Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3123/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CRÉDITOS DO TRABALHADOR - PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO- 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 4º, NºS 1, AL. A), 3 E 4, AL. A), DA LEI Nº 96/01, DE 20/08 .
Sumário: I – Os créditos de um trabalhador sobre a sua entidade patronal, resultantes de um acordo entre as partes como forma de compensação da cessação laboral, gozam de privilégio mobiliário geral, nos termos do artº 4º, nº 1, al. a), da Lei nº 96/01, de 20/08, pese embora a sua revogação em 2004, quando esses créditos se hajam constituído anteriormente a essa revogação .
II – Tais créditos prevalecem, por essa razão, sobre créditos do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social sobre a entidade patronal, mesmo que estes tenham constituição anterior àqueles .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que é movida por A... e B..., contra C..., veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social reclamar créditos conforme p. inicial de fls. 64 e segs.
Tal reclamação foi liminarmente admitida e tendo sido regularmente notificada veio a executada C..., quer a ineptidão da p. inicial, que a caducidade do direito à liquidação do montante reclamado.
Proferiu-se oportunamente sentença no qual se considerou válida a aludida p. inicial e inexistente a alegada excepção peremptória da caducidade, procedendo-se á graduação dos créditos da forma seguinte:
1º o crédito reclamado e respectivos juros de mora
2º - o crédito exequendo
Discordando apelam as exequentes alegando e concluindo:
1- O crédito reclamado enquanto resultante de dívida à Segurança Social, goza de privilégios creditórios mobiliários e imobiliários;
2- Ao contrário do que foi decidido, o crédito exequendo, não goza apenas da garantia da penhora, mas de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial e deve ser graduado antes do crédito reclamado, nos termos do artº 12º nº 1 e 3 da l 7/86 de 14/6
3- A douta sentença recorrida, ao não aplicar ao caso a norma do artº 12º da citada L. 17/86, mas sim o disposto no artº 733º e eventualmente no artº 747º ambos do CCv, escolheu erradamente o direito aplicável.
Não houve contra alegações.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Dos Factos:
Deve considerar-se a seguinte factualidade:
1- A executada C... , é contribuinte do Instituto de Gestão Financeira e Segurança Social/ Delegação de Aveiro, com o nº 11604559
2- Tal empresa não procedeu ao pagamento das contribuições devidas pelos seus trabalhadores relativas aos meses de Janeiro de 1996 a setembro de 1999 e de Dezembro de 1999 a Outubro de 2002, no valor global de € 66. 811, 85 .
3- Em 29/12/01 a exequente B..., intentou acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra a executada, C..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 4. 236. 356$00, acrescida de juros moratórios legais a partir da citação.
4- Tal quantia respeitava a retribuições que a executada tinha em dívida e decorrentes do contrato de trabalho existente entre ambas( salários, férias, subsídios de férias e de natal, trabalho suplementar e trabalho nocturno)
5- Tal acção terminou com o acordo entre as partes devidamente homologado por decisão judicial entretanto transitada, na qual a A reduziu o pedido para € 12. 469, 98, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
6- Em 20/12/01, a exequente A..., intentou acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra a executada, C..., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de 4. 236. 356$00, acrescida de juros moratórios legais a partir da citação.
7- Essa quantia respeitava a retribuições que a executada tinha em dívida e decorrentes do contrato de trabalho existente entre ambas( salários, férias, subsídios de férias e de natal, trabalho suplementar e trabalho nocturno)
8- A mencionada acção terminou com o acordo entre as partes devidamente homologado por decisão judicial entretanto transitada, na qual a A reduziu o pedido para € 12. 469, 98, a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho.
9- Invocando incumprimento do acordado nas ditas acções declarativas, as AA intentaram execução de sentença para pagamento de quantia cera, contra a A C....
10- Na aludida execução foram penhorados bens móveis e direitos
11- As aludidas decisões homologatórias transitaram em julgado em 1/3/02.
Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que e “ in casu” cumpre decidir, qual o lugar de graduação, do crédito exequendo, relativamente ao que foi reclamado.
Este goza nos termos do artº 10º nºs 1 e 2 do D.L. 103/80 de 9/5 de privilégio mobiliário geral, devendo ser graduado logo após os créditos referidos na alínea a) do artº 7478º do CCv.
Por seu turno, os créditos exequendos, porque resultantes de acordo entre as partes e devendo ser pagos a título de compensação da cessação contratual, gozam igualmente de privilégio mobiliário geral, nos termos do artº 4º nº 1 a) da l. 96/01 de 20/8( aplicável ao presente processo, pese embora a sua revogação, ocorrida com a entrada em vigor da L. 35/04 de 29/7- artº 21º nº 2 t) do C. Trabalho- dado que os créditos em causa se constituíram antes daquela data)
E referimos essa lei e não o artº 12º nº 1 da LSA porque em nosso modesto entender, tratando-se de lei especial ela apenas deverá contemplar, sob pena da L. 96/01 ser redundante, os créditos ali expressamente mencionados- ou seja os respeitantes às retribuições não pontualmente pagas e à indemnização prevista no seu artº 6º.
Ora e segundo o nº 3 do mencionado artº 4 os privilégio dos créditos referidos no seu nº 1, gozam de preferência, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, sem prejuízo contudo dos créditos emergentes da l. 17/86 e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor desta mesma lei.
Esta expressão apenas pode ser entendida como reportada ao “ direito de ser graduado” em concreto, ou seja ao direito a uma graduação, que evidentemente apenas surge com o processo de concurso de credores, após a apresentação da respectiva reclamação de créditos- cfr. neste sentido Ac do STA in BMJ 435/594-.
Significa isto, que se se considerarem anteriores à lei 96/01, os créditos exequendos gozam de privilégio mobiliário geral( uma vez que a penhora incidiu sobre bens dessa natureza e sobre direitos- cfr. artº 735º nºs 1 e 2 do CCv-) e prevalecem, por essa via, sobre os créditos reclamados, já que embora alguns destes tenham constituição anterior a alguns dos exequendos, o processo de concurso de credores apenas se iniciou posteriormente à constituição destes últimos( mais concretamente em 8/4/03).
Se se entender, que os créditos exequendos em causa, apenas nasceram com a conciliação judicial operada( ou mesmo com o trânsito em julgado do despacho homologatório de tal transação) então nem sequer o problema se coloca pois que nessa altura já a referida lei estava em vigor.
Seja portanto qual for a solução que se considere mais consentânea para esta problemática, sempre será de se concluir que estes créditos gozam de privilégio mobiliário geral, aplicando-se-lhes o regime da dita L. 96/01.
Como se sabe privilégio creditório é a faculdade que a lei em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente de registo de serem pagos com preferência a outros( artº 733º do CCv)
Os créditos exequendos e por força da conjugação dos artºs 4º nºs 3 e 4 a) da L. 96/01 são graduados antes dos referidos no nº 1 do artº 747º do CCv( desde logo portanto os créditos por impostos- alínea a) do dito nº 1-.
Ora se por força do artº 10 do , as contribuições devidas á segurança social devem ser graduadas depois dos créditos por impostos, e se os créditos emergentes de contrato de trabalho antes destes últimos , tal significa inelutavelmente que os créditos relativos a contribuições à segurança social( como é o que foi reclamado) deverá ser graduado após os exequendos.
E assim a graduação dos créditos em cotejo deve ser efectuada do seguinte modo:
a)- os créditos exequendos , que deverão ser rateados se tal for necessário, nos termos do artº 745º nº 2 do CCv-
b)- o crédito reclamado e juros respectivos.
c) - As custas saem precípuas – artº 455º do CPC -.
Termos em que e concluindo, se julga procedente a apelação, devendo os créditos em causa serem graduados, na forma imediatamente acima exposta
Sem custas, por a reclamante delas estar isenta.