Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
158/14.1TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: OPOSIÇÃO POR EMBARGOS – ÓNUS COMINATÓRIOS.
AÇÃO DECLARATIVA.
PRECLUSÃO DO DIREITO PROCESSUAL.
Data do Acordão: 10/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JC CÍVEL DE COIMBRA-JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 573º DO NCPC
Sumário:
I – Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório, não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de factos alegados pelo exequente ou de definição do direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência.
II - Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso.
III - A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art. 728º-2); mas não opera para além dele.
IV - A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.:
I - Relatório:
A) - Transcrição de extracto da sentença ora sob recurso.«[…] P..., residente na ..., veio interpor acção de processo comum contra “SOCIEDADE L..., S.A.”, com sede na Av. ...; “P..., S.A.”, com sede na Av. ...; “G..., S.A.”, com sede na Av. ..., alegando, sinteticamente, que o Autor era e é administrador de “B..., S.A.”, com actividade de construção, participações em capital e administração de sociedades, loteamentos, compra e venda, e afins, já anteriormente se dedicando a tal actividade em nome individual. Nesse âmbito, em Junho de 1999, por ter dado conta da grande potencialidade dos prédios que identifica e não ter, por si, capitais suficientes para a sua aquisição, e por ter travado conhecimento com o Dr. ..., então presidente da B..., a qual tinha interesse na área imobiliária, deu-lhe a conhecer tais potencialidades, tendo ficado acordado que a B... e o Autor estabeleciam uma parceria, com a participação de 75% e 25% respectivamente, de modo a rentabilizarem tais imóveis, participando nos encargos e recebendo dos proveitos nessa proporção, embora tal acordo não fosse reduzido a escrito, mas ficando a B... detentora de acções de 3 empresas de que ordenou a constituição relatando a execução do mesmo, sendo os pagamentos da B... feitos com pagamentos a descoberto, posteriormente regularizados com créditos, que eram registados como se as dívidas fossem daquelas sociedades e do Autor. Mais alega que primeiramente tais créditos eram dados sem garantias, e posteriormente o Dr. ... pediu ao Autor que desse garantias, devido às exigências do Banco de Portugal e este ia aceitando, por confiar, por ser sócio minoritário e por ter já muito valor investido. Alega que em 2004 solicitou ao Dr. ... que liquidasse os empréstimos em seu nome e das empresas uma vez que a B... se limitava a ceder créditos, altura em que as contas da sociedade “B..., S.A.” já tinham sido transferidas para Coimbra por ordem do Dr. ..., por ter sido decidido concentrar todos os créditos numa só conta, com o fim da empresa da B... assumir esses créditos, sendo então celebrado em 15/10/2004 um contrato de mútuo entre a B..., por ordem da B... e o Dr. ... e a sociedade “B..., S.A.”, apenas para limpar negativos e calar o Banco de Portugal e a B... ter tempo de absorver esses créditos numa empresa do grupo, como se crédito novo se tratasse, no montante de 9.500.000,00€, sem entrega das acções da sociedade “B..., S.A.” e sem assinatura de um dos sócios, bem como refere que esse montante nunca foi creditado, sendo apenas utilizados os 5.700.000,00€ em contas a negativo e que nunca se venceu por nunca ter sido facultada a primeira tranche ali aludida. Entretanto, como houveram mais cheques a descoberto no valor de €1.300.000,00, em 1/9/2005 foi acordada uma alteração ao contrato de mútuo, somando-se esta quantia, no valor global de €10.800.000,00, a fim de limpar o negativo. Uma vez que o contrato previa o fim da carência de juros, a B... entendeu vencer-se em 26/1/2006, debitando a conta, que voltou a estar negativa, embora nada fosse solicitado ao Autor por ser do conhecimento de todos a parceria. Todavia, com a saída do Dr. ... e da administração, a subsequente e, posteriormente, a do Estado, não quis honrar o contrato celebrado, sendo logo a que se seguiu à do Dr. ... exigiu do Autor o valor do mútuo e juros, vendendo após os créditos da sociedade “B..., S.A.” à P... como se dívida se tratasse e como sendo o Autor o único accionista daquela sociedade e o único responsável pela dívida, sendo que a G... ficou com o imobiliário da B...
Conclui pedindo: 1) que sejam as Rés condenadas a reconhecer que entre o Autor e a Sociedade L... foi constituída, estabelecida ou celebrada uma parceria, contrato de parceiros ou de sócios ou uma sociedade irregular de modo a que a Ré ficasse, como ficou, com 75% e o Autor P... com 25% sobre os respectivos lucros, encargos, despesas resultantes do exercício em comum da actividade alegada entre ambos no artº 5º e seguintes da petição inicial; 2) que sejam condenadas a reconhecer que os créditos que foram lançados sobre o Autor e a empresa B... SA, que administrava e constituiu por ordem da B... não são dívidas do Autor nem desta, mas sim correspondentes às entradas ou responsabilidades inerentes à participação de 75% da B... na actividade comum da construção de um hotel de 5 estrelas e SPA nos prédios alegados no artº 2 da petição inicial, entre aqueles sócios ou parceiros estabelecida ou contratada, nos termos do artº 5 da petição inicial: 3) que sejam ainda condenadas a reconhecer que apenas foram entregues correspondente à sua percentagem de 75% naquela actividade 7.000.000 € e não os 10.800.000 e juros por nunca lhe ter sido entregue tal quantia, pelo que deverão ser condenadas igualmente a reconhecerem que o contrato de mútuo celebrado de 9.500.000€ é nulo por vício de forma e também por o dinheiro referido nunca ter sido recebido pelo Autor ou pela empresa que a B... ordenou que constituísse, como constituiu; 4) mais devem ser condenadas a reconhecer que o Autor não é devedor às Rés de quantia alguma, a que se referem os créditos que sobre ele e as empresas que administrava foram debitados, tudo com as legais consequências.
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Regularmente citadas, vieram as Rés contestar.
A Ré P..., S.A. impugnou os factos alegados, mais dizendo que por escritura pública realizada no dia 23/12/2010 o B... cedeu à Ré um conjunto de créditos entre os quais o de um contrato de mútuo celebrado em 15/10/2004, alterado em 01/09/2005, no montante de €13.201.685,00 (treze milhões duzentos e um mil seiscentos e oitenta e cinco euros); e crédito resultante de um descoberto na conta nº ... do B..., de que é titular a sociedade “B..., S.A.”, no montante de € 1.478.045,00 (um milhão quatrocentos e setenta e oito mil e quarenta e cinco euros), podendo o descoberto eventualmente incluir valores emergentes do pagamento pelo Banco de garantias bancárias emitidas a pedido da sociedade. Considera que os contratos celebrados e seus aditamentos foram acordados, e dadas garantias entre as quais livranças; todavia, a sociedade “B..., S.A.” não cumpriu atempadamente as obrigações resultantes de tal, não pagando qualquer prestação desde 15/1/2007, bem como não creditou conta que tinha saldo a negativo, facto que levou à resolução do contrato de mútuo em 29/8/2008 e comunicação de accionamento da livrança de garantia da conta, pelo que as livranças foram dadas à execução pelos processos ... e ... da Comarca de Coimbra. Nega ter havido qualquer simulação nem qualquer parceria, sendo certo que ela não está invocada com o B..., pelo que os contratos são válidos e eficazes. Conclui pela improcedência da acção.
A Ré G..., S.A. contestou começando por dizer que a Ré B... inexiste, existindo apenas a holding SGPS, agora denominada G... SGPS, com o mesmo NIF, sendo a 1ª e 3ª Rés uma única. Impugna os factos alegados dizendo que o alegado na petição inicial visa apenas eximir-se ao pagamento dos valores devidos. Alega que no período que antecedeu a nacionalização do B..., o Grupo era designado por B... porquanto a G..., anteriormente B..., detinha capital do B... SGPS e esta detinha capital do B..., S.A., o que deixou de acontecer após a nacionalização, altura em que foi constituída também a Parvalorem a que o B..., S.A. cedeu parte dos créditos detidos, incluindo o que foi pedido nos requerimentos executivos identificados na petição inicial. Nega ter sido detentora de acções nas sociedades indicadas na petição inicial, a sociedade “B..., S.A.”, C..., S.A. ou C... SGPS, impugnando também os documentos e alegando também que nunca foi deliberada qualquer parceria com o Autor ou com as sociedades já aludidas, sendo certo que o Dr. ... não tinha poderes para obrigar a Ré.
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O Autor não respondeu, limitando-se a pronunciar-se sobre a perícia requerida.
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Foi determinado que o Autor suscitasse a intervenção da sociedade “B..., S.A.”, sob pena de ilegitimidade, uma vez que pretende ver declarada a nulidade do mútuo em que interveio pessoa colectiva que não é parte na acção, bem como se ordenou a junção de documentos pelas Rés.
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O Autor requereu a intervenção principal provocada de a sociedade “B..., S.A.”, alegando como na petição inicial e a fim de assegurar a legitimidade, já que tal sociedade era interveniente no contrato, sendo contitular do direito invocado pelo Autor.
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Após audição das Rés, foi ordenada a intervenção da referida sociedade aqual foi citada para os autos, não juntando qualquer articulado.
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Foi determinado que o Autor respondesse às contestações apresentadas, o que fez, dizendo que a cessão de créditos não lhe foi notificada, não produzindo efeitos quanto a ele e tanto mais que não poderia ser transmitido por se tratar de mútuo nulo, mais dizendo que a livrança não era nem nunca foi título executivo mas unicamente houve utilização abusiva da mesma por parte da P..., que sabia que a dívida não era a que fez constar na livrança nem poderia ser preenchida contra a verdade e com quantias nunca entregues ou pagas ou transferidas ao Autor, mantendo no mais o já alegado na petição inicial quanto ao não recebimento de quantias e falsidade das declarações constantes no contrato de mútuo. Mais alega que o Dr. ... celebrou vários contratos sem deliberação escrita, mantendo no demais o invocado.
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Foi ordenada a notificação do Autor para juntar comprovativos do alegado na petição inicial.
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Juntos documentos, o Autor veio dizer que a escritura celebrada no terreno de Coimbra não foi de permuta e sim de dação em cumprimento, tratando-se de permuta irregular, da qual recebeu €146.072,50.
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Obtida a informação de processo de revitalização da Ré G..., SGPS, foi suspensa a instância até desfecho do processo.
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Cessada tal suspensão, foi designada data para a realização de audiência prévia, fixado valor à acção, e elaborado despacho saneador, absolvendo a Ré B..., S.A. da instância por falta de personalidade judiciária, mais se identificando o objecto do litígio e enunciando os temas de prova, fixando factos assentes.
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Em consequência da insolvência da Ré G... SGPS, foi determinado que a acção corresse termos contra a massa insolvente desta.
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Foi realizado julgamento com observância do formalismo legal.
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Compulsados os autos a fim de elaborar sentença, constatando-se que o Autor invocava na petição inicial que a Ré P..., S.A. havia exigido o pagamento dos créditos resultantes do alegado contrato celebrado e descrito na petição inicial por via executiva, juntando cópia dos requerimento executivos sem que identificasse os n.ºs de tais autos, sendo que tal Ré apenas alude a um deles na sua contestação e consultado o CITIUS no módulo de processos do interveniente constatou-se que os mesmos se tratavam dos autos de processo ... e ..., que correm termos da comarca de Coimbra e cujo desenvolvimento tem manifesto interesse para a decisão dos autos, atento que ali terá sito citado o aqui Autor e considerando o eventual preclusivo da falta de reacção do mesmo, mais sendo ordenada a junção de documentos dos autos ..., determinou-se ainda que a Secção obtivesse e juntasse aos autos certidão dos requerimentos executivos ... e ... e informação sobre a dedução de embargos pelo aqui Autor e da decisão que veio a ser proferida acerca dos mesmos.
Ordenou-se então a notificação às partes de tais documentos, conferindo o prazo de dez dias para, querendo, sobre eles se pronunciarem e que, ainda que não pretendessem exercer contraditório quanto aos documentos, deveriam os il. Mandatários informar se pretendiam alegar oralmente, caso em que se determinaria a reabertura de audiência, com agendamento da mesma.
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Apesar de tal advertência, nada disseram os srs. Mandatários, pelo que se presume que abdicaram de tal direito, passando a proferir-se sentença. […]».
B) – Na sentença que veio a ser proferida em 14/12/2017, sob a epígrafe “Questão prévia – excepção peremptória: preclusão”, consignou-se, entre o mais, que:
«[…] O Autor instaurou a presente acção alegando ter celebrado um contrato com a B..., por via do qual foram creditados valores pelo B... ao Autor e interveniente B..., sendo o contrato de mútuo celebrado em 15/10/2004, alterado em 1/9/2005, nulo, pretendendo que se reconheça que não são devidos os valores por força de tal contrato de mútuo celebrado e que considera nulo, pedindo que as Rés sejam condenadas a reconhecer que o Autor não é devedor às Rés de quantia alguma, a que se referem os créditos que sobre ele e as empresas que administrava foram debitados. Mais tomou posição expressa nos autos, em resposta às contestações, dizendo que a livrança não era nem nunca foi título executivo mas unicamente houve utilização abusiva da mesma por parte da P..., que sabia que a dívida não era a que fez constar na livrança nem poderia ser preenchida contra a verdade e com quantias nunca entregues ou pagas ou transferidas ao Autor.
(...)
Esse dito contrato, alegadamente nulo, encontrava-se garantido por livranças, e foi considerado resolvido em 29/8/2008, pelo que as livranças foram dadas à execução pelos processos ... (esta contra Autor e interveniente) e ... (esta unicamente contra o Autor) da Comarca de Coimbra, autos em que o Autor e interveniente foram devidamente citados tendo havido rejeição dos embargos apresentados por falta de pagamento da taxa de justiça e multa, em ambos os processos.
Na petição inicial actualmente apresentada, o Autor tem o intuito de reagir a factos (alegado preenchimento abusivo das livranças por inexistência do contrato de mútuo substanciador da dívida que as mesmas titulam) que se desenrolam no âmbito de acções executivas, as quais se encontram pendentes na Instância Central de Coimbra, Secção de Execução, ... e ... em que é exequente a Ré “P..., S.A.”.
Ora, o Autor foi citado nas referidas acções executivas para, querendo se opor às mesmas, nomeadamente através de embargos de executado, e bem assim a interveniente quanto aos autos ..., não tendo deduzido embargos de executado de forma regular, pelo que os mesmos foram rejeitados, estando tais sentenças transitadas em julgado, conforme resulta das certidões juntas. […]»
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C) – 1) - Na sentença “sub judice”, tendo-se entendido que se verificava a preclusão de um direito à repetição do indevido, o que tornava inadmissível a instauração da acção declarativa “sub judice”, julgou esta improcedente e absolveu as Rés dos pedidos;
2)- Desta decisão recorreu o Autor, tendo o respectivo recurso sido admitido como Apelação, com efeito devolutivo.
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D) – 1) - É essa Apelação que ora cumpre decidir e cujas alegações o Recorrente finda com as seguintes conclusões:
«A) A sentença recorrida ao decidir como decidiu, fez errada subsunção do direito aos factos, pois que,
B) No caso sub iudice inexiste preclusão do direito à repetição do indevido, já que o Autor não pretendeu com a presente acção reagir a factos que se desenrolaram no âmbito das acções executivas, nas quais era exequente a Ré “P..., Sa”.
C) Com efeito, a preclusão do direito, ou o princípio de preclusão do direito encontra acolhimento nos institutos de litispendência ou do caso julgado (artº 580, nr. 2 do CPC) e nos preceitos de onde decorre o postulado de concentração dos meios de alegações dos factos essenciais da causa de pedir e as razões de direito (artº 552, nr. 1, al. d)), e das excepções quanto à defesa artº 573, nr. 1 todos do CPC, e,
D) No caso sub iudice tal princípio de preclusão não se verifica em nenhuma daquelas vezes, desde logo porque,
E) A oposição que o autor podia ter deduzido às execuções nrs ... e ... pendentes na Comarca de Coimbra, apenas podia apreciar a existência ou não das obrigações cambiárias, sem curar da declaração dos direitos do Autor quanto à sociedade irregular, respetivas quotas, já que, a função da oposição à execução limita o âmbito de actuação do executado/oponente, não lhe permitindo o exercício de direitos que extravasem o objectivo da extinção, total ou parcial da execução, e que pressuporiam que a execução pudesse desempenhar a função de reconvenção, tanto mais que,
F) A reconvenção não é admissível em processo executivo.
G) A procedência da oposição apenas podia ter como efeito a extinção, total ou parcial da execução, ex vi do art. 732, nr. 4 do CPC.
H) Assim, e porque com a acção de cuja sentença se recorre, o Autor pretendia a declaração de reconhecimento do direito, não pode considerar-se que com a dedução de oposição às execuções tal desiderato fosse alcançado.
I) Por isso, o princípio da preclusão do direito não encontra acolhimento no disposto no artº 552, nr. 1, al. d) do CPC, e tão pouco no artº 573, nr. 1, também do CPC, dado que o primeiro artigo se reporta a uma verdadeira acção, em que o Autor possa formular os pedidos que entender, o que não acontece com a oposição, e o segundo artigo se reporta à contestação a efectuar dentro de um processo, o que não tem aplicação no caso sub iudice.
J) O princípio da preclusão também não encontra acolhimento no disposto no artº 581 do CPC, porquanto o caso julgado pressupõe uma tripla identidade, como seja, a dos sujeitos, pedido e causa de pedir, o que não se verifica.
K) Nos termos do disposto no artº 621 do CPC, “a sentença constitui caso julgado nos processos limites e termos em que julga, e
L) Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da triplica identidade, será sempre em função do teor da decisão transitada que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente a autoridade desta, sendo que,
M) Nunca as decisões transitadas podiam ou podem pronunciar-se sobre os pedidos que o Autor fez nesta acção, e que não podia efectuar na oposição, por não admitir a mesma a dedução de reconvenção.
N) A decisão recorrida violou, pois, entre outros, os dispostos ínsitos nos artº 552, nr. 1, al. d), 573, nr.1, 581, 732, nr. 4, todos do CPC, pelo que, são estas as normas jurídicas violadas, entre outras.
O) Tais normas que constituíram o fundamento jurídico da decisão, deveriam ter sido interpretadas no sentido de não verificação da preclusão do direito à repetição do indevido, em qualquer uma das manifestações vertidas naqueles dispositivos legais.
P) As normas vindas de referir deviam ter sido interpretadas e aplicadas justamente no sentido da improcedência da excepção peremptória da preclusão. […]»
Terminou pugnando pelo provimento do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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2) – A “P..., S.A.” e a “Massa Insolvente de G..., SGPS, S.A.”, nas respostas que apresentaram à alegação de recurso, defenderam a improcedência desta e a manutenção da decisão impugnada.
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E) - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC) Sendo aplicável o Novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6), que se passará a referir como NCPC, a sigla CPC, quando não resulte de mera transcrição, reporta-se ao anterior Código de Processo Civil., o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, endereço este através do qual poderão ser acedidos todos os Acórdãos do STJ adiante citados sem referência de publicação.).
Assim, a questão que importa resolver é a de saber se foi acertada a decisão de considerar ocorrer a referida preclusão com a consequente absolvição das Rés dos pedidos.
II - Fundamentação:
A) – O circunstancialismo processual e a factualidade a considerar para conhecer da questão pertinente à sindicância da decisão recorrida, estão consignados em A) e B) “supra” e assim sucede porquanto, não obstante a realização do julgamento, com inquirição de testemunhas, o Tribunal “a quo”, talvez por a ter como desnecessária, atento o entendimento que ia expressar quanto à preclusão, omitiu, quanto à restante matéria, o seu juízo sobre quais os factos que considerava como provados e como não provados.
O que daqui poderá advir é que, se for caso de revogar a sentença recorrida, os autos terão de baixar à 1ª Instância, para que aí se profira, quanto à restante matéria, que permanece controvertida, a decisão que se omitiu, consignando os factos que se têm como provados e aqueles que se consideram como não provados.
B) - Na sentença recorrida o Tribunal “a quo” assentou a decisão tomada quanto à preclusão, na fundamentação que, na sua essencialidade, é espelhada nos trechos dessa decisão que abaixo se transcrevem:
«[…] O Autor instaurou a presente acção alegando ter celebrado um contrato com a B..., por via do qual foram creditados valores pelo B... ao Autor e interveniente B..., sendo o contrato de mútuo celebrado em 15/10/2004, alterado em 1/9/2005, nulo, pretendendo que se reconheça que não são devidos os valores por força de tal contrato de mútuo celebrado e que considera nulo, pedindo que as Rés sejam condenadas a reconhecer que o Autor não é devedor às Rés de quantia alguma, a que se referem os créditos que sobre ele e as empresas que administrava foram debitados. Mais tomou posição expressa nos autos, em resposta às contestações, dizendo que a livrança não era nem nunca foi título executivo mas unicamente houve utilização abusiva da mesma por parte da P..., que sabia que a dívida não era a que fez constar na livrança nem poderia ser preenchida contra a verdade e com quantias nunca entregues ou pagas ou transferidas ao Autor.
Assim, é inequívoco que o pedido de reconhecimento da relação estabelecida entre Autor e B..., actualmente G..., e B... é apenas pressuposto do pedido declaração da nulidade do mútuo e inexistência de dívida.
Esse dito contrato, alegadamente nulo, encontrava-se garantido por livranças, e foi considerado resolvido em 29/8/2008, pelo que as livranças foram dadas à execução pelos processos ... (esta contra Autor e interveniente) e ... (esta unicamente contra o Autor) da Comarca de Coimbra, autos em que o Autor e interveniente foram devidamente citados tendo havido rejeição dos embargos apresentados por falta de pagamento da taxa de justiça e multa, em ambos os processos.
Na petição inicial actualmente apresentada, o Autor tem o intuito de reagir a factos (alegado preenchimento abusivo das livranças por inexistência do contrato de mútuo substanciador da dívida que as mesmas titulam) que se desenrolam no âmbito de acções executivas, as quais se encontram pendentes na Instância Central de Coimbra, Secção de Execução, ... e ... em que é exequente a Ré “P..., S.A.”.
Ora, o Autor foi citado nas referidas acções executivas para, querendo se opor às mesmas, nomeadamente através de embargos de executado, e bem assim a interveniente quanto aos autos ..., não tendo deduzido embargos de executado de forma regular, pelo que os mesmos foram rejeitados, estando tais sentenças transitadas em julgado, conforme resulta das certidões juntas.
Por isso, este comportamento negligente do Autor e interveniente, que não usou o contraditório para sua defesa na acção executiva, fez precludir, de todo, o seu alegado direito – de peticionar a declaração de que nada deve contra a ali exequente P..., aqui Ré – o qual pretendia fazer valer nesta acção declarativa.
(...)
É precisamente para obviar à instauração de uma acção como a presente, com a causa de pedir e o pedido daquela que ora foi instaurada, que existe e se destina o processo de embargos de executado, a fim de permitir ao executado que se defenda, no âmbito da execução, pedindo a extinção da mesma e fazendo valer o seu direito perante o exequente.
O que o executado não pode fazer é deixar de se defender na sede própria, que é a execução, e, posteriormente, defender-se por via da acção.
Se assim fosse, então os embargos de executado não teriam qualquer função útil, porque, caso não embargasse, sempre o executado poderia reagir contra a execução, através de outro meio processual, noutra sede processual, quando bem entendesse.
Seria o desvirtuamento total dos embargos de executado na sua função e na sua estrutura, mais criando a insegurança jurídica decorrente de tal situação.
Assim sendo, forçoso é concluir que o aqui Autor e a Interveniente tendo disposto, em tempo útil (quando para tal foram citados), de um meio de defesa apropriado no âmbito da acção executiva (embargos de executado), a sua não dedução tem como consequência incontornável a preclusão de um direito à repetição do indevido, tornando inadmissível, por isso, a instauração da presente acção declarativa com o mesmo objecto. […]».
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com o efeito preclusivo que, do sucedido nas identificadas acções executivas, o Tribunal “a quo” retirou no que concerne aos direitos que na presente acção o Autor pretende ver reconhecidos.
Note-se, em primeiro lugar, que nos identificados autos de acção executiva não se chegou a conhecer do mérito dos embargos de executado aí deduzidos.
Por outro lado, o Professor Lebre de Freitas “A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro 2014, págªs 214 e 215. salienta Os sublinhados são nossos.:
«[…] Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório (51-A), não fazendo sentido falar, a propósito, de prova de factos alegados pelo exequente ou de definição do direito decorrente do título executivo, o qual continua, após o decurso do prazo para a oposição como até aí, a incorporar a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência.
Mas, na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção (52), o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso (53). […]».
E mais à frente, em nota Nota 70, na pág. 220., observa Sublinhado nosso.:
«[…] A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art. 728-2); mas não opera para além dele (supra, n.° 12.4.2). […]».
Em sentido idêntico escreveu-se no Acórdão do STJ de 04/04/2017 (Revista 1329/15.9T8VCT.G1.S1):
«[…] De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. É esta também a visão, entre outra vária jurisprudência, do acórdão da RP de 6 de fevereiro de 2007 (processo nº 0720269, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt), onde se sustenta que o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido (no mesmo sentido a doutrina e jurisprudência aí citadas). Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art. 573º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir). […]». Cfr., em sentido semelhante, o Acórdão desta Relação de Coimbra, de 23/10/2012 (P. nº 1247/09.0TBLRA.A.C1), consultável em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
E incisivamente, depois de se explanarem aí as posições doutrinárias existentes na matéria, diz-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 16/01/2018 (Apelação nº 1301/12.0TVLSB.L1-1) Consultável em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase, tal como os restantes acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados.:
«[…] a não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.
E aplicando tal entendimento ao caso concreto em apreço conclui-se, porque não foi proferida na execução qualquer decisão de mérito apreciando a liquidação dos juros na sua vertente de anatocismo [10], por não estar precludida a possibilidade de em acção posterior se discutir se foram ou não pagos juros em excesso e o consequente direito à repetição do indevido. […]».
Não se desconhecendo a existência de posições que divergem deste entendimento – cfr. v.g. a do Prof. Teixeira de Sousa“Preclusão e caso julgado”, que, na “Internet”, está disponível em https://www.academia.edu/24956415/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M._Preclus%C3%A3o_e_caso_julgado_05.2016_?auto=download. – afigura-se, todavia, que este traduz, com o respeito que nos merecem posições divergentes ao mesmo, a leitura que melhor se adequa aos preceitos legais que dispõem sobre a acção executiva e a função que aí desempenha a oposição à execução, por embargos, sobretudo, nas situações em que estes terminam – como sucedeu no caso “sub judice” - sem que seja proferida qualquer decisão quanto ao mérito dos mesmos.
Discordando, assim, da afirmação do efeito preclusivo que levou o Tribunal “a quo” a julgar a acção improcedente, revoga-se a sentença “sub judice” e determina-se que o Tribunal “a quo”, proferindo decisão quanto à restante matéria de facto sobre a qual ainda não emitiu qualquer juízo, aplique o direito à factualidade que vier a fixar, julgando da procedência ou da improcedência da acção.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação procedente e em revogar a decisão recorrida.
Custas pela Apelada “P..., S.A.” já que a “Massa Insolvente de G..., SGPS, S.A.”, embora também vencida, está isenta de custas (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).
Coimbra,16/10/2018
Luiz José Falcão de Magalhães
António Domingos Pires Robalo
Sílvia Maria Pereira Pires