Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
148/12.9PBLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: VALOR PROBATÓRIO DAS REPRODUÇÕES MECÂNICAS
IMAGENS OBTIDAS ATRAVÉS DE CÂMARA DE VIGILÂNCIA
ESPAÇO DESTINADO À VIDA ESTRITAMENTE PRIVADA
Data do Acordão: 05/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE LAMEGO - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 125.º, 126.º E 167.º, DO CPP; ART. 199.º DO CP
Sumário: São lícitas as imagens obtidas, através de câmaras de vigilância, em espaços destinados à vida estritamente privada, como o interior de habitações, pelos legítimos utilizadores de tais espaços, visando a defesa dos seus bens pessoais e patrimoniais - independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP -, desde que não digam respeito ao núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, bens fundamentais esses que nunca estarão em causa quando as imagens documentam a prática de crimes por agentes estranhos ao espaço e que nele se introduziram ilegitimamente.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum com intervenção do tribunal singular 148/12.9PBLMG da Comarca de Viseu, Instância Local de Lamego, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento com documentação da prova oral, foi proferida sentença em 13 de Maio de 2015 com o seguinte dispositivo:

            Por todo o exposto, decido:

a) Absolver a arguida A... da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143°, n.° 1 do Código Penal de que vinha acusada;

b) Absolver o arguido B... da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143°, nº 1 do Código Penal de que vinha acusado;

c) Condenar o arguido D... pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143°, nº 1 do Código Penal na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa;

d) Condenar o arguido D... pela prática em autoria material de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181°, nº 1 do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa;

e) Em cúmulo jurídico das penas referidas em c) e d), vai o arguido D... condenado na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária €8 (oito euros), no montante global de €1.600 (mil e seiscentos euros).

f) Julgar totalmente improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido ofendido D... e, em consequência,absolver os arguidos/demandados A... e B... do pedido formulado.

g) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente A... e, em consequência, condeno o arguido/demandado D... a pagar-lhe a quantia de €900 (novecentos euros) a título de compensação por danos não patrimoniais e €202 (duzentos e dois euros) a título de indemnização por danos patrimoniais, tudo no montante global de €1.102 (mil, cento e dois euros), montante este acrescido de juros desde a notificação do pedido de indemnização civil e até integral pagamento.

h) Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela Centro Hospitalar de (...) , EPE e, em consequência,

- Condeno o arguido/demandado D... a pagar a quantia de €51 (duzentos e quarenta e quatro euros e noventa e dois cêntimos), montante este acrescido dos juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação;

- Absolvo os arguidos B... e A... do pedido formulado.

Mais se condena o arguido D... no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se a taxa de justiça em 4 Uc.

Custas cíveis dos pedidos de indemnização civis formulados pelo decaimento, sem prejuízo da isenção a que estejam sujeitos.

Inconformados, recorreram o arguido D... e o Ministério Público.

O arguido D... condensou a motivação do seu recurso nas seguintes conclusões:

1º - Para o efeito, o recorrente indicará os pontos concretos de facto que impunham, salvo melhor opinião, a absolvição do Arguido D... , para depois indicar as normas violadas.

2º- O recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal "a quo" que o condena pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143°, nº 1 do Código Penal na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa;

3º- E que condena o Arguido D... pela prática em autoria material de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181°, nº 1 do Código Penal na pena de 60 (sessenta) dias de multa;

4°- Salvo o devido respeito, entendemos que, para formar a convicção e consequentemente condenar o Arguido, bastou o depoimento dos Co-Arguidos, A... e B... não tendo havido nenhuma testemunha a corroborar a versão destes nem a reproduzir os factos e expressões constantes da acusação pública.

5º- A fase de Audiência discussão e Julgamento, pela sua natureza, visa, o apuramento inequívoco dos factos, do agente e verificação ou não da prática de um crime.

6º- Não basta apreciar indícios, sinais, vestígios, não podendo por isso ser o Arguido condenado única e exclusivamente com base nas declarações prestadas pelos Co-Arguidos, quando as mesmas foram contraditórias face à prova produzida e elementos constantes nos autos nomeadamente o exame médico-Legal do Arguido D... .

7°- In casu, os documentos juntos aos autos, os vários elementos e declarações das testemunhas, e do Arguido/ recorrente, mostram indícios suficientes da não verificação da prática de qualquer crime por parte do Arguido/recorrente, muito pelo contrário foi o Arguido/recorrente vítima de agressões cuja prova carreada nos relatórios médico-legais junto aos autos, a Meritíssima Juíza a quo fez "tábua rasa".

8°- O cerne destes autos é a não verificação e obtenção de prova testemunhal e documental que possa imputar ao Arguido/Recorrente a prática de qualquer crime.

9º - Para se apurar a existência da verificação da prática de um crime é conditio sine quo non cruzar e confrontar os depoimentos das testemunhas, Assistente, Arguido com os documentos juntos nos autos e factos relatados na Acusação, de modo a verificar a existência/ ou não de incongruências entre os diversos depoimentos com vista a ajuizar sobre a credibilidade das testemunhas, Assistente, Arguido, veracidade e lógica dos seus depoimentos.

10º- Salvo melhor opinião, este necessário confronto entre as declarações das testemunhas, do Assistente, não foi feito, existindo incongruências notórias que não foram relevadas em sede de apreciação de prova, o que levou a decidir pela condenação da prática dos crimes de que o Arguido/ recorrente vinha acusado, absolvendo os outros Arguidos, em clara rota de colisão com a factualidade provada.

11 °- Não existe nenhuma testemunha que corrobore a versão dos Co-Arguidos A... e B... dos factos narrados na Acusação.

12º- Salvo melhor opinião, ao não valorar devidamente a prova testemunhal e documental, nomeadamente o relatório Médico-legal que confirma as lesões do Arguido D... , existe erro na apreciação da prova, devendo os factos constantes na Acusação serem dados como não provados porque as lesões apresentadas pelos Arguidos foram levadas a cabo estando apenas os dois, não existindo qualquer prova que condene um e absolve o outro.

13°- Existindo forte e notório erro na apreciação da prova que levou à condenação do Arguido/recorrente D... pois, segundo a prova produzida, ou seriam os dois condenados ou seriam os dois absolvidos, já que, prova não existe das agressões mútuas.

14º- Porque motivo a Meritíssima Juíza a quo valora a versão da Arguida A... e do Arguido B... e não valora a versão do Arguido/recorrente D... ?

15º- Houve ainda, erro notório na apreciação da prova quanto ao tempo e local em que ocorreram os factos, tendo o Tribunal considerado que o Arguido/recorrente não poderia ter sido agredido pela Arguida A... num primeiro momento em que só os Arguidos estavam apenas por ser "homem e Militar", quando em sede de declarações prestadas pelo Arguido/recorrente D... , este afirma sem sombra para dúvidas de que foi pontapeado e agredido pela Arguida A... versão comprovada pelos relatórios médicos juntos aos autos que a Meretíssima juíza a quo apagou e nem sequer os teve em conta!

16°- Dos depoimentos junto aos autos, nenhuma prova existe das alegadas agressões do Arguido D... à Arguida A... e B... , nenhuma testemunha arrolada pelo M. P., ou pelos Arguidos viram ou presenciaram a consumação do crime, logo há clara violação do princípio basilar do Direito Penal - IN DUBIO PRO REO

17°- Nenhuma prova existe de que a versão levada aos autos pelo arguido/recorrente; que houve um episódio inicial, onde só os dois estavam presentes ( D... e A... ) não seja a verdadeira.

18°- Pois, se a Arguida A... não agrediu o Arguido D... , se o Arguido B... não agrediu o arguido D... , como se explica o relatório médico junto aos autos após o episódio de urgência?

19°- Ao contrário do que a Meritíssima Juíza julgou, a versão verdadeira é a do Arguido/recorrente D... , pelo que, estamos perante um notório erro de julgamento.

20°- Quanto à matéria de facto o Recorrente pretende reagir, na sua convicção de que, a ausência de prova produzida em audiência de discussão e julgamento, a qual retro se especificou, jamais permitiria dar como provados os factos que levaram à condenação do Recorrente e, ao invés ser o Recorrente absolvido do crime do qual se encontrava acusado, uma vez que há clara contradição entre a factualidade provada e a decisão condenatória.

21º- A "convicção" da Meritíssima Juíza assenta em suposições:

- Supõe que o Arguido/recorrente D... por ser Militar não se deixaria agredir.

22º- De acordo com a regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127° do C.P.P., " ... a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente ... ", que não se confunde com a apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do jogador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio (AC do STJ de 9 de Maio de 1996, in proc. N.048690/3ª)

23º- Salvo o devido respeito, precisamente por o Arguido D... ser Militar se justifica a sua conduta pois se tivesse usado em seu favor o treino militar, por certo a Arguida A... não teria apenas uns arranhões nos braços e pescoço.

24º- Chegados a este facto e uma vez que ninguém presenciou as agressões, nenhuma prova em Audiência foi feita sobre as mesmas, teve a Meritíssima Juíza a quo necessidade de, apesar da oposição da Mandatária do Arguido/recorrente D... e da Digníssima Procuradora autorizar o visionamento de um vídeo contendo imagens que a elucidariam das alegadas agressões.

25º- Sem prescindir sempre diremos que tal prova não deve ser considerada porque é ILEGAL.

Como demonstram os documentos juntos aos autos, constata-se que a autorização solicitada à Comissão de Protecção de dados foi efectuada em 2015, quando os factos ocorreram em 2012.

26°- Como consta da Acta de Audiência de Julgamento do dia 21/04/2015, junta aos autos apesar da oposição do Arguido/recorrente e da Digníssima Magistrada do M. P. que, no uso da palavra disse:

27º- ... "Uma vez que as imagens captadas foram obtidas sem o consentimento do Arguido D... , a visualização das mesmas consubstancia um crime previsto no art. 199° do C. P ... "

28º- ... "Pelo exposto, nos termos dos art. 125º, 126° e 166° do C.P.P. tal meio de prova não pode ser admitido, constituindo prova proibida, pelo que, e por tudo o aquilo que foi dito, promovo que seja indeferido o requerido ... "

29º- Apesar da oposição do Arguido/recorrente D... e da pronúncia do M. P., a Meritíssima Juíza autorizou a visualização do vídeo incorrendo numa violação legal:

30º- As imagens obtidas, de forma ilegal retratam uma área de acesso privado e não público.

A casa da Arguida A... está construída dentro da Quinta do Pai. O acesso à mesma é privado, como referiu o próprio dono da Quinta, E..., Pai dos Arguidos, não se aplicando o acórdão do S.T.J. de 28/09/2011, citado pela Meritíssima Juíza.

31 º- Mas, entendeu a Meritíssima Juíza que tal visualização iria descortinar a verdade dos factos, já que, pela prova testemunhal nada tinha, até a presente data, que corroborasse a versão da Arguida A... pois todas as testemunhas que levou para prova do que alegava, NENHUMA ERA PRESENCIAL;

32º- Acontece que da visualização do vídeo, nada leva a concluir que o Arguido D... agrediu a Arguida A... simplesmente porque nada se visualiza no mesmo.

33º- Não entende o Arguido D... porque no vídeo não se vê o seu Pai e ao mesmo foi retirado o som, levando-nos apenas a concluir ter sido tal vídeo "maniatado" para visualização apenas do que à Arguida interessaria, mas nenhuma conclusão se tira da visualização do vídeo que fundamente a condenação do Arguido/recorrente incorrendo a Meritíssima Juíza em erro grosseiro na valoração da prova e fundamentação da sentença.

Normas violadas:

Artigo 127º e 169º do C.P.P. Artigo 199º do C.P.

NESTES TERMOS,

Nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a douta Sentença ser revogada julgando-se totalmente procedente o Recurso, com o que se manterá a costumada

JUSTIÇA

O Ministério Público condensou a sua motivação de recurso nas seguintes conclusões:
1. Na formação da convicção do Tribunal a quo atentou-se no teor das imagens de videovigilância da habitação da arguida, imagens essas juntas aos autos a fls 45 e 47 e visionadas em sede de audiência de julgamento.
2. O regime de proibições de prova no âmbito do processo penal, encontra-se regulado pelo preceituado nos art. 125.º, 126.º, ambos do Código Processo Penal, os quais devem ser conjugados com as garantias constitucionais de defesa, consagradas no art. 32.º n.º8, Constituição da República Portuguesa.
3. Nos termos do art. 167º n.º 1 do Código de Processo Penal, as reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal. Encontrando-se tipificado o crime de gravações ilícitas no art. 199º n.º 1 e 2 do Código Penal.
4. Ora, as imagens constantes do CD junto aos autos são ilícitas, nomeadamente face aos tipos legais que visam a tutela dos direitos de personalidade.
5. Nos presentes autos para a obtenção das filmagens, sem consentimento do visado, neste caso o arguido D... , que expressamente se opôs à visualização das mesmas, não existiu justa causa.
6. As mesmas não se enquadram num lugar público, propriamente dito, no sentido de se dirigir à generalidade do público, retratando sim a habitação da arguida e área de acesso à mesma.
7. Por outro lado, por nenhum dos arguidos foi alegado e comprovado a defesa de interesses públicos, nomeadamente, para protecção dos bens e da integridade física de quem aí se encontre, não tendo ficado comprovado que o sistema tivesse sido comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados.
8. Não resultou ainda demonstrado que as filmagens tivessem ocorrido à vista de toda a gente e assim sem surpresas para os filmados, uma vez que as fotografias juntas pela arguida, não se reportam à data dos factos, não tendo resultado provado que existia qualquer tipo de aviso de que existia um sistema de videovigilância.
9. Assim, por se mostrar tais gravações prova proibida, o Tribunal a quo não poderia ter fundado a sua convicção nas mesmas, verificando-se assim uma nulidade insanável, devendo a sentença ser revogada.
10. Foram violadas as normas do artigos 26º e 32º n.º 8 da CRP e artigos 118º, 125º, 126º, 127º, 167º todos do C.P.P.



Nestes termos, os Exmos. Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra melhor decidirão, fazendo-se justiça.

A assistente A... respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:

1.ª A junção dos documentos pelo Recorrente com as alegações, é intempestiva, nos termos do art. 165.º do Cód. Proc. Penal que dispõe que os documentos devem ser juntos no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo possível, devem sê-lo até ao encerramento da audiência devendo ser desentranhados e devolvidos;

2.ª Tanto mais que o recorrente não dá uma qualquer justificação para a sua junção tardia, nem justifica a sua necessidade nos autos, nem o que pretende com eles.

3.ª O recorrente diz pretender impugnar a matéria de facto, mas não cumpre o exigido na lei, pois não diz quais são os pontos concretos de facto, as concretas passagens da gravação que impunham decisão diversa;

4.ª Não indica as provas concretas que impunham uma diferente decisão, nem qual seria a decisão que segundo a sua opinião haveria de ser tirada.

5.ª Todos os depoimentos foram devidamente escalpelizados pela Sra. Juiz "a quo", concatenados uns com os outros e demais prova nos autos, mostrando-se linear, fundamentado e evidente o iier prosseguido na sentença.

6.ª A Sra. Juíza ad quo procedeu ao exame crítico das provas que serviram de basepara a formação da sua convicção apreciando a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo à razão de ciência e espontaneidade, à linguagem, às hesitações, ao tom de voz, às contradições, que a imediação permitiu adquirir.

7.ª Fundamentou devidamente a apreciação crítica que fez da prova, credibilizando uma versão em detrimento de outra, apoiada noutros elementos, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente, de acordo com a observância das regras de experiência e da livre convicção.

8.ª O erro na apreciação da prova, não se confunde com a diferente opinião do recorrente, não podendo este pretender a alteração da matéria de facto ( desconhecendo-se quais os pontos em concreto) pela via da revogação do princípio da livre apreciação da prova;

9.ª Pois é sabido que apenas há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, que de tão evidente qualquer leitor médio o detecta, já que as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrairia ilação contrária.

10.ª Invoca, ainda, o recorrente o princípio in dubio pro reo, mas de novo - salvo o devido respeito - confundindo a diferente valoração que o Tribunal fez da prova relativamente à sua versão, com a violação desse princípio.

O princípio in dubio proreo constitui-se como uma imposição ao julgador de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão. Porém, isso não sucedeu. Em momento algum a Sra. Juíza ficou num estado de dúvida, pelo contrário, formulou um juízo de certeza, cujo processo lógico a que chegou, fundamentou devidamente.

11.ª Clarificando a sentença: "No confronto entre as versões apresentadas e conjugados os depoimentos dos arguidos com os demais meios de prova, não teve dúvidas o Tribunal em fundar a sua convicção.

E a sentença explícita e fundamenta como chegou a essa convicção: uns depoimentos foram mais assertivos, espontâneos e sinceros, em detrimento do depoimento do arguido/recorrente, que foi um depoimento mais defensivo, hesitante e contraditório. Ora pela compleição física, ora pelas coincidências, ora pelas contradições ou porque uma versão não se mostrou minimamente compatível com as regras da experiência comuns e normalidade.

12.ª Questionam, por último os recorrentes, a validade da prova extraída das imagens da câmara de vigilância, por não ter sido comunicada à CNPD e o recorrente não ter dado o seu consentimento à exibição em audiência e julgamento. Não laboramos em erro ao dizermos que de forma geral, vem sendo sufragado na jurisprudência que não constitui crime de devassa da vida privada, nem prova obtida por método proibido as imagens extraídas de câmara de vigilância, "mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem uma infracção criminal e não digam respeito ao núcleo duro da vida privada da pessoa visionada." Ac. RC de 08.10.2015.

13.ª Acresce, que o recorrente, visita assídua até há pouco, sabe da existência da câmara há mais de 15 anos, colocada em local bem visível e com aviso da sua existência. Sabia que estava a ser filmado, sabia que o CD estava nos autos desde o início do inquérito, sabia que foi visionado, sabia que constava da prova das acusações, da decisão de pronúncia, e nunca o recorrente esboçou qualquer oposição, com o que deu tácito assentimento.

14. ª A existência da câmara destinou-se exclusivamente à protecção de pessoas e bens, sendo meio adequado e proporcionado atendendo a que a moradia está isolada, no meio da quinta. Ela não permite a recolha de imagens da via pública ou de qualquer espaço público mas tão só do logradouro da casa da recorrida, o portão e parte do caminho privado da sua quinta, feito pela recorrida, à frente do portão. O seu campo de visão é amplo e fixo, não recolhendo sons, nem permitindo zoom ou imagem de aproximação.

15.ª Mesmo no caso de invalidade do uso das imagens recolhidas pela câmara de filmar (o que não é o caso) isso não obstaria à consideração do testemunho das testemunhas G... e H... , que visionaram as imagens de imediato, ainda no sistema, e antes de transferidas para CD e junto aos autos, prova a apreciar livremente pelo Tribunal nos termos do art. 127.º CPP.

16.ª Reitera-se no Ac. STJ de 28.09.2011, que não correspondem a qualquer método proibido de prova as imagens que documentem a prática de uma infracção criminal, se não disserem respeito ao núcleo duro da vida privada, devendo a protecção da imagem ceder perante o interesse de protecção da vítima e a eficiência da justiça penal.

17.ª Todavia, e por último, deixamos bem expresso que o convencimento e convicção do Tribunal já havia sido adquirido anteriormente ao visionamento das imagens da gravação, por isso se diz na pg. 8 que no confronto entre as versões apresentadas não teve dúvidas o Tribunal em fundar a sua convicção e, mais à frente, a pgs 12: "Assim, analisando as imagens em causa, as mesmas corroboram aquela que era já a convicção do Tribuna/".Destarte, ainda que a gravação fosse ilegal e portanto não devendo ser valorada, o que não se admite, ainda assim não saia abalada a convicção do tribunal e a decisão tirada da condenação do arguido haveria de ser mantida.

TERMOS EM QUE. E NOS MAIS E MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÃO DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO, MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA E, ASSIM, SE FARÁ JUSTIÇA.

O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido, concluindo que falecem de razão os argumentos apresentados pelo recorrente, à excepção do apresentado quanto à valoração de prova proibida.

Nesta Relação, oExmº Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer:

Quanto ao recurso do arguido e no que respeita às objecções suscitadas quanto à matéria de facto fazemos nossos os argumentos no respeitante ao alegado erro na apreciação da prova e à alegada violação do princípio da dúvida.

Efectivamente, como bem o demonstram a Exma. Procuradora-Adjunta na sua douta peça de resposta ( v fis. 661 a 667), bem assim o Exmo. Advogado da assistente A... na sua também douta peça de fls. 605 e sgs., do texto decisório não se retira qualquer erro notório, nem se mostra violado o princípio da dúvida, pela razão simples de que o Tribunal, examinando de forma crítica o conjunto da prova, adquiriu o necessário grau de certeza que lhe permite e aliás por isso impõe a formação de um juízo de culpabilidade no qual que ficou fundada a condenação.

Mas com todo o respeito pela opinião quer da Exma. Colega do Ministério Público na 1.ª Instância quer da Exma. Advogada do arguido D... , não concordamos que a gravação de imagem junta aos autos constitua prova inválida.

Seguindo de perto o posicionamento jurídico sobre o tema do Exmo. Conselheiro Santos Cabral e a recente decisão deste Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.10.2015, citados pela Assistente," Surgindo a videovigilância simultaneamente como uma imposição das exigências de segurança uma forma de desenvolvimento das tecnologias de segurança e também uma consequência de novas formas de abordagem do fenómeno da criminalidade, a admissibilidade da prova depende da sua configuração comum acta ilícito em função da integração de tipos legais de crime que visam a tutela de direitos de personalidade como é o caso do direito à intimidade."

No caso, a colocação da câmara de vigilância apenas visa aumentar os níveis de segurança das pessoas e bens de quem reside na casa, não visando invadir de algum modo a esfera de privacidade das pessoas.

No caso, como refere a Assistente, a câmara estava colocada há mais de 15 anos em local bem visível e com aviso da sua existência, que aliás era de pleno conhecimento do Arguido, que bem sabia que seria alvo de captação de imagem caso àquela casa se dirigisse. Não permitia a recolha de imagens na via pública, mas apenas do logradouro da casa da Assistente, o portão e parte do caminho privado da sua quinta.

Não existe pois a nosso ver no caso concreto qualquer violação do núcleo central dos direitos de personalidade, no caso o direito à imagem.

Não existe qualquer desproporção entre os fins visados com a captação de imagem ocorrida nos termos sobreditos e a verificada compressão do direito à imagem por banda do visado, compressão que no caso não pode deixar de se considerar tolerável.

Nessa linha de pensamento é nossa opinião pois que não deve relevar a oposição do visado em que a imagem captada seja utilizada como meio de prova, justamente por em nada a gravação da imagem colidir com a sua vida privada. Tal oposição apenas visa ofuscar o apuramento dos factos por parte do Tribunal.

Temos assim que sopesar o interesse no apuramento dos factos com relevância criminal em contraposição como o direito à imagem no caso concreto, e concluir pela preponderância do primeiro em detrimento do outro, pois que este não fica beliscado de forma intolerável ou

Desproporcionada, visto que não fica afectado o núcleo essencial dos direitos de personalidade, mormente no caso o direito à imagem.

Pelo exposto vai o nosso parecer no sentido da improcedência dos recursos, devendo V. Exas. Manter integralmente a douta sentença.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da decisão recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

Na contestação à acusação pública pelos arguidos B... e A... foram trazidos aos autos factos circunstanciais e acessórios dos essenciais à discussão da causa.

Considerando, no entanto, que os factos em causa são apenas acessórios, o Tribunal apenas se pronunciará sobre os factos essenciais que directamente se relacionam com o julgamento dos crimes em causa, considerando os demais, naturalmente, na motivação da matéria de facto.

1. Factos Provados

(Da acusação pública)

1. No dia 28 de Julho de 2012, cerca das 13h20, junto à casa do Paço, Medelo, comarca de Lamego, após uma troca de palavras, o arguido D... dirigiu-se à arguida A... , agarrou com uma das mãos os cabelos daquela e puxou-­os, sendo que, com a outra, tapou-lhe o nariz e a boca, durante período de tempo não concretamente apurado.

Em acto contínuo, agarrou-lhe o pescoço com ambas as mãos.

Em consequência da conduta do arguido sofreu A... as lesões descritas e examinadas no relatório médico-legal de fls. 9 e ss. que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente: Pescoço - escoriações lineares, cobertas de crosta dispersos pelo pescoço; Membro superior direito - pequenas escoriações dispersas pelo membro; Membro superior esquerdo - escoriações lineares dispersas pelo membro, hematoma região dorsal da mão, além de dores, que determinaram 8 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

4. O arguido D... agiu em todo a sua conduta de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar fisicamente a arguida A... , provocando-lhe lesões e dores o que conseguiu, apesar de saber a sua conduta proibida e punida por lei.

(Da acusação particular da assistente A... )

5. Nas mesmas circunstância de tempo e lugar referidas em 1), o arguido D... dirigiu-se à arguida A... dizendo" és uma ladra, roubaste tudo ao pai", "Puta invejosa" .

6. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de ofender a honra e consideração da Assistente, o que conseguiu, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(Do pedido de indemnização civil da assistente A... ) 7. A assistente A... sentiu medo e dores na sequência da conduta do arguido D... .

8. Sentiu-se ainda humilhada e ofendida na sua honra, dignidade e consideração.

9. Devido à conduta do arguido, a assistente teve de se deslocar por duas vezes à PSP, teve de se deslocar ao Tribunal e ao escritório do Advogado, que teve de mandatar, bem como constituir-se assistente e pagar a respetiva taxa de justiça. (Do pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar)

10. Como consequência da conduta do arguido D... , a arguida A... foi assistida no serviço de urgência do hospital de Lamego.

11. O atendimento hospitalar da arguida A... orçou na quantia de €51 (cinquenta e um euros).

12. O atendimento hospitalar do arguido D... orçou na quantia de €51 (cinquenta e um euros).

Quanto às condições económicas e sociais dos arguidos provou-se que:

Nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais registados.

O arguido D... é militar de profissão e aufere cerca de €1.200 mensais, a esposa é enfermeira e aufere €1.300 mensais; reside em casa própria e não tem empréstimos bancários; tem um filho de 11 anos; tem o 12° ano de escolaridade.

15. O arguido B... é estudante universitário de medicina; não tem rendimentos e vive com os pais.

16. A arguida A... é doméstica; o marido é médico e aufere €2.000 mensais; reside em casa própria e paga €200 de empréstimo bancário; tem um filho, o arguido B... , com quem tem despesas mensais com a universidade de cerca de €1.000; tem o 12° ano de

escolaridade.

2. Factos não provados

(Da acusação pública)

17. Na mesma circunstância de tempo e lugar a arguida A... com a suaboca mordeu o dedo do meio da mão direita do arguido D... .

18. Após, os arguidos A... e B... desferiram diversos pontapés ao arguido D... , que o atingiram em diversas zonas do corpo,

19. Em consequência da conduta dos arguidos A... e B... sofreu D... as lesões descritas e examinadas no relatório médico-legal de fls. 14 e ss, do apenso que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente: tórax - escoriações tipo abrasão na região omoplata direita, tórax anterior porção inferior à esquerda e direita; Abdómen - hematoma na região do flanco direito; Períneo - eritema no testículo direito; além de dores, que determinaram 8 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

20. Os arguidos B... e A... agiram em todo a sua conduta de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestarem fisicamente o arguido D... , provocando-lhe lesões e dores o que conseguiram, apesar de saberem a sua conduta proibida e punida por lei.

(Do pedido de indemnização civil do Centro Hospitalar)

21. O atendimento hospitalar ao arguido D... tenha ocorrido na sequência da conduta dos arguidos A... e B... .

(Do pedido de indemnização civil ofendido D... )

22. Como consequência da agressão de que foi sujeito pelos arguidos A... e B... , o arguido D... sentiu dores e sofrimento durante vários dias e sentiu-se humilhado e vexado.

3. Motivação dos factos provados e não provados

A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e na produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência comum, valorada segundo o critério da livre apreciação da prova consagrado no art. 1270 do Código de Processo Penal.

Assim, em julgamento digladiaram-se duas versões, a apresentada pelos arguidos A... e B... , sustentando que não agrediram o arguido D... , mas que foi este quem agrediu ambos; e a apresentada pelo arguido D... que sustentou, no essencial, que não agrediu a sua irmã, a arguida A... , mas que foi agredido por esta e pelo seu sobrinho, B... .

Vejamos, com mais acuidade.

O arguido D... explicou que os factos sucederam num sábado e que nesse dia, pelas 10.30 horas tinha ido jogar à bola com uns amigos.

Asseverou que já depois do jogo, quando tinha ido buscar uns cães, encontrou a sua prima F... (a testemunha F... ) que lhe relatou que a sua irmã, a arguida A... lhe tinha falado mal dele, em concreto que lhe tinha chamado de "ladrão" .

Mais explicou que nesse mesmo dia e nessa altura teve de ir falar com um militar seu superior que residia junto à Quinta onde igualmente reside a irmã e que, nesse momento, por acaso, apareceu a sua irmã.

Asseverou que se dirigiu ao carro dela e disse-lhe, apontando-lhe o dedo indicador, que não se metesse na vida dele, que não andasse a falar mal dele.

Defendeu que, quando apontava o dedo à irmã, esta mordeu-o no referido dedo, dando-lhe uma dentada. Mais asseverou que, depois, a irmã saiu do carro e, de surpresa, lhe deu uma joelhada nos testículos e pisou-o e disse-lhe que a vontade dela era passar-lhe por cima com o carro.

Mais afirmou que depois saiu do local e foi ter a casa do seu pai que se situa perto da casa da arguida, mas não encontrou o pai e apercebeu-se que não tinha consigo a chave do seu carro, tendo concluído que tinha deixado cair a chave do carro no interior do carro da arguida, quando a confrontou com o facto de esta o ter apelidado de ladrão.

Então, voltou novamente a casa da arguida, tocou à campainha mas ninguém lhe atendeu e, quando ia embora, surge novamente a arguida no seu carro.

Afirmou que lhe disse que queria a chave do carro e admitiu ter-lhe dito “és cadela morde”.

Asseverou ainda que, nesse momento surgiu o filho da arguida A... e esta gritou para o filho "acudam-me que ele quer me matar" e, nesse momento, o arguido B... , filho da arguida A... , agrediu-o, dando-lhe pontapés.

Defendeu, portanto, que não agrediu a arguida A... , pelo contrário, foi por esta agredido.

Explicou ainda que no episódio inicial, com a joelhada que sofreu ficou incapacitado e que, por isso, não se conseguiu proteger e não agrediu a arguida.

Admitiu ainda que viu no banco do carro da arguida A... cabelos, mas defendeu que não lhe puxou o cabelo.

Por outro lado, tomou o Tribunal em consideração o depoimento da arguida A... que defendeu que no dia em causa estava a chegar a casa e encontrou o seu irmão à porta de casa, tendo este vindo de encontro ao carro e disse-lhe "pára" .

Asseverou que abriu o vidro para falar com ele e o arguido D... meteu o tronco dentro do carro e agarrou-a com uma mão pelos cabelos e uma mão na boca, tendo-a ainda depois agarrado no pescoço, ao mesmo tempo que a insultava de "puta invejosa" e "roubaste tudo ao pai".

Defendeu que o arguido a agrediu, sem que ela pudesse ripostar e que só parou quando o seu filho, B... , surgiu.

Asseverou ainda que o filho chegou e o arguido ainda agrediu o filho, dando-lhe um empurrão e depois “amarfanhou” os dois, a ela e ao filho, contra o capot do carro.

Defendeu, assim, que em momento nenhum ela ou o filho agrediram o arguido D... , asseverando, quanto à mordidela que é possível que tivesse mordido o arguido D... , mas se o fez foi de forma involuntária, quando este a agarrava e pressionava com a mão na boca.

Admitiu ainda que efetivamente encontrou a prima F... na feira nessa semana, mas negou que tenha chamado ladrão ao irmão.

Finalmente, mais tomou em consideração o Tribunal o depoimento do arguido B... que defendeu que estava em casa a dormir e que ouviu efetivamente a campainha, mas não ligou; passado uns momentos ouviu uma buzina de um carro e viu pelo vídeo porteiro o portão de casa a abrir e a fechar e veio à rua ver o que se passava.

Mais explicou que só quando se aproximou do carro é que viu que o tio estava debruçado no carro, acrescentando ainda que quando se aproximou o tio virou-se a ele, tendo começado a empurra-lo e deu-lhe pontapés, ao mesmo tempo que os insultava.

Defendeu que não agrediu o tio e que quando chegou perto do carro nem se apercebeu do que estava a acontecer.

No confronto entre as versões apresentadas e conjugados os depoimentos dos arguidos com os demais meios de prova, não teve dúvida o Tribunal em fundar a sua convicção, no essencial, na versão trazida aos autos pelos arguidos A... e B... , desde logo porque foram depoimentos mais assertivos, espontâneos e sinceros, em detrimento do depoimento do arguido D... , que foi um depoimento mais defensivo, hesitante e contraditório.

Em concreto, a versão trazida aos autos pelo arguido D... , concretamente na parte em que defende que houve um episódio inicial em que foiagredido pela arguida A... não se mostra minimamente compatível com as regras da experiência comuns e normalidade.

De facto, atendendo à disparidade de compleições físicas, sendo o arguido D... de compleição física muito mais robusta que a arguida A... , tendo em consideração ainda que o arguido D... é militar de profissão e, portanto, indubitavelmente, além de compleição física superior, tem maior capacidade física, não se mostra plausível à luz das regras da experiência comuns e normalidade que este, depois de alegadamente ter sido mordido pela arguida, portanto, numa altura em que já reinava um ambiente de conflito entre ambos, se deixasse ser agredido por esta sem que se protegesse.

Aliás, em bom rigor, em face das diferenças de compleição física, nem se mostra sequer plausível que a arguida A... conseguisse agredir com uma joelhada o arguido D... .

Por outro lado, a versão do arguido D... quer quando defende que após ter sabido pela prima F... que a arguida A... o tinha apelidado de "ladrão" por coincidência teve de passar junto à casa da arguida A... e por coincidência esta surgiu no momento em que o arguido ia a passar, quer ainda quando defende que enquanto conversa com a arguida A... põe a mão dentro do carro e deixa cair a chave do carro dentro do carro da arguida, sem que se aperceba, não merece igualmente o mínimo convencimento do Tribunal.

Ademais, a tese do arguido de que foi agredido pelo sobrinho com pontapés não foi corroborada sequer pelas testemunhas que o próprio apresentou, como se dirá mais à frente.

Na formação da convicção do Tribunal, atentou-se ainda no teor das imagens de videovigilância da habitação da arguida, imagens essas juntas aos autos a fls. 45 e 47 e visionadas em sede de audiência de julgamento.

Sobre a valoração destas imagens cabe esclarecer que é entendimento deste Tribunal o meio de prova em causa é válido e pode ser livremente valorado pelo Tribunal.

Vejamos.

Dispõe o artigo 167° do Código de Processo Penal que as reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electr6nico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.

Ora, no caso concreto, a obtenção das imagens em causa não foram obtidas de modo ilícito.

De facto, os dados obtidos com o sistema de videovigilância, consistindo numa informação fotográfica relativa a uma pessoa física identificável, constituem dados pessoais, tal como definidos pelo artigo 3.°, a), da Lei n.? 67/98, de 26 de Outubro, a Lei de Protecção de Dados Pessoais (LPDP).

Todavia, não sendo qualificados como sensíveis, porque estes são os dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, de filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como aqueles relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os genéticos (artigo 7.°, I, da LPDP), os ligados à criação e manutenção de registos centrais relativos a pessoas suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias (artigo 8.°, I, da LPDP), os relativos ao crédito e à solvabilidade dos seus titulares (artigo 28.°, I, b), da LPDP) e a interconexão de dados pessoais não prevista em disposição legal (artigo 9.°, da LPDP), não obrigavam a uma autorização prévia da CNPD, mas tão-somente a uma notificação de tratamento (artigos 27.° e 28.°, da LPDP), cuja falta faz incorrer o responsável pelo tratamento de dados na prática de uma contra-ordenação conforme estatui o artigo 37.°, da LPDP.

A questão que agora se coloca é a de saber se a falta dessa notificação resulta a impossibilidade das imagens obtidas serem tratadas como meio de prova.

É que, de facto, a arguida não logrou demonstrar que, à data dos factos, tinha comunicado à CNPD as imagens em causa.

E, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não.

A captação das imagens levadas a cabo não foi obtida de forma oculta, nem ilícita, trata-se, como resultou da prova testemunhal produzida e como decorre do

próprio teor dessas imagens, das imagens de vídeo porteiro e retratam a área de acesso à habitação da arguida.

As imagens em causa retratam, portanto, qualquer pessoa que ali se desloque, numa utilização de vigilância genérica, destinada a detectar factos, situações ou acontecimentos incidentais, ao contrário de uma vigilância dirigida directamente a uma pessoa em particular, não se encontrando a pessoa retratada, no momento da filmagem, numa situação de privacidade ou de intimidade que não pudesse ser acedida por outras pessoas.

Desta forma, não havendo qualquer violação de reserva da vida privada e não se mostrando nestas circunstâncias como necessário o consentimento da pessoa visada para a obtenção das imagens, nos termos do disposto no artigo 79.°, 1, do Código Civil, a sua valoração não é penalmente ilícita e não contende com o direito à imagem.

Veja-se, neste sentido, Manuel da Costa Andrade, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, 1992, p. 270/271 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2001 (CJ/ ASTJ, Ano IX, Tomo II, p. 221) e de 08/02/2006, processo n,? 0553139, da Relação de Guimarães de 29/03/2004, processo n,? 1680/03-2, de 24711/2004, processo n.º 1701/04-1, do Tribunal da Relação do Porto de 26-03-2008, processo nº 0715930, todos estes consultados em www.dgsi.pt.

E para além das imagens obtidas não serem proibidas por lei e não se mostrarem ilícitas entramos no domínio dos interesses visados com a administração da justiça, da prossecução penal e com o principio da verdade material, no propósito de carrear provas para os autos cujo conhecimento se afigure necessário ou pelo menos útil à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.

Mas mais. No conflito de interesses entre o direito à imagem das pessoas visadas e o interesse dos particulares em assegurar a sua segurança mantendo sistemas de videovigilância e, reflexamente, agora do Estado na prossecução da Justiça ao usar e valorar tais imagens, entendemos que falam mais alto estes.

De notar que nos termos do artigo 79.°, nº 2, do Código Civil, normativo que dá expressão ordinária ao direito à imagem consagrado constitucionalmente no artigo 26.°, 1, da Constituição da República Portuguesa, já se prevê na exposição do retrato a dispensa do consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem exigências de polícia ou de justiça e quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público, previsão que se julga caber nesta situação concreta e que tem reflexos no direito criminal, excluindo a ilicitude da divulgação conforme decorre do estatuído no artigo 31.°, 1, do Código Penal.

Assim, com o devido respeito por melhor e contrária opinião, entende-se que o recurso a este meio de prova é licito e válido.

Veja-se, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28­09-2011, proferido no processo nº 22/09.6YGLSB.S2 e consultado em www.dgsi.pt. com abundante tratamento doutrinal e jurisprudencial, cujas asserções e conclusões, com o devido respeito, integralmente se acompanha e que aqui deixamos por integralmente reproduzidas.

Assim, analisando as imagens em causa, as mesmas corroboram aquela que era já a convicção do Tribunal.

Nelas surge o arguido D... pelas 13:12:50 dirigindo-se a tocar à porta da habitação da arguida e surge, anote-se, a caminhar de forma perfeitamente normal, sem qualquer constrangimento ou incómodo - sendo que segundo as declarações do arguido D... nessa altura já teria sido agredido com uma joelhada da arguida A... que o teria deixado incapacitado.

O arguido permanece a tocar à campainha até às 13:14:50 e quando já está a caminhar para ir embora, surge a arguida A... de carro e o arguido dirige-se à arguida A... , portanto, ao lado do condutor do veículo, aqui já de forma nitidamente nervosa.

Ademais, o que decorre no interior do veículo não é perceptível na imagem, sendo apenas perceptível o dorso do arguido D... inclinado junto ao lado do condutor do veículo da arguida, portanto, junto ao local onde estava a arguida.

Pelas 13:19:00, surge o arguido B... que se dirige ao veículo e quando chega junto do arguido D... é visível uma troca de empurrões, depois com a arguida A... pelo meio, e finalmente, vê-se o arguido D... pontapear o arguido B... , acabando o arguido D... por empurrar ambos os arguidos A... e B... contra o veículo.

Após, o arguido D... solta os arguidos A... e B... e continuam numa troca de palavras, já que é visível o arguido D... a gesticular, acabando este por abandonar o local pelas 13:21.

Ora, as imagens em causa corroboram indubitavelmente as versões dos arguidos A... e B... , em detrimento da versão do arguido D... .

Na convicção do Tribunal concorreu ainda o depoimento da testemunha E... , pai dos arguidos D... e A... e avô do arguido B... que defendeu que no dia em causa nos autos foi ter com os arguidos e o arguido D... passou por si a sangrar de um dedo.

Mais defendeu que a arguida A... estava bem, não viu nada de errado com a filha, estava à procura do comando, como nada se tivesse passado.

O depoimento desta testemunha não mereceu no entanto, qualquer credibilidade do Tribunal, e não a mereceu em primeiro lugar, porque a testemunha em causa prestou um depoimento claramente parcial, procurando proteger o arguido D... .

Por outro lado, a testemunha em causa defendeu que se dava bem com ambos os filhos, mas nitidamente da forma como falava da arguida A... , resultou que não tinha boas relações com a filha, pelo contrário,

Ademais, o depoimento da testemunha em causa, quando defende que a arguida A... não tinha qualquer lesão e estava perfeitamente bem, mas defende que viu naquele momento no arguido D... um dedo a deitar sangue sai claramente afastado pelo teor dos relatórios periciais feitos aos arguidos, de onde resulta que a arguida A... apresentava lesões e lesões visíveis e o arguido D... não tinha qualquer lesão no dedo ou na mão.

Assim sendo, não há qualquer dúvida para o Tribunal em julgar provado que no dia 28 de Julho de 2012, cerca das 13h20, junto à casa do Paço, Medelo, comarca de Lamego, após uma troca de palavras, o arguido D... dirigiu-se à arguida A... , agarrou com uma das mãos os cabelos daquela e puxou­-os, sendo que, com a outra, tapou-lhe o nariz e a boca, durante período de tempo não concretamente apurado e, em acto contínuo, agarrou-lhe o pescoço com ambas as mãos.

Ademais, dúvida não há igualmente em julgar não provado que a arguida A... ou o arguido B... tenham agredido o arguido D... com pontapés.

Aliás, como se mencionou já, a versão do arguido de que quando vai pela segunda vez a casa da arguida A... foi agredido pelo sobrinho com pontapés não foi corroborada sequer pelas testemunhas que o próprio apresentou.

De facto, cabe salientar que dos depoimentos dos arguidos resultou para o Tribunal a convicção imediata de que ninguém, com exceção dos intervenientes, assistiu aos factos em causa.

No entanto, as duas testemunhas finais ouvidas em audiência de julgamento, vieram atestar ao Tribunal terem assistido aos factos em julgamento, concretamente a este segundo episódio relatado pelo arguido D... .

Em concreto, atentou o Tribunal aos depoimentos de C... , assistente operacional, amigo do arguido D... , que defendeu que no dia em causa nos autos, foi jogar à bola com o arguido D... e este o autorizou a ir buscar à quinta propriedade do seu pai e junto à casa da arguida.

Defendeu a testemunha em causa que quando estava, juntamente com a namorada, a apanhar as referidas pinhas ouviu uma discussão, concretamente, defende a testemunha em causa que ouviu o arguido D... dizer para a arguida A... "andas-me a difamar, vais ter de provar isso em Tribunal" e "dá-me o comando, mordeste este, morde outro, viraste cadela",

Asseverou ainda que depois viu o filho da arguida de t-shirt e boxers e ouviu a arguida A... dizer para o arguido B... "bate-lhe filho, que ele quer me bater",

Defendeu, no entanto, que o arguido B... não agrediu o arguido D... , portanto, que não houve quaisquer agressões.

Mais asseverou que entretanto surgiu o pai dos arguidos D... e A... e ele e a namorada foram-se embora.

Defendeu ainda a testemunha em causa que acompanhou o episódio em causa nos autos sempre até ao momento em que chegou ao local o pai dos arguidos D... e A... e não viu os arguidos empurrarem-se junto ao veículo, nem viu nenhum deles empurrados junto ao carro ou sequer viu o arguido D... debruçado sobre o carro mas "só com a mão dentro do carro".

Por outro lado, atentou ainda o Tribunal no depoimento de K..., funcionário fabril, esposa da testemunha C... e que defendeu igualmente que no dia em causa nos autos foi com o seu marido apanhar pinhas.

Asseverou que quando era 1hora e 10mínutos da tarde ouviu "acudam-se" e que passado cerca de 15 minutos voltou a ouvir discussão, concretamente ouviu a arguida A... dizer "ladrão, roubaste tudo ao meu pai", defendeu ainda que viu o arguido D... com a mão dentro do carro da arguida e ouviu-o dizer "morde mais".

Mais defendeu que depois surgiu o filho da arguida e ouviu a arguida A... dizer "bate-lhe filho, bate-lhe" e ouviu ainda o arguido B... dizer "um dia mais tarde eu e os meus colegas da universidade vamos-te apanhar".

Atestou, no entanto, que agressões não existiram e que se foram embora quando o "senhor de idade" veio.

Os depoimentos destas testemunhas, além de terem sido contraditórios com do arguido D... quanto ao ponto essencial em causa nos autos que é de saber se o arguido D... foi ou não agredido pelos arguidos B... e A... , não serviram minimamente para o Tribunal fundar a sua convicção.

E não serviram porque, da mera forma como foram prestados, da postura das testemunhas, da sua forma de responder às questões que lhes eram suscitadas, das suas hesitações, até dos pormenores que ambos realçaram em uníssono, resultou amplamente para o Tribunal que as testemunhas em causa estavam a relatar o que lhes foi dito e não o que presenciaram.

Por outro lado e sem necessidade de mais considerandos, os depoimentos em causa saíram amplamente logrados quando confrontados com O teor das imagens em causa.

De facto, em face das imagens juntas aos autos resulta que manifestamente as testemunhas em causa não estavam a relatar ao Tribunal os factos sucedidos no

dia em causa, estando nitidamente a faltar à verdade ao Tribunal, relatando ambos, em uníssono, um episódio que em pouco ou nada tem correspondência com a realidade do sucedido e que as imagens juntas aos autos rebatam.

Assim sendo, como se disse já, o depoimento do arguido D... , face à demais prova produzida e já analisada, não mereceu a credibilidade do Tribunal.

É certo e decorre do teor do exame médico-legal de fls, 14 do processo apenso a estes autos que o assistente D... efetivamente apresentou lesões, no entanto, tal não basta para sustentar a convicção do Tribunal de que tais lesões tenham sido provocadas pela arguida A... ou pelo arguido B... .

De facto, na falta de prova com credibilidade suficiente que convencesse o Tribunal sobre a forma como os factos sucederam, em obediência ao princípio in dúbio pro reo, necessariamente se julga não provada a matéria imputada aos arguidos B... e A... .

Da mesma forma, nenhuma prova com credibilidade suficiente há de que a arguida A... tenha mordido o arguido D... , salientando-se neste ponto que do teor do relatório médico-legal a que se aludiu supra resulta o arguido D... não tinha qualquer lesão na mão ou no dedo.

Um apontamento aqui para realçar que se convenceu o Tribunal que efetivamente o arguido D... se dirige à arguida A... motivado por lhe ter sido relatado que esta o apelidou de "ladrão".

Neste ponto, teve em consideração o Tribunal o depoimento da testemunha F... que defendeu que na quinta-feira anterior aos factos em julgamento tinha encontrado na feira a arguida A... e, relatou a testemunha e causa, perguntou-lhe pelo irmão, o arguido D... que alegadamente não via há muito tempo.

Asseverou ainda a testemunha em causa que a arguida A... lhe disse"o meu irmão é um ladrão, rouba tudo ao teu pai".

Ora, embora não seja objecto do processo, cumpre ao Tribunal esclarecer que da forma como a testemunha em causa prestou o seu depoimento, da forma como se referia à arguida A... , ficou claro, mesmo translúcido para o Tribunal que a interpelação da testemunha F... à arguida A... na feira, falando-lhe no irmão, não foi minimamente inocente.

Com efeito, do depoimento da testemunha em causa, da sua postura, ficou claro que a mesma sabia, como era sabido por todos, que há mais de 10 anos que a arguida A... não falava, nem se tinha qualquer tipo de convívio com o irmão D... , portanto, é nítido que a testemunha F... interpela a arguida

A... com a intenção de obter dela qualquer elemento que depois pudesse transmitir ao arguido D... , o que veio a acontecer de facto.

No entanto, a motivação em causa, isto é o facto de lhe ter sido transmitido que a irmã o apelidara de "ladrão" não é, nem pode ser justificação para a conduta posterior.

Finalmente, cabe acrescentar que não há qualquer indício da existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, concluindo o Tribunal que o arguido agiu com dolo, sendo certo que quem agride outra pessoa apertando-lhe o pescoço e quem injuria outra pessoa, fá-lo com conhecimento e vontade quer de prejudicar a integridade física do visado quer visando prejudicar a sua honra, sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei, sendo do conhecimento comum da população que ofender a integridade física e injuriar outra pessoa é crime.

No mais, quanto às lesões apresentadas pela arguida A... , considerou-se o teor do relatório médico-legal de fls. 9 e seguintes.

Já quanto aos factos aduzidos nos pedidos de indemnização civis, quando ao arguido D... não havendo prova de que o mesmo tenha sido agredido por nenhum dos arguidos, necessariamente se julgam não provados os factos atinentes ao pedido de indemnização civil correspondente.

Já quanto aos factos atinentes ao pedido de indemnização civil formulado pela arguida A... atentou o Tribunal nos depoimentos das testemunhas G... , H... , professora, I... , enfermeira todas amigas da arguida A... e que asseveraram que a arguida ficou transtornada com o episódio em causa e magoada, quer fisicamente, quer sobretudo psicologicamente, o que se julga provado.

Ademais, que a arguida teve de se deslocar à PSP por duas vezes, que teve de se dirigir ao Tribunal, que se constituiu assistente e pagou a taxa de justiça respetiva são factos processuais, que resultam, naturalmente, dos autos.

No mais, quanto à assistência hospitalar prestada aos arguidos e ao seu custo, atentou o Tribunal no teor das faturas juntas aos autos a fls. 242 e 243.

Finalmente no que concerne aos antecedentes criminais vai orou-se os certificados juntos a fIs. 153 e quanto à condição económica e social valorou-se as declarações dos arguidos, que se mostraram credíveis.


***

            III. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

- Se as imagens obtidas através de câmara de videovigilância instalada no exterior de habitação são meio proibido de prova;

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo esta ser alterada e o arguido/recorrente absolvido

Antes de apreciar as questões suscitadas importa atentar que o recorrente, com o requerimento de recurso, juntou aos autos documentos.

Como preceitua o artigo 165º, nº 1 do CPP a junção de documentos só pode ocorrer até ao encerramento da audiência, o que significa que na fase de recurso não é admissível a junção de documentos e que este tribunal está impedido de deles extrair qualquer conteúdo para a decisão a proferir.

Sendo assim, declaram-se processualmente irrelevantes os documentos juntos.

Apreciando:

Da prova por imagens captadas por câmara

Os recorrentes invocam que o Tribunal a quo sustentou a sua convicção sobre a matéria de facto em prova proibida; a obtida através do sistema de videovigilância, em violação do disposto no artigo 126º, nº 3 do Código de Processo Penal.

Já é abundante a jurisprudência existente sobre a matéria da legalidade como meio de prova de imagens obtidas por sistemas de videovigilância instalados em espaços a que as pessoas podem aceder sem necessidade de autorização, ainda que sejam propriedade privada, como sejam habitações ou estabelecimentos comerciais, ainda que as imagens tenham sido obtidas sem conhecimento do visado (por não serem visíveis e por inexistência de aviso).

Desde já importa esclarecer, dado o que consta alegado em sentido contrário, que não é a natureza pública ou privada do espaço que é filmado que serve de ponto de referência para a legalidade ou ilegalidade das imagens recolhidas, posto que a questão tanto se coloca em relação a imagens que retratam espaços do domínio público como em relação a espaços que são do domínio privado mas a que pode ter acesso qualquer pessoa, como é o caso de acessos a habitação que qualquer pessoa possa usar para se dirigir à mesma sem autorização prévia do proprietário (a situação específica destes autos).

Na abordagem desta matéria seguimos de muito perto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, adiante identificado, onde encontramos uma boa síntese das questões abundantemente debatidas noutras decisões das Relações sobre esta matéria e que também diz respeito a videovigilância em local de acesso público, embora do domínio privado.

Aliás, o Acórdão do STJ que serve de paradigma nesta matéria, por ser o único desse alto tribunal que conhecemos, e que vem citado na decisão recorrida, de 28.9.2011, proferido no processo 22/09.6YGLSB.S2,relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, refere-se a imagens de videovigilância instalada em parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal e no mesmo se acentua que a questão se coloca em relação a locais de acesso público (onde qualquer pessoa se pode dirigir) o que não tem coincidência com a noção de locais de propriedade pública (melhor definiremos a permissão de obtenção de imagens em razão do espaço).

Mas vejamos.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – v.g. artigo 341º, do Código Civil – constituindo objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido – v.g. artigo 124º, do Código de Processo Penal.

Nos termos do disposto no artigo 125º, deste último diploma, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

As proibições de prova são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade material. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2008, 4ª edição, vol. II, pág. 138, “É manifesto que com a proibição de prova se pode sacrificar a verdade, já que a prova proibida, seja qual for a causa da proibição, pode ser de extrema relevância para a reconstituição do facto histórico, pode mesmo ser a única. Um facto pode ter de ser julgado como não provado simplesmente porque o meio que o provaria não pode ser utilizado no processo, porque é um meio de prova proibido e, por isso, não admissível para formar a convicção do julgador. Simplesmente (…) não se propõe a busca da verdade absoluta e por isso não se admite que a verdade possa ser procurada, usando de quaisquer meios, mas tão-só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis.”.

A proibição de prova originará, sempre, uma proibição de valoração de prova (outros casos previstos na lei processual penal dirigem-se apenas à proibição de valoração de prova originariamente obtida de forma legal).

A lei processual penal, no artigo 118º, reporta-se ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, ressalvando expressamente do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.

O artigo 126º, do Código de Processo Penal, traduzindo o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, disciplina nos seus nºs 1 e 2, as provas absolutamente proibidas e no nº 3, as provas relativamente proibidas. As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados, isto é, desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.

O artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, dispõe que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”.

No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.

Contudo, a própria lei fundamental, no seu artigo 18º, nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Ou seja, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções e uma delas é a prevista no artigo 167º do Código de Processo Penal.

Dispõe este preceito legal que:

1. As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.

2. Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste Livro.”.

E, estatui a lei penal, no seu artigo 199º, sob o título “Gravações e fotografias ilícitas”, que:

“1. Quem sem consentimento:
a) (…);
b) (…);

2. Na mesma pena incorre, quem, contra vontade:

a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou

b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.

3. (…).”.

Caso esteja em causa prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119º do Código de Processo Penal.

Admitindo que no caso a recolha da imagem do recorrente, em local de acesso a habitação, e posterior utilização da mesma, seriam à partida penalmente ilícitas nos termos das disposições conjugadas dos artigos 167º, nº 1, do Código de Processo Penal e 199º, nº 2, alíneas a) e b), do Código Penal, dúvidas não se nos suscitam da existência de razão que exclui a ilicitude penal.

Na senda do expendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.03.2010, proferido no processo nº 1630/08.8 PFSXL.L1-9, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, em conflito estão dois direitos dignos de tutela: de um lado, o direito à propriedade e à segurança de pessoas e bens – cfr. artigos 62º, nº 1 e 27º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – e, de outro, o direito à imagem e à intimidade – cfr. artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. “De acordo com o artigo 199º do CP, impõe-se proceder a ponderação dos meios utilizados, no âmbito do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade com as finalidades estabelecidas e as pessoas e bens protegidos. (…) Tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. Será, por isso, considerada criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos (no sentido de poderem ser acedidos por qualquer pessoa, ainda que do domínio privado) visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. É que a captação de imagens de um eventual suspeito, em tal circunstância, constitui um meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita da propriedade do ofendido. Aliás, o próprio artigo 79º, nº 2 do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o artigo 31º, n.º 1 do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Quer isto dizer que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil. A justa causa apenas poderá ser afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.

Por maioria de razão se deverá estender ao direito penal o preceituado neste último segmento normativo, face à natureza fragmentária daquele ou ao seu correspondente princípio de intervenção mínima, resultante do artigo 18º, nº 2, da Constituição. Ora, a citada norma do Cód. Civil, não só afasta a ilicitude dos artigos 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável. (…) Acresce que, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no artigo 192º) ou de devassa por meio de informática (do artigo193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. As imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste, (…). O que é constitucionalmente protegido é, apenas, a esfera privada e íntima do indivíduo. Sucede que, a gravação não contende nem com uma nem com outra.”.

Além dos já citados acórdãos, mencionamos ainda os seguintes:

Do Tribunal da Relação de Coimbra:

·  de 26.01.2011, proferido no processo nº 68/10.1PBLRA.C1,relativo a câmara instalada em estabelecimento de discoteca, sem aviso da sua existência e sem autorização da CNDP;

·    de 24.2.2016, proferido no processo nº 2638/12.4TALRA.C1, de 10.10.2012, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento de supermercado sem autorização da CNDP;

·   de 10.10.2012, proferido no processo nº 19/11.6TAPGL.C1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em posto de abastecimento de combustíveis, desconhecendo-se autorização da CNDP;

· de 02.11.2011, proferido no processo nº 106/09.0PAVNO.C1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento de ourivesaria sem aviso da sua existência;

Do Tribunal da Relação de Lisboa:

· de 28.05.2009, proferido no processo nº 10210/2008-9, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no interior de um prédio rústico;

· de 4.3.2010, proferido no processo nº 1630/08.8PFXL.L1-9, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no interior das instalações de uma sociedade comercial (escritório) desconhecendo-se autorização da CNDP;

Do Tribunal da Relação do Porto:

· de 03.02.2010, proferido no processo nº 371/06.5 GBVNF.P1,relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento comercial e onde se define com precisão o campo de aplicação da Lei de Protecção de Dados Pessoais e de outra legislação que no âmbito da investigação criminal permite a captação de imagens;

· de 23.11.2011, proferido no processo nº 1373/08.2PSPRT.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em garagem colectiva de um prédio de apartamentos;

· de 11.6.2014, proferido no processo nº 1936/10.6JAPRT.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento bancário;

· de 25.2.2015, proferido no processo nº 349/13.2PEGDM.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento comercial de centro comercial sem autorização da CNDP;

Do Tribunal da Relação de Évora:

· de 28.06.2011, proferido no processo 2499/08.8 TAPTM.E1, relativo a imagens obtidas por câmara instalada no interior de um prédio de apartamentos em zona de utilização comum;

· de 11.11.2014, proferido no processo 442/12.9PAENT.E1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no exterior de habitação;

Do Tribunal da Relação de Guimarães:

· de 29.4.2014, proferido no processo nº 102/09.8GEBRG.G1 relativo a imagens de câmara direcionada para via pública;

· de 19.10.2015, proferido no processo nº 1384/13.0PBBRG.G1, relativo a imagens colhidas por câmara colocada no exterior de habitação.

E as precedentes considerações não são infirmadas pela falta de autorização do CNDP porque, como se esclarece no citado Acórdão do STJ e outros acima citados (especialmente o de conteúdo sublinhado) a Lei nº 67/98 (Lei de Protecção de Dados Pessoais) não é aplicável à apreciação da legalidade de meios de prova em processo penal.

O que se pode concluir dos argumentos de toda a jurisprudência exposta é que a utilização de câmaras de vigilância por particulares no sentido da protecção de pessoas e bens é licita desde que não abranja espaços destinados à vida estritamente privada dos cidadãos (caso em que poderia estar em causa o cometimento do crime de devassa da vida privada do artigo 192º do CP e que constitui o limite da licitude de da captação de imagens por particulares) sendo lícita a utilização das imagens assim obtidas como meio de prova de ilícito criminal, independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP.

Aliás, os argumentos traçados permitem ir mais longe e concluir pela licitude de imagens colhidas mesmo que em espaços destinados à vida estritamente privada, como o interior de habitações, pelos legítimos utilizadores de tais espaços no sentido da defesa dos seus bens pessoais e patrimoniais, desde que as imagens não digam respeito ao núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, o que nunca estará em causa quando as imagens documentam a prática de crimes por agentes estranhos ao espaço e que nele se introduziram ilegitimamente.

Do exposto se extrai que, no caso em apreço, a obtenção de imagens (do arguido) através do sistema de videovigilância e a sua utilização para protecção da integridade física de quem residia na habitação e dos bens que aí se encontrassem(essa é a finalidade normal da instalação de tais sistemas e outra não resulta dos autos) não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, porque existe justa causa para a sua obtenção e utilização como meio de prova, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diz respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada, o arguido.

Porque assim, como na decisão recorrida, concluímos que não só a recolha de imagens, através de videovigilância, como a sua posterior utilização, são lícitas porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal, e, por isso, são válidas e não consubstanciam nenhuma proibição de produção de prova, nem de valoração de prova.

No pressuposto da legalidade do meio de prova em causa se analisará a questão seguinte.

Da impugnação da matéria de facto – Erro de julgamento da matéria de facto

O recorrente impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, entendendo incorrectamente julgados os factos que permitiram a sua condenação por crime de ofensa à integridade física e crime de injúria. Embora não especifique os factos que considera incorrectamente julgados, nem mesmo por referência aos que se descrevem como provados e não provados na decisão recorrida, não oferece qualquer dúvida que são esses, os factos que permitiram a sua condenação, os impugnados e os que diretamente com eles estão relacionados

Por consequência entendeu-se ser de conhecer da impugnação da matéria de facto, pese embora o cumprimento defeituoso do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP, em medida que não compromete esse conhecimento dada a simplicidade factual do caso.

O recorrente entende que impõem decisão diversa da recorrida essencialmente as suas próprias declarações, que apenas são contrariadas pelas declarações dos assistentes/coarguidos e o teor da perícia médica a que foi sujeito e que entende ter sido desprezada pelo Tribunal a quo. Quanto à demais prova produzida, limita-se a acentuar que não incidiu directamente sobre os factos impugnados que ninguém presenciou, além dos envolvidos.

Começamos por acentuar que o Tribunal a quo não desprezou a perícia médica relativa ao recorrente, antes analisa o seu teor em confronto com as declarações do arguido.

E começando precisamente pelas declarações que o arguido prestou em audiência deparamo-nos, tal como o Tribunal recorrido, com a primeira perplexidade.

O arguido situa os acontecimentos em dois momentos. Um primeiro momento em que a co-arguida A... se deslocava de carro para a sua residência, tendo-a abordado e sido agredido com uma dentada num dedo, uma joelhada nos testículos, pisando-o quando estava no chão e um segundo momento em que a co-arguida se dirigia de novo de carro para a sua residência (depois de o declarante ter ido à casa do pai nas imediações, não o ter encontrado, de ter dado por falta da chave do carro e ter ido tocar à campainha da casa da arguida porque pensou que a chave teria ficado caída no carro daquela) altura em que foi agredido pelo co-arguido B... , filho da co-arguida A... .

Para além de a arguida A... negar a existência destes dois momentos e a agressão que lhe é imputada, os depoimentos das testemunhas C... (amigo do arguido) e da mulher deste K... que terão presenciado parcialmente os factos, desmente claramente a versão do arguido quando aludem a terem ouvido o arguido a referir-se à mordidela no dedo em ocasião em que chegados ao local lá se encontrava o arguido B... que a primeira testemunha também refere que não agrediu o arguido recorrente.

Ou seja, o depoimento destas testemunhas (próximas do arguido recorrente e que terão sido levadas por este de carro às imediações do local dos acontecimentos para apanhar pilhas) concentram os acontecimentos num único momento e apenas aludem a uma possível mordidela no dedo, lesão que não consta da perícia médica a que foi sujeito o recorrente, constando sim a existência de escoriações tipo abrasão na omoplata direita e tórax, hematoma no abdómen e eritema do testículo direito.

Tanto basta para a desconstrução do declarado pelo recorrente e para a impossibilidade de lhe conferir qualquer credibilidade, mormente no aspecto em causa de negação das agressões e injúria imputadas, sendo certo que as lesões que apresentava podem ter origem noutra causa, não sendo a perícia idónea a provar a sua autoria (não será despiciendo que o facto declarado de ter estado a jogar futebol também compatível com as lesões verificadas).

A falta de plausibilidade de uma versão em confronto acentua necessariamente a possibilidade de verossimilhança da outra. E as declarações prestadas pelos arguidos/ofendidos têm coincidência com o que se observa nas imagens que, pese embora não sejam completamente nítidas pela distância e interposição de obstáculos permitem, para além do mais, observar que o arguido se debruça sobre a porta do carro da co-arguida onde se dirige de modo que parece agitado, tendo sido nesse momento que a co-arguida refere ter sido agredida. Posteriormente surge o filho, o co-arguido B... , sendo visíveis empurrões entre os arguidos e pontapés do arguido recorrente ao co-arguido numa altura em que a co-arguida está junto de ambos e, finalmente, é visível que o arguido recorrente empurrou os co-arguidos contra o carro.

Toda esta sequência das imagens é concordante com o declarado em audiência pelos co-arguidos/ofendidos A... e filho, sendo certo que, mesmo através do que a gravação permite, as declarações do último tiveram um tom sereno e aparentemente já distanciado dos factos.

É certo que as imagens não contêm som, mas a credibilidade que estas conferem ao que declaram obviamente terá de se comunicar a esse aspecto verbal da contenda. Acresce a perícia médica realizada que confirma a existência de lesões que neste contexto só podem ser atribuídas à actuação do arguido recorrente.

Em suma, a prova produzida consente a convicção que o Tribunal a quo alcançou, sendo certo que não existe nenhum obstáculo legal a que as declarações de arguidos/assistentes/partes civis possam ser meio de prova suficiente para determinados factos, como ocorre no caso em relação à injúria, bastando que esse teor probatório analisado à luz das regras da experiência se apresente como convincente.

Considerando que sempre o Tribunal a quo está melhor apetrechado para avaliar o aspectos essenciais da prova oral que só a imediação pode conferir e que como já se acentuou a prova analisada na sua globalidade e confronto permite a convicção alcançada, não se reconhece a existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto.

O recorrente alude à existência de erro notório na apreciação da prova, mas sempre referindo que a prova produzida não consentia a convicção alcançada, ou seja, sempre no domínio do erro de julgamento da matéria de facto. Com efeito este erro apenas é detectável através do conteúdo concreto da prova produzida enquanto o erro notório é aquele que resulta do próprio texto da decisão recorrida sem apelo a outros elementos, quando esse texto reflecte violação de princípios probatórios. Ora, pese embora alguma menor correcção de raciocínio num ou noutro aspecto, certo é que o essencial da análise probatória efectuada na decisão recorrida, nos aspectos acima acentuados, se estriba dentro do princípio de livre apreciação de prova e da sua vinculação às regras da experiência.

Alega também o recorrente violação do princípio in dubio pro reo. Mas, como já se acentuou, nada obstava a que a convicção positiva do tribunal se baseasse nos referidos elementos probatórios, não sendo a interpretação da prova um processo acrítico e matemático em que declarações e depoimentos contrários se anulem. Ora, como se referiu, a prova produzida consente a convicção alcançada e esta encontra-se expressa na decisão recorrida de modo lógico e fundamentado sem que ressume qualquer dúvida sobre factos que haja sido resolvida em desfavor do arguido/recorrente.

Não se reconhece, pois, a existência de violação desse princípio probatório.

Estando a decisão recorrida isenta dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do CPP, de entre eles o já falado erro notório na apreciação da prova, importa considerar definitivamente fixada a matéria de facto da sentença recorrida e porque os factos provados integram a prática pelo arguido/recorrente dos crimes que lhe foram imputados, de ofensa à integridade física e de injúria, manter a sua condenação.


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IV. Decisão

Nestes termos acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido D... e pelo Ministério Público e, em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.

Não há lugar a custas no que respeita ao recurso do Ministério Público por delas estar isento o recorrente.

O arguido/recorrente pelo seu decaimento em recuso vai condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do CPP).


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Coimbra, 18 de Maio de 2016

(Texto elaborado e revisto pela relatora; a primeira signatária)



(Maria Pilar de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Martins - adjunto)