Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/03.1TTCVL.4.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: INCIDENTE DE REVISÃO DA INCAPACIDADE
FATOR DE BONIFICAÇÃO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 70.º DA LAT E PONTO 5, A), DA TABELA NACIONAL DE INCAPACIDADES, APROVADA PELO DLEI N.º 352/2007, DE 23-10
Sumário: I – No incidente de revisão da incapacidade para que possa ser aplicado o fator de bonificação 1,5 previsto no ponto 5, a), da TNI, impõe-se a verificação de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva ou recaída da lesão e que origine a alteração da prestação fixada (artigo 70.º da LAT).

II – A aplicação de tal fator não pode ser feita de forma automática, apenas por força da idade, sob pena de ser posto de parte o disposto no citado ponto da TNI, ou seja, que na determinação do valor da incapacidade a atribuir, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:  Apelação n.º 35/03.1TTCVL.4.C1

Acordam[1] na Secção Social  (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente no BB, ...

deduziu o presente incidente de revisão alegando que ocorreu um agravamento da sua situação clínica com a consequente alteração da sua capacidade de trabalho.

                                                              *

Procedeu-se à realização de exame médico de revisão e no qual o perito médico do GML entendeu existir um agravamento das sequelas, encontrando-se o sinistrado afetado de uma IPP de 25,20%.

                                                             *

A seguradora, notificada do resultado do exame médico, veio requerer a realização de exame por junta médica.

                                                              *

Realizado o exame por junta médica, os senhores peritos médicos, por unanimidade, entenderam não existir agravamento das sequelas, mantendo-se a IPP atribuída ao sinistrado.

                                                             *

Foi, depois, proferida decisão com o seguinte dispositivo:

Assim sendo, e tendo presente todos os elementos de facto acima expostos, ao abrigo do disposto nos já mencionados preceitos legais, o Tribunal decide:

A – Fixar em 36,75% o coeficiente global de incapacidade do sinistrado, com efeitos reportados a 09/02/2022;

B – Fixar a pensão anual devida ao sinistrado no montante €4.777,92 sendo apenas devido ao sinistrado o pagamento de €1.592,64 (mil quinhentos e noventa e dois euros e sessenta e quatro cêntimos) mensais, com efeitos a partir do dia 09/02/2022, uma vez que já foi remida a pensão correspondente à IPP anteriormente fixada de 24,5%.

Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

Tem ainda, o sinistrado, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respetivamente, nos termos do artigo 72º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

C – Condenar a ré a pagar ao sinistrado o montante de €17,95 (dezassete euros e noventa e cinco cêntimos), a título de despesas relativas a transporte;

D – Condenar a ré a pagar juros, à taxa de 4%, sobre o montante não compensado, desde a data em que as obrigações se venceram.”

                                                             *

A seguradora, notificada deste despacho, interpôs o presente recurso, cuja alegação concluiu da seguinte forma:

“1. Na sequência de acidente de trabalho sofrido em 03/02/2002, ao sinistrado foi fixada uma IPP de 19,25%.

2. Conforme decisão de 27/06/2012, constante dos autos principais a fls.., no âmbito de incidente de revisão, a IPP fixada ao sinistrado foi revista, tendo-lhe sido atribuída uma de 24,5%, em virtude do agravamento das sequelas decorrentes das lesões sofridas no acidente.

3. Veio o sinistrado, no presente incidente, afirmar que as sequelas tinham sofrido novo agravamento, reclamando a fixação de incapacidade superior.

4. Submetido ao exame médico de revisão e a subsequente junta médica, considerou-se que não se verifica qualquer agravamento das sequelas de que o sinistrado padece em resultado do acidente de trabalho – cfr. auto de exame por junta médica de fls..

5. O Mmº Juiz a quo aderiu na íntegra ao relatório pericial – incluindo em questões de direito – tendo deixado vertido na fundamentação da sentença recorrida que, apesar de não existir agravamento, aplica, agora, o fator de bonificação.

6. Consequentemente, condenou a R. no pagamento da diferença de um pensão anual e vitalícia devida pela IPP de 36,75%, correspondente à diferença entre a que seria devida caso esta fosse originária e à pensão que foi anteriormente remida.

7. A decisão recorrida não pode manter-se, devendo ser revogada.

8. O artigo 25º, n.º 1 da Lei 100/97, de 13 de setembro prevê os seguintes fundamentos de revisão da incapacidade: “1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.”

9. Nesta norma não está previsto qualquer outro critério para o aumento do grau da incapacidade que não  seja o  da verificação de um efetivo agravamento clínico das sequelas.

10. Sobre esta matéria, a jurisprudência é, atualmente, unânime e, por todos, veja-se o Ac. STJ de 30/03/2017 – publicado (www.dgsi.pt – Proc.º 508/04.9TTMAI.3.P1.S1).

11. No caso em apreço não existiu qualquer agravamento do quadro sequelar do sinistrado, razão pela qual a IPP não pode ser agravada, logo não poderá ter lugar aplicação do fator bonificação 1.5.

12. Veja-se o Ac. TRP de 22/03/2021  – publicado (www.dgsi.pt     – Proc. 2421/14.2T8VNG.3.P2): “no incidente de revisão da incapacidade requerido pelo Sinistrado, com mais de 50 anos ao qual nunca lhe foi aplicada o factor 1.5 não foi reconhecido o agravamento da sua IPP fixada inicialmente pelo que não que no âmbito desse incidente determinar o valor da incapacidade enão tendo que ocorrer esse momento, ou seja, essa determinação, não como aplicar o factor de bonificação 1.5.”

13. Além disso, uma avaliação já foi efetuada anteriormente, onde existiu agravamento das sequelas e não foi aplicado o fator bonificação, mesmo estando verificados todos os fundamentos para a sua aplicação, ao invés do que se verificou à data desta última revisão de incapacidade.

14. Ademais, O Mmº Juiz a quo, ao decidir como decidiu, ousou, no presente incidente, modificar o teor da decisão anteriormente proferida e já transitada em julgado, sem que haja qualquer alteração de facto da situação sequelar do sinistrado.

15. A sentença recorrida parece-nos, assim, uma possível tentativa de emenda de um “erro” de julgamento anterior, colocando-se em colisão com os princípios da certeza e segurança jurídicas, bem como o do caso julgado.

16. A sentença recorrida acaba apenas por se aproveitar deste incidente de revisão – que tem forçosamente de ser julgado improcedente em virtude da inexistência de agravamento das sequelas – transformando-o numa instância de recurso oficiosa de decisão transata, transitada em julgado, transformando o seu conteúdo, sem que o devido impulso processual recursivo tenha sido dado, em devido tempo, por qualquer das partes.

17. Tanto o exame de revisão realizado no incidente anterior como a subsequente sentença eram sindicáveis através dos meios próprios (reclamação, ou recurso), que não foram desencadeados por quem tinha interesse e legitimidade para o fazer – arts.79º e 145º do C.P.Trabalho.

18. A sentença recorrida viola, portanto, o art.613º do C.P.Civil, aplicável ex vi do art.1º, nº2,a) do C.P.Trabalho e, de igual modo, os princípios da certeza e segurança jurídicas, consagrados no art.2º da Constituição da República Portuguesa, bem como o art.25º da Lei 100/97, de 13 de setembro, devendo ser revogada.

NESTES TERMOS E DEMAIS DE DIREITO, deve o presente recurso ser declarado procedente e, como corolário, ser alterada da decisão do Tribunal Recorrido em consonância com o resultado fixado em sede de junta médica, fazendo-se assim a ACLAMADA JUSTIÇA!”

*

O Ministério Público veio oferecer resposta concluindo:

(…).

                                                                       *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Fundamentação

a) - Factos provados

Os constantes do relatório supra.

                                                             *  

b)- Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C., na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 28/06).

Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pela seguradora recorrente, qual seja:

Se não devia ter sido aplicado o fator 1,5 por não ter existido agravamento da IPP atribuída ao sinistrado.

                                                             *

A seguradora recorrente alega, além do mais, que:

No caso em apreço não existiu qualquer agravamento do quadro sequelar do sinistrado, razão pela qual a IPP não pode ser agravada, logo não poderá ter lugar a aplicação do fator de bonificação 1,5.

A este propósito consta da decisão recorrida o seguinte:

“Compulsados os autos constata-se que, por sentença datada de 25-06-2012 com a Ref.ª 265731, dos autos principais, foi fixada ao/à Sinistrado/a uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 24,5%.

O requerimento de revisão dessa incapacidade deu entrada em 09/02/2022.

Foi realizada perícia médica a que alude o n.º 1 do art.º 145.º do Código de Processo do Trabalho.

Agora, cumpre agora decidir se, neste caso concreto, existiu um agravamento do quadro clínico do/a Sinistrado/a que justifique a revisão da incapacidade anteriormente fixada.

Considerando o conteúdo do exame de revisão constante no relatório da perícia de avaliação do dano corporal em Direito do Trabalho, entende-se que a IPP sofrida pelo/a sinistrado/a, em consequência do acidente a que se reportam os autos deve manter-se.

Contudo, neste momento, o sinistrado tem mais de 50 anos de idade (tendo nascido em .../.../1959), pelo que importa, aplicar a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, aprovada pelo Decreto Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

De acordo com o n.º 5 das Instruções gerais da TNI:

«5 - 5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:

a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor. (…)».

b) Segundo esta Tabela a aplicação do fator 1.5 é automática, estando dependente apenas da verificação da idade do sinistrado, é apenas necessário que o sinistrado tenha uma idade de 50 anos ou mais.

Ora, a «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais, mas a aplicação do facto 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – pode igualmente ser aplicável nos casos em que só após a data da alta a referida idade é atingida pelo sinistrado.

Na verdade, o fator 1.5 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um fator: a idade1.

E se assim é, a «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do fator 1.5 depende apenas do facto idade2.

Impõe-se, assim concluir que está verificado o referido pressuposto de aplicação do fator de bonificação 1.5..

Assim, atento o disposto no artº 145º, nº 5 e 6 do Código de Processo de Trabalho, declaro que a desvalorização laboral permanente do/a identificado/a sinistrado/a sofreu agravamento e, por consequência, decide-se aumentar a IPP do sinistrado para 36,75%, desde a data da entrada do requerimento em juízo.”

Vejamos:

Resulta dos autos que a IPP anteriormente atribuía ao sinistrado não sofreu qualquer alteração, não tendo existindo agravamento das sequelas, no entanto, na decisão recorrida foi aplicado o fator de bonificação 1,5 previsto na TNI.

A questão trazida à apreciação deste tribunal não tem obtido uma resposta uniforme nos tribunais da Relação.

Disso nos dá conta Paula Leal de Carvalho[2] quando refere que:

Aplicação do fator de bonificação de 1,5 a sinistrados que atinjam os 50 anos após a data da alta clínica e incidente de revisão

Consiste esta questão, que por vezes se suscita, em saber se a circunstância do sinistrado atingir os 50 anos após a data da alta clínica permite, só por si  [sem a concorrência de outros fatores justificativos da revisão da pensão], que seja aplicado o fator de bonificação de 1,5 e, em caso afirmativo, se essa  aplicação deverá ter lugar, ou não, em sede de incidente de revisão.

A aplicação do fator de bonificação de 1,5 em função da idade deverá ser equacionada aquando da fixação inicial da pensão e por referência à idade que o sinistrado tiver [50 anos ou mais] à data da alta clínica.

Mas, quid juris quando o sinistrado atinge tal idade só após a data da alta clínica?

A resposta da jurisprudência não é unânime.

Assim, no sentido de que nada impede que o fator de bonificação de 1,5 lhe venha a ser aplicado apenas por via da idade e independentemente da alteração, ou não, da sua situação clínica e, consequentemente, da sua capacidade de trabalho, veja-se o Acórdão da RP de 01.02.2016[3], em cujo sumário se refere o seguinte:

1. A aplicação do factor 1.5 previsto no nº5 das Instruções gerais da TNI aprovada pelo DL nº352/2007 de 23.10 – com fundamento na idade do sinistrado – não está dependente de qualquer agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão [pressupostos do pedido de revisão] mas apenas e tão só de um elemento: a idade do sinistrado. 2. Por isso, a referida «bonificação» deve ser aplicada ao sinistrado, independente do pedido de revisão, na medida em que a aplicação do factor 1.5 depende apenas do factor idade. 3 .(…) 4. (…) 5. Tal não constitui ofensa do caso julgado formado quanto à pensão fixada inicialmente na medida em que a «nova pensão» só é devida a partir do pedido de revisão, e nesta data o sinistrado já tinha mais de 50 anos.”.

Tal entendimento estriba-se na consideração, em síntese, de que a redução na capacidade de ganho determinada inicialmente se torna «mais gravosa» quando o sinistrado  tem 50 anos ou mais, já que, como se diz no citado aresto, “as suas condições físicas/psíquicas pioram, com o decorrer da idade, e muito mais quando ele se acidentou – quando trabalhava – tendo ficado com a sua capacidade de trabalho reduzida” e que “o legislador laboral sendo conhecedor da realidade, e sendo sensível ao factor idade, equacionou o diferente tratamento justificado pela «avançada» idade do sinistrado em termos de «mercado do trabalho» e «capacidade de trabalho»”;  para o legislador, a idade do sinistrado – no caso 50 anos ou mais –  é fator relevante, que «acresce» à sua IPP para efeitos de atribuição de incapacidade; o requisito da idade não se prende com a necessidade de lhe ser aumentada/ou diminuída a IPP no incidente de revisão.

Com relevância e, ao que nos parece, na linha deste entendimento, veja-se também o Acórdão da RL de 30.05.2012[4].

Em sentido contrario, i.e., no de que a aplicação de tal fator apenas poderá ter lugar no âmbito de incidente de revisão desde que, porque pressuposto da possibilidade da revisão, haja alteração da sua capacidade de trabalho ou de ganho por virtude da verificação de alguma das situações previstas no art. 70º da Lei 98/2009 [art. 25º da Lei 100/97 e Base XXII da Lei 2127], pronunciou-se também a Relação do Porto, no seu Acórdão de 24.10.2016[5], em cujo sumário se refere que: “A aplicação do factor de bonificação 1.5, no âmbito do incidente de revisão da incapacidade, quando o sinistrado tiver 50 anos ou mais e não tenha beneficiado da aplicação desse factor - nos termos estabelecidos no ponto 5, al. a), parte final, da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro -, pressupõe que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”, condição imposta na art.º 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada.”.

Neste mesmo sentido, vejam-se também os Acórdãos da RL de 13.01.2016, bem como da  Relação de Évora de 28.05.2015[6].
Para tanto, e em síntese, a posição acolhida nos referidos arestos estriba-se na seguinte argumentação: a TNI tem natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico da LAT, não concorrendo com o conteúdo jurídico relevante da reparação desta decorrente;  a idade não constitui fundamento da revisão da incapacidade tal como esta se encontra  prevista [arts. 70º da Lei 98/2009 e 25º da Lei 100/97]; a admitir-se a aplicação do fator 1,5 apenas por virtude da idade tal redundaria numa atualização automática de todas as pensões, mesmo as já remidas que, se tivesse sido pretendido pelo legislador, tê-lo-ia previsto como fundamento de atualização oficiosa da pensão e cometendo ao MP o dever funcional de a promover e para o que seria completamente inútil desencadear o incidente de revisão e realizar perícia médico-legal.
De citar ainda o Acórdão da RG de 03.03.2016[7], em que se entendeu que a atribuição do fator 1,5 em incidente de revisão, sem alteração da IPP ou qualquer outra situação que permita a revisão, mas apenas com fundamento em correção da anterior incapacidade  [em que, por virtude da idade, deveria ter sido aplicado o fator de bonificação de 1,5], não é possível por determinar a violação do caso julgado formado pela 1ª decisão, apenas não se verificando tal violação se do exame de revisão resultar nova situação factual por virtude da verificação de alguma das situações que legalmente a permitam.”   

E, como se escreveu no acórdão da RP, de 22/03/2021, disponível em www.dgsi.pt:

“No que respeita à Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) a atentar, deverá ser tida em consideração aquela que se encontra atualmente em vigor, aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10.

A TNI consagra a aplicação automática do factor de bonificação 1,5 em todos os casos em que o sinistrado tenha mais de 50 anos.

Numa primeira nota, como se lê no acórdão desta secção de 30.05.2012, (Relator Desembargador Rui Penha, in www.dgsi.pt), “o facto de um dado lesado sofrer um acidente quando ainda não tem 50 anos, não invalida que no futuro, já no quadro de um dos incidentes de revisão por ele requeridos e quando já ultrapassou essa fronteira etária, veja ser-lhe aplicado o referido factor de bonificação, desde que se mostrem reunidos os demais requisitos legalmente pela Instrução Geral em questão, o mesmo tendo de ser dito quanto à não obrigatoriedade de considerar desde logo, na fixação primitiva da incapacidade, tal factor, que só se pode revelar e justificar em fase posterior do processo de revisão daquela” (sublinhado nosso).

Deixamos transcritas “as notas essenciais sobre o factor de bonificação” que constam na fundamentação do acórdão desta secção de 24.10.2016 (Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt), com as quais concordamos e fazemos nossas.

A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, com entrada em vigor 90 dias após a data da sua publicação (art.º 7.º), aplicando-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)].

Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».

Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.

O ponto controvertido consta do n.º5, onde se lê, no que aqui interessa, o seguinte:

-[5] «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:

a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.

b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;

(..)».

Deste número 5 das Instruções Gerais da TNI resulta, assim, que a atribuição do factor de bonificação 1.5 ocorre em três situações distintas:

i) “Se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, expressão que suscitou a necessidade de intervenção do STJ, para no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho [disponível em www.dgsi.pt], fixar que a mesma deve ser interpretada no sentido de se referir “(..) às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.

ii) Se a vitima “tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, sendo a idade do sinistrado que impõe a bonificação, quando esta não tenha ocorrido pelos motivos previstos na 1.ª parte daquela norma.

iii) Quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [al. b)], sendo que não será atribuída caso a vitima já beneficie da bonificação com um dos fundamentos da alínea anterior, isto é, funciona de forma subsidiária em relação à mesma.

Aqui cabe-nos debruçar apenas sobre a segunda causa de atribuição da bonificação, que atende à idade da vítima: quando tiver 50 ou mais anos. Sendo de assinalar que a aplicação do factor de bonificação só é possível quando o sinistrado não tiver já beneficiado da sua aplicação.

O envelhecimento é um fenómeno universal, irreversível e inevitável em todos os seres vivos. É certo que envelhecer difere de indivíduo para indivíduo, uma vez que o processo de envelhecimento pode ser acentuado ou retardado em razão de vários factores, entre outros, desde logo os de natureza genética, mas também dos que respeitam às condições e hábitos de vida do indivíduo e dos seus comportamentos.

Entenda-se que ao usarmos a expressão envelhecimento, fazemo-lo no sentido do processo que ocorre durante todo o curso da vida do ser humano, iniciando-se com o nascimento e terminando com a morte, processo que provoca nos indivíduos modificações de ordem biológica, funcional, bioquímica, psicológica e social. Em suma, um processo biológico progressivo e natural, caracterizado pela diminuição das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional.

Em termos gerais e abstractos, é do conhecimento da ciência médica e, nos dias que correm, com toda a informação disponível e divulgada e com os cuidados de saúde a que se tem acesso, também da generalidade das pessoas, que após os 50 anos há um acentuar desse processo natural, que se vai agravando progressivamente com o aumento da idade.

A título de mero exemplo, é consabido que a partir dos 50 anos de idade, independentemente do estado de saúde do indivíduo, seja homem ou mulher, a medicina recomenda que se observem especiais cuidados preventivos de saúde, sendo aconselhável a realização de determinados exames de diagnóstico que normalmente não são prescritos antes de se atingir essa idade.

É na consideração desta realidade incontornável que o legislador entendeu atribuir a bonificação do factor 1.5, reconhecendo que, em termos gerais e abstractos, a vitima de acidente de trabalho que fique com determinada incapacidade permanente terá uma dificuldade acrescida, como consequência natural do organismo, para o desempenho de uma actividade profissional.

A talhe de foice, não é despiciendo assinalar que a Lei n.º 102/2009 de 10 de Setembro - regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção (art.º 1.º) -, ao impor ao empregador o dever de realizar “(..) exames de saúde adequados a comprovar e avaliar a aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da actividade, bem como a repercussão desta e das condições em que é prestada na saúde do mesmo” [art.º 108.º/1], faz uma clara distinção em função da idade dos trabalhadores, nomeadamente, tais exames devem ser realizados com a periodicidade bianual para a generalidade dos trabalhadores, mas diferentemente, já devem ser “anuais para os menores e para os trabalhadores com idade superior a 50 anos” [n.º3, al. a), do mesmo artigo].

Revertendo ao caso, é ponto consensual que nos exames de revisão – singular e por junta médica – realizados neste incidente de revisão seria possível aos senhores peritos médicos aplicarem o facto de bonificação 1.5. (…) da actual TNI, a mesma prevê expressamente a sua aplicação a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)]; por outro, o sinistrado tinha mais de 50 anos de idade à data das perícias; e, ainda por outro, não tinha ainda beneficiado da sua aplicação.

Do mesmo modo, também não suscitará dúvida afirmar que independentemente do parecer dos Senhores peritos médicos, sempre poderia o tribunal a quo ter procedido à aplicação do factor 1.5, naturalmente caso tivesse entendido verificarem-se todos os requisitos necessários, dado que o exame por junta médica inscreve-se no âmbito da denominada prova pericial, e as conclusões ai retiradas, mesmo quando alcançadas por unanimidade não vinculam o juiz, uma vez que estão sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova (art.º 389.º do CC e 607.º do Cód. Proc. Civil)”.

Tal como foi a solução acolhida no acórdão que vimos acompanhando, entendemos que não é possível a aplicação do factor 1.5, por tal estar dependente de uma condição essencial que não se verificou, em concreto, que se tivesse verificado a alteração da IPP, em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho.

Transcrevemos aqui uma primeira passagem da anotação ao referido Acórdão desta secção de 09.01.2020, de Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na recente publicação (nº69 Janeiro/Março 2020) dos Cadernos de Direito Privado, do Centro de Estudos Jurídicos do Minho - CEJUR, (página 73 e seg.), “(…) cumpre referir que o legislador, para alcançar o propósito legítimo de querer proteger a posição no mundo do trabalho das pessoas que, por força da idade (50 anos), acabam por sofrer limitações e perdas de aptidões para o exercício das suas funções, não tem, de modo algum, de as considerar automaticamente beneficiárias de um coeficiente de bonificação, uma vez que uma tal medida não se revela adequada e proporcional.

Uma tal falta de adequação e de proporcionalidade resulta, desde logo, aferida pela circunstância de em relação a estes trabalhadores sinistrados –os que atingiram 50 anos não se registarem as mesmas razões justificativas de protecção acrescida dispensada aos trabalhadores que na sequência de um acidente ou de uma doença profissional ficam pura e simplesmente impedidos de retomar o exercício da sua profissão habitual.

Esta diferença substancial ou material da posição das categorias de trabalhadores sinistrados abrangidas pela Instrução Geral n.º 5.ª, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades, vem justificar a obrigação imposta ao legislador de estabelecer diferenciações entre certas realidades, pois não se manifesta razoável tratar tais realidades desiguais de modo igual.(…)” (sublinhado e realce nossos).

Continuando agora acompanhar o texto do mesmo acórdão: “Começaremos por fazer notar que a própria norma, isto é, o n.º 5, das Instruções Gerais da TNI, aponta nesse sentido, ao começar por dizer que “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir”. Passamos a explicar a razão desta afirmação.

A TNI aplica-se a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor, o que abrange, necessariamente, quer as peritagens que tem por objecto fazer essa avaliação avaliar pela primeira vez quer às que têm lugar subsequentemente no âmbito dos incidentes de revisão da incapacidade.

Portanto, a redacção do n.º 5 é objectivamente dirigida a essas distintas realidades.

Nos incidentes de revisão da incapacidade só se procede à “determinação do valor da incapacidade a atribuir”, caso seja atribuída uma nova incapacidade, daí que a aplicação do estabelecido na norma só tenha lugar nesses casos, nomeadamente no que respeita à aplicação do factor de bonificação 1.5.

Por outro lado, a aceitar-se a tese do sinistrado, isto é, que a aplicação do factor 1.5, desde que verificados os demais requisitos, tem lugar independentemente de haver agravamento da IPP, então em termos lógicos, ter-se-ia também que aceitar que em qualquer caso em que o sinistrado fizesse 50 anos e não tivesse já beneficiado da aplicação desse factor de bonificação, nem sequer seria necessário requerer a revisão da incapacidade, bastando-lhe requerer a sua aplicação”.

(…).

Ora, nada na Lei 98/2009, de 04 de Setembro, [REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS], ou em qualquer outro diploma avulso, aponta nesse sentido. Antes pelo contrário, essa solução colidiria frontalmente com o princípio estabelecido no art.º 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, de onde decorre que no âmbito da revisão da incapacidade, a prestação pode ser alterada, mas desde que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”.

A tese defendida pelo recorrente levaria a que a atribuição do factor 1.5, permita-se-nos a comparação, funcionasse em termos próximos do regime estabelecido para a actualização de pensões, prevendo-se a actualização anual das pensões – automaticamente - nos termos estabelecidos no art.º 6.º do DL n.º 142/99, de 30 de Abril. Aqui não seria anual, mas bastaria que o sinistrado perfizesse 50 anos de idade e não tivesse ainda beneficiado da aplicação do factor 1.5, para se reunirem as condições para que tal lhe fosse aplicado e visse majorada automaticamente a IPP e, consequentemente, alterada a pensão anual correspondente.

Salvo o devido respeito, tal não tem acolhimento na lei.

Em nosso entender, a aplicação do factor de bonificação 1.5, no âmbito do incidente de revisão da incapacidade, quando o sinistrado tiver 50 anos ou mais e não tenha beneficiado da aplicação desse factor - nos termos estabelecidos no ponto 5, al. a), parte final, da TNI aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro -, pressupõe que se verifique “uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado”, condição imposta no art.º 70.º n.º 1 da Lei 98/2009, para haver lugar à alteração da prestação que se encontra fixada [Neste sentido: Ac. TR Évora de 28-05-2015, Proc.º n.º 744/09.1TTPTM-B.E1, Desembargador Alexandre Batista Coelho, e Ac. TR Lisboa, de 13-01-2016, Proc.º 1606/12.0TTLSB-L.1-4, Desembargadora Maria João Romba, ambos disponíveis em www.dgsi.pt].”, (realce e sublinhado nossos).

Quanto à «bonificação» prevista no nº5 das Instruções gerais da TNI, impõe-se uma interpretação sistemática considerando igualmente a norma da LAT (redacção aplicável), que prevê a revisão das prestações fixadas.

É este o teor do artigo 25º da LAT (Lei nº 100/97 de 13.09.):

“1 - Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada”.

A propósito dos elementos a considerar na interpretação da vontade do Legislador, quanto a elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos), Batista Machado (in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1983, página 183), refere “Este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (sublinhado nosso).

A interpretação sistemática que fazemos é esta: para haver incidente de revisão o que a LAT prevê (para o que aqui interessa) é que haja uma possibilidade de revisão da situação do Sinistrado, não bastando porém para tal haver uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho, antes implicando uma modificação dessa capacidade que resulte/provenha “de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação”.

Ou seja, a modificação da capacidade de trabalho ou ganho por si só não justifica a revisão.

E também não é um “agravamento” qualquer que para o Legislador permite rever a situação do Sinistrado, apenas o agravamento da lesão ou doença que deu origem à reparação, aí não se incluindo, nomeadamente o agravamento em função da idade.

Acresce referir que só assim se justifica, em sede do incidente de revisão, a determinação do valor da incapacidade a atribuir e é nesse momento, aquando de tal determinação que pode ter lugar a aplicação do factor de bonificação 1.5.

Dito de outro modo, os pressupostos do pedido de revisão (modificação na capacidade de trabalho ou de ganho provenientes do agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação) não são um assunto sem implicações na aplicação do factor 1.5 com fundamento na idade do Sinistrado, uma vez que esta aplicação pressupõe que haja uma determinação (outra/nova) do valor da incapacidade a atribuir e para tal ocorrer em sede desse incidente é necessário que haja agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão.

Sendo esta a interpretação que fazemos da Instrução Geral nº5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades, a mesma norma “não suscita problemas de inconstitucionalidade, uma vez que a mesma admite diferenciações de tratamento, porque é pressuposto da sua aplicação a existência ou inexistência de agravamento na perda ou diminuição da função do sinistrado” (cfr. Professor Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na publicação dos Cadernos de Direito Privado, já mencionada, pág. 76).

Transcrevemos aqui ainda um segundo excerto da mesma anotação ao referido Acórdão desta secção de 09.01.2020, do Professor Filipe Miguel Cruz Albuquerque Matos, na publicação da revista CEJUR, (página 77), a propósito da que considera inadmissível equiparação entre o regime da actualização da pensão em função da idade e o da actualização anual das pensões, regime actualmente consagrado no Dec-Lei nº 18/2016, de 13 de Abril – comparação a que alude o acórdão de 24.10.2016 que transcrevemos supra e acompanhamos - “(…) o regime definido relativo à actualização anual das pensões de acidentes de trabalho visam fundamentalmente evitar a depreciação do valor das pensões em virtude de contingências ligadas à conjuntura económica, enquanto a alteração da pensão em virtude do agravamento da incapacidade encontra-se estritamente relacionada com o acidente ou a doença profissional que determinaram a situação de incapacidade.

Louvamo-nos, a este propósito, na orientação consagrada no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/5/2016 (…) quando determina: “A alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado e a actualização da pensão têm fundamentos distintos”.

Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente”.

Tendo em conta a diversidade de lógicas destes regimes, não se nos afigura aceitável que a disciplina de revisão da incapacidade nas hipóteses em que o sinistrado atinja 50 anos esteja sujeita à regra da automaticidade, dependente apenas do mero decurso do tempo.

Partindo então do pressuposto que a aplicação do coeficiente de bonificação pelo factor idade anda associada a um pedido de revisão de incapacidade, somos necessariamente remetidos para o regime regra plasmado no atrás aludido art. 70.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, no âmbito do qual se exige a ocorrência de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de “agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação…”.

Clarificando melhor o regime regra constante deste preceito da Lei n.º 98/2009, importa explicitar que não basta para o sinistrado obter a revisão da pensão a ocorrência de uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho, sendo ainda exigível que uma tal alteração se tenha ficado a dever a um agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou seja, exige-se a verificação de um nexo de causalidade entre a modificação na capacidade de trabalho ou de ganho e o agravamento ou recidiva da lesão ou da doença.

Considerando nos termos atrás expostos que este regime regra não fica afastado pela norma especial – Instrução Geral n.º 5, alínea a), da Tabela Nacional de Incapacidades –, então a revisão da pensão com fundamento na idade não pode deixar de levar em consideração o agravamento, recidiva ou recaída da lesão ou da doença, porque é precisamente no momento de determinação do valor da incapacidade (valor da nova incapacidade) que pode ter lugar a aplicação do coeficiente de bonificação.

Assim sendo, não são questões independentes entre si: a aplicação do coeficiente de bonificação 1.5 em função da idade e a determinação médico-legal de uma diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho em virtude do agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença, uma vez que uma tal avaliação constitui pressuposto de aplicação do referido coeficiente de bonificação 1.5.

(…)” (sublinhado e alteração do tamanho de letra nossos).

Em concreto, no incidente de revisão da incapacidade requerido pelo Sinistrado, já com mais de 50 anos – ao qual nunca lhe foi aplicada o factor 1.5 - não foi reconhecido o agravamento da sua IPP fixada inicialmente pelo que não há que no âmbito desse incidente determinar o valor da incapacidade e não tendo que ocorrer esse momento, ou seja, essa determinação, não há como aplicar o factor de bonificação 1.5.”[8]

Regressando ao caso dos autos, tendo em conta o que ficou transcrito que acompanhamos, também nós entendemos que na ausência de reconhecimento de qualquer agravamento no incidente de revisão, não pode ser aplicado o fator de bonificação 1,5 previsto na TNI.

Assim sendo, procedem as conclusões da recorrente, impondo-se a revogação da decisão recorrida em conformidade.

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[9]

(…).

                                                               *

                                                             *

V - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, na improcedência do incidente de revisão, mantêm-se a IPP e a pensão anteriormente atribuídas ao sinistrado.

*

                                                             *

Sem custas, por delas estar isento o sinistrado.        

                                                             *

                                                              *

                                                                                                   Coimbra, 2023/04/12

                                                                                                                                                                                                                     (Paula Maria Roberto)

(Mário Rodrigues Silva)

(Felizardo Paiva)





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                     Felizardo Paiva

[2] Prontuário de Direito do trabalho, CEJ, 2017 – I, págs. 75 e segs.
[3] Proc. 975/08.1TTPNF.P1, relatora  Fernanda Soares, in www.dgsi.pt.
[4] Proc. 468/08.7TTVDD.L1-4, relator José Eduardo Sapateiro, in www,dgsi,pt.
[5] Proc. 240/08.4TTVNG 5 P1, relator  Jerónimo Freitas, com voto de vencido, in www.dgsi.pt.
[6] Procs, respetivamente, 1606/12.0TTLSB-L1.4 e. 744/09.1TTPTM-B.E1, relatores Maria João Romba e  Batista Coelho, in www.dgsi.pt.
[7] Proc. 700/12.2TTBRG.1G1, relator Antero Veiga, in www.dgsi.pt.

[8] No mesmo sentido do acórdão transcrito, o acórdão da RG, de 06/02/2020, disponível em www.dgsi.pt.
[9] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.