo qual foi condenado, pois é essa perigosidade do agente que se pretende evitar, sendo que bem pode acontecer que o mesmo esteja habilitado com outros títulos - significa isto, em suma, que a obrigação de entregar o título de condução (determinado) supõe a habilitação do condenado com um título de condução e que o mesmo não esteja apreendido, o que também resulta do facto do legislador, com a alteração que introduziu no art.º 69.º, nº 1, al. a) do CP pela Lei 77/2001, deixar de sancionar com a proibição de conduzir o crime de condução sem habilitação legal, o que hoje parece pacífico, pelo menos na Secção Criminal desta Relação. Por outro lado, os argumentos da Comissão Revisora acima sintetizados parecem afastados pela nova redacção dada ao art.º 69.º, n.º 3 do CP, argumentos a que o legislador, ao efectuar tal alteração, não podia ser alheio, sendo certo que não vemos aqui qualquer desigualdade, porque são distintas as situações. Por outro lado, ainda, o disposto no art.º 126.º do CE, que se mantém em vigor, não afasta este entendimento, designadamente se tivermos em conta que aí se prevêem os requisitos para obtenção de título de condução e bem pode acontecer que o agente (habilitado com determinado título de condução) esteja inibido ou proibido de conduzir e pretenda obter outro título, para outra categoria de veículo, diferente daquele, tendo então justificação a proibição prevista no art.º 126.º do CE. Contudo, mesmo no âmbito da actual legislação prevalece o entendimento contrário.
A este propósito e a título exemplificativo, salienta-se o acórdão também da Relação de Évora, proferido em 26 de Maio de 2009, no âmbito do processo n.º 141/07.3GBASL.E1, igualmente disponível na base de dados www.dgsi.pt/.» Neste acórdão de 26 de Maio de 2009 diz-se: «A jurisprudência mais recente, que está publicada, continua maioritariamente a defender a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir a quem não possua habilitação legal e cometa os crimes prevenidos nos art. 291.º e 292.º do CP. Vejam-se, entre outros, os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.09.2007, in Rec.4743/2007 - 3.ª secção, de 26.07.2007, in Rec. 5103/2007 - 3.ª Secção, de 24.01.2007, in Rec.7836/2006, 3.ª secção, todos acessíveis in www.dgsi.pt/jtrl, da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2002, in C.J. ano XXVII, tomo 3.º, pág.45, de 24.05.2006, in Rec. 919/06 e de 10.12.2008, in Rec.17/07.4PANZR, acessíveis in www.dgsi.pt/jtrc, da Relação do Porto de 09.07.2008, in Rec. 12897/08, de 01.04.2009, in Rec. 963/08.8PAPVZ, publicados in www.dgsi.pt/jtrp.
Os argumentos aduzidos no sentido da condenação do infractor não habilitado que pratique crime de condução de veículo em estado de embriaguez são, no essencial, os seguintes: - Seria "um contra-senso que o condutor não habilitado legalmente a conduzir, podendo vir a obter licença ou carta de condução logo pouco depois da sentença condenatória, não se visse inibido de conduzir, quando o já habilitado fica sujeito a tal sanção" - Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/09/95, CJ Ano XX, 1995, Tomo IV, pág. 147. - Após a publicação da Lei n.º 77/2001, o Código da Estrada foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28-09, tendo este diploma mantido como um dos requisitos para a obtenção do título de condução a circunstância de o requerente não se encontrar a cumprir decisão que tenha imposto a proibição de conduzir [cf. art. 126.º n.º1, alínea d) do C.E.].
A manutenção deste requisito para a obtenção da carta de condução pressupõe que a proibição de conduzir possa [deva] ser aplicada a quem não for dela titular. - No mesmo sentido aponta o facto de o conteúdo material da sanção em causa ser o da imposição de uma proibição de conduzir e não o da previsão de uma suspensão dos direitos conferidos pela titularidade da carta de condução. - A aplicação da proibição de conduzir visa não só assegurar de uma forma reforçada a tutela dos bens jurídicos como também evitar que o agente de tal crime volte a praticar factos semelhantes. - Acresce, ainda, o facto de o art.º 353.º do Código Penal criminalizar a violação de proibições impostas por sentença criminal a título de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade. Da violação dessa proibição pode resultar para o agente, ainda que não seja titular de carta de condução, a responsabilização pela prática, em concurso efectivo, de um crime do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, e de um crime do referido art. 353.º, pois que este tipo legal visa tutelar a autoridade pública e não a segurança das comunicações. - A não aplicação da pena acessória num caso como este traduzir-se-ia num privilégio injustificado para quem teve um comportamento globalmente mais grave do que a [simples] condução em estado de embriaguez (cf., entre outros, o acórdão da Relação de Lisboa de 12-09-2007, acima mencionado).
Na doutrina, Germano Marques da Silva (in Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, pág. 32 e nota 54) também entende que "a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pode ser aplicada a agente que não seja titular de licença para o exercício legal da condução; o condenado fica então proibido de conduzir veículo motorizado, ainda que entretanto obtenha licença" e acrescenta ainda que "diferentemente quando for aplicada a medida de segurança de cassação e o agente não seja titular de licença, caso em que ao agente não pode ser concedida licença durante o período de interdição", dado que "a proibição de conduzir veículo motorizado não pressupõe habilitação legal". O art. 10.º do DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que veio alterar o Código da Estrada, prevê no seu art. 10.º que a Direcção-Geral de Viação deve assegurar a existência de registos nacionais de condutores, de infractores e de matrículas, organizados em sistema informático, nos termos fixados em diploma próprio, com o conteúdo previsto nos art. 144.º e 149.º do Código da Estrada no que se refere ao registo dos condutores. Para dar cumprimento ao referido normativo foi publicado e já está em vigor o DL n.º 98/2006, de 6 de Junho, que regula o registo de infracções de não condutores (infractores não habilitados).
Neste diploma, o legislador, no art. 4.º, enumera vários elementos que deverão constar no registo de infracções do não condutor (RIO) e um dos elementos é a pena acessória aplicada pelo tribunal relativa a crimes praticados no exercício da condução. Parece-nos, face ao conjunto de argumentos aduzidos e considerando, nomeadamente a criação do registo de infracções de não condutores, que o legislador, com as alterações operadas ao art. 69.º do Código Penal, não quis excluir da condenação na pena acessória de proibição de conduzir os infractores não habilitados com carta de condução que cometam os crimes mencionados nas diversas alíneas do n.º 1 daquele preceito, não obstante os sinais contraditórios espelhados nalgumas normas postas em destaque.» Acresce, ainda, o que se diz no mencionado acórdão de 10 de Dezembro de 2009: «Para a sua sustentação aponta-se também o confronto do artigo 69º, nº 1 e nº 7, com o artigo 10.º, n.º 4, do Código Penal, cujo teor anteriormente se deixou enunciado. A conjugação destas normas evidencia que, ao estabelecer a pena acessória, o artigo 69º, na sua redacção actual, prevê a condenação nessa pena mesmo em relação ao condutor não habilitado e a sua exclusão quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a interdição da concessão do título de condução, na certeza de que esta interdição pressupõe que o agente não é titular de título de condução. Considerando os elementos apontados e contrariando o entendimento expendido pelo arguido, não se afigura que estejamos perante uma argumentação meramente literal e sem sustentação, sendo antes a interpretação correcta do quadro legal que se deixou enunciado.» Daí concluir-se, no referido acórdão da Relação de Évora, de 10 de Dezembro de 2009, que deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir o condutor não habilitado que incorra na prática do crime de condução em estado de embriaguez.”
Aplica-se esta doutrina – a que aderimos - também ao caso dos autos, em que alguém pratica um crime de condução perigosa e deve ficar proibido de conduzir, não obstante não ser «encartado».
Ou seja, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor deve ser aplicada ao condutor que praticar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º1 al. b) do Código Penal, mesmo que ele não seja titular de licença de condução.

[7] Foi ele condenado por:
a) Sentença proferida nos Autos de Processo Especial Abreviado n° 214/03.IGTLRA, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, em 5 de Janeiro de 2004, transitada em julgado no dia 17 de Fevereiro de 2004, pela prática, em 6 de Abril de 2003, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p, e p. pelo artigo 3°, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 75 (setenta e cinco) dias de multa, à razão diária de 5,00 €, o que perfez a multa de 375,00 € (trezentos e setenta e cinco Euros), a qual foi declarada extinta por despacho proferido no dia 24 de Abril de 2006;
b) Acórdão proferido nos Autos de Processo Comum Colectivo n° 1954/03.0 PBSTR, do 2° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em 26 de Janeiro de 2005, transitado em julgado no dia 23 de Janeiro de 2006, pela prática de 5 (cinco) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203°, 204°, n° 1, ai. a) e h) e 2, al. a) e e), do Código Penal, cometidos em 3 de Novembro de 2003; de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p, e p. pelo artigo 3°, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, cometido em 3 de Novembro de 2003; de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, do Código penal, praticado em 3 de Novembro de 2003; de 2 (dois) crimes de furto, p. e p. pelo artigo 203°, do Código Penal, cometidos em 2 de Novembro de 2003, em cúmulo jurídico, na pena de 7 (sete) anos de prisão;
c) Sentença proferida nos Autos de Processo Comum Singular n° 1065/06.7TACTB, do 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em 14 de Março de 2008, transitada em julgado no dia 14 de Abril de 2008, pela prática, em
3 de Setembro de 2006, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e
p. pelo artigo 143°, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

d) Sentença proferida nos Autos de Processo Sumário n° 43/09.9
PTCTB, do 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, em 13 de Agosto de 2009, transitada em julgado no dia 7 de Janeiro de 2010, pela prática, em 3 Agosto de 2009, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3°, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão, declarada extinta, em 21 de Setembro de 2010;

e) Sentença proferida nos Autos de Processo Especial Abreviado n° 1450/09.2 PBLRA, do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, em 10 de Março de 2010, transitada em julgado no dia 14 de Abril de 2010, pela prática, em 18 de Dezembro de 2009, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p, e p. pelo artigo 3°, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 (um) ano, condicionada ao dever de entregar à Associação de Cidadãos Auto-mobilizados a quantia de 600,00 € (seiscentos Euros), no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da data do trânsito em julgado da douta Sentença proferida;
f) Sentença proferida nos Autos de Processo Comum Singular n° 99/09.4GAMGR, do 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, em 21 de Setembro de 2009, transitada em julgado no dia 21 de Outubro de 2010, pela prática, em 10 de Julho de 2009, de 1 (um) crime de condução de veículo sem habilitação legal, p, e p. pelo artigo 3°, do D.L. n° 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 13 (treze) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 13 (treze) meses.
Mais resulta de fls 320 que, por Decisão proferida nos Autos de Processo Gracioso para Concessão da Liberdade Condicional n° 337/06.5 TXCBR, do 3° Juízo do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, proferida no dia 17 de Novembro de 2008, havia sido concedida ao arguido a liberdade condicional pelo período compreendido desde a data da sua libertação até dia 7/1/2011, data prevista para o termo da pena à ordem do Processo n° 1954/03.0 PBSTR do 2° Juízo e, desde 7/1/2011 até 7/5/2011, à ordem do Processo n° 1065/06.7 TACBT, do 3° Juízo, ambos do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, mediante várias obrigações.
Verifica-se ainda que os factos cometidos pelo arguido, objecto dos presentes autos foram por ele cometidos no dia 28 de Setembro de 2009 e, por via disso, foram-no:
a) No decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão na qual foi condenado nos Autos de Processo Especial Abreviado n° 1450/09.2 PBLRA, do 2° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria.
b) Durante o período de suspensão da execução da pena de prisão na qual foi condenado nos Autos de Processo Comum Singular n° 99/09.4GAMGR, do 10 Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande.
c) No decurso do período da concessão da liberdade condicional que lhe havia sido concedida nos Autos de Processo Gracioso para Concessão da Liberdade Condicional n° 337/06.5 TXCBR, do 3° Juízo do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa.

[8] O MP recorrente incorre em lapso quando indica, a fls 539, a pena de 1 ano e seis meses como o limite mínimo da moldura do cúmulo – na sua posição, seriam os 2 anos.