Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2376/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: DESPEJO
HERANÇA INDIVISA
LEGITIMIDADE DO CABEÇA DE CASAL
INSTAURAÇÃO DO PROCESSO
Data do Acordão: 10/04/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PENACOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º, Nº 3, E 27º, Nº 2, DO CPC ; 2078º E 2091º, Nº 1, DO C. CIV. .
Sumário: I - É sabido que são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor .
II - O artº 2078º do C. Civ. legitima a qualquer dos vários herdeiros demandar outrem relativamente a bens da herança, sem que o demandado lhe possa opor que tais bens lhe não pertencem por inteiro .

III - No que respeita a situações de heranças indivisas, são aplicadas as regras da compropriedade, como também resulta do artº 1404º do C. Civ., pelo que cada consorte ou herdeiro pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – artº 1405º, nº 2, do C. Civ.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Penacova, A..., identificado como cabeça de casal na herança aberta por óbito de B..., instaurou contra C... e mulher D..., residentes em Aldeia Nova, Vila Nova de Poiares, e contra E... e mulher F..., residentes em São Pedro Dias, freguesia de Lavegadas, concelho de Vila Nova de Poiares, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento para comércio celebrado entre B... e os 1ºs R.R. em 1/01/1980, referente à loja do R/c do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Santo André sob o artigo nº 1839 ; e que os segundos R.R. sejam condenados a proceder à entrega do referido local ao A., livre de pessoas e de bens .
II
Contestaram apenas os 2ºs R.R., alegando, além do mais, que o A. é parte ilegítima, por não estarem na acção todas as pessoas que sejam ou possam ser herdeiros do falecido B... .
Nessa sequência pediram os contestantes a respectiva absolvição da instância .
III
Respondeu o A., defendendo a sua legitimidade activa e juntando escritura de habilitação de herdeiros por óbito de G..., viúva de B..., outorgada em 20/07/2004 .
IV
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi conhecida a excepção da ilegitimidade supra referida, tendo-se concluído no sentido de

que “ nada se alega e muito menos se prova no sentido de que o A. é o cabeça de casal da herança aberta por óbito de B...... “, em consequência do que foi proferida decisão a julgar procedente a invocada excepção da ilegitimidade activa, com a absolvição dos R.R. da instância .

V

Dessa decisão interpôs recurso o A., recurso esse que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo .

Nas alegações que apresentou, o Agravante concluiu do seguinte modo :
...

VI
Não foram apresentadas contra-alegações .

Foi proferido despacho de sustentação, com remição para os termos do despacho recorrido .

Nesta Relação foi aceite o recurso nos termos em que foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais .

Nada obsta ao conhecimento do objecto do presente agravo, objecto esse que se resume à apreciação da decisão que julgou ser o A. parte ilegítima na presente acção .

Apreciando, importa desde já que se refira que a acção foi instaurada por A..., o qual se identificou como sendo o cabeça de casal da herança aberta por óbito de B..., B... este que foi quem celebrou o contrato de arrendamento a que se alude nos autos .
Mais se alegou que os R.R. comunicaram a um dos herdeiros do dito B... a cessão de exploração relativa ao estabelecimento comercial localizado no local arrendado, conforme artigos 13º a 16º da petição .
E oportunamente juntou cópia de uma escritura de habilitação, outorgada em 22/07/2004 – fls. 67 a 70 - , da qual consta que no dia 29/03/2004 faleceu G..., viúva de B..., com quem foi casada em únicas núpcias de ambos, sem deixar testamento, tendo-lhe sucedido quarto filhos e duas netas, estas filhas de pai pré falecido à dita G..., sendo o mais velho dos ditos filhos o agora autor .
Consta dessa mesma escritura que para a sua celebração foi arquivada uma fotocópia do assento de óbito da dita G..., do qual não podia deixar de constar a sua qualidade de viúva de B... .
Quer isto dizer que a referida habilitação de herdeiros resulta da celebração da referida escritura, sendo na qualidade de herdeiro documentalmente reconhecido que o A. vem instaurar a acção, sem necessidade de nela se habilitar como tal – o que lhe é permitido pelo artº 373º, nº 1, do CPC .
Logo, a legitimidade do autor como herdeiro de B... e de G... resulta dessa mesma escritura, na qual se atesta tal qualidade, pelo que a sua habilitação para os referidos efeitos tem por base tal escritura, sendo requerida e processada na acção, como sucedeu .
E é sabido que são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor – artº 26º, nº 3, do CPC - . o que, no caso, verifica-se que essa configuração foi efectuada na base de o A. ser o cabeça de casal da herança deixada por óbito de B... (este como outorgante do contrato de arrendamento, enquanto senhorio ) .
Conforme escreve José Lebre de Freitas, in “ Código de Proc. Civil anotado “, vol. 1º, pg. 55, “ o recurso ao conceito de relação jurídica material controvertida na definição de litisconsórcio só se harmoniza com o disposto no artº 26º, nº 3, se se entender que o recorte da figura assenta exclusivamente na versão fáctica apresentada pelo autor “.
Esclarecido tal aspecto da questão, importa saber se a intervenção do autor, na dita qualidade, desacompanhado dos demais herdeiros de B..., enferma de vício processual, designadamente para efeitos do artº 28º do CPC – isto é, importa saber se, no presente caso, a lei ou o negócio em causa exigem a intervenção de todos os herdeiros do dito B... como demandantes, ou se a mera intervenção de qualquer deles é suficiente para acautelar a legitimidade activa, nos termos do artº 27º, nº 2, do CPC .
A resposta para a presente dúvida encontra-se no artº 2091º, nº 1, do C.Civ., disposição da qual resulta que os direitos relativos a uma herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, sem prejuízo do disposto no artº 2078º desse mesmo diploma, disposição esta que legitima a qualquer dos vários herdeiros demandar outrem relativamente a bens da herança, sem que o demandado lhe possa opor que tais bens lhe não pertencem por inteiro .
Isto é, no que respeita a situações de heranças indivisas, são aplicadas as regras da compropriedade, como também resulta do artº 1404º do C. Civ., pelo que cada consorte ou herdeiro pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro – artº 1405º, nº 2, do C. Civ.
Sendo assim, e uma vez que o A. se encontra devidamente habilitado nos autos como herdeiro de B... ( que foi quem outorgou o contrato de arrendamento invocado na acção ), goza ele de legitimidade activa para instaurar a presente acção, nos termos supra referidos, face ao disposto nos artºs 26º, nº 3; e 27º, nº 2, do CPC .
Note-se, ainda, que a legitimidade aqui em causa se reporta a uma acção de despejo, pelo que são os sujeitos da relação jurídica de arrendamento aqueles a quem se exige a sua intervenção ( senhorio e arrendatário ), não sendo caso de necessidade de demonstração da qualidade de proprietário por parte do demandante .
No sentido exposto, entre muitos outros arestos, designadamente aqueles que são referenciados nas alegações de recurso apresentadas, podem ver-se os seguintes : Ac. Rel. Co. de 17/07/84, in C. J. ano IX, tomo IV, pg. 40; Ac. R. Po. de 23/5/89, in BMJ 387, 653 ; Acs. da R. Lx. de 20/06/69 e de 30/4/98, in, respectivamente, JR 15º, pg. 587, e BMJ 476, 475 .
Veja-se, ainda, Lebre de Freitas, in CPC anotado, vol. 1º, pgs. 55 e 56; e Aragão Seia, in “ Arrendamento Urbano anotado e comentado “, 3ª ed., pgs. 276 a 280 e 396/397, onde cita o Ac. do STJ de 27/02/96, no qual se defende que “ estando ainda a partilha por efectuar, é em nome da herança indivisa ou contra ela que as acções devem ser instauradas, sendo a herança normalmente representada pelo cabeça de casal, desde que a sua intervenção caiba dentro dos seus poderes de administração “, e bem assim o Ac. Rel. de Co. de 7/7/93, in BMJ 429,888, no qual também se defende que “ sendo um acto de administração a resolução do contrato de arrendamento, pode ser pedida tanto pelo cabeça de casal como por um co-herdeiro ( e, obviamente, por todos os herdeiros ).
Aí se escreve, ainda, a pg. 397, que “ o que se estabelece para o comproprietário é aplicável em qualquer outro caso de comunhão pro indiviso, por força do disposto no artº 1404º do C. Civ., designadamente na herança indivisa “ .
Concluindo, encontra-se o autor devidamente legitimado para instaurar a presente acção, como co-herdeiro e cabeça de casal da herança indivisa aberta por óbito de B..., como, aliás, se identificou logo na petição, posição essa que logrou demonstrar ao juntar a escritura de habilitação supra referida .
Face ao que importa revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro a julgar a autor como parte legítima na causa, para o prosseguimento normal da causa .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro a julgar a autor como parte legítima na causa, para o prosseguimento normal da causa .

Custas do agravo pelos agravados .
***

Tribunal da Relação de Coimbra, em / /