Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
67/12.9T2VGS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: MÚTUO ONEROSO
CONDENAÇÃO DE PRECEITO
DIREITOS DO CONSUMIDOR
Data do Acordão: 11/13/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA, VAGOS, JUÍZO DE MÉDIA E PEQUENA INSTÂNCIA CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DO STJ 7/2009, I SÉRIE DR DE 05-05-2009; ARTIGO 781.º DO CC; ARTIGO 2.º DO DL 269/98, DE 1/9; ARTIGO 20.º DO DL 133/2009, DE 2/6
Sumário: 1. No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo do disposto no artigo 781.º do Código Civil, não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados, de acordo com o decidido no acórdão uniformizador do STJ n.º 7/2009.
2. Se o réu, citado pessoalmente não contestar, o juiz, não obstante o disposto no artigo 2.º do Dec. Lei 269/98, de 01/09, deve absolvê-lo do pedido, nessa matéria.
Decisão Texto Integral:             Comarca do Baixo Vouga, Vagos, Juízo de Média e Pequena Instância Cível

           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A….., com sede na Avenida (….) em Lisboa, intentou a presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do DL 269/98, contra B...., divorciado, residente na Rua (…..), pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 10.120,88 (€ 1.689,60+ € 8.431,28) acrescida de Euros 1.823,06 (€ 272,09 + € 1.550,97) de juros vencidos até 09.03.2012- e de Euros 72,92 (€ 10,88 + € 62,04) de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda, os juros que sobre as dita quantia de € 1.689,60, se vencerem, à taxa anual de 27,087%, desde 10.03.2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e, ainda, os juros que sobre a dita importância de Euros 8.431,28 se vencerem, à taxa anual de 27,074%, desde 10.03.2012 até integral pagamento,  bem como o imposto de selo que, à referida taxa de 4%, sobre estes juros recair e e ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal, no âmbito de dois contratos de mútuo que celebraram e que o Réu não cumpriu.
Designadamente, que foi celebrado um contrato de mútuo, constante de documento particular, datado de 12 de Janeiro de 2001, no montante de 1.052,29 €, com vista ao pagamento de débitos anteriores, nas condições e termos retratados na petição inicial, sendo que o réu não pagou a 6.ª prestação e seguintes, num total de 60, pelo que se venceram, como contratualmente acordado, todas as demais e inerentes encargos.
E, em 21 de Junho de 2007, mutuou ao réu a quantia de 6.825,00 €, com vista à aquisição de um veículo automóvel, a pagar, igualmente, em 60 prestações, sucessivamente, alargadas para 110, sendo que o réu não pagou a 43.º e seguintes, com excepção da 44.ª, pelo que se venceram, como previsto no contrato, as restantes e inerentes encargos, como melhor, em relação a ambos os contratos, se especifica na petição inicial.

Não obstante regularmente citado, o réu não deduziu oposição.

Em consequência da não contestação do réu, foram considerados parcialmente confessados os factos articulados pelo autor e foi proferida a sentença de de fl.s 46 a 48, na qual se decidiu o seguinte:
            “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção que A…. intentou contra B...., e consequentemente decide-se condenar o Réu a pagar à A. a quantia que se vier a liquidar em execução, correspondente às prestações de capital não pagas acrescidas de juros moratórios legais, até integral pagamento.
*
           Custas pela A e  Réu na proporção de 2/10 e 8/10.”.

Inconformado com tal decisão, interpôs recurso o autor, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 70), finalizando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida é nula, “ex-vi” o disposto no artigo 668º nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil ao não conhecer da questão do imposto de selo pedido, nulidade que assim atempadamente se argui.

2. A sentença recorrida violou, atento a matéria de facto provada nos autos, o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, isto com referência  ao contrato de 12 de Janeiro de 2011 referido nos autos.

3. O Acórdão do S.T.J. nº 7/2009, não é Lei no País e, aliás, é inaplicável a sua orientação aos contratos celebrados após a entrada em vigor do dito Decreto-Lei 133/2009, de 2 de Junho, cujo artigo 33º, nº 1, alínea a) expressamente revogou o Decreto-Lei 359/91, de 21 de Setembro.

4. O dito acórdão não é aliás Assento.

5. O artigo 2º do Código Civil foi revogado pelo nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei 239-A/95, de 12 de Dezembro.
6. Atento também natureza do processo em causa – processo especial – e o facto de o R., regularmente citado, não ter contestado, deveria o Senhor Juiz “a quo” ter de imediato conferido força executiva à petição inicial, não havendo nem podendo assim pronunciar-se sobre quaisquer outras questões, face ao disposto no artigo 2º do regime aprovado pelo Decreto-Lei 259/98, de 1 de Setembro, preceito que a sentença recorrida violou.

7. Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que condene o R, ora recorrido, na totalidade do pedido, desta forma se fazendo J U S T I Ç A   

            Não foram apresentadas contra-alegações.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.  

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se a sentença recorrida sofre da nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. a), do CPC, por não conhecer da questão do imposto de selo e;

B. Se o M.mo Juiz a quo se deveria ter limitado a conferir, na totalidade, força executiva à petição inicial sem se ater à viabilidade do pedido.

Os factos a considerar são os referidos no relatório que antecede.

            A. Se a sentença recorrida sofre da nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, al. a), do CPC, por não conhecer da questão do imposto de selo.

            Alega o recorrente que assim tem de se considerar porque nela não se conheceu da questão do imposto de selo.

            Não obstante o recorrente se referir à alínea a) do preceito em referência, o certo é que pretende aludir à sua alínea d), atento o fundamento invocado.

De acordo com o disposto no artigo 668, n.º 1, al. d), do CPC, é nula a sentença, quando:

o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

A nulidade em causa radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

            Ora, decorrendo a procedência parcial da acção do facto de não se considerarem como confessados todos os factos por este alegados, com a consequente indefinição do valor em dívida, relegando-se a sua concretização para liquidação, sempre se poderia dizer que, também a questão do imposto de selo, aí está abrangida, pelo que, prima facie, não se verifica a arguida nulidade.

No entanto e ainda assim, uma vez que na parte decisória da sentença em recurso se referem, expressamente, o capital em dívida e respectivos juros moratórios e sem que se mencione o imposto de selo, o qual é, igualmente, devido, na medida do que se vier a concretizar quanto ao montante do capital em dívida, nos termos dos preceitos legais citados pelo recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 715.º, n.º 1, do CPC, decide-se que é devido o imposto de selo peticionado, na medida do valor considerado de capital em dívida na liquidação que vier a ser efectuada.

            Consequentemente, sem embargo do que inicialmente referimos, decide-se ser devido o imposto de selo, nos mencionados moldes, procedendo, nessa medida, esta questão do presente recurso.

           

            B. Se o M.mo Juiz a quo se deveria ter limitado a conferir, na totalidade, força executiva à petição inicial sem se ater à viabilidade do pedido.

            Em abono da sua pretensão, aduz o recorrente que, relativamente ao contrato de 12 de Janeiro de 2011, lhe é inaplicável o Acórdão do STJ n.º 7/2009; o qual, no que ao outro contrato respeita, não tem força de assento e em virtude de estarmos perante um processo especial, nos termos do disposto no artigo 2.º do DL 269/98, de 1/9, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva á petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente e em abono da sua tese cita várias decisões do Tribunal da Relação de Lisboa e uma da do Porto, nas quais se decidiu no sentido que propugna.

            No artigo 20.º do DL 133/2009, de 2/6, apenas se estabelecem as condições em que o credor pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, em caso de incumprimento do contrato pelo consumidor.

            Mas as condições em que tal perda ou resolução podem ocorrer nada contendem com as consequências que daí advêm, designadamente, quanto á questão do mérito em causa neste recurso, como, adiante, melhor referiremos.

            Efectivamente, o artigo 20.º do DL 133/09, acima ora referido, cujo diploma legal procedeu à transposição para a nossa ordem jurídica interna das Directivas n.os 2088/48/CE do PE e do Conselho de 23/4, teve como objectivo o reforço dos direitos dos consumidores em sentido mais favorável do que o estatuído no artigo 781.º CC, em caso de incumprimento do contrato de crédito por parte do consumidor, dado que, nos termos do aludido artigo 20.º do DL 133/09, a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato só são possíveis nos casos e condições aí estabelecidos e mais apertados do que aqueles que são previstos no artigo 781.º CC.

            Por outro lado, cumpre referir que no já referido AUJ n.º 7/2009, se prevê a possibilidade de as partes, no âmbito da sua liberdade contratual poderem convencionar regime diferente do previsto no artigo 781.º CC.

            Contudo, a questão está em saber se tal possibilidade pode postergar o decidido naquele AUJ, ou seja, se, por via convencional se pode impor ao consumidor que, em caso de incumprimento do contrato de crédito, pague, também, os juros remuneratórios relativos às prestações vencidas e não pagas, questão, a que tal AUJ respondeu de forma negativa, mormente se se pensar que o DL 133/09, de 2/6, teve em vista uma maior protecção dos interesses dos consumidores em caso do seu incumprimento contratual, designadamente a nível da perda de benefício do prazo ou da resolução do contrato, que, com a entrada em vigor do mencionado DL 133/09, passam a ser mais apertadas e menos gravosas sob o ponto de vista dos direitos conferidos ao consumidor, como acima já referimos.

            Na senda do decidido por Acórdão desta Relação, de 29 de Maio de 2012, Processo n.º 2715/11.9TBACB.CV1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc, entendemos que não se vislumbra qualquer diferença, no que a esta questão respeita, entre os contratos celebrados ao abrigo do disposto no DL 133/09 e no DL 296/98, de 1/9, pelo que é irrelevante que o que consta no artigo 7.º, al. b) das Condições Gerais do Contrato de Mútuo datado de 12 de Janeiro de 2011, na qual se prevê que, em caso de incumprimento, o Banco poderia considerar nas prestações vencidas os juros remuneratórios de todas as prestações vencidas e não pagas.        

            Pelo que, face ao exposto, entendemos não ser de estabelecer qualquer diferença de tratamento legal da questão sub judice relativamente aos dois contratos celebrados entre as ora partes, contrariamente ao pretendido pelo recorrente.

            Isto embora se conheça jurisprudência em sentido contrário (designadamente e por último, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de Julho de 2012, Processo 1392/11.1TJLSB.L1-2, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl) e demais Arestos referidos em cada um dos ora citados).

Quanto ao demais, como consabido, a questão de saber se no caso de contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo do disposto no artigo 781.º CC, implicava ou não, a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados, era objecto de querela e divisão jurisprudencial.

            À qual foi posto termo com a prolação do Acórdão de uniformização de jurisprudência, do STJ, de 25 de Março de 2009, in DR, I.ª Série, n.º 86, de 5 de Maio de 2009, no qual se decidiu que:

            “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

            Foi exclusivamente com base na prolação deste Acórdão que em 1.ª instância se considerou que se conferia força executiva à petição inicial no que concerne ao pedido aí formulado, com ressalva do montante relativo aos juros remuneratórios.

            Desde já, adiantando a solução, parece-nos que o fez bem.

            É indubitável que estamos perante uma acção em que se pede o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, a que é aplicável o disposto no DL 269/98, de 1/9, com as alterações subjacentes.

            Ora, de acordo com o disposto no seu artigo 2.º:

            “Se o réu, citado pessoalmente não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente”.

           

            A questão sub judice consiste, pois, em saber se por força da publicação de tal Acórdão uniformizador, o pedido formulado, na parte em apreço, é manifestamente improcedente.

            É certo que os Assentos deixaram de ter força obrigatória geral, dada a revogação do disposto no artigo 2.º do Código Civil, operada pelo DL 329-A/95, de 12/12.

            No entanto, os Acórdãos uniformizadores de jurisprudência, devem ser acolhidos, pelo menos enquanto se mantiverem as condições em que foram proferidos, designadamente a nível de redacção da norma que os motivaram quer da manutenção da orientação jurisprudencial de que resultaram (se bem que esta questão não venha a ser decidida de forma unânime, com resulta de simples consulta aos sítios de recolha de jurisprudência da dgsi dos vários Tribunais da Relação, onde se encontram inúmeros Arestos em qualquer dos sentidos reflectidos nos autos).

            Ora, mantém-se a redacção do artigo 781.º CC, que está na origem da querela jurisprudencial que o motivou, bem como, dada a sua recente prolação, tudo indica que o Supremo Tribunal de Justiça, continuará a perfilhar a tese que no mesmo (esmagadoramente) obteve vencimento.

            A que há a acrescentar que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 678.º CPC, é sempre admissível recurso das decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

            Assim, entendemos, ser de respeitar o decidido em tal Acórdão Uniformizador, o qual, como acima já referido, uniformizou a jurisprudência no sentido de não serem, em casos como o em apreço, devidos os juros remuneratórios.

            Como refere Salvador da Costa, in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, Almedina, 2001, a pág. 80:

“A pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável porque a lei não a comporta ou porque os factos apurados, face ao direito, não a justificam.

            A ideia de manifesta improcedência corresponde à de ostensiva inviabilidade o que raro se verifica, pelo que o juiz tem de ser muito prudente na formulação do juízo de insucesso.

            As razões da manifesta improcedência derivam, naturalmente, do direito substantivo, que deve, na formulação do respectivo juízo, ser confrontado pelo juiz com a causa de pedir e o pedido envolvidos na acção.”.

            Por outro lado, na apreciação de tal manifesta improcedência há que atender não só aos textos legais aplicáveis mas, também, à interpretação que da lei façam a doutrina e a jurisprudência.

            Ora, esta, por força do Acórdão uniformizador a que acima já se fez referência, aponta, inequivocamente, no sentido de que, quanto aos juros remuneratórios, a pretensão do autor não poderia proceder, pelo que se acha justificada a solução a que se chegou na decisão recorrida de conferir força executiva à petição inicial, com ressalva do que respeita aos juros remuneratórios nela peticionados.

            Assim, tem de improceder o presente recurso.

           

Nestes termos se decide:       

            Julgar improcedente a apelação deduzida, em função do que se mantém a decisão recorrida.

            Custas pelo apelante.

           

Arlindo Oliveira (Relator)

Emidio Francisco Santos

Catarina Gonçalves