Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
29/07.8GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: AUDIÊNCIA
CONTINUIDADE
Data do Acordão: 01/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 328º,363º DO CPP
Sumário: 1. A perda da eficácia probatória da prova só tem consequências quando esta prova produzida na sessão anterior, que se tornou ineficaz, é incluída na fundamentação da sentença.
2. O facto das sessões de produção de prova anteriormente realizadas terem sido documentadas, como é exigência do art.363.º do Código de Processo Penal não altera a situação.
3. O que está em causa com o prazo para a leitura da sentença é a celeridade processual, não tendo assim a data da sua leitura nada que ver com o disposto no n.º6 do art.328.º do C.P.P.
4. A sentença fundada em provas ineficazes é inválida.
Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, sob acusação do Ministério Público e acusação particular do assistente R..., que o Ministério Público acompanhou em parte e só em parte foi recebida no despacho a que alude o art.311.º do C.P.P., foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular o arguido
A..., casado, administrador imobiliário, residente em Ourém,
imputando-se- lhe factos susceptíveis de configurarem a prática de dois crimes de injúria, p. e p., pelo art. 181º, n.º1, do Cód. Penal, um crime de difamação, p. e p., pelo art. 180º, n.º1, do Cód. Penal, três crimes de ameaça, p. e p., pelo art. 153º, n.º1, do Cód. Penal, dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p., pelo art. 143º, n.º1, do Cód. Penal e de um crime de dano, p. e p., pelo art. 212º, do Cód. Penal.

O assistente R... formulou pedido de indemnização civil peticionando o pagamento da quantia de € 2.500,00 em virtude das dores que lhe foram causadas pela agressão de que foi alvo, € 3.500,00 pelas ofensas sofridas na sua honra e consideração e € 447,00 em virtude dos danos patrimoniais causados no seu veículo automóvel.
Posteriormente, a fls. 168, veio o assistente formular novo pedido de indemnização civil peticionando o pagamento da quantia de € 2.500,00 em função de danos de natureza não patrimonial e € 447,00 de natureza patrimonial.

Realizada a audiência de julgamento - no decurso da foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação pública relativamente ao momento temporal da ocorrência dos mesmos -, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 12 de Junho de 2008, decidiu julgar as acusações pública e particular deduzidas, parcialmente procedentes por provadas e, em consequência:
- Condenar o arguido A... na pena única de 95 (noventa e cinco) dias de multa à taxa diária de € 9,00 (nove euros), pela prática em autoria material, de forma consumada e em concurso real de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p., pelo art. 143º, n.º1, do Cód. Penal (a que corresponde a pena parcelar de 60 dias de multa), e de um crime de injúria, p. e p., pelo art. 181º, n.º1, do Cód. Penal, (a que corresponde a pena parcelar de 45 dias de multa);
- Absolver o mesmo arguido da prática de 1 crime de ofensa à integridade física simples, 3 crimes de ameaça, 1 crime de injúria, 1 crime de difamação e de 1 crime de dano, p. e p., respectivamente pelos arts. 143º, n.º1, 153º, n.º1, 181º, n.º1, 180º, n,º1, e 212º, todos do Cód. Penal de que vinha acusado; e
- Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente R... e em consequência condeno o arguido A... a pagar-lhe a quantia de € 300,00 (trezentos euros) a título de danos morais pela prática do crime de injúria e € 500,00 (quinhentos euros) pela prática do crime de ofensa à integridade física simples, acrescida dos juros vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil e vincendos até efectivo e integral pagamento absolvendo-o do demais peticionado.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido A..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1.º A audiência de discussão e julgamento realizada nos presentes autos conheceu uma sessão em 14 de Março de 2008,
2º) Sendo certo que aquela que imediatamente se lhe seguiu ocorreu em 14 de Abril de 2008.
3º) Entre uma e outra sessão mediaram 31 dias.
4º) O que ocorre em colisão com o disposto no artigo 326.º, 6 do CP Penal que estatui a impossibilidade da audiência ser adiada por mais de trinta dias, colando à ultrapassagem de tal prazo a “perda da eficácia da prova já realizada”.
5º) Ou seja, impunha-se que o tribunal tivesse repetido a realização da prova produzida anteriormente à referida data de 14 de Abril de 2008. Como tal não ocorreu está-se na presença da nulidade estatuída no artigo 120.º , n.º 2, al. d) do CP Penal,
6º) que expressamente se invoca e que determinará a necessária repetição do julgamento.
7º) Por outro lado, ainda neste segmento, deverá assinalar-se que a ultima sessão de produção de prova e alegações ocorreu a 12 de Maio e a Leitura da Sentença só teve lugar em 12 de Junho de 2008.
8º) Ou seja, mais uma vez para lá dos trinta dias, sendo certo que também aqui se mostra violado o princípio da continuidade/concentração, na medida em que “este prazo máximo inclui toda a audiência de julgamento, desde a sua abertura até à leitura da sentença ou acórdão, uma vez que a ratio do principio da continuidade inclui o momento da formulação material do juízo sobre a prova” - PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, CPP Anotado, pág.809).
9º) Por outro lado, o dissídio do arguido/recorrente propaga-se, à decisão em matéria de facto, na medida em que se reputam de “incorrectamente julgados” os pontos constantes da matéria dada corno provada sob os números 2., 3., 4., 5., 6 e 7.
10º) Com efeito, a prova invocada pela Mma. Julgadora para ancorar tal espécie de juízo, encarada globalmente, não se alcandora ao grau de firmeza necessário para balizar uma condenação.
11º) Desde logo, haverá de assinalar-se que o arguido - declarações prestadas na sessão da audiência de discussão e julgamento de 8 de Fevereiro de 2008, constantes (de acordo com a Acta da Audiência) da “Cassete 1, gravador pequeno - negou veementemente a prática dos factos que lhe eram imputados - negação que, diga-se, não mereceu qualquer exame, muito menos crítico, por banda da Mma. Juíza que presidiu ao julgamento.
12º) Por outro lado, acrescentar-se-á, os depoimentos prestados pelo assistente R... - declarações constantes (de acordo com a Acta da Audiência) da “Cassete 1, gravador pequeno - e da testemunha C... - declarações constantes (de acordo com a Acta da Audiência) da "Cassete 1, gravador pequeno - mostram distonias em momentos essenciais.
13º) Efectivamente, o assistente refere que: “só vi (o arguido - interpolação) a dar-me porrada ... ) Com as mãos, sim, com o punho fechado e agarrou-me e eu estava com o cinto e estava sem hipótese.”, enquanto a sobredita testemunha tem uma versão mais suave dos factos, na medida em que refere que “Nós parámos à frente do prédio e, pronto, não sei se não estaríamos para fazer a angariação de um apartamento ou se estávamos a conversar acerca de um apartamento que ali existia. Nisto, eu vejo o Sr. A... a passar de carro. E, por acaso, comentei com o Sr. R... “olhe o Sr. A... passou.”. Nisto, continuamos a conversar e estava o Sr. R... com a janela do carro aberta do lado dele e só me apercebi do Sr. A... se chegar ao pé do carro, junto à janela, e pegar o Sr. R... pelos colarinhos.”
14) Testemunha que mesmo especificamente instada para esclarecer se viu socos - dado que estaria sentada ao lado do ofendido - apenas acrescentou "Eu julgo que ele também terá dado um ou dois socos, ou, pelo menos, tentado, porque abanou-lhe bastante. e assim o Sr. R... também não se pode defender, como eu tinha dito há pouco, e qualquer movimento mais brusco para o Sr. R... também lhe causa algum mau estar e algum desconforto.”.
15º) Isto é, é patente a alegada distonia existente entre os dois núcleos probatórios convocados na decisão quanto à forma agressão.
16º) O mesmo ocorrendo, de resto, quanto às consequências da mesma.
17º) Na verdade, o assistente alude à existência de sangue e roupas rasgadas e a testemunha referida permanece rigorosamente silente quanto a tais circunstancialismos.
18º) Por outro lado, enquanto assistente e a testemunha C… situam estes factos cerca da hora de almoço do dia 29 de Dezembro de 2006 e narram uma peripécia subsequente a tal recontro outra testemunha ouvida, L... - declarações constantes (de acordo com a Acta do Julgamento) da Cassete 1, gravador pequeno) rente à noite.
19º) De facto, concordantemente com o horário dito na acusação, pública, afirma: “Sei que era à tarde, assim rente à noite. Agora o horário certo.”.
20º) Ou seja, a aludida testemunha quis, inequivocamente, manifestar um putativo conhecimento dos factos concordante com a acusação animado pela ínvia teleologia de contribuir para a condenação do arguido.
21º) O que leva a crer que toda a versão foi construída com o propósito de obter uma qualquer espécie de retaliação sobre o ora recorrente.
22º) Pensamento que se mostra congruente com o facto das alegadas lesões sofridas pelo assistente não lograrem qualquer corroboração exógena, nomeadamente pelos competentes exames médico-legais, porque o ofendido tardou a apresentar a queixa e não procurou socorro médico após o episódio.
23º) O que se mostra profundamente contraditório com as patologias que diz sofrer, já que afirmou “Se eu não estivesse encostado atrás, se não tivesse almofada no banco, se calhar não estava aqui a falar que eu não posso levar uma pancada agressiva.”, na verdade, alguém detentor desta espécie de fragilidade, quando alvo de um qualquer ataque, não partirá imediatamente para ter ajuda de um profissional de saúde?!
24º) Pelo exposto, a prova em causa emerge caracterizada por uma notória rarefacção e destituída das peculiaridades necessárias a balizarem uma condenação.
25º) Até porque ao agir como se agiu sacrificou-se inexoravelmente - o princípio da presunção da inocência com plasmação constitucional no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
26º) Tal tipologia de raciocínio é absolutamente contrária ao postulado constitucional agora convocado.
27º) Por outro lado, o princípio agora chamado a terreiro também se mostra desconsiderado numa sua outra indiscutível vertente;
28º) Exactamente enquanto princípio probatório traduzido na ideia do in dubio pro reo.
29º) Este postulado impunha, de facto, que o aludido material probatório fosse valorado a favor da posição processual do arguido.
30º) Na medida em que, de acordo com a respectiva impressiva formulação, mais vale absolver um culpado do que condenar um inocente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente com a consequente revogação da douta decisão recorrida e a substituição da mesma por Acórdão que acolha a materialidade fluente das conclusões supra tecidas.

O Ministério Público na Comarca de Ourém respondeu ao recurso interposto pelo arguido pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1. No dia 14 de Novembro de 2006 cerca das 12h00 o arguido se encontrava na Conservatória do Registo Predial de Ourém, tendo dirigido ao assistente palavras cujo conteúdo concreto não se logrou apurar.
2. No dia 29 de Dezembro de 2006 pelas 13h00 na Rua da Escola em Fátima, o arguido dirigiu-se ao assistente R... que se encontrava dentro do seu veículo automóvel, acompanhado de uma colega de trabalho e desferiu-lhe vários murros na cara.
3. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2, o arguido dirigiu ao assistente as seguintes expressões: filho da puta, cabrão, mato-te agora, agora é que levas.
4. Em consequência do descrito em 2, o assistente sofreu dores e mal estar físico.
5. O arguido agiu com o propósito que logrou alcançar de molestar o assistente no seu corpo.
6. Com as expressões referidas em 3., o arguido ofendeu, como era seu propósito, a honra e consideração do assistente.
7. Agiu de modo livre voluntário e consciente bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
8. O arguido não tem antecedentes criminais.
9. Trabalha no ramo imobiliário.
10. Aufere uma pensão de aposentação da defesa nacional.
11. É casado sendo a esposa empresária.
12. Suporta de empréstimo contraído para a aquisição de habitação o valor de € 300,00 mensais.
13. O assistente é portador de uma deficiência motora.
14. O assistente sentiu-se envergonhado e humilhado em virtude das condutas do arguido descritas em 2, e 3.
Não se provou que
a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1. o arguido tenha desferido vários empurrões no assistente R..., bem como lhe dirigido as seguintes expressões: filho da puta, parto-te os cornos, desaparece; se te apanho um dia sozinho desapareces de vez, mato-te seu cabrão”.
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 2 o arguido tenha desferido um pontapé na lateral esquerda traseira do veículo em que o assistente se encontrava.
c) No dia 11 de Janeiro de 2007 pelas 15h45m, o arguido se tenha dirigido a V... na Rua do Jardim, n.º 7, Padrão, Pousos, Leiria e proferido a seguinte frase: diga lá a esse cabrão do R... que ele tem os dias contados, que eu mato-o.
d) O arguido não aufira qualquer retribuição pela sua actividade no ramo imobiliário.
e) Que em consequência do referido em 2, o arguido tenha partido ao assistente um fio de ouro e 2 botões da camisa.
f) Que assistente tenha passado a viver amedrontado temendo pela sua integridade física e pela sua vida, tendo medo de andar sozinho na rua.
Convicção.
A fim de dar como provada a matéria supra elencada o Tribunal atendeu às declarações prestadas pelo assistente em sede de audiência de julgamento que relatou o modo como foi insultado e agredido pelo arguido no dia 29 de Dezembro, pelas 12h30m, na Rua da Escola em Fátima
A sua versão dos factos foi corroborada pela testemunha C…que se encontrava na companhia do assistente aquando dos factos descritos em 2, e 3.
Segundo o relato desta testemunha o arguido saiu do carro tendo-se dirigido à viatura em que se encontrava com o assistente e pegou neste pelos colarinhos, proferindo as expressões “cabrão”, “filho da puta” e “mato-te”.
Esta testemunha depôs de modo que ao Tribunal se afigurou como sério e credível tanto mais que, em relação aos factos de que o arguido vem acusado e que, alegadamente, se passaram na Conservatória do Registo Predial de Ourém, apesar de ter constatado que o mesmo se encontrava no referido local, não hesitou em afirmar que não ouviu qualquer palavra insultuosa que este tivesse dirigido ao assistente.
Por sua vez a testemunha M..., apesar de ter visto o arguido no dia 14 de Setembro nas instalações da Conservatória não presenciou qualquer troca de palavras dirigidas ao assistente.
Depôs de modo que se afigurou como sendo sério e credível.
É certo que a testemunha L…afirmou ter ouvido algumas expressões insultuosas dirigidas ao assistente e proferidas pelo arguido.
No entanto, tendo em conta o contexto em que as mesmas ocorreram, o local em que os sujeitos se encontravam, conjugado com o facto de as demais pessoas que se encontravam no local nada terem ouvido, não se afigura que o seu depoimento corresponda ao que efectivamente se passou.
Tanto mais que, a testemunha M..., que se encontrava junto ao assistente, afirmou nada ter ouvido.
Em relação às testemunhas G... e J..., a factualidade que as mesmas alegam ter presenciado – uma troca de palavras entre o arguido e o assistente – não está em apreciação nestes autos, em virtude da já referida alteração não substancial dos factos, uma vez que dizem respeito às 18h30m, sendo que os factos aqui em discussão ocorreram pelas 13h00.
No que concerne à ausência de antecedentes criminais valorou-se o CRC de fls. 189 dos autos.
Relativamente, à situação familiar do arguido tiveram-se em conta as suas declarações que a esse propósito se afiguraram como merecedoras de credibilidade.
No que concerne à matéria dada como não provada, tal deveu-se ao facto de, apesar de várias testemunhas terem visualizado o arguido na Conservatória do Registo Predial de Ourém, o certo é que nenhuma delas se apercebeu que tivesse dirigido ao assistente as expressões referidas na al. a).
Em relação à al. b), há a dizer que apesar da testemunha C… afirmar que o arguido deu um pontapé na parte lateral da viatura do assistente, o certo é que, os danos que o assistente alega ter sofrido e que referencia às fotografias de fls. 115 dos autos, não podem ter origem num pontapé, apresentando-se antes como riscos.
Relativamente à matéria constante da al. c) não foi quanto à mesma produzida qualquer prova.
Quanto à ausência de retribuição por parte do arguido a mesma não se afigura como correspondendo à realidade, tendo em conta todo o entrono em que o mesmo presta a sua actividade. Não se afigura razoável, de acordo com a aplicação das regras da experiência comum, que alguém disponha do seu tempo e dos seus bens em prol de uma entidade sem ter qualquer compensação a esse propósito.
Finalmente, em relação ao depoimento prestado por S…, cumpre dizer que o mesmo se afigurou ao Tribunal como carecendo de credibilidade, desde logo porque foi todo ele imbuído de uma preocupação excessiva em corroborar a versão dos factos apresentada pelo arguido na sua defesa, chegando mesmo a afirmar que o este está sempre na sua companhia, o que, manifestamente não corresponde à verdade.
Assim, e em relação aos factos ocorridos na Conservatória do Registo Predial de Ourém no dia 14 de Setembro, o depoimento da referida testemunha, conjugado com o depoimento da testemunha I… não se afigurou como sendo suficiente para por em causa o depoimento do assistente e das testemunhas C… e G… quanto ao local em que o arguido se encontrava.
No entanto, e uma vez que não se apurou que o arguido tivesse dirigido ao assistente as expressões de que vinha acusado, o depoimento desta testemunha não se apresentou como tendo qualquer influência na decisão.
Na matéria relativa ao pedido de indemnização civil tal resultou da conjugação das regras da experiência comum em conjugação com os depoimentos das testemunhas C… e L… que afirmaram andar o assistente bastante em baixo pelo sucedido.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247. ).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente arguido as questões a decidir são as seguintes :
- se tendo mediado 31 dias entre a sessão da audiência de julgamento do dia 14 de Março de 2008 e a seguinte realizada a 14 de Abril de 2008 , e o mesmo sucedendo entre a última sessão de produção de prova e alegações em audiência, em 12 de Maio e a leitura da sentença, em 12 de Junho de 2008, a prova realizada perdeu a sua eficácia nos termos do art.328.º, n.º6 do C.P.P. ( só por lapso manifesto refere o arguido, nas conclusões da motivação, o art.326.º ) , pelo que, não tendo sido repetida a prova, ocorreu a nulidade aludida no art.120.º, n.º 2, al. d) do C.P.P., que deverá determinar a repetição do julgamento; e
- se foram incorrectamente julgados os pontos constantes da matéria de facto dada como provada sob os n.ºs 2, 3, 4, 5 e 6 uma vez que a prova produzida não suporta os mesmos, desconsiderando-se na decisão os princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
Dispõe o art.328.º, n.º1, do Código de Processo Penal, que «a audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento.».
Consagra-se aqui o princípio processual da concentração ou da continuidade da audiência.
A prossecução tanto quanto possível unitária e continuada de todos os termos e actos processuais, em que se traduz o princípio processual da concentração, embora enforme todo o decurso e fases do processo, assume todo o seu significado e relevo na audiência de julgamento, uma vez que esta se pauta pelos princípios da oralidade e imediação ( cfr. entre outros , os artigos 355.º, 360.º e 363.º do Código de Processo Penal ).
Debruçando-se sobre a oralidade e imediação refere o Prof. Figueiredo Dias que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito , na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem , por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.” - cfr. Direito Processual Penal, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .
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Efectivamente, só com uma audiência unitária e continuada , que decorra o mais possível sem interrupções ou adiamentos até final, permanece a necessária relação de proximidade entre o Juiz e os participantes no julgamento, que permite àquele obter uma percepção própria da prova, designadamente sobre a personalidade do arguido e a credibilidade das declarações e depoimentos prestados pelos participantes processuais, que haverá de ter em consideração na fundamentação da sentença.
A estreita ligação entre o princípio da continuidade da audiência e o princípio da imediação vislumbra-se no regime que o art.328.º do Código de Processo Penal fixa para as interrupções e para os adiamentos.
No caso de interrupção da audiência ( n.º 2) ou do seu adiamento ( n.º 3) a audiência retoma-se a partir do último acto processual praticado na audiência interrompida ou adiada ( n.º 4 do art.328.º do C.P.P.), ou seja, a audiência contínua.
Porém, se o adiamento da audiência for por tempo superior a 30 dias, não sendo possível retomar a mesma naquele prazo, « perde eficácia a produção de prova já realizada.» ( n.º 6 do art.328.º do C.P.P.).
Pressupõe a lei, neste caso, que as vantagens decorrentes da adopção do princípio da imediação deixaram de se verificar.
A ineficácia processual ali referida deve ser entendida em sentido estrito.
Esta é a posição também tomada pelo STJ no seu acórdão de 3-7-1996 C.J. , ASTJ, ano IV, tomo 2.º, pág. 208., que debruçando-se sobre o n.º 6 do art.328.º do C.P.P., esclarece que «… há um conceito de ineficácia em sentido amplo, que inutiliza a produção de efeitos do acto jurídico, no qual se integra a figura da invalidade compreendendo a nulidade e a anulabilidade. Mas aqui trata-se de ineficácia em sentido estrito, pela qual o acto, embora válido, não produz efeitos jurídicos por circunstância que é exterior ( Mota Pinto, Teoria Geral, 3.ª ed., pág. 605).Ora, o que se comina no n.º 6 do art.328.º é a perda de eficácia probatória da prova oral anteriormente realizada em audiência. Por respeito aos princípios da oralidade, imediação e continuidade, a lei presume que algum deles possa ser violado quando entre duas sessões da audiência decorre um lapso de tempo superior a 30 dias.».
A não repetição da prova produzida na sessão/sessões anterior/es configura uma omissão susceptível de configurar o vício da nulidade a que alude o art.120.º, n.º 2, alínea d), do C.P.P., que oficiosamente ou a requerimento deve logo ser suprida pelo tribunal de julgamento.
Como se defende no citado acórdão do STJ de 3-7-1996, entendemos que a perda da eficácia probatória da prova só tem consequências quando esta prova produzida na sessão anterior, que se tornou ineficaz, é incluída na fundamentação da sentença.
O facto das sessões de produção de prova anteriormente realizadas terem sido documentadas, como é exigência do art.363.º do Código de Processo Penal não altera a situação.
O acórdão do STJ n.º 11/2008 , datado de 29 de Outubro de 2008, fixou recentemente jurisprudência no sentido de que « Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda da eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação. Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma.» DR, I Série, de 11 de Dezembro de 2008. .
Questão diferente é a relativa ao prazo que decorre desde a última sessão em que se produziram as alegações finais e a leitura da sentença.
O art.328.º do C.P.P. , ao regular as situações de interrupção e de adiamento da audiência pressupõe que a mesma está pendente, como resulta até da expressão “retomar a audiência” constante do n.º6 do art.328.º do C.P.P. .
Importa assim saber até quando a audiência está pendente .
O art.361.º do Código de Processo Penal responde a este pergunta ao estatuir que findas as alegações e perguntado ao arguido se tem mais alguma coisa a alegar em sua defesa , ouvindo-o em tudo o que declarar a bem dele , a audiência é declarada encerrada , sem prejuízo do disposto no art.371.º.
Declarada encerrada a audiência de discussão o Tribunal retira-se para deliberação .
Nos termos do art.365.º, n.º1 do Código de Processo Penal , salvo em caso de absoluta impossibilidade , declarada em despacho , a deliberação segue-se ao encerramento da discussão , que deve obedecer ao disposto nos art.s 365.º a 369.º do Código de Processo Penal.
A deliberação deve ter lugar logo após a discussão pois nessa altura ainda existe uma percepção global da prova produzida na memória no juiz .
A obrigação de deliberação imediata respeita tanto à decisão do juiz singular como às decisões colegiais . Cfr. Prof. Germano Marques da Silva , “Curso de Processo Penal “, III, 2ª ed. , pág. 286.
A sentença deve ser elaborada e lida imediatamente , mas quando tal não for possível , atenta a especial complexidade da causa , deverá ser lida dentro dos 10 dias seguintes.( art.373.º, n.º1 do Código de Processo Penal ) .
O que está em causa com a leitura da sentença é a celeridade processual , não tendo assim a data da sua leitura nada que ver com o disposto no n.º6 do art.328.º do C.P.P. .
A inobservância do prazo fixado no art.373.º , n.º1 do Código de Processo Penal , não estando cominada na lei como nulidade , constitui uma simples irregularidade .( art.118.º , n.ºs 1 e 2 do C.P.P. ), sem consequências jurídicas , para além da obrigação da sua reparação oficiosa com a prolação da sentença .
Esta posição é defendida pelo Cons. Maia Gonçalves , que em anotação ao art.373.º do C.P.P. escreve : “ O não acatamento do prazo fixado no n.º1 para a leitura da sentença nas causas de especial complexidade reconduz-se a uma irregularidade processual – art.118.º, n.º2 – , com o regime do art.123.º. Esta solução afigura-se-nos muito clara nos casos em que a leitura da sentença ou o seu depósito na secretaria são efectuados nos 30 dias a que se refere o art.328.º , n.º6 . E se forem efectuados posteriormente ao decurso desse prazo ? Ainda assim a solução deverá ser a mesma , porque a audiência já está encerrada , conforme se preceitua no art.361.º, n.º2 , e portanto não se pode considerar que houve adiamento .”- Cfr. “Código de Processo Penal anotado” , 9ª edição , pág.657.
Na jurisprudência, o acórdão do STJ de 15 de Outubro de 1997 ( BMJ n.º 470º, pág. 379 ) decidiu que o n.º 6 do art.328.º do Código de Processo Penal não se aplica ao caso de a leitura ocorrer depois de ultrapassados 30 dias sobre o encerramento da audiência , ponderando antes ser aplicável ao caso o preceituado no art.373.º do mesmo Código. A inobservância do prazo estatuído no art.373.º do C.P.P. constitui mera irregularidade que, não podendo afectar o valor da sentença, é inócuo. Neste sentido, ainda , entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Janeiro de 2004 ( no proc . n.º 3730/03, cujo relator é o mesmo destes autos de recurso), o acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Dezembro de 2002 ( C.J. ano XXVII , 5º , pág. 141), o acórdão da Relação de Évora de 10 de Abril de 2007 ( C.J. ano XXXII , 2º , pág. 256), e o acórdão da Relação de Guimarães, de 27 de Fevereiro de 2006 ( C.J. ano XXXI , 1º , pág. 296).
Compulsados os presentes autos, resulta dos mesmos que a 1.ª sessão da audiência de julgamento do arguido se iniciou a 8 de Fevereiro de 2008 ( cfr. folhas 316 e seguintes), a 2.ª sessão decorreu no dia 14 de Fevereiro de 2008 ( cfr. folhas 326 e seguintes), a 3.ª sessão decorreu no dia 22 de Fevereiro de 2008 ( cfr. folhas 328 e seguintes) e a 4.ª sessão decorreu no dia 14 de Março de 2008 ( cfr. folhas 334 e seguintes). Nesta 4.ª sessão o Tribunal “interrompeu” a audiência sem designar qualquer data. Tendo por despacho de folhas 342 sido designada a continuação da audiência no dia 11 de Abril , a Ex.ma Advogada do arguido veio dizer que se encontrava impedida de comparecer nessa data e pediu que se designasse uma outra, o que foi realizado por despacho de folhas 349, marcando-se como data para a mesma continuação o dia 14 de Abril de 2008.
Em 14 de Abril de 2008 realizou-se a 5.ª sessão de audiência de julgamento, com inquirição das testemunhas S… e I… ( cfr. folhas 373 e seguintes).
Em 12 de Maio de 2008 , na 6.ª sessão de audiência de julgamento, em que o arguido voltou a prestar declarações e foram feitas as respectivas alegações, designou-se para leitura da sentença o dia 12 de Junho de 2008 ( cfr. folhas 393 e seguintes).
A sentença foi lida na audiência de julgamento do dia 12 de Junho de 2008 ( cfr. folhas 416 e seguintes).
Relativamente aos 31 dias que decorreram entre a data de encerramento da audiência de julgamento e a leitura da sentença, a situação configura apenas uma mera irregularidade, em face do disposto no art.373.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, que se sanou com a leitura da sentença, pelas razões atrás expendidas.
Na 4.ª sessão de julgamento, que decorreu no dia 14 de Março de 2008, bem como nas anteriores sessões, foi produzida prova oral.
No final dessa sessão, a audiência de julgamento foi adiada e só veio a continuar no dia 14 de Abril de 2008, pelo que foram excedidos os 30 dias a que alude o n.º6 do art.328.º do Código de Processo Penal , perdendo consequentemente eficácia a produção de prova oral já realizada.
A única prova oral produzida após a 4.ª sessão de julgamento, que não foi retomada, decorreu no dia 14 de Março de 2008, com a inquirição das testemunhas S... e I… e a prestação de novas declarações pelo arguido.
O Tribunal a quo fundamentou a sentença, a nível de matéria de facto, nas declarações do assistente e em outras testemunhas, quando essa prova perdeu a eficácia, isto é, não produz efeitos jurídicos, nos termos do art.328.º, n.º 6 do C.P.P..
A sentença fundada em provas ineficazes invalida a própria sentença, que não pode subsistir.
A jurisprudência , designadamente , os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora , de 12-9-2006 Proc. n.º984/06-1, in www.dgsi.pt. e de 22-2-2004 CJ., ano XXX, 2.º Tomo, pág. 262., do Tribunal da Relação do Porto, de 14-6-2006 Proc. n.º 0547075, in www.dgsi.pt/. , e do STJ, de 5-4-2001 Proc. n.º 489/01 – 5.ª Secção., vem entendendo que o Tribunal a quo ao não ter procedido à repetição da prova volvida ineficaz e que na sentença vem tomar como essencial para a descoberta da verdade, omitiu diligências essenciais a essa descoberta , consubstanciando tal omissão a nulidade prevista no art.120.º, n.º2, al. d) do C.P.P., arguível por via de recurso, nos termos do art.410.º, n.º 3 , do mesmo diploma.
Tendo sido utilizada pelo Tribunal recorrido na fundamentação da sentença prova que a lei cominou como ineficaz, por não haver respeitado os princípio da concentração ou da continuidade da audiência e da imediação, impõe-se decretar a repetição da prova oral produzida em audiência.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, declarando nula a sentença, bem como o julgamento realizado, ordenar a repetição do julgamento.
Fica prejudicada a outra questão suscitada no recurso.
Sem custas.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,