Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1975/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
ASSEMBLEIA DE CREDORES
ADIAMENTO
Data do Acordão: 09/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: EXTINTA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Legislação Nacional: ARTºS 75º, Nº 4, AL. C), E 156º, Nº 2, DO CIRE .
Sumário: I – A assembleia de credores para apreciação do relatório, tal como as demais, está sujeita às regras de convocação e de funcionamento previstas nos artºs 72º a 80º do CIRE, com a particularidade de ser convocada logo na própria sentença declaratória da insolvência .
II – Desde que devidamente publicitada, estando ainda a decorrer o prazo para os credores reclamarem os créditos, aqueles que ainda não o tenham feito podem reclamá-los na própria assembleia, a fim de nela participarem, devendo constar dos anúncios e editais expressa advertência nesse sentido .

III – Do artº 75º, nº 4, al. c), do CIRE, resulta claramente que o decurso do prazo da reclamação de créditos não configura fundamento de adiamento, tanto assim que a lei procurou garantir a participação de todos os credores, ainda que não tenham previamente formalizado a reclamação .

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO

No processo de insolvência nº1067/04.8TBVNO, pendente na Comarca de Ourém ( 1º Juízo ), foi designado o dia 14 de Dezembro de 2004 para a realização da assembleia de credores, com vista à apreciação do relatório.
Estando a decorrer o prazo para os credores reclamarem os créditos ( terminando em 19/12/2004 ), a M.ma Juiz, deferindo o requerido pelo administrador da insolvência, determinou o adiamento da assembleia para o dia 4 de Fevereiro de 2005, pelas 14 horas.
Inconformado, o credor presente A..., agravou do despacho, formulando as seguintes conclusões:
1º) - Não existe qualquer lacuna na lei, quando esta não prevê o adiamento da assembleia de credores de apreciação do relatório, nos casos em que na data designada para a respectiva realização ainda está em curso o prazo da reclamação de créditos.
2º) - A assembleia de credores é um órgão da insolvência cujo modo de convocação e funcionamento vem especialmente regulado nos arts.75 e segs. do CIRE.
3º) - As assembleias de credores podem ter lugar ao longo do processo de insolvência, sempre que regularmente convocadas, nos termos do art.75 do CIRE, com ordem do dia a definir em função dos concretos assuntos que motivaram a respectiva convocação.
4º) - Para além das assembleias “ extraordinárias “, a lei prevê a realização obrigatória da assembleia de credores para apreciação do relatório, cuja data é designada na própria sentença declaratória da insolvência ( art.36 nº1 m) do CIRE ).
5º) - A assembleia de credores para apreciação do relatório, tal como as demais, está sujeita às regras fixadas nos arts.72 e segs. do CIRE.
6º) - De tais regras decorre, expressamente, que não estando esgotado, na data de realização da assembleia, o prazo para a reclamação de créditos, o credor que ainda os não tenha reclamado pode reclamá-los na própria assembleia, para efeito de participação na reunião ( art.73 nº1 a) do CIRE ).
7º) - Sendo elucidativo o conteúdo da alínea c) do nº4 do art.75 do CIRE do qual resulta claramente que o facto de ainda não se encontrar esgotado o prazo para a reclamação de créditos não constitui fundamento para adiamento da assembleia de credores.
8º) - De tais disposições resulta que a lei previu expressamente que a assembleia de credores para apreciação do relatório se realize antes de esgotado o prazo para as reclamações de crédito, ao assegurar que nela possam participar todos os credores.
9º) - A decisão recorrida, ao adiar a assembleia de credores, violou as normas dos arts.73 nº1 alínea a), 75 nº4 alínea c) e 156 do CIRE.
Contra-alegou a insolvente B..., preconizando a improcedência do recurso.
Solicitada à 1ª instância informação sobre o estado do processo de insolvência, foi remetida certidão da acta da assembleia de credores, realizada no dia 9 de Agosto de 2005, na qual foi aprovada a proposta do plano de insolvência apresentado pelo administrador, por mais de 2/3 da totalidade dos votos emitidos pelos credores presentes, sendo que a percentagem dos credores que votaram contra, incluindo o A... ( aqui agravante ) é inferior a 1/3 dos votos.
Por sentença de 29 de Agosto de 2005, transitada em julgado, foi homologado o plano se insolvência.
II – FUNDAMENTAÇÃO

A questão submetida a recurso consiste em saber se constitui fundamento legal para adiamento da assembleia de credores de apreciação do relatório, o facto de estar ainda a decorrer o prazo para a reclamação de créditos.
No despacho recorrido justificou-se o adiamento com base numa “lacuna da lei” e a respectiva fundamentação contém implícita a obrigatoriedade da presença de todos os credores, designadamente, por força do disposto no art.156 nº2 do CIRE, visto que a assembleia pode deliberar sobre o encerramento da actividade do estabelecimento da massa falida, implicando eventual prejuízo para os trabalhadores.
Com o devido respeito, é de rejeitar tal posição, conforme se argumentou doutamente nas alegações de recurso.
Na sentença de insolvência, o juiz designa dia e hora para reunião da assembleia de credores, para apreciação de relatório ( arts.36 n) e 156 do CIRE ).
Para o efeito, o administrador elabora inventário, a lista provisória de credores e o relatório, que juntará aos autos oito dias antes ( arts.153 a 155 do CIRE ).
A assembleia de apreciação do relatório, tal como as demais, está sujeita às regras de convocação e funcionamento previstas nos arts.72 a 80 do CIRE, com a particularidade de ser convocada logo na própria sentença declaratória da insolvência.
Sendo assim, desde que devidamente publicitada, estando ainda a decorrer o prazo para os credores reclamarem os créditos, aqueles que ainda não o tenham feito podem reclamá-los na própria assembleia, a fim de nela participarem, constando dos anúncios e editais expressa advertência nesse sentido.
Do art.75 nº4 alínea c) do CIRE resulta claramente que o decurso do prazo da reclamação de créditos não configura fundamento de adiamento, tanto assim que a lei procurou garantir a participação de todos os credores, ainda que não tenham previamente formalizado a reclamação.
Por conseguinte, como bem salientou o agravante, não ocorre lacuna legal, sucumbindo o argumento aduzido para o ordenado adiamento, o que significa inexistir fundamento legal para o mesmo.
Aliás, na lógica discursiva do despacho, nem sequer se justificava o adiamento, bastaria a suspensão da assembleia, nos termos do art.76 do CIRE.
Verificando-se um desvio entre o formalismo prescrito por lei ( realização imediata da assembleia ) e o efectivamente seguido nos autos ( determinação do adiamento da mesma ), segundo o regime estabelecido no art.201 do CPC, a irregularidade cometida, sancionada por despacho, apenas consubstancia uma nulidade processual ( nulidade secundária ) desde que possa influir no exame e decisão da causa, pois a lei não a declara especialmente.
Em bom rigor, a assembleia de apreciação do relatório não se destina a qualquer exame ou decisão sobre a insolvência, já decretada, visando uma primeira ponderação sobre o modo de proceder à satisfação dos interesses dos credores e correspondente desenvolvimento do processo.
Admitindo-se que a expressão “ exame e decisão da causa “ assume um espectro mais abrangente, reportando-se, neste caso, à deliberação da assembleia de apreciação do relatório, não é seguro que o adiamento nela possa ter influído.
É certo que sendo as deliberações da assembleia de credores para apreciação do relatório tomadas por maioria ( art.77 do CIRE ), pode não ser indiferente o número de credores presentes, dependendo do sentido de voto de cada um deles, pelo que a realizar-se a assembleia na data marcada, sem adiamento, face aos credores então presentes, a deliberação poderia ou não ser eventualmente outra.
Mas o nº6 do art.156 do CIRE permite à assembleia, em reunião ulterior, modificar ou revogar as deliberações tomadas, só o não podendo fazer relativamente ao plano de insolvência desde que esteja homologado judicialmente por sentença.
Em todo o caso, mesmo a entender-se a existência de nulidade processual, jamais poderia ser revogado o despacho recorrido, com anulação dos termos subsequentes, visto que o objecto do recurso se extinguiu por inutilidade superveniente ( art.287 e) do CPC ), pois a assembleia de credores realizada posteriormente ( 9 de Agosto de 2005 ) aprovou o plano de insolvência apresentado pelo administrador, o qual foi homologado por sentença, entretanto transitada em julgado.
III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar extinta a instância recursiva por inutilidade superveniente da lide.
2)
Condenar o agravante nas custas ( art.447 do CPC ).
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Coimbra, 27 de Setembro de 2005.